Marian keyes



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CAPÍTULO 29
Coloquei minha chave na fechadura e, com uma maravilhosa exibi­ção de suas habilidades psíquicas, a porta da cozinha se abriu e Anna, Helen e mamãe correram para o vestíbulo para me receber. Ou então me ouviram estacionando o carro.

- Como foram as coisas? - perguntou mamãe. Obviamente, estavam todas sem ter o que fazer, no momento. A novela da minha vida real não atrairia tanto interesse, se tivessem algo melhor com que se ocupar.

- O que aconteceu? - gritou Helen.

Ah, notícias maravilhosas - berrei, chorosa, enquanto começava a subir a escada para ver Kate.

Ah, que bom - mamãe estava exultante.

Bem, vocês sabem a maneira como James me deixou e foi embora para viver com outra pessoa, sem sequer saber o nome de Kate. Ora, pois está tudo bem, agora. Porque foi minha culpa. Eu estava pedindo isso. Aparentemente, eu estava suplicando por isso. De joelhos, implorando por isso!

Kate começou a berrar, quando me viu. E, levada por um impul­so, decidi fazer o mesmo. Eu não estava achando essa aceitação de culpa uma coisa fácil, como você deve ter entendido.

Mas despejei minha frustração pela situação em cima de Helen, Anna e mamãe, quando deveria tê-la transmitido a James. E isso não era justo para com as meninas e mamãe. Uma vozinha lembrou-me de que eu tentara falar com James a respeito e que ele dissera que aquilo era outra prova da minha infantilidade. Ora, ele provavel­mente estava certo. Em geral estava.

Mas que droga, pensei, com rebeldia.

E agora eu tinha de parar de ser ressentida e rebelde. Não era mais uma adolescente de 29 anos. Para me tornar uma adulta sensí­vel, reflexiva e atenciosa, então eu devia começar exatamente naque­le momento.

Podia começar prestando atenção às necessidades de Kate.

- O que é que posso pegar para você, minha querida? - perguntei. E imaginei se isso seria suficientemente maduro para James. Precisava parar!

Ele estava certo, e eu, errada.

Tentei acalmar a criança que chorava em meus braços.

- Fraldas limpas, talvez? Ou será que você se interessará por uma mamadeira? Temos também um maravilhoso sortimento de atenção e afeto. Tudo está disponível. Basta você pedir.

Mas não, até isso eu estava fazendo errado. Segundo James, as pessoas não deveriam nem precisar me pedir o que queriam. Se fosse realmente desprendida, eu deveria saber.

Por uma questão de segurança, dei-lhe tudo. Troquei sua fralda, alimentei-a e disse-lhe que ela era mais bonita do que Claudia Schiffer.

Mamãe, Anna e Helen materializaram-se no quarto. Esgueiraram-se cautelosamente para dentro, imaginando até que ponto eu enlouquecera.

Ah, olá - disse eu, quando vi a primeira cabeça aparecendo timidamente na porta. - Entrem, entrem. Desculpem aquela peque­ na cena na entrada. Eu estava perturbada. Não tinha nenhum direi­ to de descontar tudo em cima de vocês três.

Ah, que bom, então - disse Helen. As três marcharam para dentro e se instalaram na cama, enquanto eu cuidava de Kate e lhes contava a história da minha noite.

Então, de uma maneira engraçada, saber o quanto fui difícil torna o fato de ele ter-me deixado um pouco mais fácil - disse-lhes eu. - Sabem, pelo menos faz sentido.

Claire - disse mamãe, cautelosamente -, tenho certeza de que você não pode ter sido tão má quanto ele a pintou.

Eu sei, também não entendo isso - admiti. - Mas, quando eu lhe disse isso, ele respondeu que era exatamente a maneira como esperava que eu reagisse.

Realmente, não havia nada que se pudesse dizer.

James me dera uma verdadeira surra.

Aquela noite foi terrível. Tão ruim quanto os primeiros dias logo depois que ele me abandonou. Quando as outras finalmente foram embora, depois de desistirem de tentar assegurar-me de que eu não podia ser tão ruim assim, não consegui dormir. Fiquei estirada de costas, olhando fixamente para a escuridão. Perguntas zumbiam em minha cabeça.

Tudo isso representara um choque terrível. Eu jamais soubera que era tão egoísta e imatura. Nunca ninguém se queixara disso. Sem dúvida, eu era animada. E talvez um tanto barulhenta e cheia de vida. Mas, honestamente, eu pensava que tinha consideração para com os sentimentos das outras pessoas.

Passou pela minha cabeça a hipótese de que talvez, apenas tal­vez, James estivesse exagerando minha ruindade com ele. Ou inventando-a, simplesmente. Tornei a rejeitar essa idéia, quase com a mesma rapidez. Isto era apenas uma tentativa de fugir da culpa. Por que James faria uma coisa daquelas se tudo não fosse verdade? Como ele próprio dissera - e suas palavras não paravam de ecoar em minha cabeça: "Se eu fosse feliz, por que iria embora?"

Admito que detestava ao máximo estar errada. Não era boa, na verdade, em admitir cortesmente que me equivocara. Sentia-me ardendo toda, em carne viva, liquidada, mortificada. Fora tão presunçosa. Pensara que estivesse com a razão. Era muito humilhante descobrir que não.

Mesmo quando eu era menina e não soletrava tudo direito na escola, achava muito duro curvar a cabeça, engolir em seco e dizer: "Você está certa e eu estou errada".

Bem, se a água mole batesse na pedra dura, um dia a furaria.

Finalmente, dormi.



CAPÍTULO 30
Papai acordou-me na manhã seguinte atirando um imenso envelope de papel pardo embaixo do meu nariz.

Tome - ele disse, cheio de mau humor. - Pegue isso. Estou atrasado para o trabalho.

Obrigada, papai - disse eu, sonolenta, arrastando-me de cima da cama, enquanto tirava o cabelo de cima dos olhos.

Olhei para a carta. Tinha um carimbo de Londres. Com um pequeno calafrio, percebi que era a escritura do apartamento e todos os outros documentos que James pedira para serem enviados.

Pensei, brincando, em telefonar para o Vaticano, a fim de infor­mar sobre um milagre. Tinha certeza de que nada jamais chegara tão rapidamente de Londres a Dublin.

Pensei, brincando, em vez disso, em telefonar para James.

Podia ser melhor se eu telefonasse para James.

Embora, provavelmente, eu recebesse uma acolhida melhor no Vaticano.

Descobri o número do The LiffeySide na lista telefônica. Uma mulher atendeu. Pedi para falar com James.

Ela me disse que aguardasse um momento, enquanto ia chamá-lo. Enquanto esperava, ouvia ruídos ao fundo que soavam como dis­paros de metralhadora. Ora, com certeza devia ser apenas a máqui­na de lavar roupa, mas quando se conhecia The LiffeySide e a rua onde ficava, a tendência era apostar que se tratava mesmo de uma metralhadora.

Alô - disse James. Sua voz soava formal e importante.

James, sou eu - disse-lhe.

Claire - disse ele, tentando dar um tom amável à sua voz. - Eu ia exatamente ligar para você.

- É mesmo? - perguntei, imaginando qual o motivo. Será que acabara de lembrar-se de alguma outra maneira terrível como eu o tratava? Será que omitira alguma crítica importante sobre meu comportamento em público, que pretendera comunicar-me na noite da véspera?

Vamos, vamos, adverti a mim mesma. Seja desprendida e adulta com relação a isso.

- Será que você acredita? - perguntou ele, em tom incrédulo.

- Nenhuma banca de jornais desta cidade abre antes das nove horas. Estou tentando conseguir o Financial Times desde que me levantei, mas não houve a mínima possibilidade.

Ora, ora, mas é incrível mesmo - disse eu, sentindo uma onda de irritação. Mas tentei escondê-la. Precisava ter em mente que, embora o Financial Times não fosse importante para mim, era importante para outro ser humano, isto é, James, e então, como uma pessoa altruísta, atenciosa e empática, eu deveria preocupar-me.

Era a propósito disso que você estava prestes a me telefonar?

- perguntei. - Para me dizer isso?

Não, não, não. O que era mesmo? Ah, sim - disse ele, lembrando se. - Queria saber se você se sentia bem, depois da noite passada. Percebo que posso ter sido um pouquinho... bem... severo com você. Vejo agora que você não tinha nenhuma idéia de que se comportava de forma tão egoísta e impensada. As verdades desagra­dáveis que lhe disse podem ter-lhe causado um certo choque.

Bem, um certo choque, sim - admiti.

A confusão começou novamente. Eu me sentia como um suspeito sendo interrogado por dois policiais, um simpático e um duro. Exa­tamente quando eu me acostumava com um deles sendo duro comi­go, o outro começava a ser muito simpático, fazendo me ter vontade de chorar e abraçá-lo. Só que existia apenas um James. Mas o efeito era o mesmo. Agora que ele estava sendo simpático comigo, tive von­tade de, sim, você já adivinhou, chorar e abraçá-lo.

Você não foi terrível de propósito - ele prosseguiu. - Apenas não tinha consciência do que fazia.

Não - funguei. - Não tinha.

Estava tão satisfeita por ele finalmente estar sendo simpático comigo, que poderia chorar de alívio.

Deve esforçar-se mais - disse ele, com uma risadinha. - Não é mesmo?

Hã, sim, suponho que sim. Boas notícias, James - disse eu, chegando ao assunto do meu telefonema.

- Do que se trata? - perguntou ele. Sua voz soava satisfeita e indulgente.

Os documentos chegaram! - disse eu, em tom triunfal. - Mal posso acreditar nisso. Deve ser a primeira vez que acontece com o sistema postal irlandês.

E então? - perguntou ele, bruscamente.

Ah, meu Deus, pensei, aborreci-o novamente. Vejo o que ele quer dizer. Parece que faço isso sem sequer ter consciência.

Então é bom... - disse eu, sem forças. - Não precisamos per­der mais tempo. Podemos começar a resolver as coisas imediatamente.

Ah. - A voz dele soou um tanto aturdida. Um tanto estúpida. - Ah - disse ele outra vez. - Ótimo. Que bom.

Por que você não vem até aqui? - sugeri. - Não haverá óleo fervente, prometo-lhe.

Forcei-me a rir de uma maneira gentil e bem-humorada.

Como se a própria sugestão de que ele pudesse sofrer algum tipo de lesão nas minhas mãos ou nas mãos da minha família fosse gro­tesca.

- Ótimo - disse ele, laconicamente. - Estarei com você dentro de uma hora.

E desligou sem dizer mais nada.

Uma breve idéia passou por minha cabeça.

Será que James era esquizofrênico?

Será que havia algum caso de loucura em sua família?

Sem a menor dúvida, eu estava com uma dificuldade dos diabos para acompanhar todas aquelas mudanças de seu estado de espírito.

Alguma coisa devia estar causando aquilo.

Talvez eu descobrisse, quando ele chegasse. Enquanto isso, eu daria uma olhada furtiva nos documentos, apenas para ver se eu, de fato, tinha quaisquer direitos, afinal.

Precisamente uma hora depois, a campainha da porta tocou. Era James.

Ele me cumprimentou com um sorrisinho e uma pergunta sobre a saúde de Kate.

Ah, por que não pergunta a ela você mesmo? - sugeri.

Ah, hã, está ótimo - disse ele.

Fomos para a sala de jantar, onde estava Kate. James, hesitante, fez-lhe cócegas. Fui para a cozinha fazer café.

Reapareci com o café e virei-me para James com um sorriso.

- Está bem - disse, amavelmente. - Vamos começar? Apontei para os documentos, espalhados em cima da mesa. Ambos nos sentamos.

Achei que seria melhor se começássemos com os documentos do apartamento - disse eu.

O.K. - disse ele, com voz débil.

Pois bem, se você olhar para esta cláusula aqui - disse eu, apontando para uma que se referia à venda do apartamento antes de a hipoteca ter sido inteiramente paga -, verá que...

Entrei em explicações e sugestões, temperadas com o estranho toque do jargão legal. Estava orgulhosa de mim mesma. Minha voz soava como se eu soubesse exatamente do que falava. Sem ter muita consciência disso, esperava impressioná-lo. Mesmo separados, era importante para mim que ele começasse a pensar em mim como uma mulher capaz e não como uma mimada e tonta boboca.

Depois de algum tempo, notei que ele não prestava a menor atenção ao que eu dizia.

Apenas se recostava em sua cadeira e olhava para meu rosto, não para os documentos que eu tão esforçadamente lhe explicava.

Parei no meio da cláusula sobre isenção de responsabilidade e perguntei:

-James, o que há? Por que você não está prestando atenção? Ele despenteou afetuosamente meu cabelo - o que foi uma com­pleta surpresa, pode crer - e disse, com um pequeno sorriso:

- Pode parar agora, Claire, estou convencido.

- Convencido do quê? - perguntei-lhe. Sobre que diabo falava ele agora?

- Estou convencido de que você mudou. Não precisa continuar representando.

Que representação? - perguntei, sem compreender.

Você sabe - disse ele, sorrindo e me olhando bem dentro dos olhos. - Esse fingimento de que vamos vender o apartamento e chegar a um acordo de pensão para Kate. Agora pode parar.

Eu não disse nada. Que diabo, neste mundo, eu poderia dizer?

Não é representação - gritei.

Claire - disse ele, sorrindo, indulgente. - Devo admitir que você de fato me enganou, a certa altura. Quase acreditei que falasse sério. Realmente era preciso chegar ao ponto de deixar que os docu­mentos fossem enviados? Não foi um pouco além da medida?

James - disse eu, com voz fraca.

Ele parecia encarar isso como algum tipo de capitulação. Pôs os braços em torno da minha cintura e me puxou para ele. Fiquei ali sentada, com a cabeça rigidamente apoiada em seu ombro.

Ouça, sei que você foi muito difícil. Uma dificuldade dos dia­bos - disse ele. Eu podia ouvir o pesaroso sorriso em sua voz. - Mas posso ver que você está fazendo um esforço. Posso ver o quanto você se esforça para me convencer de que agora é responsável, adulta, que tem consideração pelos outros.

É mesmo? - perguntei.

É, sim - disse ele, bondosamente. Afastou-se de mim e me olhou dentro dos olhos. - Você se esforça. Então, para começo de conversa, podemos livrar-nos de tudo isso. - Remexeu os papéis em cima da mesa e juntou-os numa pilha desarrumada.

Por quê? - perguntei.

- Porque não venderemos o apartamento. - Ele sorriu. Olhou com um pouco mais de cuidado para meu rosto pálido e chocado.

Ah, meu Deus. - Ele bateu sua mão dramaticamente na sua testa. - Você não percebeu, não é?

Não - eu disse.

Ele agarrou-me à força pelos ombros e colocou seu rosto próxi­mo do meu.

Eu te amo - disse, com uma pequena risada. - Sua tolinha, será que não percebeu?

Não - disse eu, sentindo-me como se estivesse prestes a explodir em prantos.

Não é estranho como o alívio pode algumas vezes parecer-se tanto com o terror?

E como a felicidade pode ter um gosto de desapontamento?

Por que acha que vim a Dublin? - Sacudiu-me gentilmente pelos ombros e me deu aquele mesmo sorriso indulgente.

Não sei - gaguejei. - Talvez para acertar as coisas.

Acho que você pensou que eu nunca a perdoaria pela manei­ra como se comportou.

Na verdade, não, eu não estava pensando em nada do gênero, imaginei.

- Mas eu a perdoei - disse-me ele, bondosamente. - Estou pronto para fazer as coisas marcharem bem, no futuro. Tenho certe­za de que tudo será muito diferente, porque você cresceu.

Fiz, sem dizer uma palavra, um sinal afirmativo com a cabeça. Por que eu não estava feliz? Ele ainda me amava. Jamais deixara de me amar. Eu o afastara.

Mas eu estava diferente, agora, e as coisas podiam ser endireitadas. Não era isso o que eu queria? Ora, não era?

Ele olhou para meu rosto silencioso e chocado e me fez um afago debaixo do queixo.

Você não está mais com aquela história de Denise na cabeça, não é? - perguntou ele, como se essa fosse uma idéia inteiramente grotesca.

Bem, na verdade, estou - disse eu, com voz débil. Sentia que não tinha nenhum direito de me queixar de nada, agora que ele esta­va sendo tão bonzinho comigo.

Mas não foi nada - protestou ele, risonho. - Foi apenas uma reação à maneira como você me fazia sentir. Tenho certeza de que você não cometerá novamente esse erro. - Sorriu, como se isso fosse engraçado.

Mas não era.

- Hã, está certo, James - disse eu. Sentia-me como se minha cabeça fosse explodir. Tinha de me afastar dele por algum tempo.- James - prossegui, fracamente. - Isso foi uma terrível...

Surpresa! - interpôs ele. - Eu sei, eu sei.

Preciso ficar sozinha para pensar um pouco em tudo isso.

O que há para pensar? - perguntou ele, em tom despreocupado.

-James - disse eu -, você me magoou terrivelmente. Magoou e humilhou. Não posso simplesmente eliminar esse sentimento só para agradar você.

Ah, meu Deus - ele suspirou. - Você está de volta à "pobre Claire", repetindo tudo. Pensei que tivesse mudado. Que tal a manei­ra como você me magoou e humilhou?

Mas nunca pretendi fazer isso...

Ora, eu também nunca parti com a intenção de magoar você - respondeu ele com um leve tom de impaciência em sua voz. - Simplesmente aconteceu.

Mas você disse que amava Denise - falei, lembrando me do detalhe que mais me magoara.

Pensei que a amava - disse ele, cuidadosamente, como se explicasse alguma coisa a uma criança muito pequena. - Mas descobri que não era verdade.

Houve uma pausa. Depois, ele falou.

- Ótimo, está bem! - disse, em tom agressivo. - Você quer que eu admita que cometi um erro. Ótimo, eu o farei. Apenas para lhe mostrar como estou empenhado em fazer nosso casamento dar certo.

Fez uma pausa e disse, numa voz cantada, como se fosse um menino falando, o tipo de menino que a gente tem vontade de matar:

- "Cometi um erro." Isto basta?

- Hã, obrigada! - disse eu, educadamente. Será que ele, por favor, não iria embora?

Claro, se você vai prender-se a queixas e lamentações, então não adianta eu estar aqui, não é? - perguntou ele. - Se for este o caso, irei diretamente para o aeroporto, voltarei para Londres e ja­ mais tornarei a falar em tudo isso outra vez.

Não, não faça isso. - Senti-me em pânico com a hipótese de ele me deixar de novo.

Mas também me sentia em pânico com a hipótese de ele ficar.

Era demais lidar com isso.

O filho-da-puta me abandonara sem mais nem menos. Mas ainda me amava e queria tentar novamente. Seria esse o comportamento de uma pessoa lógica?

Claire - ele disse, fazendo outra vez o gênero "James, o Bom Sujeito". - Posso perceber como você está esmagada com tudo isso. É perfeitamente compreensível. Você achou que estava inteiramente sozinha. E, agora, descobre que tem de volta sua antiga vida feliz. Deve ser duro engolir tudo isso de uma só vez.

É isso mesmo - gaguejei.

Então, vou deixá-la sozinha por algumas horas.

Obrigada. - Relaxei de alívio.

Vou cuidar das passagens aéreas. Que dia você gostaria de voar de volta para Londres?

Ah, não sei. - O pânico tornou a me dominar. Eu não queria voltar para Londres. Pelo menos, não queria voltar com James.

Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje, heim? - Ele piscou. - Quanto tempo você demoraria para fazer as malas?

Ah, James, não sei - disse eu, sentindo-me inteiramente horrorizada. - Séculos, provavelmente, com todas as coisas de Kate.

Ah, sim, Kate - disse ele, como se tivesse acabado de lembrar-se dela. - É melhor também fazer a reserva para ela no avião.

Bem, não faça nada, por enquanto - disse eu. - Dê-me um pouquinho de tempo para clarear meus pensamentos.

Bem - disse ele, franzindo a testa. - Estou faltando ao tra­balho, neste período aqui. Então, gostaria de voltar logo que possí­vel, agora que já esclarecemos tudo.

Mais tarde conversarei com você a respeito - disse eu, conduzindo o para a porta da frente.

Bem, não demore muito com isso - falou ele. - Afinal...

Tempo é dinheiro, eu sei, eu sei - concluí a frase para ele, cheia de cansaço.

Fechei a porta quando ele saiu e fiquei em pé por um momento, encostada nela, sentindo-me muito fraca.

- Ele já foi embora? - cochichou uma voz.

Era mamãe, esticando a cabeça para fora do seu quarto e olhan­do para mim, embaixo, no saguão.

Já - eu disse.

O que está errado? - perguntou ela, vendo meu aspecto chocado.

Nada - respondi, fraca.

Que bom - ela disse.

James me disse que ainda me ama - falei, em tom apático.

O quê?! - berrou ela.

Espero que você tenha dito a ele onde enfiar esse amor! - gri­tou uma voz atrás de mamãe.

Claire, Claire - disse mamãe, correndo pela escada abaixo -, venha cá. Sente-se. Conte-me o que aconteceu. Essa é uma grande notícia.

Ela me conduziu para a cozinha.

Onde está Kate? - perguntou.

Na sala de jantar - disse eu, sentando me à mesa da cozinha.

Vou pegá-la - disse mamãe, e saiu correndo.

Voltou num momento, com o rosto todo ansioso e impaciente.

Então, o que ele disse? - perguntou, ansiosa.

Disse que ainda me ama e me quer de volta - disse eu, sem nenhuma expressão.

Ora, isso não é ótimo? - perguntou mamãe.

Acho que sim - disse, em tom de dúvida.

E qual é a situação dele com essa tal Denise? - perguntou ela, olhando-me cuidadosamente.

Segundo parece, ele nunca a amou - disse eu, com tranqüili­dade. - Apenas procurou-a quando sentiu que não estava obtendo de mim nenhuma atenção, cuidado e amor.

E acabou tudo com ela? - perguntou mamãe.

Acabou - eu disse.

Você acredita nele? - perguntou ela.

- É muito engraçado, mas acredito - disse eu. - Bem, então está ótimo - falou mamãe.

- Será? - perguntei.

Mamãe ficou em silêncio durante alguns momentos. Pensava a respeito de alguma coisa.

- Claire - disse ela -, não cometa o erro de deixar que o orgulho atrapalhe o perdão. Você ainda o ama. Ele ainda a ama. Não jogue fora tudo isso apenas porque está com os sentimentos feridos. Permaneci em silêncio. E ela continuou a falar. Com uma expres­são distante e sombria em seus olhos.

- Muitos casamentos passam por crises - disse ela. - E as pes­soas as superam. Aprendem a perdoar. E, depois de algum tempo, até aprendem a esquecer. E o casamento, em geral, fica mais forte em seguida, quando as pessoas trabalham nele e ficam juntas.

Ah, não. Eu reconhecia esse roteiro. É aquele em que a mãe reve­la à filha que ela teve um caso, há muitos anos, com alguém, como o melhor amigo do seu marido. Ou, mais provavelmente, que o pai da filha teve um caso com alguém. ("O quê? Você quer dizer que papai teve um caso?") E a mãe estava inteiramente decidida a deixá-lo e a le­var os filhos com ela. ("Você era apenas uma criança de peito.") Mas a mãe não foi embora. Ela o perdoou. O pai ficou louco de arrependi­mento. E, agora, o casamento deles estava mais forte do que nunca.

Mas, se ela estivera prestes a me contar algo parecido, mudou de idéia. A expressão sombria clareou em seus olhos.

Ela voltou ao presente.

Vai demorar para toda a mágoa desaparecer - disse ela. - Você não pode esperar que desapareça instantaneamente. Mas, com o tempo, realmente desaparecerá.

Não sei, mamãe - murmurei. - Minha impressão é de que está tudo errado.

De que maneira?

Não sei... - suspirei. - Não há sensação de triunfo. De vitória. E ainda me sinto zangada com ele.

É ótimo sentir-se ainda muito zangada com ele - disse. - E você tem todo o direito de se sentir zangada pelo que aconteceu. Mas torne a conversar com ele. Talvez vocês possam recorrer a um conselheiro matrimonial. Mas não deixe que a raiva a cegue para tudo. Afinal, estamos falando do pai de sua filha. Se você não consegue engolir a raiva em seu benefício, pense em Kate. Faça isso por ela. Você não vai querer privar sua filha do pai apenas porque está zangada com ele.

Ela terminou com um tom muito apaixonado.

E, antes que eu pudesse responder, ela já recomeçava a falar. Mais invectivas apaixonadas.

- E, quanto a desejar sentir triunfo ou vitória com o fato de tê-lo de volta, isto é muito vazio. Muito oco. Realmente é uma coisa infan­til desejar ser uma vencedora, neste caso. Não há vencedores nem perdedores numa situação como essa. Se você conseguir que seu casamento volte a funcionar, já será uma vencedora. Será vitoriosa!

Ela devia procurar um emprego de escritora de discursos para revolucionários! Aquilo mexia com a pessoa!

Está bem - disse eu, com certa dúvida. - Se você tem certeza...

Ah, eu tenho - disse ela, cheia de confiança. - Seu casamento foi muito bom durante algum tempo. Claro que você encontrou problemas. E não foram bem resolvidos. Mas, provavelmente, ambos aprenderam com isso.

Acho que sim - eu disse.

E isto só serve para mostrar que você não pode ter sido tão ruim quanto ele pensa, se ele a quer de volta. - Ela sorriu.

Mas não achei engraçado.

Eu ainda estava achando difícil de acreditar que eu tivesse sido tão difícil, afinal.

Quem foi que disse: "Tenha cuidado com seus desejos. Você pode conseguir realizá-los?"

E um santo qualquer disse: "Há mais lágrimas causadas pelas preces atendidas do que pelas desatendidas."

Entendia o que queriam dizer.

Eu ficara tão magoada. Eu o amara tanto. E desejara James, meu casamento e minha antiga vida de volta. E agora que eu tinha tudo isso, não estava certa, realmente, de qual o motivo para tanta confusão.

Por quê?

Eu estava recebendo meu casamento de volta; antes, porém, tinha de aceitar que era imatura, difícil e egoísta. E que fora uma carga para James. E estava achando isso muito, mas muito difícil. Quero dizer, eu sabia que devia ser verdade. Não havia nenhum outro motivo para que ele me deixasse. Mas, se eu não tinha sequer certeza do que fazia de errado, então como diabo poderia ter certeza de que não ia repetir tudo?

Ainda sentia uma grande humilhação e mágoa por ele ter transa­do com aquela vaca gorda. Mas ele não me deixava dizer-lhe isso. Eu me sentia como se não pudesse queixar-me, porque me fazia parecer egoísta e imatura. Eu não podia ganhar.

Sabia que o amava. Mas não podia realmente lembrar-me do que amava nele. Ele parecia tão... tão... tão pomposo. Será que ele era sempre assim? Tão sem humor, digamos, tão glacial?

E como seria o futuro?

Será que eu teria medo de fazer comentários petulantes e de lhe contar histórias engraçadas?

Teria medo de me apoiar nele e sentir que era protegida, como costumava fazer, preocupada com a possibilidade de ele se sentir solitário e abandonado?

Nossos papéis haviam sido trocados.

E eu não sabia como devíamos nos comportar um com o outro.

Tudo teria de ser reaprendido. Era muito assustador.

O que havia de errado com a maneira como nosso casamento fora?

Ora, muita coisa, obviamente, quando se ouvia James falar.

Mas eu gostava do jeito que havia sido. E não tinha certeza se poderia funcionar de outra forma.

Só havia uma maneira de descobrir, porém: voltar com ele e ten­tar de novo.

Eu precisava fazer isso, nem que fosse só por causa de Kate.

Valia a pena tentar. Porque fora tão bom.

Mas, naquele momento, era terrível.

Eu ainda me sentia tão em carne viva, zangada e humilhada.

Sentia vontade de bater nele todas as vezes que dizia como eu era infantil.

Ótimo, então. Respirar fundo. Levantar os ombros.

Eu voltaria para Londres com ele.

Kate teria direito ao seu pai.

E eu teria uma oportunidade de endireitar as coisas.

Engraçado, isso. A pessoa deseja uma coisa tão profundamente, que dói. E então, quando essa coisa é obtida, mas precisa de muita res­tauração, renovação, derrubada de paredes, nova fiação elétrica e canos novos, ela pensa: "Mas que diabo! Não quero mais isso. Vou me conformar com algo menor, sem jardim, mas pelo menos já pronto."

Mamãe ainda estava sentada, olhando para mim. Sua expressão era de ansiedade.

Está bem, mamãe. Vou voltar para ele. Tentarei novamente. De fato, não parecia haver outra coisa a dizer. Levantei-me e suspirei.

É melhor telefonar para James e lhe dizer que vou voltar. Fui até o telefone. Sentia-me como se fosse enfrentar um pelotão

de fuzilamento. Telefonei para The LiffeySide.

James - disse, quando ele atendeu. - Estive pensando sobre o que conversamos e tomei uma decisão.

Qual é? - perguntou ele, bruscamente.

Voltarei. Tentarei de novo.

Que bom - disse ele. Podia-se ouvir o fraco sorriso em sua voz. - Que bom. Faremos mais força desta vez, hein?

E nada mais de Denise? - perguntei.

- Nada mais de ninguém. Se as coisas funcionarem - ele disse. Não gostei da ameaça velada que havia aí.

James - eu disse, nervosa -, você sabe que não estou achan­ do isso fácil. Ainda me sinto traída e magoada. E isso não vai passar imediatamente.

Não - ele concordou, com seu tom de voz bem razoável. - Talvez não imediatamente. Você deve trabalhar para se livrar desses sentimentos, não é? Mas não haverá futuro se você não puder me perdoar.

Eu sei - falei, quase lamentando ter mencionado isso. E então respirei fundo.

Você também estava errado, não estava?

Já admiti isso - disse ele, friamente. - Vamos ter de relembrar isso todos os dias pelo resto de nossas vidas?

Bem, não... mas... - gaguejei.

- Mas nada - disse ele. - Está no passado, agora. Temos de esquecer isso e olhar para o futuro.

É muito mais fácil para você do que para mim, pensei. Mas não disse. Não adiantava. Não me levaria a parte alguma.

Bem, para quando devo reservar as passagens de volta para Londres? - perguntou ele, quebrando meu silêncio ressentido.

Ah, James, não sei. Precisarei de alguns dias para resolver tudo - eu disse.

A idéia de partir era aterrorizante.

Claire, não posso esperar mais alguns dias - disse ele, cheio de irritação. - Tenho muito trabalho a fazer, no momento.

Ora, não é sorte sua eu ter concordado em voltar para você em apenas dois dias? - perguntei, com amargura. - E se eu tivesse criado um caso que o obrigasse a gastar uma semana inteira para me convencer?

Ora, Claire - disse ele, mansamente -, não há nada de bom em pensar assim. Convenci você. Isso é o principal.

Uma pausa.

Convenci, não foi? - perguntou ele. E, se não tivesse certeza do contrário, eu quase diria que ele falava sem muita convicção.

Sim, James - disse eu, apática -, você me convenceu.

Será ótimo - disse ele. - Você verá.

Sim - repeti, sentindo-me bem longe de acreditar nisso, mas não tinha energia nem vontade de discordar dele.

James, você também poderia voltar para Londres imediata­ mente - sugeri. - Irei no início da próxima semana, com Kate.

Por que precisará de uma semana inteira? - Sua voz soava aborrecida.

Bem... tenho pessoas de quem quero me despedir... e coisas...

- eu gaguejava.

Preferiria que você viesse mais cedo - disse ele, severo.

Não, James, realmente sinto muito, mas... preciso de tempo para me adaptar - disse eu, fraca.

Exatamente o tempo que não faça você mudar de idéia - disse ele, com uma gargalhada que parecia forçada.

Não vou mudar - disse eu, cheia de cansaço, sabendo que não podia. - Não vou mudar.

Ótimo! - ele disse. - Bem, então, acho que irei imediatamente para Londres. Se for para o aeroporto agora, poderei pegar um vôo. Será que conseguirei uma devolução de dinheiro pelas reser­vas desta noite?

É pena que eu não tivesse decidido e dito a você antes - falei. - Provavelmente é tarde demais agora para conseguir a devolução do seu dinheiro para esta noite.

Não tem importância - disse ele, compreensivo. - Teve de ser assim.

Que idiota!

Eu estava sendo totalmente sarcástica!

Telefonarei para você esta noite, quando chegar em casa - ele prometeu.

Faça isso - disse eu, tranqüila.

Dê um grande beijo em Kate - falou ele.

Darei.


E até breve.

Sim, até breve.



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