Marian keyes



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CAPÍTULO 36
Quando acordei, na manhã seguinte, senti-me um pouquinho melhor. Não curada, sadia ou qualquer coisa do gênero, porém mais preparada para esperar. Para esperar que as coisas melhorassem, esperar que a dor passasse.

Tinha tomado a decisão de não ficar com James e, sendo do tipo que deseja gratificação imediata para tudo, queria sentir-me instan­taneamente maravilhosa. Desejava que os frutos da minha decisão caíssem naquele mesmo momento em meu colo impaciente.

Eis o meu desejo: "Fora com o velho, e que venha o novo!" Livrar-me de toda a parafernália de minha encarnação anterior, não ter mais nenhum pingo de sentimento por James, nem um cisco de dúvida, nem uma migalha de indecisão. Era uma transformação ime­diata, miraculosa, que eu queria. Que a Fada dos Relacionamentos me tocasse com sua varinha mágica e salpicasse em mim sua cintilan­te poeira de recuperação, fazendo me esquecer imediatamente tudo o que um dia sentira por James, esquecer que ele sequer existira.

Quisera deixar minha dor debaixo do meu travesseiro e desco­brir que, de manhã, ela desaparecera. Nem me incomodaria, se não houvesse dinheiro algum deixado em seu lugar.

Mas não havia nenhuma cura mágica, não havia nenhuma Fada dos Relacionamentos. Já percebera isso há muito tempo.

Tinha de passar por aquilo sozinha. Percebi que precisava ser paciente. O tempo me permitiria saber se eu tomara a decisão certa.

Ainda não sabia se agira corretamente, deixando James. Mas ficar com ele seria, definitivamente, a coisa errada.

Ponha sua cabeça para resolver isso, se puder.

E, se conseguir uma resposta, quer fazer o favor de explicá-la a mim?

James telefonou às oito horas, na manhã seguinte. Eu não quis falar com ele. E às oito c quarenta. Idem. E às nove e dez. E novamente idem. Depois, veio uma calmaria inesperada até quase as onze, quan­do houve três telefonemas em rápida sucessão. Idem, idem e idem. Às doze e quinze houve outro. Idem. Cinco para uma, uma e cinco e uma e vinte, em todas essas horas houve telefonemas. Idem etc. Os telefonemas permaneceram estáveis pela maior parte da tarde, ocorrendo mais ou menos a cada meia hora. Depois, um fluxo final acon­teceu por volta das seis horas. Idem, como acima.

Mamãe, muito educadamente, atendeu aos telefonemas o dia inteiro. Não posso deixar de registrar isso - em tempos difíceis, aquela mulher vale quanto pesa.

Papai chegou do trabalho às seis e vinte e, às vinte para as sete, irrompeu no quarto onde eu estava sentada com Kate e todos os documentos relativos ao apartamento, e rugiu:

Claire, pelo amor de Deus, quer fazer o favor de ir falar com ele?

Não tenho nada para dizer - respondi, com doçura.

Para mim tanto faz - berrou ele. - Isso já foi longe demais. E ele diz que vai telefonar a noite inteira, até você falar com ele.

Deixem o fone fora do gancho - sugeri, voltando minha atenção outra vez para os documentos do apartamento.

Claire, não podemos fazer isso - disse ele, exasperado. - Helen não pára de tornar a pô-lo no gancho.

Sim, por que minha vida social deveria sofrer, só porque você se casou com um lunático? - veio a voz abafada de Helen de alguma parte, do lado de fora da porta.

Por favor, Claire - suplicou papai.

Ah, está bem, então - suspirei, guardando a caneta que usava para tomar notas.

-James - perguntei eu, ao telefone - o que você quer?

Claire - disse ele, com voz de zanga -, você ainda não pôs a cabeça no lugar?

Não percebi que estava fora do lugar - disse eu, calmamente. Ele ignorou minhas palavras.

Estou telefonando o dia inteiro e sua mãe diz que você não quer falar comigo - disse ele, com um tom irritado e ofendido.

Mas é isso mesmo - disse eu, amável.

Precisamos conversar - insistiu ele.

Não, não precisamos - disse eu.

Claire, eu te amo - afirmou ele, com seriedade. - Precisa­ mos resolver tudo isso.

James - falei, com frieza -, não haverá mais discussão a res­peito. Já resolvemos tudo o que podíamos. E, agora, estamos no fim da linha. Você acha que tem razão. Eu acho que está errado. E não vou gastar mais tempo nem energia tentando convencer um de nós dois a mudar de idéia. Agora, desejo-lhe tudo de bom e espero que possamos nos manter civilizados, especialmente por causa de Kate. Mas, de fato, não há mais nada para conversar.

O que aconteceu com você, Claire? - perguntou James, com voz chocada. - Você nunca foi assim. Você mudou muito. Ficou dura.

Ah, não lhe contei? - perguntei, com um tom de voz casual. - Meu marido teve um caso. Provocou em mim um certo impacto, sabe?

Muito pouco generoso, eu sei. Mas não consegui resistir.

Muito engraçado, Claire - disse ele.

Na verdade, não, James - corrigi-o. - Não foi nem um pouco engraçado.

Ouça - disse ele, começando a assumir um tom de voz abor­recido -, isto não nos levará a parte alguma.

Para mim, está ótimo - disse eu -, porque parte alguma é precisamente para onde nós vamos.

Muito espirituoso, Claire. Muito engraçado - disse ele, agressivo.

Obrigada - respondi, com um excesso de doçura.

Agora, ouça - disse ele, falando de repente com uma voz mais oficial e até mais pomposa do que de costume. Eu podia quase ouvir papéis farfalhando ao fundo. - Tenho... hã... uma proposta a lhe fazer.

Ah, é? - perguntei.

Sim - ele disse. - Claire, eu realmente te amo e não quero que nos separemos. Então, se isso a fizer sentir-se melhor, estou disposto, hã... a fazer... hã... uma concessão a você.

- E qual é? - perguntei.

Pouco estava interessada. Mal ligava para as palavras dele. Percebi, com um choque, que não havia nada, absolutamente nada que ele pudesse dizer, agora, para melhorar as coisas. Eu não o amava mais. Não sabia por que ou quando acontecera. Mas acontecera mesmo. James continuou a falar, e tentei concentrar-me no que dizia.

- Estou disposto a esquecer o que disse sobre você ter de mudar, quando voltasse a viver comigo - disse ele. - Você, obviamente, re­siste muito em fazer um esforço no sentido de ser mais madura, ter mais consideração com os demais e todas as outras... bem... coisas sobre as quais conversamos. Então, se isso significa que abandonará essa idéia de separação, posso tolerar que continue da maneira como era antigamente. Acho que você não era assim tão má - disse ele, com relutância.

Tive um ímpeto de raiva. Esqueci-me, por um momento, que eu não ligava mais. Puxa vida, mas que desplante o daquele homem! Que cara-de-pau. Eu mal podia acreditar em meus ouvidos.

Disse-lhe isso.

Está satisfeita? - perguntou ele, num tom cauteloso.

Satisfeita? Satisfeita? - gritei. - Claro que não estou satisfeita coisa nenhuma. Isto só faz piorar as coisas.

Mas por quê? - lamuriou-se ele. - Estou dizendo que per­dôo você e que tudo será ótimo.

Quase explodi. Como tinha coisas para lhe dizer!

Perdoar a mim? - perguntei, incrédula. - Você, perdoar a mim? Não, não, não, não, não, James! Você coloca tudo isso de uma forma errada. Se alguém deve perdoar alguém aqui, sou eu e não você. Mas não farei isso.

Espere um minuto! - explodiu James.

E essa é, supostamente, a razão pela qual você teve o caso com aquela vaca gorda. O fato de eu ser imatura e egoísta. Mas você está disposto a esquecer isso agora, num abrir e fechar de olhos. No en­ tanto, foi muito importante para você, a ponto de levá-lo a ser infiel. Decida, James! É importante ou não é?

É importante - disse ele.

Ora, então você não pode esquecer isso - disse eu, furiosa.

- Se quer que eu seja de uma certa maneira, e isto é importante, en­tão que tipo de relacionamento teremos se eu não quiser ser dessa maneira?

Está bem, então - disse ele, com um toque de desespero na voz. - Não é importante.

Ora, se não é importante, então por que você teve um caso por causa disso? - perguntei eu, com um tom de triunfo.

Será que não podemos, simplesmente, esquecer isso? - perguntou ele. Percebia pânico em sua voz.

Não, James, não podemos. Talvez você seja capaz, mas não é tão fácil para mim.

Claire - implorou ele -, farei tudo que você quiser.

- Não duvido nada - disse eu, triste. - Não duvido nada. Não queria mais brigar e discutir com ele. Não agüentava mais

ser incomodada.

James, vou desligar agora.

Pensará no que eu disse? - perguntou ele.

Pensarei. Mas não alimente nenhuma esperança.

Conheço você, Claire - disse ele. - Você mudará de idéia. Tudo ficará ótimo.

Tchau, James.

Para ser justa, pensei mesmo no que James dissera. Devia isso a Kate.

Os argumentos a favor e contra uma volta para James iam e vinham em minha cabeça, como uma bola de tênis.

Mas havia uma coisa que eu não podia ignorar, uma coisa da qual eu não podia livrar-me com nenhuma argumentação, uma coisa da qual eu não conseguia convencer-me de que fosse diferente: o fato de que eu «5o gostava mais de James.

Quero dizer, gostava dele. Não queria que nada de terrível de­mais lhe acontecesse. Mas não o amava como antigamente. Desejava saber o que fizera para que isso acontecesse. Mas havia um sem-número de motivos. Ele tivera um caso - por mais que quisesse que eu esquecesse o fato. Isto deve ter contribuído muito para destruir minha confiança nele. E eu levar a culpa por isso, ora, não me cau­sava nenhuma satisfação. Também podia ser porque ele não era homem bastante para assumir o que fizera e simplesmente desculpar-se. Situação que ajudou muito a destruir qualquer respeito que eu tivesse por ele. Mesmo agora, ele não queria admitir que agira de modo errado. Embora reduzisse suas exigências quanto a mim, ainda fazia isso soar como se fosse um favor.

Ele me traíra. E depois agravara tudo, tratando me como uma idiota.

Ou talvez eu apenas tivesse perdido o gosto por homens baixos.

Só sabia de uma coisa, que, se estava morto, estava morto. Ninguém pode fazer o amor renascer, depois que este deu seu suspi­ro final.

Telefonei para James dois dias depois e lhe disse que não haveria nenhuma reconciliação.

Você está deixando seu orgulho interferir - opinou ele. Como se tivesse sido aconselhado nesse sentido.

Não estou - disse, desanimada.

Você quer me punir - sugeriu ele.

Não, não quero - menti. (Claro que era muito bom estar por cima desta vez.)

Posso esperar- ele prometeu.

Por favor, não faça isso - respondi.

Eu te amo - sussurrou ele.

Tchau - falei.

James continuou a telefonar, umas duas ou três vezes por dia. Sondando-me, checando se eu já teria mudado de idéia, se pusera a cabeça no lugar, como sempre dizia.

Eu era simpática com ele, pelo telefone. Não me custava nada. Ele dizia que sentia falta de mim. Acho que era verdade.

Mas eu achava os telefonemas um pouquinho irritantes. Era duro acreditar que há apenas três meses eu seria capaz de matar para receber um telefonema dele. Agora, era mais provável eu ser capaz de matar se os telefonemas não parassem.

Depois, não me senti mais irritada, apenas triste.

A vida é uma criatura muito peculiar.


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