Marian keyes



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CAPÍTULO 29
Coloquei minha chave na fechadura e, com uma maravilhosa exibi­ção de suas habilidades psíquicas, a porta da cozinha se abriu e Anna, Helen e mamãe correram para o vestíbulo para me receber. Ou então me ouviram estacionando o carro.

- Como foram as coisas? - perguntou mamãe. Obviamente, estavam todas sem ter o que fazer, no momento. A novela da minha vida real não atrairia tanto interesse, se tivessem algo melhor com que se ocupar.

- O que aconteceu? - gritou Helen.

Ah, notícias maravilhosas - berrei, chorosa, enquanto começava a subir a escada para ver Kate.

Ah, que bom - mamãe estava exultante.

Bem, vocês sabem a maneira como James me deixou e foi embora para viver com outra pessoa, sem sequer saber o nome de Kate. Ora, pois está tudo bem, agora. Porque foi minha culpa. Eu estava pedindo isso. Aparentemente, eu estava suplicando por isso. De joelhos, implorando por isso!

Kate começou a berrar, quando me viu. E, levada por um impul­so, decidi fazer o mesmo. Eu não estava achando essa aceitação de culpa uma coisa fácil, como você deve ter entendido.

Mas despejei minha frustração pela situação em cima de Helen, Anna e mamãe, quando deveria tê-la transmitido a James. E isso não era justo para com as meninas e mamãe. Uma vozinha lembrou-me de que eu tentara falar com James a respeito e que ele dissera que aquilo era outra prova da minha infantilidade. Ora, ele provavel­mente estava certo. Em geral estava.

Mas que droga, pensei, com rebeldia.

E agora eu tinha de parar de ser ressentida e rebelde. Não era mais uma adolescente de 29 anos. Para me tornar uma adulta sensí­vel, reflexiva e atenciosa, então eu devia começar exatamente naque­le momento.

Podia começar prestando atenção às necessidades de Kate.

- O que é que posso pegar para você, minha querida? - perguntei. E imaginei se isso seria suficientemente maduro para James. Precisava parar!

Ele estava certo, e eu, errada.

Tentei acalmar a criança que chorava em meus braços.

- Fraldas limpas, talvez? Ou será que você se interessará por uma mamadeira? Temos também um maravilhoso sortimento de atenção e afeto. Tudo está disponível. Basta você pedir.

Mas não, até isso eu estava fazendo errado. Segundo James, as pessoas não deveriam nem precisar me pedir o que queriam. Se fosse realmente desprendida, eu deveria saber.

Por uma questão de segurança, dei-lhe tudo. Troquei sua fralda, alimentei-a e disse-lhe que ela era mais bonita do que Claudia Schiffer.

Mamãe, Anna e Helen materializaram-se no quarto. Esgueiraram-se cautelosamente para dentro, imaginando até que ponto eu enlouquecera.

Ah, olá - disse eu, quando vi a primeira cabeça aparecendo timidamente na porta. - Entrem, entrem. Desculpem aquela peque­ na cena na entrada. Eu estava perturbada. Não tinha nenhum direi­ to de descontar tudo em cima de vocês três.

Ah, que bom, então - disse Helen. As três marcharam para dentro e se instalaram na cama, enquanto eu cuidava de Kate e lhes contava a história da minha noite.

Então, de uma maneira engraçada, saber o quanto fui difícil torna o fato de ele ter-me deixado um pouco mais fácil - disse-lhes eu. - Sabem, pelo menos faz sentido.

Claire - disse mamãe, cautelosamente -, tenho certeza de que você não pode ter sido tão má quanto ele a pintou.

Eu sei, também não entendo isso - admiti. - Mas, quando eu lhe disse isso, ele respondeu que era exatamente a maneira como esperava que eu reagisse.

Realmente, não havia nada que se pudesse dizer.

James me dera uma verdadeira surra.

Aquela noite foi terrível. Tão ruim quanto os primeiros dias logo depois que ele me abandonou. Quando as outras finalmente foram embora, depois de desistirem de tentar assegurar-me de que eu não podia ser tão ruim assim, não consegui dormir. Fiquei estirada de costas, olhando fixamente para a escuridão. Perguntas zumbiam em minha cabeça.

Tudo isso representara um choque terrível. Eu jamais soubera que era tão egoísta e imatura. Nunca ninguém se queixara disso. Sem dúvida, eu era animada. E talvez um tanto barulhenta e cheia de vida. Mas, honestamente, eu pensava que tinha consideração para com os sentimentos das outras pessoas.

Passou pela minha cabeça a hipótese de que talvez, apenas tal­vez, James estivesse exagerando minha ruindade com ele. Ou inventando-a, simplesmente. Tornei a rejeitar essa idéia, quase com a mesma rapidez. Isto era apenas uma tentativa de fugir da culpa. Por que James faria uma coisa daquelas se tudo não fosse verdade? Como ele próprio dissera - e suas palavras não paravam de ecoar em minha cabeça: "Se eu fosse feliz, por que iria embora?"

Admito que detestava ao máximo estar errada. Não era boa, na verdade, em admitir cortesmente que me equivocara. Sentia-me ardendo toda, em carne viva, liquidada, mortificada. Fora tão presunçosa. Pensara que estivesse com a razão. Era muito humilhante descobrir que não.

Mesmo quando eu era menina e não soletrava tudo direito na escola, achava muito duro curvar a cabeça, engolir em seco e dizer: "Você está certa e eu estou errada".

Bem, se a água mole batesse na pedra dura, um dia a furaria.

Finalmente, dormi.




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