versidade. Ver António de Vasconcelos, Origens do foro académico na antiga Uni-
versidade portuguesa, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol. III, págs. 379 e segs. O
referido estudo foi posteriormente desenvolvido e encontra-se republicado, com
o título Génese e evolução histórica do foro académico da Universidade portuguesa. Extinção
do mesmo (1290-1834), in António de Vasconcelos, "Escritos vários relativos à
Universidade dionisiana", vol. I, Coimbra, 1987, págs. 297 e segs. (reed. pre-
parada por Manuel Augusto Rodrigues).
220
PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
as novas concepções sobre a ciência e a hierarquia das suas verten-
tes, o fenómeno da formação de grandes centros urbanos. Convém
realçar a importância que assumiu o rápido desenvolvimento de
certos domínios, entre os quais se contam o direito romano e o
direito canónico.
Todavia, as Universidades tiveram origem diversificada.
Justifica-se uma classificação tripartida.
As primeiras Universidades surgiram espontaneamente, a par-
tir da evolução e corporatização de pequenas escolas pré-existentes,
monásticas, diocesanas ou municipais. Assim sucedia sempre que
um mestre local se notabilizava pelo seu ensino e criava discípulos
numa certa área científica. Foi o que se verificou com Irnério e
Graciano, que celebrizaram Bolonha nos domínios do direito
romano e do direito canónico, respectivamente, enquanto Paris se
distinguia devido aos estudos teológicos e Montpellier se tornava um
importante centro de ensino da medicina. Tais Universidades nas-
ceram como que consuetudinariamente ("ex consuetudine").
Algumas vezes a instituição universitária resultou do desmem-
bramento ou separação de uma outra ("ex secessione"). Este pro-
cesso encontrava-se facilitado pela grande mobilidade que possuíam
as Universidades medievais, em consequência dos reduzidos meios
de que dispunham. Via de regra, não tinham edifícios próprios,
decorrendo as aulas nos claustros das sés ou dos mosteiros, ou em
casas arrendadas, e todo o material didáctico se limitava a uns pou-
cos livros. Tornava-se fácil, portanto, a deslocação da Universi-
dade para outro local, quando se agudizassem os frequentes confli-
tos entre estudantes e burgueses. Ora, passada a crise,tn^
uma parte dos mestres e dos escolares, pelo menos, recusava-se a
regressar à sede originária. Por exemplo, a Universidade de Cam-
bridge (1209) nasceu de uma secessão da Universidade de Oxford,
assim como a de Pádua (1222) de um desmembramento da de
Bolonha.
Resta apontar uma terceira linha, posterior na ordem crono-
lógica. Trata-se das Universidades criadas por iniciativa de um
221
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
soberano ("ex privilegio"), normalmente sem terem atrás de si o
prestígio de uma tradição firmada. Em virtude disso, só através da
confirmação pontifícia tais Universidades eram elevadas ao plano
das outras e os respectivos graus académicos adquiriam valor uni-
versal; digamos, conferiam o direito de ensinar em qualquer parte
("ius ubique docendi"). As primeiras Universidades deste tipo
foram as de Palência (1212), Nápoles (1224) e Toulouse (1229). Daí
em diante, tornou-se o processo invariavelmente adoptado na cria-
ção de novos centros de ensino universitário.
Eis o segundo elemento de transmissão do direito romano renas-
cido à Europa em geral. Pois o ensino da ciência jurídica repre-
sentava um dos sectores mais importantes das Universidades.
b) Na Península Ibérica e especialmente em Portugal
A Península Ibérica não constitui excepção ao que acabamos
de referir. Participou, de modo muito concreto, nesse movimento
europeu de recepção do direito romano renascido. Apreciaremos,
antes de mais, quando se verificou. Em seguida, analísam-se diver-
sos factores ou manifestações da difusão romanística na vida jurí-
dica hispânica e portuguesa.
I — Em que época se inicia
Existem indicadores da penetração do direito romano renas-
cido, já nos finais do século XII, em regiões hispânicas que tinham
maior"cõntacto conTó festo dá Europa. Seria o caso da Catalunha.
NTão obstante, se"raSiHê1FãTmos o conjunto dos Estados de aquém-
-Pirenéus, deverá concluir-se que só ao longo do século XIII o movi-
mento romanístico tendeu a difundir-se em todos eles(!).
(') Ver Eduardo de Hinojosa, La admisión dei Derecho romano en Catalúm,
in "Obras"., cit., tomo II, págs. 389 e segs., José Maria Font Rius, La recepciótt
222
PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÔNICA
Relativamente ao nosso país, encontram-se, a este propósito,
algumas afirmações infundadas. O que salientámos, quanto à Penín-
sula em geral, afigura-se exacto a respeito do território português.
Se entendermos, é certo, que se verifica o renascimento do
direito romano justinianeu pelo simples facto de haver pessoas que,
melhor ou pior, conhecessem esses textos dos Glosadores, impor-
tará recuar a data da sua introdução, pois tornava-se quase impossí-
vel, dadas as relações com a Itália e a França, uma completa igno-
rância, em Portugal, até ao século XIII, do novo surto jurídico.
Aliás, a história dos nossos primeiros reis mostra que eles tiveram
colaboradores a quem, de certeza, não eram estranhas as colectâ-
neas justinianeias, acompanhadas dos estudos correspondentes. Ser-
vem de exemplos o Mestre Alberto, chanceler de Afonso Henri-
ques,, ojvlestre Julião, ainda do tempo deste monarca e que conti-
nuou com Sancho I e Afonso II, os quais também tiveram como
conselheiro jurídico o milanês Leonardo, e o Mestre Vicente, chan-
celer de Sancho II. Por outro lado, restam múltiplos vestígios de
códices que, desde o século XII, atestam a presença de livros de
direito da romanística e da canonística medievais (*). Mas nada
disto traduziu uma recepção efectiva.
dei Derecho romano en la Península Ibérica durante la Edad Media, in "Recueil de
Mémoires et Travaux publié par la Société d'Histoire du Droit et des Institu-
tions des Anciens Pays de Droit Écrit", fase. VI, Montpellier, 1967, págs. 85 e
segs., e García-Gallo, Manual, cit., tomo I, págs. 89 e segs., e 458 e segs.
, (l) Ver P.e Avelino de Jesus da Costa, Fragmentos Preciosos de Códices
Medievais, Braga, 1949, especialmente pág. 15 (sep. de "Bracara Augusta", cit.,
vol. I, págs. 420 e segs., e vol. II, págs. 44 e segs.), M. J. Almeida Costa, Para a
história da cultura jurídica medieva em Portugal, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., tomo
XXXV; págs. 253 e segs., Domingos Pinho BrandAo, Teologia, Filosofia e Direito
na diocese do Porto nos séculos XIV e XV, Porto, 1960, Isaías da Rosa Pereira, Livros
de Direito na Idade Média, in "Lusitânia Sacra", tomo VII, Lisboa, 1966, págs. 7 e
segs., e tomo VIII (1970), págs. 81 e segs., e Achegas para a história da cultura jurídica
em Portugal, in "Boi da Fac. de Dir.", cit., voi. LVIII, tomo II, págs. 511 e segs., e
A. Moreira de SA, Primórdios da Cultura Portuguesa-II e O Porto e a cultura nacional
nos séculos XII e XIII, in "Arquivos de História da Cultura Portuguesa", vol. II,
223
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
II — Quando se verifica em escala relevante
As considerações precedentes não conduzem, na verdade, ao
reconhecimento, nessa época, de uma autêntica difusão, entre nós,
de direito justinianeu e da obra dos Glosadores. Para que possa
falar-se de efectiva recepção do direito romano renascido, torna-se
necessária a prova de que este tinha entrado na prática dos tribu-
nais e do tabelionato, que excercia influência concreta na vida jurí-
dica do País. Ora, isso não sucedeu antes dos começos do século
xill. E ao longo deste século, maxime a partir dos seus meados, que
a referida recepção se desenvolve em linha progressiva.
A corroborá-lo está o modo como a mesma se operou. Recor-
de-se que consistiu, essencialmente, num fenómeno de difusão da
nova ciência jurídica que se cultivava nas Universidades ('). Daí
que os seus veículos decisivos fossem os juristas de formação uni-
versitária, através de uma actuação prática nas esferas judiciais e
notariais. Caminhou-se, pouco a pouco, para a superação do ante-
rior empirismo jurídico (2).
Também influenciaram a recepção romanística outros factores
que adiante se analisam. Não deve esquecer-se, todavia, que as
determinações do rei e das Cortes, ou os textos legislativos, pos-
suíam sempre uma eficácia relativa, em consequência da imprepa-
ração dos juízes, tabeliães e advogados, amiúde incapazes de inter-
pretar e aplicar os preceitos legais, ou até de saber lê-los. Ainda
durante o século XIII e, inclusive, no decurso do imediato, a justiça
das comarcas continuou entregue, fundamentalmente, a juízes de
eleição popular. Só com passos muito lentos se procedeu à sua subs-
Lisboa, 1968, n.° 1 e n.° 2, respectivamente, e A. Garcia y García, Canonistas
portugueses medievalès, in "Est. sobre la Can. Port. Med.", cit., págs. 95 e segs.,
especialmente págs. 99 e segs.
(') Ver, supra, pág. 219.
( ) Ver, supra, págs. 195 e seg.
224
PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
tituição por "juízes de fora", que exerciam a justiça em nome do
monarca e, não raro, eram já letrados (!).
A recepção do direito romano renascido foi, portanto, um
movimento progressivo e moroso. Sem dúvida, mais rápido e eficaz
nos meios próximos da Corte e dos centros de cultura eclesiástica
do que nos pequenos núcleos populacionais desses distanciados.
Decorre do exposto que a metodologia própria para a
investigação do modo e verdadeiro alcance, entre nós, da recepção
romanística deve voltar-se principalmente para a nova classe dos
juristas, inclusive para os auxiliares de justiça, tendo em conta a
respectiva formação, origem eclesiástica ou laica, os livros que
possuíam, a sua localização e a importância social de que
desfrutavam. Só um árduo levantamento desses dados permitirá
atingir conclusões seguras ( ).
35. Factores de penetração do direito romano renascido na
-*-r,.
tf? esfera jurídica hispânica e portuguesa
As manifestações da expansão romanística foram variadas e de
enorme importância para os destinos do direito peninsular. Não
existem especificidades salientes relativas ao nosso país. Pode dizer-
-se que os Estados peninsulares sofreram, quanto à recepção do
direito romano renascido, a influência de factores essencialmente
comuns. Indicaremos os mais valiosos.
Cabe insistir, desde logo, na concreta expressão peninsular dos
dois elementos, atrás indicados, que estiveram presentes em toda a
difusão romanística europeia. Porém, acrescentam-se outros.
(') Consultar, por ex., as observações de Braga da Cruz, O direito subsi-
diário, cit., nota 20 da pág. 193.
(2) E nesta ordem de ideias que A. Pérez Martín avança o projecto de
um "Corpus Iuristarum Hispanorum" (cfr. "An. de Hist. dei Der. Esp.", cit.
tomo LI, págs. 859 e segs.).
225
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
■ a) Estudantes peninsulares em escolas jurídicas italianas e francesas.
Jurisconsultos estrangeiros na Península
Já ao longo da segunda metade do século XII se detectam na
Península Ibérica jurisconsultos de formação estrangeira (1). Con-
tudo, só desde os começos do século XIII existem testemunhos de
uma presença significativa de estudantes peninsulares, com predo-
mínio de eclesiásticos, em centros italianos e franceses de ensino do
direito (2). As preferências favoreciam, de longe, a Universidade de
Bolonha (3).
Esses legistas e canonistas, procedentes das várias regiões da Penín-
sula, aparecem, via de regra, apenas qualificados como Hispanos,
pelo que nem sempre se mostra nítida a sua exacta naturalidade
cispirenaica (4). Entretanto, devido à grande afluência de península-
(') Ver, supra, págs. 222 e seg.
( ) Consultar as indicações bibliográficas de Braga da Cruz, O direito
subsidiário, cit., pág. 184, nota 1. Quanto à presença de estudantes portugueses de
leis e de cânones, a partir do séc. xiv, noutras Universidades estrangeiras, ver J.
Veríssimo SerrAo, Portugueses no Estudo de Toulouse, Coimbra, 1954, págs. 24 e
segs., Portugueses no Estudo de Salamanca, vol. I, Lisboa, 1962, págs. 35 e segs., e Les
portugais à l'Université de Montpelher (xn.e-xm.esiècles), Paris, 1971, págs. 35 e segs., e Giovanni
Minucci/Leo Kosuta, Lo Studio di Siena nei secoli xiv-xvi. Documenti e notizie biblio-
grafiche, Milano 1989 (vol. 1 da colecção "Orbis Academicus", dirigida por Dome-
nico Maffei/Paolo Nardi). Ver, também, a bibliografia referida por M. J.
Almeida Costa, La présence d'Accurse, cit., in "Boi. da Fac. de Dir.", vol. XLI,
págs. 51 e seg., notas 9 e 10.
(3) A respeito da influência geral da Universidade de Bolonha na cultura
espanhola, ver, especialmente, Juan Beneyto, La Universidad de Bolonia y la cul-
tura espánola, in "Studi e Memorie per la Storia dell'Università di Bologna",
nuova serie, vol. I, Bologna, 1956, págs. 589 e segs.
(4) É o caso do canonista Vicente Hispano, cuja nacionalidade portuguesa
se discute (ver Ana B. de Lima Machado, Vicente Hispano - Aspectos biográficos e
doutrinais, in "Boi. do Min. da Just.", cit., n.° 141, págs. 5 e segs.; consultar,
ainda, António Domingues de Sousa Costa, Mestre Silvestre e Mestre Vicente,
juristas da Contenda entre D. Afonso II e suas Irmãs, in "Itinerarium", cit., ano IX,
n.° 4, págs. 249 e segs.). Não se levantam dúvidas, por exemplo, a respeito de
Pedro Hispano (ver Isaías da Rosa Pereira, O canonista Petrus Hispanus Portugalen-
sis, in "Arquivos de História da Cultura Portuguesa", cit., vol. II, n.° 4). Con-
226
PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
res, a nação dos "Hispani" acabaria por se subdividir, dentro do
corpo universitário bolonhês, designadamente nas de Portugal, Cas-
tela, Aragão, Catalunha e Navarra.
Alguns dos juristas peninsulares atingiram grande notoriedade,
ocupando cátedras de direito romano e de direito canónico.
Exemplifica-se com o fecundo canonista João de Deus, porventura,
o nosso mais destacado jurisconsulto medievo ('). De qualquer
modo, estes juristas de formação bolonhesa regressavam normal-
mente ao País, logo após a conclusão dos seus estudos. Tais letrados,
como então se lhes chamava, ascendiam a postos cimeiros, na
carreira eclesiástica, política ou do ensino, e tornavam-se, sem
dúvida, arautos importantes da difusão do direito novo (2).
sultar, também, A. García y García, Canonistas portugueses medievales, cit., in
"Est. sobre la Can. Port. Med.", págs. 104 e segs., onde se mencionam vários
canonistas portugueses.
( ) Conforme salienta Paulo Merèa ao ocupar-se de outro jurisconsulto
da época (cfr. Domingos Domingues, canonista português do séc. XIII, in "Boi. da Fac.
de Dir.", cit., vol. XLIII, págs. 223 e segs.). Sobre João de Deus, consultar
António Domingues de Sousa Costa, A doutrina penitencial do canonista João de
Deus, Braga 1956, Um mestre português em Bolonha no século XIII, João de Deus. Vida
e obras, Braga, 1957, e Animadversiones criticae in vitam et opera canonistae Joannis de
Deo, Romae, 1958, e A. García y García, Canonistas portugueses medievales, cit., in
"Est. sobre la Can. Port. Med.", págs. 113 e segs.
( ) Recordemos outro exemplo, embora mais tardio: João das Regras.
Sobre este jurista, cônsultem-se Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, João das Regras
e outros juristas portugueses da Universidade de Bolonha (1378-1421), Lisboa, 1960, O
chanceler João das Regras, Prior da Igreja da Oliveira, em Guimarães. A propósito de um
estudo recente, Lisboa, 1974 (seps. da "Rev. da Fac. de Dir. da Univ. de Lisb.",
cit., respectivamente, vols. XII e XXV), O Discurso do Doutor João das Regras nas
Cortes de Coimbra de 1385. Dúvidas e Observações, Braga, 1984, Apostilha a "O Dis-
curso do Doutor.João das Regras nas Cortes de Coimbra de 1385. Dúvidas e Observações",
Braga, 1987 (seps. de "Scientia Ivridica", respectivamente, tomos XXXIII e
XXXVI), e Sobre o apelido do Doutor João das Regras, Lisboa, 1985 (sep. do "Boi. do
Min. da Just.", cit., n.° 349), e António BrAsio, O clérigo João Afonso das Regras D.
Prior da Colegiada de Guimarães, Guimarães, 1981 (sep. de "Actas do Congresso
Histórico de Guimarães e da sua Colegiada", vol. II).
227
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
Resultado análogo decorria do movimento paralelo da vinda
de jurisconsultos estrangeiros para a Península. Foi também muito
significativo. Esses jurisconsultos desempenharam funções importan-
tes junto dos monarcas, maxime como chanceleres e conselheiros, ou
exerceram a docência universitária.
b) Difusão do "Corpus luris Civilis" e da Glosa
Era natural que os juristas trouxessem do estrangeiro, além da
especialização, textos relativos à disciplina que cultivavam. Ini-
ciativa de grande alcance. Assim, à existência esporádica de códices
jurídicos no século xi^1), segue-se a sua difusão do século xm em
diante.
Multiplicam-se os textos do Corpus luris Civilis com a respec-
tiva Glosa. A divulgação e a citação destes, num ritmo crescente,
assumiram relevo histórico inquestionável para o incremento do
direito comum. Os testemunhos abundam nos inventários das
bibliotecas das catedrais e dos mosteiros respeitantes aos vários
Estados peninsulares. Do mesmo modo, tornam-se frequentes as
referências em deixas testamentárias de clérigos e, mais tarde,
inclusive, de juristas seculares ( ).
c) Ensino do direito romano nas Universidades
O surto universitário não tardou a comunicar-se à Península,
servindo de paradigma a estrutura bolonhesa. Em princípios do
( ) Ver, supra, pág. 223 e nota 1. Aos estudos aí mencionados, acrescenta-
-se Bibliotecas Medievais Espawlas, in "Miscelânea Mons. José Rius Serra", vol. I,
San Cugat dei Vallés, 1965, págs. 139 e segs., onde, como Nuno J. Espinosa
Gomes da Silva observa, se incluem um inventário, de 1364, dos livros do bispo
de Lisboa Lourenço Rodrigues e um rol dos preços de livros vendidos nessa
cidade em 1368 e 1369 (Hist. do Dir. Port., cit., vol. I, pág. 163, nota 1).
(2) VerJ. M. FontRius,L
Mémoires et Travaux publié par la Société d'Histoire du Droit et des Institutions
des Anciens Pays de Droit Écrit", fase. VI, págs. 91 e seg.
228
PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
século XIII, talvez com origens nos fins da centúria precedente, é
criada a Universidade de Palência, que, todavia, desapareceu a
breve trecho. Ao dobrar-se a primeira metade do século xm já a
Universidade de Salamanca se encontra perfeitamente consolidada.
Outras se lhe seguiram nos Estados hispânicos. Preponderava o ensino
do direito romano e do direito canónico (').
Quanto ao nosso país, sabe-se que foi no tempo de D. Dinis
que surgiu o Estudo Geral. Discute-se a data exacta da sua criação,
que se situa, sem dúvida, entre 1288 e 1290 (2). O ponto de vista
tradicional, que coloca a fundação da Universidade portuguesa no
dia 1 de Março de 1290 (3), tem sido, ultimamente, posto em causa
(*) Sobre as Universidades peninsulares, ver, entre outros, A. Garcia y
GarcIa, Los estúdios jurídicos en la Universidad medieval, cit., in "Est. sobre la Can.
Port. Med.", págs. 17 e segs., Armando de Jesus Marques, Portugal e a Universi-
dade de Salamanca. Participação dos escolares lusos no governo do Estudo (1503-1512),
Salamanca, 1980, Mariano Peset, Interrelaciones entre las universidades espawlas y
portuguesa en los primeros siglos de su historia, in "Boi. da Fac. de Dir.", cit., vol.
LVIII, tomo I, págs. 875 e segs., e Universidades Espawlas y Universidades Eurepeas,
in "Ius Commune", cit., vol. XII, págs. 71 e segs., e Andrés Barcala Munoz,
Las Universidades espawlas durante la Edad Media, in "Anuário de Estúdios Medie-
vales", vol. 15, Barcelona, 1985, págs. 83 e segs. Quanto às Universidades em
geral, ver, supra, págs. 219 e segs.
(2) Mais concretamente, apresentam-se como termo a quo e termo ad quem
o dia 12 de Novembro de 1288 e o dia 9 de Agosto de 1290. A primeira dessas
datas é a da carta em que vários dignitários de ordens religiosas e de igrejas
seculares comunicam ao Papa Nicolau IV o acordo feito com D. Dinis quanto à
aplicação das rendas de certas igrejas à fundação de um Estudo Geral na cidade
de Lisboa e solicitam a aprovação e a confirmação pontifícias; enquanto a
segunda data referida é a da bula "De statu Regni Portugalie", dirigida "à Uni-
versidade dos mestres e escolares de Lisboa", onde o mesmo Papa aprova a sua
fundação e lhe concede diversos privilégios — o que pressupõe a sua anterior
criação. Estes documentos podem consultar-se, acompanhados de tradução por-
tuguesa, in Chartularium Universitatis Portugalensis (1288-1537), org. por A. Moreira
de Sá, vol. I (1288-1377), Lisboa, 1966, respectivamente, págs. 6 e segs. (n.os 2 e
3), e págs. 12 e segs. (n.os 6 e 7).
(3) Data de um documento, publicado por António G. Ribeiro de Vas-
concelos, em que D. Dinis, referindo-se ao Estudo Geral que resolvera fundar,
229
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
\
corri argumentos ponderosos. Não cabe apreciar aqui os dados do
problema (*). Talvez essa criação recue a um dos dois anos anterio-
res> De qualquer modo, a bula de confirmação do Papa Nicolau IV,
de 9 de Agosto de 1290 (2), faz referência expressa à obtenção dos
graus de licenciado em direito canónico e direito civil (3), podendo
esses diplomados ensinar em toda a Cristandade, sem a exigência
de novo exame ("ius ubique docendi")( ).
A sede da Universidade foi transferida, ainda no tempo de D.
Dinis, de Lisboa para Coimbra. E viria a deslocar-se entre as duas
cidades até ao século xvi(5). Mas o que interessa salientar é que,
desde o começo, os cursos jurídicos ocuparam uma posição desta-
cada no nosso Estudo Geral (6).
promete protecção e segurança a todos os que aí estudam ou que de futuro
queiram estudar (Ver Um documento precioso, in "Revista da Universidade de
Coimbra", vol. I, Coimbra, 1912, págs. 363 e segs.; republ., com tradução, in
Chart. Univ. Port., cit., vol. I, págs. 10 e segs. — n.os 4 e 5).
(') Consultar a síntese de Braga da Cruz, O direito subsidiário, cit., nota 18
Dostları ilə paylaş: |