Miriam Cristina Rabelo, Paula Schaeppi, Sueli Mota, Juliana Rocha e Marcos Rubens



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A história de Dona Lourdes


Dona Lourdes é uma senhora de aproximadamente 70 anos. Viúva, mãe de 10 filhos, mora no Nordeste de Amaralina com as duas filhas mais novas. Raramente está só em sua casa, pois recebe visitas constantes de filhos, nora e netos, além de vizinhas e irmãos da igreja. A filha caçula, Dolores ou Gaza como é conhecida no bairro, sofre de retardo mental e é fonte constante de ansiedade e preocupação para Lourdes. O nervoso de que sofre há muitos anos e que já configurou um quadro bastante grave no passado está intimamente relacionado com a doença da menina, hoje com 34 anos.
A história de nervoso de dona Lourdes começa quando ela tem a ultima filha. Deu a luz em casa como de costume, durante os festejos de São João. O parto fora normal e tanto ela como o bebê passavam bem até que, de repente, alguém joga uma bomba muito forte bem em frente a janela de seu quarto, assustando as duas: “Eu ganhei ela as 8:30 da manhã no dia vinte nove de junho, e defronte tinha uma festa, já estava programada essa festa, essas festas que vocês não alcançaram. A sua senhora sua mãe, sua vó conhece, era uma festa horrível, finalmente, não era horrível é porque finalmente, era muito forte, muita bomba, muita gritalhada, reza, muita reza num sabe? muita reza, festa de São João né? (...) Aí quando foi de noite não teve jeito porque realmente as bombas estalava em meu passeio. ... e jogou no meu janelão e ela se assustava, tanto ela se assustava como eu se assustava, entendeu? (...) Aí então não teve jeito, que dizer, que não teve jeito realmente. Então passando isso todo, uns sete dia, uns doze pra sete dias eu tive uma dor de cabeça horrível, horrível, mais horrível mesmo. Uma dor de cabeça tão forte, mais tão forte. Eu tinha sete ou oito dias que eu tinha ganhado ela. Me veio aquela dor de cabeça fortíssima, tão forte ... se eu fosse uma pessoa... nem sei... era pra eu sair gritando e tudo né? (...) Eu não suportava essa dor de cabeça não agüentava, eu não agüentava mesmo, não agüentava, dava pra eu sair gritando e gemendo”. Diante da situação o marido, que era oficial do corpo de bombeiros traz as pressas o médico do quartel, que examina Dona Lourdes e prescreve alguns remédios.
Este acontecimento divide a vida de Dona Lourdes em dois períodos bastante distintos. No primeiro era a mãe dedicada; amamentava seus filhos com prazer, zelava com afinco pelo seu bem estar e sempre lograva costurar-lhes roupas novas para as principais festas do ano. No segundo perde o ânimo de viver e mostra uma total indiferença para com a casa e a filha pequena: “Quando eu tive ela, eu não tive animo pra mais nada, nem pra cuidar dela, nem pra fazer comida, nem da casa... Eu, pra comer, eu pra comer, se eu disser uma coisa você minha filha, cê vai ver... Eu sempre cuidei de meus filhos, agora ela foi assim , precisava alguém colocar ela em meio seio. Olhe eu fiquei tão nervosa, tão nervosa mesmo. É me sentia angustiada, não tinha mais aquele prazer de arrumar minha casa como eu arrumava. As meninas já estavam crescidas, umas meninas de 14 e a mais velho já com seus 18 anos, trabalhava e essa daí molinha (aponta para Gaza) elas cuidava... eu nem gosto de me lembrar...
O estado de nervoso de que se vê tomada coloca, assim, em cheque elementos centrais de sua própria identidade. Este é um momento tão difícil em sua vida que Dona Lourdes chega a pensar em suicídio, conforme depreendemos do seu relato: “eu tinha uma imaginação tão terrível na minha vida, uma imaginação tão terrível, que eu não falei com meu esposo, não falei com ninguém. Eu não falei, mas senti aqui no meu coração, se eu não ficar boa como eu era pra cuidar da minha casa, ser uma mamãe zelosa, eu não ia resistir, eu ia fazer uma coisa comigo. Quer dizer eu não falei com minha boca, mas eu falei dentro de mim que se eu continuasse com aquele nervoso, aquela tristeza...
A doença da filha, também atribuída ao estouro da bomba de São João, embora só venha a se manifestar seis anos depois, torna bastante difícil para Lourdes superar o nervoso. A professora de Gaza comunica a Lourdes a incapacidade da menina acompanhar a turma – Gaza não lograva aprender nada e até mesmo para se alimentar ainda precisava de auxílio direto. A partir daí tem início uma carreira de idas a médico, transferência de Gaza para uma escola destinada a crianças excepcionais e até mesmo o início de um tratamento no candomblé do qual Lourdes odeia falar. Embora os “exames de cabeça” a que Gaza foi submetida não detectassem nada, os médicos deixaram claro a impossibilidade de que ela viesse a evoluir nos estudos, aconselhando Dona Lourdes a mantê-la afastada de qualquer tipo de empreendimento intelectual.
A preocupação com Gaza vem juntar-se, mais tarde a morte do marido, que deixa Dona Lourdes bastante abalada: “Eu sinto angústia e tristeza da falta dele.....e aí eu tô lá também tomando meu remedinho também. O meu é o Diazepan (...) Aí quando foi no dia treze ele (o médico) disse: ‘Dona Lourdes vamos dividir esses comprimidos?’ Aí eu disse ao doutor: ‘agora não, doutor, demora um cadinho mais...’ Não sei se é porque eu estou fraca mesmo. Porque meu esposo faleceu eu senti fraqueza não teve mais vontade de comer”.
O alívio para o nervoso Dona Lourdes começa a sentir quando ingressa no pentecostalismo. Nesta época sofria também de tonturas muito fortes e por esse motivo foi levada por uma vizinha a Igreja Quadrangular. Lá se converteu a lei de crente e vivenciou uma melhora do nervoso e das tonturas. Com o tempo, entretanto, diz ter começado a desconfiar da doutrina da igreja, pois as diaconisas ministravam a Santa Ceia usando batom, pintura, e outras provas de vaidade. Após sofrer duas paradas cardíacas e uma cirurgia de emergência, Dona Lourdes é levada a conhecer a igreja Pentecostal Deus é Amor. Segundo seus relatos lá ela foi revelada: o pastor dissera que estava com um problema grave no coração e que Deus escolhera aquele dia para dar-lhe um coração novo. A partir de então Lourdes deixa de usar os remédio para o coração; diz ter ficado completamente boa. Também melhora bastante do nervoso com a frequência a igreja Deus é Amor. Explica que ainda sente nervoso mas já não se trata do estado paralisante que vivenciou no passado: “Eu ainda sinto um pouquinho de nervoso, mas nada que prejudique mais vida, ainda fico assim nervosa mas, posso cuida da minha casa”.
Dona Lourdes considera que a igreja Deus é Amor tem uma doutrina mais pura e verdadeira que as outras, seus membros levam uma vida totalmente voltada para agradar o Senhor. Nisso reside a razão e beleza dos princípios morais rígidos que regulam a conduta do fiel, bem como o impulso para que ela mesma mude: “Porque realmente a gente vê na palavra que Jesus ama, ama o pecador, mas não o pecado. (...) Então enquanto nós vivermos aqui nesse mundo, o que nós praticarmos, temos que agradar o nosso Senhor Jesus Cristo. Então onde eu estou, eu estou bem, estou me sentindo muito bem. Olha, quer ver uma coisa? Na igreja Deus é Amor a gente não pode fazer nada do mundo, é tudo muito certinho. Quer ver um exemplo? Tem um rapaz que gosta de uma moça, a moça gosta do rapaz na Deus é Amor, num tem nada de sair da igreja pegado na mão, nem na igreja, nem em lugar nenhum. Se a pessoa se gosta vai falar com a moça, aí vai falar com o pastor, com a família e fica assim até casar... As mulheres tem que se vestir direitinha, viu, seu vestidinho aqui de manga e aqui em baixo do joelho com sua camisolinha por dentro, até pra dormir. Olhe, minha filha, até os homens dormem de calça, é! (...) A verdade é que na Deus é Amor a doutrina é finíssima, finíssima, puríssima, coisa especial. Não tem mistura. Então eu entendi isso e estou lá, graças a Deus e não faço coisa mundanas, porque nós somos vasos é temos que nos purificar ouviu, pois Jesus já esta voltada e quando ele vir tem que encontrar seus vasos limpos, puro, perfeito em tudo.
O ingresso de Dona Lourdes na Igreja Quadrangular já marcara uma nova orientação em sua vida. Como forte sinal dessa mudança ela junta todas as roupas e objetos sagrados do candomblé que foram usados por Gaza quando tratada com uma mãe de santo e os queima em plena rua, a vista de todos. Trata-se também de um primeiro passo para uma verdadeira purificação da sua casa. Mas essa demanda a conversão da família, graça que Lourdes ainda não obteve, feito que ainda não logrou produzir. Na sua fala ressalta a idéia de que a purificação do corpo e a purificação da casa – i.e. a transformação de ambos em receptáculos do Senhor – são parte de um só processo que estará sempre incompleto enquanto uma dessas dimensões não se realizar. Nas nossas conversas Dona Lourdes gosta de relatar exemplos de famílias na igreja Deus é Amor em que todos os membros já se converteram: “Ah! – costuma dizer- a família do irmão é a coisa mais linda deste mundo! Todo mundo é crente fiel”.
Na busca de purificação da casa (e da família), Dona Lourdes já não tem mais em casa as três televisões de que era dona e o rádio agora só fica sintonizado nos programas da Igreja Deus é Amor. Já conseguiu converter duas filhas e os outros membros da família, embora não frequentem a igreja, costumam escutar suas prédicas com certa reverência. Certa vez ao ouvir Dona Lourdes condenar seu comportamento aludindo aos “finais dos tempos” uma de suas netas reagiu com temor, dizendo: “Ai vó, pelo amor de Deus, a Senhora ora por mim, que eu não quero ficar aqui pra me queimar nesse inferno, eu que ir é com Jesus”; ao que ela respondeu: “Mas minha filha, você tem que se consertar também, olha aí esse shortinho, isso é roupa?”
A frequência a igreja só é impedida pela fraqueza que de é tomada de vez em quando: “As vezes eu ainda me sinto fraca, agora mesmo eu estou assim um pouco nervosa por causa dessa menina (Gaza), ela tava bem melhor, mas quando foi no mês junho ela piorou porque foi o mês que ela nasceu. Entende? Aí de lá pra cá eu tenho lutado um horror. Aí me dá um nervoso, eu fico nervosa e aí me sento fraca. Hoje mesmo tava com dor de cabeça. Aí quando tô melhor vou pra mim igreja, encontro com minhas irmãs é aquela alegria, fico lá com meu Jesus, esse testemunho do coração mesmo eu sempre tenho que contar, quando eu estou mais forte eu as vezes canto, gosto de cantar. E é assim oro por meu familiares todos, levo as fotos, peço as bênçãos , oro por todos”.
A fraqueza do corpo, que Dona Lourdes experimenta, é sentida como um certo impedimento para que venha realizar plenamente o seu ideal de converter-se em vaso para a manifestação do poder de Deus. Por isso ainda não foi batizada no Espírito Santo que é “uma coisa puríssima, finíssima”, não acessível a todos. Certa vez, conta que esteve muito próximo a receber o Espírito: “senti aquela coisa forte, eu tava no culto, e aquela oração tão poderoso, (eu tava mais fortissinha naquela época) então aquela oração tão poderoso e aquilo foi me enchendo e eu foi ficando assim, meu corpo tremendo todo, e aquela alegria... Aí ainda eu sinto alegre, mas eu não sei se é por que eu tô assim fraca, tô ficando velha, minha médica disse até que eu tô com anemia”.
Embora ainda sinta nervoso e não tenha alcançado o dom de ser preenchida pelo Espírito Santo, Dona Lourdes considera que sua vida tem agora um novo rumo: “Eu não faço parte deste mundo, não olho a mundanidade, não vejo televisão, praticamente vivo a santidade, procuro viver como meu Senhor manda. Hoje eu sou uma cristã. E graças a Deus tô feliz na Igreja Deus é Amor”.

O espiritismo
O espiritismo é uma religião baseada na doutrina do médium francês Alain Kardec. Estabelecido no Brasil em finais do século passado (Hess, 1989), congrega uma clientela preponderantemente de classe média. A doutrina espírita elabora a oposição entre bem e mal segundo um viés evolucionista - no quadro de uma linha contínua de evolução, o mal corresponde aos níveis inferiores de existência. O praticante espírita busca engajar-se ativa e conscientemente em um processo de desenvolvimento pessoal que implica acesso a poder sagrado (Warren, 1984; Droogers, 1989; Greenfield, 1992).
A abordagem espírita a doença e cura apoia-se nas idéias de evolução e energia. No mundo convivem espíritos com diferentes graus de desenvolvimento, destinados a um aperfeiçoamento contínuo. As relações entre esses espíritos, sejam encarnados ou desencarnados, envolvem circulação de energias, tanto positivas quanto negativas. A doença em primeiro lugar, aponta para o estado de desenvolvimento espiritual do doente; é sinal de fraqueza moral ainda a corrigir. Este estado refere-se não apenas as ações do indivíduo nesta vida mas pode remeter a uma situação advinda de encarnações passadas, conforme a doutrina do karma apropriada por Kardec. Em alguns casos a enfermidade resulta diretamente da interferência de espíritos menos desenvolvidos, que encontram pouso fácil no corpo dos que estão mais vulneráveis. São espíritos obsessores que provocam a doença porque de fato ignoram a maneira correta de agir; isto é, porque eles mesmo ainda não galgaram estágios evolutivos superiores (Greenfield, 1992; Droogers, 1989; Warren, 1984, Cavalcanti, 1983).
Aqui é preciso entendermos melhor alguns elementos da doutrina espírita. O mundo se revela ao espírita por meio de dois planos, o espiritual e o material. O primeiro é o mundo invisível dos espíritos, em processo de contínua evolução, ao longo do qual podem vir ter existências encarnadas, no âmbito do mundo material. O mundo material e o espiritual estão em contínua comunicação, embora seja no último que reside a o elemento chave ou propulsor de toda existência. A relação entre esses dois planos é constitutiva da própria pessoa. Para o espírita, cada pessoa é formada de um corpo material e de um espírito que sobrevive após a morte. Estes dois corpos estão ligados por meio do perispírito, uma substância semi-material, bioplásmica que está em volta de todo espírito e que é responsável pelas características individuais deste último (Cavalcanti, 1983).
O mundo material é um campo de provações, de dificuldades e sofrimentos passageiros necessários para a evolução dos espíritos. A chave desta evolução, conforme dizem os espíritas, está em uma vida devotada ao bem, ao amor ao próximo, ideal que é resumido pelo princípio da caridade. O espírita deve remodelar e regular sua vida de acordo com este ideal. Mais do que um simples acúmulo de boas ações, isso implica um controle reflexivo sobre si mesmo e sobre o corpo para que o espírito possa evoluir.
A formação espírita é, de fato, marcada por uma série de práticas de reflexividade e monitoração do corpo que visam conduzir a uma postura equilibrada frente a vida. O entendimento da vida a luz da doutrina deve, em primeiro lugar, possibilitar que cada um tenha compreensão e tolerância com suas próprias dificuldades. Só a partir daí é que se pode assumir responsabilidade sobre a evolução espiritual. Evoluir é de fato imprimir conscientemente, no exercício do livre arbítrio, uma nova direção à vida e às relações com outros segundo os princípios morais codificados na doutrina. A postura a que almeja o espírita, entretanto, é bem diferente, do compromisso militante do pentecostal. O controle de si se revela no equilíbrio, em uma atitude tranquila e serena frente a vida. Ao relatar como ocorreu a aproximação a religião, muitos espíritas freqüentemente se referem ao seu passado como marcado por uma modo de ser agressivo, nervoso, irritadiço, de revolta com o mundo. Tornar-se espírita é, ao contrário, aprender a se situar sempre de forma calma e tolerante frente aos outros e a si mesmo. O ideal de controle sobre o próprio corpo – sobre os impulsos, desejos e emoções – está também ligado ao valor que a cosmologia espírita atribui à racionalidade, a um modo de existência regulado pela capacidade de julgamento claro e pela ação resultante do exercício de tal julgamento.
Esta postura é também fundamental na própria mediunidade. No espiritismo as pessoas que têm capacidade de se comunicar com os espíritos são chamadas médiuns. Acredita-se que todos nós temos algum grau de mediunidade, apenas em alguns ela é mais desenvolvida, enquanto em outros quase não é percebida. Os médiuns são classificados em médiuns videntes, que são os que conseguem ver o que está ocorrendo no plano espiritual; médiuns de incorporação, por meio dos quais os espíritos se comunicam com o plano material e médiuns de percepção que percebem o que está ocorrendo no plano espiritual, mas cujo acesso a este plano, diferente do que acontece com o médium vidente, não se dá por meio da visão. Há ainda o médium de cura, que é aquele capaz de tratar pessoas doentes utilizando a presença de espíritos evoluídos.
A mediunidade é pensada em termos de uma comunicação de energia. “Na mediunidade o espírito não entra no corpo do médium, seja uma comunicação superior ou inferior. A aproximação com o espírito se dá mente a mente. E quando já existe uma aceitação, uma familiaridade com o espírito, ocorre quase uma simbiose entre o espírito e o médium”. A diferença entre os espíritos remonta a qualidades distintas de energia, com as quais o médium – que canaliza essa energia - precisa estar preparado para lidar. O espírito inferior tem uma qualidade de energia que se revela em uma maneira atormentada, desorganizada, enquanto o espírito superior emana tranquilidade, cumpre sua missão e se afasta sem se deter desnecessariamente no corpo do médium. Segundo um médium, o espírito superior “é como se fosse uma pluma que você vestisse e uma pluma que você está se desvestindo. O outro é mais agressivo, você se sente mal, faz determinados trejeitos, se o médium é mal educado pode bater na mesa”.
A mediunidade é assim fundamentalmente comunicação: o médium não é possuído mas canaliza energia, “é uma espécie de máquina consciente e inteligente que está a disposição do espírito, como uma máquina de escrever ou um computador”. Esse processo de comunicação requer duas realizações básicas por parte do médium. Em primeiro ele(a) deve estar aberto para captar ou canalizar a energia do espírito, estabelecer uma sintonia com a qualidade energética que este emana. Entretanto, não pode deixar-se tomar por essa energia, principalmente quando se trata de um espírito inferior. Deve estar sempre vigilante para não perder o controle sobre si pois caso não suceda estará pondo em cheque a atividade terapêutica que envolve a doutrinação dos espíritos obsessores. É no jogo entre abertura para o outro e controle de si, que reside o exercício correto da mediunidade. Nesse sentido é que para os espíritas apenas aqueles que já atingiram um certo grau de desenvolvimento espiritual (e portanto de disciplina e equilíbrio) podem exercer legitimamente a mediunidade.
Conforme já observado o exercício da mediunidade é parte integrante da atividade terapêutica desenvolvida em qualquer centro espírita. Esta se desenrola em um contexto organizado segundo moldes assistenciais: o centro é uma instituição que presta serviços terapêuticos a frequentadores e clientes ocasionais. Neste sentido é nítida a divisão entre aqueles que aí trabalham e aqueles que vem em busca de tratamento. Alguns centros tem uma estrutura fortemente burocrática: os espaços têm uma função clara e não ambígua e é mantido um controle metódico sobre o processo de tratamento. O cliente que dá entrada ao centro preenche uma ficha, descrevendo seus sintomas. Esta ficha é expandida com o registro dos vários terapeutas e tratamentos específicos pelo qual irá passar e é utilizada a cada novo ingresso no centro. Logo após a triagem inicial, o paciente é encaminhado para uma entrevistadora, com quem estabelecerá uma relação de caráter mais privado, nos moldes de uma consulta. É a entrevistadora que lhe indicará os tratamentos a que deverá ser submetido e é a ela que o paciente irá voltar após o término de cada um deles. Muitos destes tratamentos são construídos com base em um conjunto de imagens tiradas do domínio da prática biomédica, o que reforça a definição do centro como instituição assistencial.
O tratamento envolve tanto medidas sobre o doente quanto, nos casos de obsessão, uma ação direcionada ao espírito causador da aflição. A obsessão acontece com aqueles que ainda estão espiritualmente fracos ou pouco desenvolvidos. A pessoa que leva uma vida desregrada, amoral, voltada para seu próprio prazer e entregue a emoções negativas, como a raiva e a inveja, funciona como um imã para que espíritos inferiores se aproximem. O seu modo de vida e seus sentimentos são compatíveis com os sentimentos dos espíritos inferiores. Por sua vez, o espírito inferior, que traz consigo sentimentos e modos de conduta negativos, usa o corpo da pessoa obsediada para dar vazão a eles.
O tratamento consiste fundamentalmente em um empreendimento de cunho pedagógico: é preciso conduzir a pessoa em aflição – e, nos casos de obsessão, também os espíritos inferiores – a aprender e gradativamente adotar uma postura correta frente a vida, uma atitude serena, equilibrada, responsável. Trata-se de abrir caminho para um processo de evolução moral. O mais importante para conservar a saúde é manter uma conduta pautada na doutrina espírita, como forma de não se predispor à aproximação de espíritos considerados inferiores. Manter a vigilância contra comportamentos e pensamentos tidos como inferiores permite que não se entre em sintonia com espíritos ainda muito pouco evoluídos.
O doente precisa ser fortalecido espiritualmente. Deve ser instruído - através das palestras proferidas nas sessões doutrinárias, das conversas com o seu entrevistador, dos grupos de reflexão e estudo que são organizados no espaço do centro- a progredir moralmente, o que inclui, além das virtudes cristãs da caridade e amor ao próximo, o autocontrole, a disciplina e o estudo (aperfeiçoamento na doutrina). O progresso moral é acompanhado pelo fortalecimento de energias trazido pelo passe, ritual em que, através do movimento de mãos do passista/terapeuta, se opera uma transferência de energias positivas para o cliente5.
A organização do passe expressa bem o ideal espírita. A começar tem-se geralmente um ambiente de penumbra em que se ouve uma música suave de fundo, acompanhada pela fala pausada e lenta de um dos médiuns, instruindo os presentes a manter silêncio e relaxar, fechar os olhos e descruzar braços e pernas. Este ambiente não é exclusivo ao passe, a luz azul e a música suave podem estar presentes em várias outras situações, como no início da sessão doutrinária e da sessão mediúnica. Na sala do passe para onde são encaminhados grupos pequenos, todos devem manter-se concentrados, com os olhos fechados, enquanto os passistas aproximam-se colocando e movimentando lentamente as mãos sobre a cabeça e ao redor do corpo de cada um.
Quanto a ação sobre os espíritos obsessores - desenrolada no contexto da sessão mediúnica ou de desobsessão - esta não é muito diferente do tratamento dispensado aos encarnados que sofrem com sua interferência. Essas entidades causadoras de aflição são, também elas, tratadas com gentileza, como se fossem crianças que precisam ser ensinadas a se comportar de maneira apropriada e motivadas a substituir a ação destrutiva, causadora da doença, por uma ação construtiva e benéfica. Ao curar o doente, os terapeutas espíritas visam também contribuir para o progresso moral das entidades responsáveis pela doença. O tratamento deve cura conduzir espíritos menos desenvolvidos a estágios superiores de existência.
A sessão mediúnica é usualmente restrita aos médiuns do centro, não sendo permitida a presença dos pacientes. A sessão se inicia quando um dos médiuns (o médium de incorporação) é manifestado do espírito que se aloja no corpo do doente; então passa a desenrolar-se um diálogo entre o médium doutrinador e o espírito, cujo conteúdo é claramente pedagógico: este deve ser persuadido a mudar de conduta de modo a permitir que o doente, em cujo corpo se aloja, possa recuperar seu bem estar. A conversa informal constitui-se no modo de comunicação privilegiado para a construção do cenário da cura. Enquanto o doutrinador e o espírito conversam, outros participantes (médiuns de apoio) oram em voz baixa. A mudança gradual na atitude do espírito durante as sessões (que podem ser várias), de recusa aberta ao diálogo a uma crescente sensibilização às palavras do doutrinador, redefine o contexto da doença.
É também usual em alguns centros espíritas a cirurgia espiritual, promovida por espíritos curadores através dos médiuns. As pessoas são a ele encaminhadas devido a vários motivos, desde impaciência e tristeza até câncer. Aos doentes que irão se submeter a esse tratamento é aconselhado, desde a véspera, que não comam carne, peixe ou galinha, não bebam e não fumem. O tratamento envolve três etapas: na primeira os pacientes são levados a orar e relaxar. Em seguida são conduzidos a uma sala onde recebem o passe e só então vão para a sala da cirurgia e deitam-se em macas. A “queixa” do doente é lida e o médium por meio do qual o espírito terapeuta atua trata o doente através de movimentos com as mãos sobre o seu corpo e pelo toque. Apenas o médium vidente é capaz de ver a atuação da espiritualidade sobre o paciente, descrevendo-a para um médium relator no momento em que está vendo. Este relato é posteriormente encaminhado para o entrevistador que repassa ao paciente. Enquanto os doentes são atendidos nas macas, outros médiuns reúnem-se em uma mediúnica para doutrinar seus espíritos obsessores.
Apesar de todos essas medidas para o tratamento da doença, os médiuns insistem em que a recuperação da saúde é, em última instância, responsabilidade do doente. Enquanto não houver um redirecionamento da vida, a pessoa estará sempre em condições de atrair energias negativas. O espírita precisa assumir inteiramente a responsabilidade pelo que lhe acontece. Daí a necessidade de uma contínua vigilância interior além de uma disposição tranquila e serena frente a vida. Nisso reside o equilíbrio tão valorizado.


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