EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER – LEI Nº 11.340-06, “MARIA DA PENHA” – ART.129, §9º DO CPB - DECISÃO QUE INDEFERE PEDIDO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA – VÍTIMA NÃO INTIMADA, FINS DE COMPARECER AO SETOR TÉCNICO RESPONSÁVEL, APESAR DE ATUALIZADO SEU ENDEREÇO - NECESSIDADE DAS MEDIDAS COMPROVADA POR MEIO DAS DECLARAÇÕES DA OFENDIDA PRESTADAS EM SEDE POLICIAL – DEFERIMENTO - RECURSO PROVIDO.
Apelação Criminal Nº 1.0024.11.001649-0/001 - COMARCA DE Belo Horizonte - Apelante(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - Apelado(a)(s): MARCELO DE SOUZA RAMOS - Vítima: MARLEIDE ANTONIA DA SILVA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em dar provimento ao recurso ministerial.
DES. WALTER LUIZ DE MELO
Relator.
Des. Walter Luiz de Melo (RELATOR)
V O T O
Tratam os autos de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, insurgindo-se contra a decisão de fls.20, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 14ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte/MG, o qual indeferiu a concessão de medidas protetivas para a vítima Marleide Antônia da Silva, uma vez que esta deixou de manifestar interesse em dar continuidade ao feito.
Alega o apelante, inconformado, que a vítima, em sede policial, pleiteou a concessão de algumas medidas protetivas; que a decisão de 1º grau baseou-se em uma presunção de desinteresse da ofendida, vez que a mesma não compareceu ao setor técnico responsável, não obstante qualquer previsão legal ou judicial neste sentido; que o fato de a vítima não ter comparecido ao setor especializado não permite ao Julgador inferir o desinteresse da mesma na aplicação das medidas protetivas; que a ofendida não fora intimada pessoalmente, pelo que, estava desobrigada a comparecer para elucidar a situação de risco por ela vivenciada; que em momento algum a vítima estabeleceu desinteresse tácito, fls.26/32.
Contrarrazões às fl.50/53 em que se requer seja negado provimento ao apelo confirmando-se integralmente a sentença de 1º grau e a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, uma vez que está sendo o apelado defendido por dativo.
A d. Procuradoria-Geral de Justiça, fls.59/61, opina pelo não provimento do recurso ministerial.
Este é o relatório.
Passo a proferir o voto:
Conheço do recurso, posto que, presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, registrando que não há preliminares ou irregularidades que possam contaminar a validade deste processo.
Pretende o Órgão Ministerial, em síntese, o deferimento das medidas protetivas pleiteadas, salientando que, não obstante não tenha a vítima retornado aos autos após o pedido formulado em sede policial para fins de aplicação das medidas protetivas, estudando-se as provas coligidas nos autos, não há que se presumir seu desinteresse. Razão lhe assiste.
A Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, foi criada para oferecer proteção integral à mulher vítima de violência doméstica, contemplando medidas protetivas de urgência à mesma.
Analisando com acuidade os autos, extrai-se do depoimento prestado pela vítima em sede policial que:
“(...) a declarante vive amasiada com Marcelo, há doze anos e possuem um filho em comum; que, a declarante vem sofrendo com as agressões dele há três anos, o que acontece normalmente quando ele chega em casa, com sintomas de embriaguez; que, na madrugada de hoje, ele chegou em casa, agressivo e começou a agradi-la com socos, batendo ainda sua cabeça contra a janela; que ele ainda a ameaça, dizendo que irá matá-la; que ninguém presenciou tais agressões, porém sua vizinha, Carla, tem conhecimento de agressões e ameaças anteriores.” – fls.05
A vítima, em suas declarações, reafirmou os termos do Histórico do Boletim de Ocorrência, requerendo as medidas protetivas em questão.
Às fls.19, vê-se certidão de lavra do Oficial de Justiça, destacando-se que deixou-se de intimar a vítima para fins de comparecimento no Setor Técnico para as providências cabíveis em virtude de no endereço não ter sido a mesma encontrada nas ocasiões em que o serventuário ali compareceu.
Porém, coaduno com o entendimento disposto pelo combativo Promotor de Justiça oficiante, segundo o qual, no caso em comento, não obstante estivesse o endereço da ofendida atualizado, a mesma não foi validamente intimada a comparecer ao local indicado, fins de, se for o caso, dar prosseguimento às investigações iniciadas por meio do Boletim de Ocorrência e Representação de fls.03, com o que, não se poderia, por ineficiência/falha na intimação, pressupor-se que a vítima teria desinteresse no feito.
A palavra da vítima, em crimes cometidos no âmbito doméstico é de suma importância, já que as violências ocorrem, na maioria das vezes, dentro do próprio âmbito familiar, sem prova testemunhal.
A propósito da concessão das medidas protetivas de urgência, estabelece a Lei 11.340/06, em seu art. 19 e § 1º que poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
No presente caso, subsistem pelo menos indícios de que as agressões ocorreram. Aliás, ocorreram em momentos anteriores e posteriores aos dos presentes autos.
Em que pese o fato de inexistirem outras provas a corroborar as declarações da ofendida, em se tratando de fato ocorrido no contexto de relação íntima de afeto, na qual o agressor tenha convivido com a ofendida, a palavra desta assume especial relevo, desde que coerente e sem contradições.
Esta egrégia Câmara já se pronunciou sobre o tema. Confira-se:
“Ementa: ... - LEI MARIA DA PENHA - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - PALAVRA DA VÍTIMA - RELEVÂNCIA - MEDIDA PROTETIVA - CONCESSÃO DEVIDAMENTE JUSTIFICADA - RECURSO NÃO PROVIDO. - A palavra da vítima, verossímil e compatível com os fatos alegados, insta credibilidade do Juízo, amparando a determinação das medidas protetivas previstas na Lei nº. 11.340/06, que podem, inclusive, ser imediatamente decretadas, sem oitiva da parte adversa. - Recurso não provido”. (Numeração Única: 0005361-44.2010.8.13.0637. Relator: Des.(a) SILAS VIEIRA. Data do Julgamento: 04/10/2011. Data da Publicação: 18/11/2011).
Portanto, as declarações da vítima são críveis e, por conseguinte, para efeito de concessão das medidas protetivas de urgência, os indícios de autoria e materialidade encontram-se satisfatoriamente presentes, até porque eventuais contradições somente poderão ser aferidas no decorrer da instrução criminal.
Daí que, a hipótese dos autos cinge-se à relação de interdependência do pedido de aplicação de medidas protetivas de urgência, apresentado com fulcro na Lei nº 11.340/06, e a existência de interesse da vítima, interesse este que já se mostrou manifesto em suas declarações na Delegacia de Polícia.
Destarte, o fato de não ter sido apresentada reiteração do pedido pela vítima ou representação por parte desta, não afasta as medidas a serem adotadas no presente procedimento, o qual possui caráter de tutela satisfativa autônoma, em que não há a necessidade de indicação de outra lide de direito material a ser deduzida como processo principal, pois considerando que a ação, em tais casos, seria incondicionada à representação, o processo judicial poderia iniciar-se a qualquer tempo.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso e, com fulcro no art. 22, inciso III, letras ‘a’, ‘b’ e ‘c’, da Lei nº 11.340/06, PROÍBO MARCELO DE SOUZA RAMOS de APROXIMAR-SE de MARLEIDE ANTÔNIA DA SILVA, de seus familiares e testemunhas, até ulterior determinação da Justiça e fixo 200 (duzentos) metros o LIMITE MÍNIMO DE DISTÂNCIA a ser observado e mantido pelo autor do fato em relação à referidas pessoas. Fica o autor do fato PROIBIDO de manter contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação.
O comprovado descumprimento desta ordem judicial configura crime de desobediência, sem prejuízo da decretação da prisão preventiva (art. 20).
Quanto à medida protetiva pleiteada pela ofendida, consistente em restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe do atendimento multidisciplinar ou serviço similar, deve ser apresentada na esfera cível, por meio de ação própria.
Por derradeiro, quanto à concessão das benesses da Justiça Gratuita, verifico não existir no bojo dos autos qualquer declaração que comprove a hipossuficiência do apelado, razão pela qual, não obstante esteja sendo assistido por defensor dativo, indefiro.
Custas na forma da lei.
Desa. Kárin Emmerich (REVISORA)
V O T O
Recomendação de diligência
A meu sentir é necessária a conversão do julgamento em diligência para que os autos retornem ao Juízo de origem e seja designada audiência para oitiva da vítima, ocasião em que manifestará interesse ou não na continuidade do feito.
VOTO DE DECLARAÇÃO
Caso a recomendação supra não seja aceita, voto com o relator, apenas acrescentando, por derradeiro, que tendo sido nomeado advogado dativo ao apelado, conforme despacho de fls. 48, fixo-lhe honorários no montante de R$ 316,98 (trezentos e dezesseis reais e noventa e oito centavos), conforme Resolução Conjunta TJMG/AGE/SEF/OAB Nº 001 de 13 de março de 2013.
Des. Silas Rodrigues Vieira - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "RECURSO PROVIDO"
Fl. /