Miriam Cristina Rabelo, Paula Schaeppi, Sueli Mota, Juliana Rocha e Marcos Rubens



Yüklə 227,25 Kb.
səhifə4/6
tarix27.10.2017
ölçüsü227,25 Kb.
#16872
1   2   3   4   5   6

A história de Lana


Lana tem 34 anos vive com o marido e duas filhas em uma casa que denota uma condição diferenciada ao interior do Nordeste de Amaralina. Bastante gorda, branca e com um modo de falar que aponta para um vocabulário diferenciado da média do bairro, Lana sente-se melhor colocada na escala social que os demais moradores.
O problema de Lana, segundo ela mesma conta, é o “nervoso”. Sua experiência de aflição é permeada por um sentimento de proximidade da morte, o que a leva à angústia e ao desespero. “eu só me sentia bem, fechada dentro do quarto... eu ficava o tempo todo dentro do quarto com a porta fechada... ouvindo rádio, quando passava uma notícia que morreu alguém, eu corria e desligava o rádio e ficava me tremendo, batendo o queixo. (...) Eu sentia.... ansiedade, sabe? eu sentia como se eu fosse morrer, tá? Eu sentia que naquele momento ali era meu fim. Então eu lutava, eu achava que tinha que lutar pra não morrer... (...) ... realmente é uma sensação horrível... é aquele desespero, é aquelas vozes no ouvido... é aquela coisa ardendo assim... como dizia assim: ‘você vai morrer agora!’. Aquela coisa me agoniava, eu num queria ouvir aquilo, tá entendendo? E pelo fato de minha facilidade de sentir, as vezes, um acontecimento com alguém... também isso causava esse pobrema... e, as vezes, eu ficava assim... passava por uma pessoa... essa pessoa olhava pra mim e aí eu dizia assim: essa daí num vai durar quase nada aí. Daí a pouco tempo diziam: ‘Cê sabe quem faleceu? Foi fulana de tal’. E aí, por causa daquilo, eu mais me apavorava, o meu medo crescia muito mais, tá entendendo? Porqu’eu tinha aquela coisa comigo e aquele medo... aquele espírito ficava me vendo, me ouvindo... um som me buzinando aquelas coisas. Acontecia sempre o que eu imaginava... aquilo me deixava muito mais nervosa, entendeu?”
Para Lana seu nervoso foi se gestando a partir das dificuldades da vida: filha de uma família pobre, mais tarde abandonada pelo primeiro companheiro com quatro filhos pequenos que teve de criar sozinha e sujeita a uma rotina pesada de trabalho para dar conta da casa e crianças. Pior que tudo isso foi a perda de um filho de sete meses. Segundo conta foi a morte da criança que selou definitivamente seu quadro de aflição. O itinerário terapêutico de Lana incluiu visitas continuadas a médicos – principalmente psiquiatras e neurologistas – além de passagens por um terreiro de candomblé e igrejas pentecostais. Os médicos restringiam-se a prescrever tranquilizantes e as agências religiosas, diz, só pioravam seu estado. Lana fez uso dos tranquilizantes durante muito tempo embora sempre lhe incomodassem os efeitos incapacitantes das drogas.
Há também outro elemento que Lana identifica na origem do seu estado. Ela acredita possuir um poder de curar e fazer previsões; o fato de não utilizar este potencial, na sua opinião, é uma das causas que do seu problema de nervoso. Conforme conta, sua vida tem sido permeada por toda uma série de acontecimentos que sinalizam a presença desse poder. Seu próprio nascimento é um deles: após os médicos terem cortado o cordão umbilical, Lana diz que se sentou e deu risada; então já exibia quatro dentes. Já adulta chegou a dar “sessão de mesa branca” em sua casa. Dois caboclos, um índio e um africano, aparecem sempre que ela precisa ajudar alguém. Conta que no momento em que se aproximam, sente muita ansiedade; quando vão embora não consegue se lembrar mais de nada: “Porque você sai de você, naquele momento, e entrega a responsabilidade aquele espírito. Você está assim, daqui a pouco, sua casa, seus filhos, ou alguém tá algo, alguma coisa... negativa. Aí você daqui a pouco você.. recebe, é pegada, é apanhada assim pela aquela... entidade. Lhe pega assim... e dá uma força diferente. Uma força energética, uma força... fora do comum. E quando você olha, você não é mais você. Você não fala mais igual, você é outra pessoa. Ali você sabe coisas (...) Porque lá naquele momento a entidade toma conta do corpo da gente, né? e a gente passa a ouvir mensagens. (...) Mas ele sempre deixa a sensação muito boa pra pessoa. Certo? Nunca me deixou e...sensações de... assim diferentes, nem nada que pudesse... modificar. Quando eles vão embora, eles leva consigo as coisas negativa e deixa as positiva, certo? Só que eu não consigo me lembrar o que foi que foi feito dessa coisa, tá entendendo?”
A experiência de Lana está, assim, permeada por um projeto de ser terapeuta. Associado ao seu potencial para curar está a experiência de “choques” que ela sente no próprio corpo e para qual encontra um explicação no espiritismo. Os choques, diz ela, ocorrem em consequência de não estar fazendo uso do seu poder para ajudar as pessoas; são, assim, mais um sinal desse seu poder. “Eu tenho minha mediunidade que eu preciso trabalhar, ajudar as outras pessoas, colocar essa energia para fora, porque senão vai me fazer mal. Esse choque que eu sentia, isso é energia presa, era um choque mesmo, parecia que eu era um robô e tinham me ligado na tomada. Você já tomou um choque? Pois é a mesma coisa, é um choque mesmo. (...) Eu venho de uma origem de 21 entidades. De 21 entidades. Tem gente que vem a origem de uma só. De um anjo da guarda, de um protetor e só. Certo? Eu venho de 21... entidades. Entidade essas que transmite vários tipo de energia. Vários tipo de coisa, por isso que eu passava pelo processo espiritual de...de.... de muito grande. Alcancei o terceiro grau de evolução...de por isso... por ter muita energia. Eu dava choque. Eu... cheguei no centro dando choque”.
Na perspectiva de Lana o espiritismo lhe acena, então, para a possibilidade de tornar-se uma terapeuta espírita. Diz ter encontrado na terapia espírita a solução para seus problemas. Frequenta um centro grande, situado na fronteira entre o Nordeste de Amaralina e a Pituba, bairro de classe média, contíguo ao Nordeste. Mostra-se maravilhada não só com o grande número de pessoas que procuram o espiritismo mas também com a boa condição econômica dos frequentadores desse centro. A cura no espiritismo, para Lana, parece estar ligada também a possibilidade de uma melhora geral em sua vida, inclusive financeira.
No centro espírita, Lana participa do passe, comparece as palestras doutrinárias, frequenta sessões com o Irmão Palminha – um espírito médico que incorpora um dos médiuns do centro - e tem encontros regulares com uma entrevistadora, com quem conversa sobre seu problema. Em um desses encontros, logo no início do seu tratamento, a entrevistadora sugere a Lana que ela está como um guarda-roupa desarrumado. Para pôr as coisas em ordem Lana deveria conduzir-se de acordo com as prescrições da doutrina espírita. Isto exige uma disciplina que Lana diz lhe faltar em alguns momentos. Antes de ir ao centro, por exemplo, ela considera necessário não ingerir bebida alcoólica, ter dormido bem, não comer comida “pesada”, estar calma etc., atitudes que muitas vezes tem dificuldade em assumir. Isso tem levado Lana a não conclusão da terapia, o que considera como uma dificuldade sua que não tem nada a ver com qualquer objeção ao que é proposto pelo espiritismo.
O passe, segundo Lana, é algo capaz de curar qualquer pessoa com problemas: “Quando você tá sentindo alguma coisa, que você toma o passe, com fé, você fechou os olhos, você toma um passe com fé, é você... muda, tá entendendo? Cê muda mesmo. Cê consegue tirar os pés do chão. Você consegue naquele momento sair... de você. E ir aonde você quiser, certo? Porque o passe não precisa você pedir. Os espíritos sabe tudo que você sente, tudo que você precisa. Então, quando o médium tá dando um passe ele já vai no lugar certo. Ele já passa a... a energia no lugar certo, aonde você tá sentindo as coisas. Certo? (...) Mas quando você sai da sala de passe você sai... renovada. E se todo dia você tomar, cada dia você tá renovando suas energias, renovando, renovando, e aí você vai conseguir fazer tudo o que você tem vontade. Que você tem algum problema, você vai sair do pobrema. Porque o passe é uma troca de energia e é uma maravilha”.
Lana percebe entre os membros do centro uma postura tranquila que associa diretamente a educação e que compõe mais um traço de distinção do universo de classe média que tanto lhe fascina: “Cê vê que a vida das pessoas... do centro são pessoas educadas... são as pessoas que num ... num é nervosa, não são pessoas que num se deixam levar por qualquer coisa, não entendeu? Por nada [diz, em tom mais elevado], por nada...”. Esta postura tranquila está intimamente relacionada a outro elemento do ethos de classe média que Lana capta bem ao sintetizar a abordagem espírita a doença: “Se você chegar lá chorando, então, ela que que você num chore, e elas faz de tudo e elas consegue que você pare de chorar porque ela diz, você é dono de você mesmo, e quando a gente quer, a gente consegue”.
A centralidade da idéia de controle de si aparece na série de conselhos e ensinamentos que Lana recebe dos terapeutas espíritas. Um destes aponta para a importância de que ela se torne independente, que assuma as rédeas da sua vida: “Meu problema era na cabeça, era...eu não tinha cabeça pá pensar em coisas boas. Eu pensava o tempo todo em coisas negativas. E quando a gente para e pensa que... o negativo já atingiu uma boa parte da nossa mente, do nosso corpo e da nossa casa e do nossos filhos, aí a gente começa a lutar pá ser independente”. Outro campo sobre o qual buscam intervir os terapeutas do centro remete às experiências de incorporação vivenciadas por Lana. Enfatizando a importância de se ter controle sobre o próprio corpo, passam uma série de instruções para que Lana evite a perda de consciência e a entrega de si ao poder dos guias.
Esta proposta não é bem aceita por Lana que sempre se orgulhou de seu poder espiritual e, segundo insiste, sempre foi beneficiada pelos seus guias. Por conta disso, o seu entusiasmo com o espiritismo sofre certo abalo após alguns meses. O tratamento com Irmão Paulo é apontado como um dos elementos marcantes nesse processo de desencantamento com o centro. Lana participara de um atendimento com o terapeuta e fora recomendada por ele a deitar-se sobre um lençol branco assim que chegasse em casa, ficando por algum tempo nessa posição. Como já havia lhe acontecido anteriormente após o atendimento de cura espiritual com Irmão Paulo voltou para casa invadida por um certo mal estar, sentindo-se pesada, com dor de cabeça. No dia seguinte foi ao centro conversar com sua entrevistadora sobre o ocorrido; ela não estava e Lana sentou-se, chorando, em um dos bancos no pátio, foi socorrida por uma mulher que trabalhava no centro. Esta lhe explicou o cerne do tratamento de Irmão Paulo: segundo ela, seu objetivo era bloquear os guias de Lana. A mulher lhe recomendou, então, que voltasse para casa, acendesse uma vela para seus guias e ajoelhada, orasse, pedindo-lhes perdão. Se assim fizesse poderia reverter o processo. Além disso lhe aconselhou a procurar outro centro, mais próximo a linha de Umbanda, pois no Paulo Estêvão não poderia contar com aprovação ao seu tipo de mediunidade.
Lana passa algum tempo sem frequentar o Paulo Estêvão mas com o agravamento do seu nervoso resolve voltar ao tratamento do irmão Paulo. Desta vez é encaminhada também para um grupo de crescimento espiritual. Após o tratamento diz sentir-se bastante serena o que se expressa inclusive no seu tom de voz, lento e pausado. A participação no grupo de crescimento é vista por ela com entusiasmo inclusive porque parece sinalizar um caminho alternativo no seu projeto de ser terapeuta.



Yüklə 227,25 Kb.

Dostları ilə paylaş:
1   2   3   4   5   6




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin