Marian keyes



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CAPÍTULO 23
Estacionei o carro e enfiei minha chave na porta. Havia uma luz na sala da frente. É engraçado, pensei, porque todos, a essa hora, em geral estão dormindo profundamente.

Por favor, meu Deus, não deixe que seja Helen. Por favor, não deixe que ela tenha percebido onde eu estava e em que andava metida.

Estava certa de que minhas atividades recentes estavam escritas na minha cara.

Talvez fosse Anna quem estivesse acordada.

Sacrificando um bode na cozinha ou algo parecido.

Você sabe, dançando pelo jardim embrulhada em lençóis enchar­cados de sangue, cantando para a lua, arrancando a dentadas cabe­ças de morcegos vivos, esse tipo de coisa.

Entrei no saguão. A sala da frente abriu-se e mamãe apareceu, com papai em pé atrás dela. Ambos estavam com seus trajes de dor­mir. Mamãe usava seu robe cor-de-rosa acolchoado e tinha alguns rolinhos enfiados na parte da frente do cabelo.

Ambos estavam pálidos e pareciam chocados, como se algo ter­rível tivesse acontecido.

O que, de fato, era verdade, eu acho, se você quiser encarar dessa maneira meu pequeno episódio com Adam.

Claire! - disse mamãe. - Graças a Deus você está em casa!

O quê? - perguntei, assustada. - Que aconteceu?

Claire, entre e sente-se - disse papai, tomando a frente. Meu estômago estava embrulhado.

Alguma coisa terrível acontecera mesmo.

- É Kate? - implorei a mamãe, agarrando seu braço. - Alguma coisa aconteceu com ela?

Mil cenas terríveis passavam-me pela cabeça.

Ela morrera em seu berço.

Fora seqüestrada.

Fora sufocada.

Helen a deixara cair.

Anna a enfeitiçara.

Tudo era minha culpa.

Eu a deixara.

Eu a deixara enquanto saía para transar com Adam.

Como pudera?

Não, não - disse mamãe, tranqüilizadora. - Não é Kate.

Bem, quem foi, então? - perguntei, com os horríveis roteiros recomeçando.

Alguma coisa acontecera com uma de minhas irmãs?

Será que Margaret fora morta por um gângster, em Chicago?

Ou Rachel desaparecera em Praga?

Anna conseguira um emprego?

Helen desculpara-se por alguma coisa?

- É James - explodiu mamãe.

-James -eu disse, tonta, sentando me vagarosamente no sofá. - Ah, meu Deus, James.

James.


Sequer pensara nele, quando estava convencida de que algo ter­rível acontecera com alguém que eu amava.

Enquanto eu estava na cama com Adam, algo acontecera com meu marido.

Que tipo de mulher era eu?

- O que houve com James? - perguntei-lhes.

Ambos se sentaram ali, olhando-me, com rostos preocupados e compassivos.

- Ah, digam logo! - gritei. - Por favor, digam! Estava preparada para o pior.

James tivera um acidente em alguma parte, enquanto eu me retorcia no auge da paixão com outro homem.

Claro, percebi que minha vida estava acabada.

Não tinha outra opção a não ser adotar o celibato. Talvez entras­se para um convento. Era o mínimo que eu poderia fazer.

Minha punição por dormir com alguém que eu não amava. Não queria ver Adam nunca, nunca mais, até o fim da minha vida.

Era tudo culpa dele.

Se eu não tivesse ido para a cama com ele, James estaria bem.

Ele está aqui - disse mamãe, branda.

Aqui?! - guinchei. - O que quer dizer com aqui?

Olhei em torno da sala, frenética, como se esperasse que ele apa­recesse de repente por trás de uma cortina ou debaixo do sofá, com um sorriso ameno, usando um smoking, fumando um charuto, e dis­sesse algo como "Minha esposa, eu presumo".

- Quer dizer que ele está aqui em casa? - perguntei, histérica. Minha cabeça girava como um pião.

Por que agora?, imaginei.

Por que ele escolhera agora para reaparecer?

E o que ele queria?

Não - disse mamãe, com um tom de voz um pouco aborrecido. - Você acha que eu o deixaria ficar aqui, depois de tudo que aconteceu? Não, ele telefonou. Está em Dublin, sim, mas hospedado num hotel.

Ah - eu disse. Estava a ponto de desmaiar. - Ele quer me ver?

Claro que quer - disse papai. - Mas você não é obrigada, se não quiser.

-Jack - disse-lhe mamãe -, claro que ela tem de vê-lo. De que outra forma poderiam resolver alguma coisa? Ela tem de pensar na filha, você sabe.

- Mary, só estou dizendo que, se ela não conseguir encará-lo, não vamos pressioná-la. Nós a ajudaremos em tudo que pudermos.

-Jack! - disse mamãe, duramente. - Ela é uma mulher adul­ta e...

Mas, Mary... - interrompeu papai.

Parem com isso! - gritei.

Sabia que era melhor cortar o mal pela raiz. Aquilo podia durar horas.

Ambos me olharam, surpresos. Quase como se tivessem esqueci­do que eu estava ali.

- Quero vê-lo - eu disse, um pouco mais tranqüila. - Você tem razão, mamãe. Sou uma mulher adulta. Sou a única pessoa que pode resolver tudo isso. E tenho mesmo de pensar em Kate. Ela é a pessoa mais importante, nessa situação. E obrigada, papai. - Fiz para ele um aceno afirmativo com a cabeça. - É bom saber que posso depender de você para juntar uma multidão capaz de linchar James se eu precisar.

Uma multidão capaz de linchar James!? - perguntou ele atabalhoadamente. - Bem, quanto a isso, não sei. Mas, se achar que pode precisar, posso pedir ajuda a alguns sujeitos do clube de golfe. E verei o que dizem.

Ah, papai - disse eu, desanimada. - Estou brincando.

Ele disse que telefonará de manhã - disse mamãe.

A que horas? - perguntei.

Dez horas - falou mamãe.

Certo - eu disse.

Se James dissera que telefonaria às dez horas da manhã, James telefonaria às dez horas da manhã.

Não às dez horas e dezoito segundos, você me entende, nem meio minuto antes das dez.

Mas precisamente às dez.

Ele podia ter-me deixado por outra mulher, mas era o homem mais confiável do mundo, sob alguns aspectos.

E que horas são agora? - perguntei.

Três horas e vinte minutos - disse papai.

Acho melhor ir para a cama, então - disse eu. - Um dia atarefado amanhã, e tudo o mais.

Embora eu soubesse que não dormiria nem um minuto.

- Todos iremos para a cama - disse mamãe. - A propósito, onde você estava até essa hora?

- Transando com Adam - disse-lhes eu. Papai soltou uma risada nervosa, estentórea. Mamãe fez um ar de choque.

Ora essa, pensei. Você foi a primeira a pôr a idéia em minha cabeça.

- Não, agora estou falando sério - disse mamãe. - Em que você estava metida?

- Estou falando sério. - Sorri. - Boa-noite.

Mamãe parecia horrorizada. Não sabia se acreditava em mim ou não, mas obviamente suspeitava do pior. Ficou ali em pé, abrindo e fechando a boca como um peixinho dourado, enquanto eu fechava a porta do meu quarto.

Não creio que ela,sequer notasse papai puxando-a pelo robe e cochichando para ela:

- Qual deles é Adam?




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