Marian keyes



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CAPÍTULO 23
Estacionei o carro e enfiei minha chave na porta. Havia uma luz na sala da frente. É engraçado, pensei, porque todos, a essa hora, em geral estão dormindo profundamente.

Por favor, meu Deus, não deixe que seja Helen. Por favor, não deixe que ela tenha percebido onde eu estava e em que andava metida.

Estava certa de que minhas atividades recentes estavam escritas na minha cara.

Talvez fosse Anna quem estivesse acordada.

Sacrificando um bode na cozinha ou algo parecido.

Você sabe, dançando pelo jardim embrulhada em lençóis enchar­cados de sangue, cantando para a lua, arrancando a dentadas cabe­ças de morcegos vivos, esse tipo de coisa.

Entrei no saguão. A sala da frente abriu-se e mamãe apareceu, com papai em pé atrás dela. Ambos estavam com seus trajes de dor­mir. Mamãe usava seu robe cor-de-rosa acolchoado e tinha alguns rolinhos enfiados na parte da frente do cabelo.

Ambos estavam pálidos e pareciam chocados, como se algo ter­rível tivesse acontecido.

O que, de fato, era verdade, eu acho, se você quiser encarar dessa maneira meu pequeno episódio com Adam.

Claire! - disse mamãe. - Graças a Deus você está em casa!

O quê? - perguntei, assustada. - Que aconteceu?

Claire, entre e sente-se - disse papai, tomando a frente. Meu estômago estava embrulhado.

Alguma coisa terrível acontecera mesmo.

- É Kate? - implorei a mamãe, agarrando seu braço. - Alguma coisa aconteceu com ela?

Mil cenas terríveis passavam-me pela cabeça.

Ela morrera em seu berço.

Fora seqüestrada.

Fora sufocada.

Helen a deixara cair.

Anna a enfeitiçara.

Tudo era minha culpa.

Eu a deixara.

Eu a deixara enquanto saía para transar com Adam.

Como pudera?

Não, não - disse mamãe, tranqüilizadora. - Não é Kate.

Bem, quem foi, então? - perguntei, com os horríveis roteiros recomeçando.

Alguma coisa acontecera com uma de minhas irmãs?

Será que Margaret fora morta por um gângster, em Chicago?

Ou Rachel desaparecera em Praga?

Anna conseguira um emprego?

Helen desculpara-se por alguma coisa?

- É James - explodiu mamãe.

-James -eu disse, tonta, sentando me vagarosamente no sofá. - Ah, meu Deus, James.

James.


Sequer pensara nele, quando estava convencida de que algo ter­rível acontecera com alguém que eu amava.

Enquanto eu estava na cama com Adam, algo acontecera com meu marido.

Que tipo de mulher era eu?

- O que houve com James? - perguntei-lhes.

Ambos se sentaram ali, olhando-me, com rostos preocupados e compassivos.

- Ah, digam logo! - gritei. - Por favor, digam! Estava preparada para o pior.

James tivera um acidente em alguma parte, enquanto eu me retorcia no auge da paixão com outro homem.

Claro, percebi que minha vida estava acabada.

Não tinha outra opção a não ser adotar o celibato. Talvez entras­se para um convento. Era o mínimo que eu poderia fazer.

Minha punição por dormir com alguém que eu não amava. Não queria ver Adam nunca, nunca mais, até o fim da minha vida.

Era tudo culpa dele.

Se eu não tivesse ido para a cama com ele, James estaria bem.

Ele está aqui - disse mamãe, branda.

Aqui?! - guinchei. - O que quer dizer com aqui?

Olhei em torno da sala, frenética, como se esperasse que ele apa­recesse de repente por trás de uma cortina ou debaixo do sofá, com um sorriso ameno, usando um smoking, fumando um charuto, e dis­sesse algo como "Minha esposa, eu presumo".

- Quer dizer que ele está aqui em casa? - perguntei, histérica. Minha cabeça girava como um pião.

Por que agora?, imaginei.

Por que ele escolhera agora para reaparecer?

E o que ele queria?

Não - disse mamãe, com um tom de voz um pouco aborrecido. - Você acha que eu o deixaria ficar aqui, depois de tudo que aconteceu? Não, ele telefonou. Está em Dublin, sim, mas hospedado num hotel.

Ah - eu disse. Estava a ponto de desmaiar. - Ele quer me ver?

Claro que quer - disse papai. - Mas você não é obrigada, se não quiser.

-Jack - disse-lhe mamãe -, claro que ela tem de vê-lo. De que outra forma poderiam resolver alguma coisa? Ela tem de pensar na filha, você sabe.

- Mary, só estou dizendo que, se ela não conseguir encará-lo, não vamos pressioná-la. Nós a ajudaremos em tudo que pudermos.

-Jack! - disse mamãe, duramente. - Ela é uma mulher adul­ta e...

Mas, Mary... - interrompeu papai.

Parem com isso! - gritei.

Sabia que era melhor cortar o mal pela raiz. Aquilo podia durar horas.

Ambos me olharam, surpresos. Quase como se tivessem esqueci­do que eu estava ali.

- Quero vê-lo - eu disse, um pouco mais tranqüila. - Você tem razão, mamãe. Sou uma mulher adulta. Sou a única pessoa que pode resolver tudo isso. E tenho mesmo de pensar em Kate. Ela é a pessoa mais importante, nessa situação. E obrigada, papai. - Fiz para ele um aceno afirmativo com a cabeça. - É bom saber que posso depender de você para juntar uma multidão capaz de linchar James se eu precisar.

Uma multidão capaz de linchar James!? - perguntou ele atabalhoadamente. - Bem, quanto a isso, não sei. Mas, se achar que pode precisar, posso pedir ajuda a alguns sujeitos do clube de golfe. E verei o que dizem.

Ah, papai - disse eu, desanimada. - Estou brincando.

Ele disse que telefonará de manhã - disse mamãe.

A que horas? - perguntei.

Dez horas - falou mamãe.

Certo - eu disse.

Se James dissera que telefonaria às dez horas da manhã, James telefonaria às dez horas da manhã.

Não às dez horas e dezoito segundos, você me entende, nem meio minuto antes das dez.

Mas precisamente às dez.

Ele podia ter-me deixado por outra mulher, mas era o homem mais confiável do mundo, sob alguns aspectos.

E que horas são agora? - perguntei.

Três horas e vinte minutos - disse papai.

Acho melhor ir para a cama, então - disse eu. - Um dia atarefado amanhã, e tudo o mais.

Embora eu soubesse que não dormiria nem um minuto.

- Todos iremos para a cama - disse mamãe. - A propósito, onde você estava até essa hora?

- Transando com Adam - disse-lhes eu. Papai soltou uma risada nervosa, estentórea. Mamãe fez um ar de choque.

Ora essa, pensei. Você foi a primeira a pôr a idéia em minha cabeça.

- Não, agora estou falando sério - disse mamãe. - Em que você estava metida?

- Estou falando sério. - Sorri. - Boa-noite.

Mamãe parecia horrorizada. Não sabia se acreditava em mim ou não, mas obviamente suspeitava do pior. Ficou ali em pé, abrindo e fechando a boca como um peixinho dourado, enquanto eu fechava a porta do meu quarto.

Não creio que ela,sequer notasse papai puxando-a pelo robe e cochichando para ela:

- Qual deles é Adam?



CAPÍTULO 24
Fui para a cama e tinha razão.

Não dormi um só instante.

Por que James estava ali?

Seria aquilo uma tentativa de reconciliação?

Ou era apenas para acertar questões pendentes?

Será que eu suportaria, se ele apenas quisesse acertar questões?

Será que eu desejava uma tentativa de reconciliação?

Estaria ele ainda com Denise?

Um pensamento me ocorreu - meu Deus, e se ele tivesse trazido Denise?

Sentei-me ereta na cama. A fúria me dominava.

Aquele filho-da-puta, ele não faria isso, ou será que sim?

Forcei-me a me acalmar.

Não tinha nenhuma prova de que ele fizera algo assim e não adiantava aborrecer-me por causa de coisas que podiam não ter acontecido.

Tinha de manter Kate em primeiro plano em minha mente.

Ela era a pessoa mais importante em tudo aquilo.

Queria que as conversas com James fossem corteses para ele poder participar da vida de Kate.

Mesmo que ele nunca mais quisesse me ver, eu ainda queria que ele estivesse presente por causa dela.

Então não podia encontrá-lo com uma machadinha na mão, no dia seguinte, quando o visse,

Realmente, não conseguia acreditar.

Eu o veria no dia seguinte.

E se o impensável acontecesse, e ele quisesse tentar novamente comigo?

E aí?


Eu não sabia.

E Adam?


O homem de cuja cama eu acabara de sair.

Não posso pensar nisso agora, concluí.

Minha cabeça estava tão atulhada de coisas que mal dava para se ficar em pé lá dentro. De fato, alguns pensamentos audaciosos estavam do lado de fora da minha cabeça, com suas bebidas, sob a chuva torrencial, mas onde pelo menos havia um pouco de espaço.

Mas não havia absolutamente espaço para Adam.

Esqueça, eu disse a mim mesma, você não pode pensar nisso agora. Espere até tudo terminar, de uma forma ou de outra, e depois pense nele.

E então comecei a me perguntar - por quê?

Sabem, por que James me deixara. Por que James partira com Denise, quando eu pensava que nosso relacionamento era tão bom. Fazia algum tempo que eu não me torturava com esses pensamentos.

Mas, no dia seguinte, eu tentaria, pelo menos, obter algumas res­postas para essas perguntas.

Se eu pudesse entender o que dera errado ou o que eu fizera de errado, talvez não fosse tão difícil aceitar aquilo.

Desejaria que houvesse algum tipo de comutador em meu cére­bro. Que eu pudesse desligá-lo, da mesma maneira como podia des­ligar a televisão. Uma pressão num botão e esvaziaria imediatamen­te minha cabeça de todas aquelas imagens e idéias atormentadoras. Deixar a tela vazia.

Ou se eu pudesse, simplesmente, tirar minha cabeça, colocá-la em minha mesa-de-cabeceira e esquecer-me dela até amanhecer. E, depois, recolocá-la quando precisasse dela.

A manhã finalmente clareou tudo em torno e eu ainda não pre­gara os olhos.

Pulei da cama e tive a vaga consciência de uma leve rigidez na parte interna das minhas coxas. "Que é isso?", pensei. E então lem­brei. "Ah, sim, certo." Corei um pouco, quando me lembrei do que aprontara na noite da véspera. "Adam. Sexo. Mas não posso pensar nisso agora."

Honestamente, James que fosse para o inferno!

Negavam-me o prazer de me recostar indolentemente nos traves­seiros, lembrando em clima de sonho de todos os detalhes da minha Noite de Luxúria com Adam.

Em vez disso, tinha de me levantar e voar de um lado para o outro feito uma mosca, Preparando-me Para Sua Chegada. Como se ele fosse o Papa ou algum chefe de Estado visitante.

Depois que dei a Kate sua mamadeira, banhei-a e vesti-a com seu macacão mais bonito. Era cor-de-rosa e fofo, com pequenos elefan­tes cinzentos em toda parte.

Cobri-a de talco e abracei-a, inalando seu maravilhoso cheiro a leite de bebê.

- Você está linda - garanti-lhe. - O sonho de qualquer ho­mem. E, se ele não perceber isso, então é um idiota ainda maior do que já penso que seja.

Queria que ela ficasse divina. Queria que fosse o bebê mais lindo do planeta. Queria que James ansiasse por ela.

Desejando carregá-la, beijá-la, alimentá-la, cheirá-la.

Queria que ele visse exatamente o valor do que abandonara.

E queria fazer com que ele nos desejasse de volta.

A casa inteira parecia estar de pé, mal raiou a aurora. Anna e Helen sabiam que James telefonara. Helen entrou em meu quarto, por volta das sete e meia, correu para o berço de Kate e disse:

- Ah, que bom, você a fez ficar lindíssima. Ele vai ver só. Vamos apenas esperar que ela não vomite em cima dele nem faça pipi na fralda enquanto ele a estiver carregando.

Ela levantou Kate e admirou o macacão.

Acha que podíamos pôr uma fita cor-de-rosa em seu cabelo para combinar? - perguntou.

Helen, se ela tivesse mais cabelo, eu consideraria a possibilidade - disse-lhe eu.

Mas, quando Helen sugeriu que colocássemos nela um pouco de maquilagem, decidi que aquilo estava indo longe demais.

Eu guardaria a maquilagem - e em boa quantidade - para mim.

- Certo, temos de fazer você ficar bonita também - disse Helen.

Não tive muita certeza se gostei do seu tom.

Soava um pouco duvidoso, derrotista, de alguma forma. Então papai chegou.

Estou saindo para trabalhar - disse. - Mas lembre-se do que falei. Você não precisa voltar para ele só por causa de Kate.

Quem disse que ele vai querer que ela volte para ele? - perguntou Helen, em voz alta.

Não havia realmente nenhuma necessidade de que ela dissesse isso.

Mas ela tinha uma certa razão. Depois, mamãe chegou no quarto.

Como está você? - perguntou, carinhosa.

Estou ótima - eu disse.

Certo - disse ela. - Vá tomar um bom banho. Helen e eu tomaremos conta de Kate.

Ah, está bem. - Eu estava um tanto perplexa com toda aquela organização e atividade. Quase como na manhã em que eu me casara.

E lá veio Anna.

Pensei que poderia ir para o andar de baixo, abrir a porta da frente e começar a convidar estranhos da rua para entrar. Anna sorriu meigamente para mim e me estendeu algo:

Claire, pegue este cristal e ponha-o no bolso ou em algum outro lugar. Ele lhe trará sorte.

Ela vai precisar de mais do que uma dessas drogas de cristais velhos que você tem - disse Helen, duramente.

Pare com isso, Helen - disse mamãe, com severidade.

O quê?! - exclamou Helen, ultrajada.

Você precisa ser tão má? - perguntou mamãe.

Eu não estava sendo má - defendeu-se Helen, veemente. - Mas, se ela estiver com aspecto simpático e agir como se estivesse ótima, ele a desejará. Não se precisa de um cristal, para fazer isso.

Olhei para Helen quase em estado de choque.

Ela podia ser uma das pessoas mais irritantemente idiotas que eu já vira, mas, no que dizia respeito à psicologia dos homens, era uma mestra, eu tinha de reconhecer isso.

De qualquer jeito, peguei o cristal.

Por que, nunca se sabe.

Tinha de me afastar alguns instantes da minha família. Assim não podia pensar direito. Tinha de me acalmar antes de falar com James.

Telefonaria para Laura, decidi. Ela me diria o que fazer.

Laura - disse eu, com voz trêmula, quando ela atendeu.

Ah, Claire! - irrompeu ela. - Eu já ia ligar para você. Adivinhe o que aconteceu!

Quem devia estar dizendo isso era eu, pensei.

- O quê?

Aquele filhinho-da-puta do Adrian encerrou nosso caso. Adrian, claro, seu estudante de arte de 19 anos.

O quê? - tornei a perguntar.

Sim - disse ela, chorosa. - Pode acreditar numa coisa dessas?

Mas eu pensei que você não ligasse para ele - disse eu, surpresa.

Também pensei - soluçou ela. - E espere até ouvir! Adivinhe por que ele me jogou fora!

Por que foi? - perguntei, imaginando qual seria o motivo. Será que ela, afinal, não tinha mais meia nenhuma?

Porque encontrou outra pessoa - declarou Laura. - E imagine qual a idade dela.

Treze anos - arrisquei.

Não! - gritou ela. - Malditos 37 anos!

- Meu Deus! - eu disse. Estava chocada.

Sim - disse ela, mal capaz de falar, porque chorava muito. - Ele diz que sou imatura.

Aquele fedelho.

Que ele precisa de uma pessoa mais centrada.

Mas que audácia, a dele!

E eu estava apenas lhe fazendo um favor, saindo com ele. E ele simplesmente me largou- ela soluçou. - Sem uma só meia. E terei de voltar a não saber os nomes de ninguém, no programa Top of the Pops.

Meu Deus, é triste - disse eu, sacudindo resignadamente a cabeça.

- Ouça - disse ela, com um jeito trágico. - Tenho de sair. Senão chegarei atrasada no trabalho. Converso com você mais tarde.

E desligou.

E essa, agora? Ela, provavelmente, tinha pensado que eu telefo­nara para contar detalhes da minha noite de paixão com Adam. Pouco sabia do grande drama que ocorrera, enquanto isso.

Por alguns segundos fiquei sentada olhando para o telefone.

Para quem telefonaria?

Para ninguém, decidi.

Tentaria enfrentar aquilo sozinha.

Se não pudesse enfrentar minha própria vida, não poderia espe­rar que alguma outra pessoa fosse capaz de fazer isso em meu lugar.

Tomei um banho de chuveiro, lavei o cabelo e voltei para meu quarto, onde alguma discussão sem sentido parecia estar se desenro­lando entre Anna, Helen (claro) e mamãe.

Todas as três gritavam ao mesmo tempo. Kate estava deitada em seu berço, inteiramente largada.

Não fiz careta para você - negou Anna, tão enfaticamente quanto podia, o que não era muito.

Fez sim, mas que droga! - disse Helen.

Não foi uma careta - disse mamãe, tentando despejar água na fervura. - Foi mais propriamente um olhar.

A babel de vozes parou abruptamente, logo que entrei no quarto. Todas as três viraram para mim seus rostos cheios de expectativa. Parecia que haviam decidido abandonar suas diferenças cruentas e se unir a mim contra o inimigo comum, James.

Correram de um lado para o outro, pegaram roupas e me vestiram.

Você tem de ficar bonita - disse Anna.

Exatamente - concordou Helen. - Mas tem de parecer que não tentou isso, de jeito nenhum. Como quem simplesmente se enfiou numa roupa velha.

Mas ele só vai telefonar para mim às dez - lembrei-lhes. - E não disse nada sobre uma visita.

Sim - falou mamãe. - Mas ele não veio de tão longe, até Dublin, apenas para lhe telefonar. Podia ter feito isso de Londres.

Um bom raciocínio.

Certo, meninas - disse eu a Anna e a Helen. - Nesse caso, façam com que eu fique bonita.

Prometemos lhe emprestar roupas e fazer sua maquilagem - disse Helen. - Nunca dissemos que poderíamos fazer milagres.

Mas estava sorrindo, quando disse isso.

Finalmente, concordamos que eu usaria a legging e a blusa de seda azul que usara no dia da vinda de Adam para o chá.

Adam, pensei por um momento, cheia de desejo.

Mas, depois, empurrei-o com firmeza para as profundezas da minha mente.

Agora, não, pensei, séria.

- Você está com ótimo aspecto e magrinha - disse Helen, recuando e olhando para mim. - Agora, sua maquilagem.

Honestamente, ela organizava a coisa toda como se fosse uma campanha militar.

A menção à minha maquilagem fez os olhos de Anna se ilumina­rem. Ela se aproximou com uma bolsa plástica que parecia cheia de crayons e lápis.

- Vá embora - disse-lhe Helen, cheia de irritação, afastando-a com uma cotovelada. - Sou eu quem vai fazer a maquilagem dela. Você, provavelmente, quer fazer pintura no rosto, colocar nela estrelas, sóis, todo esse horror new age.

Anna parecia mesmo um pouquinho envergonhada.

Não - explicou Helen, com um pouco mais de delicadeza. - Ela tem de ficar com um aspecto de quem não está usando nenhuma maquilagem. Apenas beleza natural.

Isso - disse eu, entusiasmada. - Faça-me ficar com esse aspecto.

Por que Helen se mostrava simpática comigo?, imaginei.

Será que suspeitava que eu estava em competição com ela, por Adam? Se eu voltasse para James, isso significaria que ela teria terre­no livre com Adam.

Ou talvez fosse cinismo total de minha parte.

Quero dizer, afinal ela era minha irmã.

E, de qualquer jeito, provavelmente não suspeitava de nada.

Devo dizer que eu estava de fato bonita, quando Helen terminou seu serviço.

O rosto fresco, a pele clara, os olhos brilhantes, vestida informal­mente.

- Sorria - ordenou-me ela. Eu o fiz.

Todas fizeram acenos aprovativos com a cabeça.

Ótimo - disse mamãe. - Sorria o tempo todo.

Que horas são agora? - perguntei.

Quase nove e meia - disse mamãe.

Ainda falta meia hora - calculei, sentindo-me nauseada. Sentei-me na cama.

Mamãe, Anna, Helen e Kate já estavam nela.

Ainda falta tempo - disse eu. Estava sentada em cima do pé de Anna.

Ai - disse Helen, quando Anna se movimentou e mais ou menos acotovelou-a no rosto.

Estávamos todas amontoadas na cama, quase deitadas uma em cima da outra.

Era como uma vigília.

Elas ficariam ali comigo até ele telefonar.

Parecia que estávamos numa jangada cheia de sobreviventes de um naufrágio. Todas apertadas, desconfortáveis, mas não houve nenhuma sugestão de que nos separássemos.

- Ouçam - disse mamãe. - Faremos um jogo.

- Está bem - respondemos em uníssono. Exceto Kate, claro.

Mamãe sabia ótimos jogos. Jogos com palavras que, quando éra­mos meninas, usávamos para passar o tempo em longas viagens de carro.

Por algum motivo, na verdade o jogo que fazíamos, quando ele telefonou, foi um inventado (por quem mais?) por Helen, baseado em minha recente condição. Era um jogo no qual era preciso lembrar todas as palavras diferentes que aludem à gravidez.

Não creio que fosse realmente o que mamãe tinha em mente, ao nos encorajar a inventar nossas próprias versões dos jogos que nos ensinara.

Barrigão! - gritou Anna.

Prenhe! - guinchou Helen.

Esperando - sussurrou mamãe, dividida entre a desaprovação e o desejo de ganhar.

É sua vez, Claire - disse Anna.

- Não - respondi. - Pssssiuu, não é o telefone? O quarto ficou silencioso.

Era.


Quer que eu atenda? - perguntou mamãe.

Não. Obrigada, mamãe, mas eu mesma vou atender. E lá fui eu.



CAPÍTULO 25
- Alô - disse eu, por falta de algo melhor para dizer.

- Claire - disse a voz de James. Então era ele.

Finalmente, nos falávamos.

- James - respondi.

E, depois, não soube mais o que dizer. Não estava muito familia­rizada com a etiqueta das conversas com maridos fugitivos. Espe­cialmente tendo certeza de que ele não estava tentando me adular para recuperar meu afeto.

Precisamos de um livro. Um livro que nos diga como falar com maridos fugitivos que voltam.

Você sabe, o tipo de livro que nos indica a faca correta para usar, a fim de tirar uma ostra de sua concha, e a maneira correta de falar, digamos, com um bispo, por exemplo (apenas para que fique regis­trado, considera-se, geralmente, "um belo anel este que está usando, Excelência Reverendíssima", cortês o bastante para um primeiro encontro).

Então, esse livro nos instruiria, gentilmente, sobre o número cor­reto de vezes em que a expressão "filho-da-puta" poderia ser usada em qualquer das frases, e quando é considerado descortesia não usar violência física etc.

Por exemplo, se seu namorado/marido/amigo desapareceu sem mais aquela por alguns dias, após uma partida de futebol particular­mente importante, e acabou de voltar para o lar com o rosto esverdeado, sem barbear, o cabelo todo despenteado, seria apropriado dizer:

"Merda, por onde você andou, durante os últimos três dias, seu bêbado, egoísta, cretino?"

Mas, como ninguém ainda escreveu esse livro, eu precisava con­fiar em meu próprio instinto.

Como vai você? - perguntou ele. Como se lhe importasse, pensei.

Muito bem - disse eu, educada. Uma pausa.

Ah!... e você, como vai? - apressei-me a perguntar. Puxa vida, onde estava minha boa educação?

Seria de causar surpresa que ele me deixasse?

Bem - respondeu ele, atencioso. - Sim, muito bem. Seu cretino pomposo, pensei.

Claire - ele continuou, amável -, estou em Dublin.
Eu sei - disse eu, indelicada. - Minha mãe me disse que você telefonou a noite passada.

Sim, não tenho dúvidas de que ela lhe disse - falou ele, com leve ironia.

Não se podia nunca dizer que James era um tolo. Um filho-da-puta, garanto-lhe. Mas jamais um tolo.

- Onde está hospedado? - perguntei.

Ele deu o nome de uma pensão qualquer, no Centro. Numa rua que só poderia ser descrita como No Miolo de Tudo. Não era abso­lutamente o estilo habitual de James. Era mais provável que fosse encontrado num hotel de luxo, tipo cadeia de hotéis. Cheio de casas de câmbio e lojinhas de souvenires no saguão vendendo varetas envernizadas de ameixeira-brava e duendes. Pelo endereço de James, deduzi que ele não estava em Dublin a negócios. Porque, se estives­se, teria seus custos pagos e ficaria em algum lugar muitíssimo me­lhor e mais caro. E, se não estava em Dublin a negócios, então por que estava ali?

- Em que posso ajudá-lo? - perguntei, num tom levemente maldoso. Ele não era a única pessoa presente capaz de dizer coisas irônicas.

Meu tom de voz visava a transmitir que eu não mexeria uma palha por ele.

- O que você pode fazer por mim, Claire - pediu - é encon­trar-se comigo. Fará isso?

- Claro - disse eu, obediente.

De que outra maneira posso quebrar todos os ossos do seu corpo?, pensei.

Você se encontrará mesmo? - ele perguntou, com um tom de surpresa na voz. Como se previsse algum tipo de batalha.

Sem dúvida - disse eu, dando uma pequena risada. - Por que você parece tão chocado?

Porque, quando terminar de quebrar todos os ossos do seu corpo, vou cortar seu pênis e enfiá-lo em sua boca e com certeza tam­bém não posso fazer isso pelo telefone, não é?, pensei.

- Bem, ah,... nada, nada. Isso... ah... é ótimo - ele disse. Ainda parecia surpreso.

Obviamente, esperava que eu me recusasse a vê-lo. Isso explica­ria o tom adulador e a surpresa diante da minha calma concordân­cia em me encontrar com ele.

Mas, para sermos justos, o que eu ganharia recusando-me a vê-lo?

Queria a resposta para algumas perguntas.

Por exemplo: por que você deixou de me amar?

E: quanto dinheiro você dará para Kate?

De que outra forma resolveríamos nossas respectivas posições legais e nosso relacionamento se não nos encontrássemos para con­versar a respeito?

Talvez ele esperasse descobrir que eu estava completamente arra­sada.

Mas, bem... Ei! Eu não estava arrasada agora, estava?

Não estava assim tão bem. Nada disso, mas, fosse lá como eu examinasse o assunto, não podia negar que melhorara muito.

Que estranho!

Quando isso acontecera?

Vocês conhecem aquele instante, bem no final de um relaciona­mento, quando todos os nossos amigos se reúnem em torno de nós e dizem uma porção de coisas aborrecidas, como "Tem muito homem por aí" e "Ele jamais a faria feliz". Bem, quando eles chegam ao tre­cho sobre "Com o tempo tudo isso passa", tente lutar contra seu impulso inicial de dar um soco no olho de cada um.

Não faça isso, porque é realmente verdade.

Eu era uma prova viva disso.

O único problema com relação à cura com o passar do tempo é que ela demora um bocado.

Então, por mais eficaz que seja, sua utilidade é muito pequena para os que têm pressa.

Acho que também a transa com Adam não prejudicara em nada minha recuperação. Mas eu tinha de arrastar meus pensamentos novamente para o presente. James tornou a falar.

Onde nos encontraremos? - perguntou.

Por que você não vem até aqui em casa?

Não queria que o jogo fosse no campo do adversário. Queria jogar em casa, mesmo que não segundo minhas regras.

Você pode pegar um táxi. Ou, se preferir, um ônibus, e pedir ao motorista para deixá-lo no cruzamento circular no final da...

Claire! - ele interrompeu, rindo da minha tolice. - Estive em sua casa muitas vezes. Sei como chegar aí.

- Claro que você sabe - disse eu, melíflua. Eu sabia disso.

Mas não pude resistir à chance de tratá-lo como um total estra­nho. Deixar que ele percebesse que não fazia mais parte de nada da minha vida.

Está bem às onze e meia? - falei com autoridade.

Ah, está bem - ele disse.

Ótimo - disse eu, mordaz. - Até lá. E desliguei, sem esperar sua resposta.


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