Marian keyes



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CAPÍTULO 6
Úmido, ventoso e miserável. Durante as primeiras duas semanas que passei em casa, choveu rodos os dias. Segundo parecia, era o mês de fevereiro mais chuvoso de que se tinha memória.

Eu sempre acordava de madrugada ao som das gotas de chuva estalando na janela e borrifando-a, tamborilando e batendo forte no telhado.

O tempo tornava a todos infelizes.

Felizmente eu já estava mesmo num estado de espírito suicida.

Na verdade, o tempo me fazia sentir ligeiramente melhor. Parecia a maneira de o Destino igualar minha vida infeliz com a vida feliz de todos os demais, se entendem o que quero dizer.

Anna e Helen perambulavam a esmo pela casa, taciturnas, olhando nostalgicamente pelas janelas e imaginando se aquilo algum dia pararia.

Deprimida, mamãe falava sobre a construção de uma arca.

Papai tentou jogar golfe com água na altura dos joelhos, num campo alagado.

Era o único que não se importava com a chuva torrencial.

Ela combinava perfeitamente com meu estado de espírito.

Eu não me importava de não poder sair.

Ficaria feliz de não ter de sair nunca mais.

Passava horas deitada em minha cama, de olhos pregados no nada. E Kate, a meu lado, em seu berço, enquanto a chuva caía pesa­damente do lado de fora, cobrindo as janelas de vapor e transfor­mando o jardim num pântano.

Minha mãe dava um pulo no meu quarto todas as manhãs e abria a cortina para outro dia cinzento e encharcado, e dizia:

"Bem, o que temos para hoje na agenda?"

Eu sabia que ela estava apenas tentando me animar. E eu tentava ser alegre. Mas me sentia tão cansada o tempo inteiro.

Depois se oferecia para fazer meu café da manhã, mas logo que saía do meu quarto eu me arrastava até a janela e fechava novamen­te as cortinas.

Não negligenciei Kate. Não mesmo.

Bem, talvez sim.

Para minha vergonha eterna, mamãe levava-a ao pediatra. Ma­mãe ia de carro até o supermercado e comprava montes intermináveis de fraldas descartáveis, comida para bebê, creme para assaduras, talco, esterilizador de mamadeira e todas as outras coisas de que Kate precisasse.

Para ser justa comigo mesma, não abandonei inteiramente Kate. Cuidei dela, de fato, de várias maneiras. Eu a alimentava, trocava suas fraldas, dava-lhe banho e me preocupava com ela. Algumas vezes, eu até brincava com ela. Apenas parece que eu não podia fazer nada que exigisse sair de casa.

Não porque não a amasse. Eu a amava mais do que qualquer outra coisa no mundo. Não havia nada que eu não fizesse por ela (a não ser, como eu disse, sair da casa). Mas minha impressão era de que toda a energia me abandonara.

Vestir-me exigia um esforço além de minhas possibilidades. Nas raras ocasiões em que realmente saía da cama, eu vestia um dos cal­ções de golfe de papai por cima da camisola de mamãe e usava um par de meias de alpinismo. Sinceramente, pretendia vestir-me de forma adequada. Mas uma outra hora.

Logo que tivesse alimentado Kate, eu dizia.

Mas, depois disso, estava tão exausta que tinha de me deitar por algum tempo e ler algumas linhas de uma matéria da Hello. Dá para avaliar como eu estava deprimida pelo fato de chegar mesmo a con­siderar a possibilidade de morar numa casa onde havia um exemplar de Hello. Eu mal conseguia concentrar-me o suficiente para ler. Olhava para as fotos de figuras da aristocracia totalmente obscuras e destituídas de importância, fotografadas em seus lares "suntuo­sos", e imaginava se eram felizes.

E como seria isso.

E, depois, refletia que ninguém poderia ser feliz morando numa casa com aquelas horríveis cadeiras barrocas, tapeçarias e quadros antigos. Ou estando casada com o Príncipe Fulano de Tal, que era gordo e careca, usava dentadura e tinha pelo menos doze vezes a idade da ex-"dançarina exótica" que tomara como esposa. Ele batia na cintura dela!

Depois de ficar deitada algum tempo, eu podia precisar ir à pri­vada. Passava cerca de meia hora tentando reunir energia para ir ao banheiro. Era como se eu fosse feita de chumbo.

Depois de ir ao banheiro, o máximo que eu podia fazer era cam­balear de volta para a cama.

Ficaria novamente deitada durante cinco minutos, prometia a mim mesma, e depois me vestiria de verdade.

Mas, a essa altura, já era hora de tornar a alimentar Kate.

E, depois disso, eu teria de me deitar novamente, só uns cinco minutos...

De alguma forma, eu nunca chegava lá.

Se pelo menos me deixassem sozinha, para eu poder dormir eter­namente, tudo estaria bem. Era o que eu pensava. Mas as pessoas não paravam de me incomodar.

Eu estava deitada na cama, certa tarde (não sei por que digo "certa tarde". E como se não fosse um acontecimento regular), quando entrou no quarto um rapaz com aspecto neandertalóide, segurando um martelo.

Minha reação inicial foi a de que eu ficara ali fechada por tempo demais e começava a alucinar.

Logo depois, mamãe irrompeu no quarto, sem fôlego e ansiosa.

A verdade era que o rapaz tinha vindo instalar uma babá-eletrônica para comunicar meu quarto e a sala de estar. Mamãe o vigiara como uma águia lá embaixo, mas, quando foi atender ao telefone, ele escapuliu e dirigiu-se até meu quarto.

Mamãe veio correndo e me forçou a sair da cama, como se esti­véssemos no meio da noite e ele pertencesse a um grupo da polícia se­creta prestes a me levar e torturar. Ainda tenho as marcas dos dedos dela em meus braços. Meu Deus, mamãe seria letal, segurando um aguilhão elétrico para gado.

Entendem, ela pensou que eu poderia provocar pensamentos impuros no homem da babá eletrônica, se ele tivesse de trabalhar em minha íntima proximidade, enquanto eu ainda estivesse com minha camisola. Então, era questão de urgência extrema fazer-me sair dali o mais rápido possível.

Além dos meus problemas de deslocamento, por causa do homem da babá eletrônica, Helen não me dava um só momento de sossego. Na maioria das manhãs, ela ficava em pé à porta do quarto, olhava para mim, ali prostrada em minha cama, e bradava: "Seu café da ma­nhã está pronto. E quem chegar por último lá embaixo na escada é um grande porco gordo e fedorento!"

Num instante ela sumia, descendo a escada para a cozinha a pas­sos ruidosos, enquanto eu tentava dizer-lhe, sem forças, que eu era mesmo um grande porco gordo e fedorento. Portanto, seu desafio nada significava para mim.

Bem, eu estava grande e gorda, isto era um fato. Muito parecida com uma . Bem, pelo menos estava, quando cheguei a Dublin. Não tinha certeza agora, porque não me olhara num espelho nem experimentara nenhuma roupa desde o dia em que saíra do meu apar­tamento em Londres.

Sem dúvida, estava fedorenta. A chance de me ver escalando o Monte Everest era tão grande quanto a de me ver lavando meu ca­belo.

Tomava um banho de vez em quando, mas apenas porque minha mãe organizava a coisa toda.

Uma combinação de persuasão e coerção.

Ela enchia a banheira com água fumegante e cheirosa, cheia de espuma, de modo que eu ficasse com cheiro de kiwi e mamão. Aquecia imensas e macias toalhas para mim. Oferecia-me sua loção corporal de lavanda (ugh, não, obrigada). Ameaçava denunciar-me às autoridades por ser uma mãe desnaturada. Kate, ela me dizia, seria posta num orfanato.

Assim, eu tomava um banho dia sim, dia não.

De má vontade.

Mas talvez eu não fosse uma porca. Honestamente, não conse­guia me lembrar da última vez em que comera alguma coisa. Nunca sentia fome. Só pensar em comer me matava de susto. Sabia que não seria capaz. Ficava gelada. Como se minha garganta estivesse blo­queada e eu não fosse mais capaz de engolir nada.

Não conseguia acreditar que aquilo estivesse acontecendo comi­go. Porque eu sempre tivera um ótimo apetite. Quando estava grávi­da, era mais do que simplesmente grande, era gigantesco. Passei meus anos de adolescência rezando desesperadamente para ser anoréxica. Não engolia aquele papo de que as anoréxicas eram pobres moças doentes e infelizes. Achava que tinham a maior sorte do mundo, com seus proeminentes ossos dos quadris, suas coxas esguias e seu ar frágil de garotinhas.

Nunca perdia meu apetite, não importavam as circunstâncias. Nervosismo por causa de provas, entrevistas para empregos, tremo­res no dia do casamento, intoxicação alimentar - nada, a não ser a morte, faria a mínima diferença para minha capacidade de comer como um cavalo de corrida. Sempre que encontrava uma pessoa magra, que gorjeava: "Ah, mas sou mesmo uma tola, simplesmente me esqueço de comer", eu a olhava com mal disfarçada frustração e amargura, sentindo-me pouco glamourosa, inchada e bovina. Que sorte a dessas filhas da puta, pensava eu, como é que alguém pode esquecer-se de comer? Eu tinha apetite - que coisa fora de moda e vergonhosa.

Porque, quando o mundo acabar e tivermos descartado nossas mortais perturbações e estivermos todos no Céu, quando o tempo deixar de existir e formos puros espíritos e tivermos uma vida eter­na, toda dedicada a contemplar o Todo-Poderoso, eu ainda vou pre­cisar de uma barra de chocolate todas as manhãs, às onze horas.

Mas eu me consolava com o pensamento de que essas pessoas magricelas estavam, com certeza, mentindo descaradamente. So­friam era de bulimia, tomavam anfetaminas ou se submetiam a uma lipoaspiração todo fim de semana.

E agora, pela primeira vez em minha vida, eu não estava com fome. Na verdade, sentia horror diante da idéia de ter que comer.

Estava sem a menor vontade. Não tinha o menor impulso nesse sentido. Se pelo menos estivesse me sentindo assim quando tinha 17 anos. Pensaria que era uma das poucas privilegiadas.

Mas eu estava cansada e infeliz demais para desejar qualquer coisa.

Os dias se arrastavam. Algumas vezes, eu saía da cama e levava Kate para o andar de baixo, a fim de ver, com mamãe, uma novela australiana. Ou tomava uma xícara de chá com ela e depois voltava para o meu quarto.

Helen continuava a me atormentar. Três dias depois da instalação da babá eletrônica, ela entrou no quarto na ponta dos pés, muito sofisticada.

Está funcionando? - perguntou por mímica labial, apontan­ do para o aparelho.

O quê? - perguntei, mal-humorada, erguendo os olhos do meu exemplar de Hello. - Não, claro que não está ligado. Por que diabo estaria? Kate está aqui e eu também.

Ótimo - disse ela. - Ótimo, ótimo.

Dobrava-se de rir. Ficou sentada na cama, sacudindo-se com as risadas, lágrimas escorrendo por suas faces. Sentei-me e olhei-a aten­tamente, sem conseguir disfarçar meu desagrado.

Desculpe - pediu ela, enxugando os olhos e tentando recompor-se. - Tudo bem, certo, desculpe.

O que está acontecendo? - perguntei, enquanto Helen sentava-se, ereta.

Vou mostrar a você, agora - prometeu. - Não faça nenhum barulho.

Aproximou-se do aparelho, ligou-o e começou a dizer coisas numa voz cantada, melodiosa: - Anna - entoou com voz trêmula - oooohhhhhhAaaannnnaaaa.

Fiquei observando, fascinada.

Que diabo você está fazendo? - perguntei.

Cale a boca - sussurrou ela, com energia, enquanto desligava o aparelho. - Estou proporcionando a Anna uma experiência sobrenatural, entendeu?

O que quer dizer? - perguntei, inteiramente perplexa.

A tripulante de nave espacial Anna está na sala de estar e não sabe dessa babá eletrônica, então pensará que está ouvindo vozes - explicou Helen, impaciente. - Agora, cale a boca.

Começou novamente com sua cantilena. Disse a Anna que era seu espírito guia e que ela deveria ser especialmente simpática para com sua irmã Helen e todo tipo de coisas. Passou uma boa meia hora ajoelhada no chão, gemendo e sussurrando no aparelho.

Por vários dias, depois disso, todas as vezes que alguém estava sozinho na sala de estar, Helen subia na mesma hora a escada para o meu quarto e passava um tempão dizendo à pessoa que ela era seu subconsciente, ou seu anjo da guarda, ou o que quer que fosse, e acrescentava que deveria ser especialmente simpática para com sua irmã/filha/amiga (assinale a alternativa desejada) Helen.

Continuou a fazer isso, mesmo muito tempo depois que todos já sabiam que a voz desencarnada era a de Helen e a ignoravam, rindo. Isto significava, porém, que eu não tinha um momento de paz. O desapontamento quase matou a pobre Anna.

A chuva ainda caía torrencialmente. As margens do canal estou­raram. Estradas ficaram intransitáveis. Carros foram abandonados em becos alagados. Soube de todas essas coisas por outras pessoas. Nunca saía de casa.

Pensava em James o tempo inteiro. Sonhava com ele. Lindos so­nhos, nos quais ainda estávamos juntos. E, quando acordava, esque­cia, por alguns minutos, onde eu estava e o que acontecera. Estava inundada por um maravilhoso sentimento, cálido e aconchegante. E, depois, eu me lembrava. Era como levar um chute no estômago.

Não tivera nenhuma notícia dele. Absolutamente nada. De fato, pensara que, após mais ou menos uma semana, ele entraria em con­tato comigo. Apenas para saber como eu estava ou, pelo menos, como estava Kate. Não podia acreditar que não tivesse o menor inte­resse por Kate, mesmo que não tivesse por mim.

A coisa mais triste de todas era que ele sequer sabia que o nome da filha era Kate.

Telefonei para Judy, já de volta a Dublin há uns cinco dias. Perguntei-lhe se James sabia onde eu estava e prendi a respiração, esperando ansiosamente que ela dissesse que não, que ele não sabia. Isso pelo menos explicaria por que não entrara em contato comigo. Mas ela disse, tristemente, que sim, James sabia. E então, embora me partisse o coração, perguntei se James ainda estava com Denise. Mais uma vez ela disse que sim.

Senti que não chorava por dentro, mas agora sangrava por den­tro. Sangraria até morrer.

Agradeci a Judy, desculpei-me mais uma vez por colocá-la numa posição tão constrangedora, e desliguei o telefone. Minhas mãos tre­miam, minha testa suava, eu me sentia doente no coração.

Havia ocasiões em que eu sentia que James, mais cedo ou mais tarde, voltaria. Que ele me amara tanto que, simplesmente, não po­dia parar de me amar da noite para o dia. Era apenas uma questão de tempo, até ele aparecer na soleira da porta, destroçado pelo re­morso, fora de si de tanta culpa, imaginando se já não seria tarde demais para reivindicar sua esposa e sua filha. E, nesse caso, poderia ser uma boa idéia sair da cama, lavar meu cabelo, colocar um pouco de maquilagem e usar algumas roupas decentes, em homenagem à sua chegada iminente. Mas então eu me lembrava que a Sorte é espí­rito de porco. Quanto mais horrorosa eu ficasse, maiores seriam as chances de que James surgisse de repente.

Então, ficava de camisola, com os calções de golfe e as meias de alpinista. Nem me lembrava mais do que era um batom.

Muitas vezes tinha vontade de telefonar para ele, mas sempre acontecia no meio da noite. Eu era dominada por um pânico terrível, diante da enormidade da minha perda. Mas não tinha a menor idéia de como entrar em contato com ele. Não fora capaz de me humilhar a ponto de pedir a Judy o número do telefone do apartamento onde ele morava com Denise. Poderia telefonar para ele no trabalho, durante o dia, mas a ansiedade e o desejo de conversar com ele nunca me chega­vam no período diurno. Eu ficava muito satisfeita com isso. Que bem me faria telefonar para ele? O que poderia dizer-lhe?

Você ainda não me quer? Ainda ama Denise?

Ao que ele responderia:

Não à primeira pergunta, sim à segunda. Obrigado por querer saber. Adeus.

O tempo passava. Lenta, muito lentamente, meus sentimentos co­meçaram a mudar. A paisagem do deserto muda muito gradualmente, enquanto leves brisas erguem grãos de areia e os movimentam, algu­mas vezes poucos centímetros, outras muitos quilômetros, de modo que, no fim do dia, quando o sol se põe, a face do deserto está com­pletamente diferente da paisagem que havia de manhã, quando o sol se levantou sobre ele. Do mesmo modo, minúsculas mudanças se pas­savam em mim.

Mas eram pequenas demais para que eu as notasse, enquanto iam acontecendo.

Não era tanto que o peso de chumbo da desesperança tivesse desaparecido. Mas outra coisa surgira. Senhoras e senhores, uma salva de palmas para a Humilhação.

Sim, comecei a me sentir humilhada.

Por que demorou tanto?, posso ouvi-lo perguntar.

Bem, sinto muito, cara, mas minha cuca estava entulhada de Perda e Abandono.

Uma pequena pontada de humilhação, inicialmente. Um estra­nho sentimento, um dia, quando imaginei por quanto tempo Judy já sabia sobre James e Denise. Este sentimento expandiu-se como um balão, até a humilhação ser quase tudo o que eu sentia. E eu ardia por causa dela. Estava em carne viva por causa dela. Minha alma corava por causa dela.

Quem já devia saber que James tinha um caso?

Será que todas as minhas amigas sabiam e conversavam a respei­to, entre si, torturando se com a dúvida entre me contar ou não?

Será que diziam coisas como "Ah, não podemos contar a ela, agora que está grávida"?

Será que me olhavam com piedade?

Será que agradeciam a Deus por poderem, pelo menos, confiar em seus maridos ou namorados?

Será que diziam a si mesmas: "Uma coisa que Dave/Frank/ William jamais faria é ter um caso. Ele pode não fazer qualquer serviço domés­tico/me dar dinheiro suficiente/chegar algum dia a discutir um pro­blema, mas pelo menos não seria infiel."

Será que me olhavam e soltavam grandes suspiros de alívio, e di­ziam, mesmo com sentimento de culpa: "Estou tão feliz por ser com ela e não comigo"?

Eu estava com tanto ódio. Queria gritar para o mundo: "Vocês estão erradas! Pensei que podia confiar em meu marido! Pensei que ele era preguiçoso demais, que diabo, para ter um caso. Mas teve. E o mesmo poderia acontecer com Dave/Frank/William. Talvez já este­jam tendo. Ou talvez já tivessem tido e agora acabou. Talvez quan­do seu marido foi para a França assistir aos jogos de futebol tenha feito sexo lá com alguém. Você não sabe. Qualquer coisa é possível. Não pergunte por quem os sinos dobram. Porque, deixe que eu lhe diga: exatamente aqui e agora, dobram por ti."

Quando pensei em Denise, encolhi-me. Quando pensei nela e em mim, trocando amabilidades sobre o tempo, e eu cumprimentando-a por sua aparência e lhe dizendo como ia minha gravidez, e pensando que ela era tão meiga e boazinha, enquanto ela, o tempo inteiro, fazia sexo com meu marido e levava-o a se apaixonar por ela, dese­jei voltar atrás no tempo, agarrar a mim mesma pelo colarinho e me arrastar, protestando, para longe de Denise e da conversa com ela, advertindo a mim mesma, como uma mãe a uma criança teimosa: "Não fale com essa mulher horrorosa." Depois, desejei agarrar Denise e surrá-la até a morte.

Estava profundamente mortificada e constrangida com a idéia de que todas as demais pessoas sabiam do caso entre James e Denise, enquanto eu, toda feliz, não tinha a menor consciência do que se passava.

Não queria que pensassem em mim como uma vítima. Mas me sentia tão patética. Tão tola. Tão profundamente humilhada.

Comecei a me sentir furiosa com James.

A humilhação chegou aos poucos. Foi chegando de mansinho e, um dia, me virei para trás e vi que ela estava ali, sorrindo para mim. "Olá", disse, toda bonomia e sem-cerimônia, como se fôssemos velhas amigas. "Lembra-se de mim? E tenho certeza de que meu amigo Ciúme não precisa de nenhuma apresentação."

Não posso acreditar que levei três semanas para começar a sen­tir ciúme. Sempre pensara que, se um homem que eu amava dormis­se com outra pessoa, o ciúme seria o sentimento imediato e esmaga­dor. Mas ele estava no final da fila, naquele caso particular, e veio manquejando devagar, atrás da Perda, da Solidão, da Desesperança e da Humilhação.

Não pensara tanto no fato de James estar com Denise e sim no fato de ele não estar comigo. Em minha perda, em vez de no ganho dela.

Da noite para o dia, isso mudou.

Eu estava com minha mãe, certa tarde, quando ela colocou um vídeo. Um filme que deveria ser romântico, mas que, na verdade, era pornografia disfarçada. Ela ficou absorta nele e manifestava sua im­paciência a toda hora: "Vamos lá!", "Mas que coisa!". Tentei pres­tar atenção ao filme e ao mesmo tempo alimentar Kate. Mas perdia a continuidade do enredo.

Com quem ele está fazendo sexo, agora? É aquela mulher do elevador?

Não, sua boba - disse mamãe. - É com a filha da mulher do elevador.

Mas eu pensei que ele tinha sido encontrado na cama com a mulher do elevador - disse eu, confusa.

Sim, foi - explicou mamãe, gentilmente. - Mas está sendo infiel a ela, agora, com a filha dela.

Pobre mulher do elevador - disse eu, pesarosa.

Mamãe me lançou um olhar penetrante. Ah, meu Deus, não! Senti que ela pensava isso, alarmada, naquele momento. Será que eu começaria a chorar? Tive certeza de que ela lamentava não ter tira­do da locadora alguma coisa bem inócua, como "A Cidade do Hor­ror" ou "O Massacre da Serra Elétrica".

Observei as duas pessoas na tela fazendo sexo, divertindo-se à custa da felicidade da mulher do elevador. De repente, pensei em James e Denise na cama.

Eles fazem isso, você sabe, disse-me uma voz em minha cabeça. Vão para a cama juntos. Fazem sexo. Perdem-se na paixão de um pelo outro. Ela o toca. Ela dorme com o belo corpo dele e sua deli­ciosa pele e seu cabelo negro e macio. Ela pode acordar e observá-lo dormindo, seus cílios negros, pontudos, lançando pequenas sombras em seu rosto.

Como se sentirão juntos?, fiquei imaginando. De que maneira ele a tratará? Como será ele quando está com ela?

Será que roça suavemente seu maxilar eriçado pelo rosto dela, de manhã, da maneira como costumava fazer comigo, e depois ri com meu grito de ultraje, seus dentes iguais aparecendo muito brancos em seu belo rosto?

Será que ela vai dormir com a cabeça no peito musculoso de James, o braço atirado por cima do seu estômago, enquanto o braço viril dele estará em torno do pescoço dela, e Denise sentirá o leve cheiro de Tuscany na pele bronzeada dele, da mesma maneira como eu fazia?

Será que ele a acorda de manhã arrastando as mãos ao longo de suas coxas, como fazia comigo, e excitando-a instantaneamente, como acontecia comigo?

Será que ele a subjuga na cama, prendendo com as mãos os braços dela para trás, as pernas imobilizando as suas, sorrindo para ela, deixando-a deliciosamente indefesa enquanto se move lentamente contra seu corpo, enloquecendo-a de desejo, como fazia comigo?

Será que ele a beija com um cubo de gelo na boca, tornando sua boca fria e seu corpo quente de desejo, como fazia comigo?

Será que ele morde com delicadeza a curva do seu pescoço e do seu ombro e provoca tremores de desejo através de todo o seu corpo, como fazia comigo?

Quando ela acorda de manhã - será que seu primeiro pensa­mento é: "Meu Deus, ele é lindo e está na cama comigo"? Porque o meu sempre fora esse.

Estava louca de ciúmes.

Ou será que eles fazem de forma diferente?, imaginei. Será que ela é diferente de mim na cama? Será que ela é melhor? Como será o corpo dela? Será que ela tem um bumbum menor, seios maiores, bar­riga mais lisa, pernas mais longas? Será que ela é realmente audacio­sa e o deixa louco de paixão?

Imaginei tudo isso mesmo conhecendo Denise e podendo respon­der eu própria à maioria dessas perguntas. (Bumbum menor? Não. Seios maiores? Sim. Barriga mais lisa? Pouco provável. Pernas mais longas? Difícil dizer. Somos provavelmente da mesma altura.)

Ela não agia nem se comportava como nenhuma gatinha erótica. Sempre pareceu tão boazinha e, bem... comum, eu acho, mas agora em minha cabeça ela era Helena de Tróia, Sharon Stone ou Madonna.

O ciúme me despedaçava.

Era como ter uma bola de fogo e espinhos em meu peito, que enviava raios verdes venenosos para todo o meu corpo, sufocando-me de tal modo que eu mal podia respirar.

Minha cabeça estava cheia de cenas imaginárias sobre a maneira como eles agiam juntos na cama.

Não podia suportar a idéia de que ele a desejasse. Isso me enchia de uma raiva poderosa e impotente. E que raiva. Tinha vontade de matar os dois. Tinha vontade de soluçar histericamente. Sentia-me feia de ciúme. Desfigurada pelo ciúme. Sentia que meu rosto estava retorcido e verde, por causa das minhas emoções.

Ah, que sentimento mais feio. E tão profundamente inútil. E sem qualquer sentido.

Se você deixa de ter alguém ou alguma coisa, sente sua perda e, depois, passado algum tempo, preenche o buraco que ficou em sua vida, a ausência, aos poucos, fica cada vez menor e, afinal, desapare­ce. Há um sentido na dor. Há um motivo e uma direção para ela.

Mas eu não ganharia nada em sentir ciúmes. E o pior é que o ciúme era causado por mim mesma. Era minha própria imaginação que me provocava a dor. Era o equivalente emocional a eu pegar uma navalha e dar um grande corte em meu braço, em meu estôma­go ou em minha perna. Ciúme era automutilação. Tão doloroso e inútil quanto.

E eu sentia a dor não porque algo acontecera comigo, mas por­que deixara de acontecer. Por que algo que acontecia entre duas outras pessoas e não me envolvia absolutamente me feria tanto?

Ora, que droga, eu não sabia.

Só sabia que feria.



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