são da disciplina da interpretação vinculativa da lei, através dos
assentos da Casa da Suplicação (4). Também foram relevantes as
alterações em matéria de direito subsidiário (5).
({) Cfr. Braga da Cruz, O direito subsidiário, cit., págs. 225 e segs., e Nuno
J. Espinosa Gomes da Silva, Hist. do Dir. Port., cit., vol. I, págs. 208 e seg.
( ) Cfr., supra, págs 273 e seg. À excepção do livro I, os restantes livros
das Ordenações Manuelinas possuem um número menor de títulos do que os das
Ordenações Afonsinas. A saber: liv. I — 78 títulos (Ord. Afon. — 72); liv. II — 50
títulos (Ord. Afon. —123); liv III —90 títulos (Ord. Afon. —128); liv. IV —82
títulos (Ord. Afon. —112); liv. V —93 títulos (Ord. Afon. —121).
(3) A Lei de 5 de Dezembro de 1496 obrigou-os a converterem-se ao
Catolicismo ou a abandonarem o País até ao fim de Outubro do ano seguinte.
Ver as Ord. Man., liv. II, tít. 41.
(4) Liv. V, tít. 58 (ver, infra, págs. 296 e segs.).
(5) Liv. II, tít. 5 (ver, infra, págs. 310 e segs.).
279
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
Apura-se, em resumo, que não houve uma transformação
radical ou profunda do direito português. Contudo, além de meros
ajustamentos de actualização, observam-se certas alterações sinto-
máticas de novas perspectivas, ainda que o futuro, porventura,
viesse a desmenti-las.
Do ponto de vista formal, a obra marca um progresso de
técnica legislativa, que se traduz, sobretudo, no facto de os precei-
tos se apresentarem sistematicamente redigidos em estilo decretó-
rio, ou seja, como se de normas novas sempre se tratasse. A esta
vantagem corresponde a contrapartida de um interesse menor para
a reconstituição do direito precedente.
c) Edição
Enquanto estiveram em vigor, as Ordenações Manuelinas
foram objecto de várias edições, que levantam algumas difíceis que-
relas bibliográficas ('). A primeira, acabada de imprimir a 11 de
Março de 1521, saiu da tipografia de Jacob Cromberger.
Após a sua substituição pelas Ordenações Filipinas, em 1603,
as Ordenações Manuelinas ainda conheceram a edição universitária
de 1797 (2), destinada a facilitar a investigação histórica. Nela se
inclui, a seguir ao valioso prefácio já referido, uma tabela de cor-
respondência, em quatro colunas, entre os preceitos dessas Ordena-
ções, das Ordenações Manuelinas de 1514, das Ordenações Filipinas
e de leis extravagantes, com indicação do lugar de consulta. É a
edição que a publicação fac-símile de 1984 reproduz (3).
(') Ver, por todos, Braga da Cruz, O direito subsidiário, cit.,nota 60da
pág. 236.
Q Ver, supra, pág. 277, nota 1.
(3) Também por iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian (cfr., supra,
pág. 277, nota 1).
280
PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
48. Colecção das Leis Extravagantes de Duarte Nunes do Lião
a) Elaboração, conteúdo e sistematização
Uma dinâmica legislativa acelerada, característica da época,
teve como efeito que, a breve trecho, as Ordenações Manuelinas se
vissem rodeadas por inúmeros diplomas avulsos. Estes não só revo-
gavam, alteravam ou esclareciam muitos idos seus preceitos, mas
também dispunham sobre matérias inovadoras. Acrescia a multipli-
cidade de interpretações vinculativas dos assentos da Casa da Supli-
cação (!). Tornava-se imperiosa a elaboração, pelo menos, de uma
colectânea que constituísse um complemento sistematizado das
Ordenações, permitindo a certeza e a segurança do direito.
Coube a iniciativa ao Cardeal D. Henrique, regente na meno-
ridade de D. Sebastião, que encarregou o licenciado Duarte Nunes
do Lião (2) de organizar um repositório do direito extravagante, ou
seja, que vigorava fora das Ordenações Manuelinas (3). Esse juris-
consulto, à data procurador da Casa da Suplicação, dispunha de
experiência que assegurava o êxito do empreendimento legislativo
pretendido. Na verdade, tinha elaborado, segundo determinação de
(') Ver, infra, págs. 296 e segs.
(2) O nome do referido jurisconsulto aparece, também, com as grafias
seguintes: Duarte Nunes (ou Nunez) do (ou de) Leão (ou Liam). Foi um juriscon-
sulto que deixou obra de vulto, inclusive noutras áreas, como a linguística e a
historiográfica. Sobre o biobibliografia deste autor, ver, por todos, José Pedro
Machado, no estudo preliminar da obra de Duarte Nunes de Leão, Origem da
Língua Portuguesa, 4.a ed., Lisboa, 1945, págs. 3 e segs., e in "Dic. de Hist. de
Port.", cit., vol. II, págs. 667 e seg., e Maria Leonor CarvalhAo Buescu,
Historiografia da Língua Portuguesa, Lisboa, 1984, págs. 143 e segs. Tem interesse
consultar Pedro de Azevedo, Um memorial de Duarte Nunes de Leão, in "Boletim
da Segunda Classe da Academia das Ciências de Lisboa", vol. VIII (1913-1914),
Coimbra, 1915, págs. 267 e segs.
(3) Sobre quanto se escreve, consultar M. J. Almeida Costa, "Nota de
Apresentação" de Leis Extravagantes e Repertório das Ordenações de Duarte Nunes do
Lião, Lisboa, 1987, págs. 5 e segs.
281
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
Lourenço da Silva, regedor desse tribunal, para nele ser utilizada,
uma colectânea particular de preceitos extravagantes (*).
Observe-se que tal colectânea manuscrita apresenta diferenças
consideráveis relativamente à que se imprimiu e oficializou. É
diversa a sistematização das matérias. Além disso, adoptou-se o cri-
tério da reprodução integral dos textos coligidos (2).
Ora, na compilação que obteve força vinculativa, em vez de
uma transcrição das leis e dos assentos* anteriores, procedeu-se, com
o objectivo de torná-la menos volumosa e, portanto, de consulta
mais cómoda, ao resumo ou excerto da essência dos diversos pre-
ceitos. A essa síntese reconheceu o Alvará de 14 de Fevereiro de
1569 "fé e crédito", atribuindo-lhe "a mesma autoridade" das dis-
posições originais, "como se de verbo a verbo fossem escritas".
Antes, porém, cometeu-se a Lourenço da Silva, o^regedor da Casa
da Suplicação já mencionado, e a outros letrados do Conselho e
Desembargo do Rei uma revisão desse "relatório da substância"
das normas extravagantes, sempre acompanhado da respectiva
proveniência.
(') Trata-se do "Liuro das leis extrauagantes copilado per mandado do
senhor Regedor/Lourenço da Sylva, pelo Licenciado Duarte Nunez do Lião,
Pro/curador da casa da supplicação"/MDLXVI (A.N.T.T. — Casa Forte, códice
26). Manuscrito que pertenceu ao Tribunal da Relação de Lisboa, para onde
transitara da Casa da Suplicação. Desse original se tirou uma cópia, por determi-
nação do Cardeal D. Henrique, destinada à Torre do Tombo (A.N.T.T.—
— Núcleo Antigo, códice 19). No final da cópia (foi. 322), existe uma certificação
de autenticidade do próprio punho de Duarte Nunez do Lião, que o mesmo
assina com a data de 23 de Novembro de 1566. A importância da publicação
deste texto manuscrito é salientada por José AnastAsio de Figueiredo, Synopsis
Chronologica, cit., tomo II, págs. 113 e seg., JoAo Pedro Ribeiro, Reflexões Históri-
cas, cit. parte II, pág. 124, e Martim de Albuquerque, O Regimento Quatrocentista
da Casa da Suplicação, Paris, 1982, págs. 76 e seg.
(2) A respeito da colectânea manuscrita e do conteúdo das suas quatro
partes, ver Martim de Albuquerque, Para a história da legislação e jurisprudência em
Portugal. Os livros de registo de leis e assentos dos antigos tribunais superiores, in "Boi. da
Fac. de Dir.", cit., vol. LVIII, tomo II, págs. 635 e segs.
282
PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNi«JA
Claro que os preceitos resumidos valiam, doravante, com o
sentido que se continha na sua versão sintética. O legislador bem
podia alterar o conteúdo dos textos condensados, mas autolimitou-
-se. E a preocupação de fidedignidade dos extractos, insistente-
mente evidenciada no alvará de aprovação, indicava o caminho
para solucionar as dúvidas interpretativas que surgissem: seria o da
consulta dos originais.
I
A colectânea compõe-se de seis partes, que disciplinam suces-
sivamente: os ofícios e os oficiais régios; as jurisdições e os privilé-
gios; as causas, incluindo-se trechos de uma lei importante de D.
João III sobre os trâmites dos processos nos tribunais ("ordem do
juízo"); os delitos; a fazenda real; matérias diversas. Cada uma das
partes compreende vários títulos, cujos preceitos se designam leis,
ainda que extraídos de fontes de natureza diferente. As leis mais
extensas encontram-se subdivididas em parágrafos.
b) Edição
A edição "princeps", de 1569, constitui a única realizada
durante a vigência da Colecção das Leis Extravagantes de Duarte
Nunes do Lião. Apenas conheceria uma segunda edição setecen-
tista, por iniciativa da Universidade de Coimbra, com escopo
histórico ().
Foi esta edição universitária objecto de reprodução fac-
-similada, em 1987 (2). No mesmo volume se inclui um pequeno
trabalho que Duarte Nunes do Lião publicou no próprio ano de
1569, onde constam, tanto as normas das Ordenações Manuelinas
( ) Leis Extravagantes Collegidas e Relatadas pelo Licenciado Duarte Nvnez do
Lião, per mandado do mvito alto e mvito poderoso Rei Dom Sebastião, nosso Senhor, Coim-
bra, 1796, in "Col. da Leg. Ant. e Mod. do Rein. de Port.", Parte I — "Da Leg.
Ant.", cit., (cfr., supra, pág. 275, nota 3).
(2) Devida à Fundação Calouste Gulbenkian (cfr., supra, pág. 281, nota 3).
283
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
revogadas ou interpretadas pela Colecção das Leis Extravagantes,
como os casos em que os julgadores estavam obrigados a "tirar
devassas ou tomar informações". Trata-se de notas úteis de uso
pessoal (1).
49. Ordenações Filipinas
l
a) Elaboração
A Colecção das Leis Extravagantes não passou de uma simples
obra intercalar. Impunha-se uma reforma profunda das Ordenações
Manuelinas, cada vez mais urgente. Até porque estes não realiza-
ram a transformação jurídica que o seu tempo reclamava (2).
Portanto, a elaboração de novas Ordenações constituiu um
facto natural de Filipe I(3), em cujo reinado, aliás, se tomaram
outras providências relevantes na esfera do direito. Recordemos a
substituição da Casa do Cível, que funcionava em Lisboa, pela
Relação do Porto (4), a que o mesmo monarca concedeu regimento,
e a entrada em vigor de uma lei de reformação da justiça.
Tem-se mencionado um possível aproveitamento político da
urgência de coordenação e modernização do corpo legislativo. O
ensejo permitiria a Filipe I demonstrar pleno respeito pelas institui-
ções portuguesas e empenho em actualizá-las dentro da tradição
jurídica do País.
( ) Na edição universitária da Colecção das Leis Extravagantes, esta obra
encontra-se em apêndice (págs. 853 e segs.). É ainda incluído outro trabalho
jurídico de Duarte Nunes, que consiste num Repertório das Ordenações dado à
estampa em 1560.
(2) Cfr., supra, pág. 280.
(-1) Sobre as Ordenações Filipinas, ver M. J. Almeida Costa, Ordenações,
cit., in "Dic. de Hist. de Port.", vol. III, págs. 209 e seg., e in "Temas de
História do Direito", cit., págs. 69 e segs., contendo indicações bibliográficas, e
"Nota de Apresentação" das Ordenações Filipinas, Lisboa, 1985, págs. 5 e segs.
(4) Ver, infra, págs. 298 e seg.
284
PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
Os trabalhos preparatórios da compilação filipina foram ini-
ciados, segundo pode conjecturar-se, entre 1583 e 1585. Também
existem dúvidas sobre os juristas intervenientes: apontam-se, como
certos, Jorge de Cabedo, Afonso Vaz Tenreiro e Duarte Nunes do
Lião; talvez, no entanto, outros tenham colaborado ( ).
As novas Ordenações ficaram concluídas em 1595 e receberam
aprovação por Lei de 5 de Junho desse mesmo ano, mas que não
chegou a produzir efeito. Só no reinado $e Filipe II, através da Lei
de 11 de Janeiro de 1603, iniciaram a sua vigência — a mais dura-
doura que um monumento legislativo conseguiu em Portugal (2).
b) Sistematização e conteúdo. Legislação revogada
As Ordenações Filipinas continuam o sistema^tradicional de
cinco livros, subdivididos em títulos e parágrafos (3). Do mesmo
modo, não se verificaram diferenças fundamentais quanto ao con-
teúdo dos vários livros.
É patente que se procurou realizar uma pura revisão actuali-
zadora das Ordenações Manuelinas. A existência de normas de ins-
(') Ver Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, Sobre os compiladores das Ordena-
ções Filipinas, in "Boi. do Min. da Just.", cit., n.° 264, págs. 5 e segs.
(2) Entre nós, foram integralmente revogadas pelo Código Civil de 1 de
Julho de 1867, enquanto, no Brasil, isso sucederia apenas com o Código Civil
aprovado em 1 de Janeiro de 1916. O direito civil substantivo (liv. IV) constituiu,
portanto, o último baluarte das Ordernações.
(3) Cfr., supra, págs. 273 e seg., e 279 e seg. Os vários livros das Ordena-
ções Filipinas compõem-se do número de títulos seguinte: liv. I —100 títulos; liv.
II —63 títulos; liv. III —98 títulos; liv. IV —107 títulos; liv. V —143 títulos.
Quanto ao número de títulos das Ordenações anteriores, ver, supra, pág. 279,
nota 2.
Pode consultar-se uma tabela de equivalências entre os preceitos das Ord.
Fil. e os precedentes das Ord. Man. ou de diplomas extravagantes, in Joaquim
José Ferreira Gordo, Fontes Próximas da Compilação Filippina, Lisboa, 1792. Tam-
bém se encontra uma tábua de concordância das três sucessivas Ordenações do
Reino in Mello Freire, Historiae iuris civilis lusitani liber singularis, cit., l.a ed., Lis-
boa, 1788, págs. 205 e segs.
285
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
piração castelhana, como algumas derivadas das Leis de Toro, não
retira o típico carácter português das Ordenações Filipinas. Apenas
se procedeu, via de regra, à reunião, num único corpo legislativo,
dos dispositivos manuelinos e dos muitos preceitos subsequentes que
se mantinham em vigor.
Introduziram-se, contudo, certas alterações. Merece destaque
um aspecto respeitante ao direito subsidiário. Nenhuma modifica-
ção intrínseca se produziu nos critérios de preenchimento das lacu-
nas da lei consagradas pelas Ordenações Manuelinas. Todavia, a
matéria que, tanto nessas como nas Ordenações Afonsinas, se
encontrava regulada no livro II, passa agora para o livro III, rela-
tivo ao processo. Tal mudança revela uma perspectivação bem
diversa do problema do preenchimento das lacunas (*).
Ao lado de algumas modificações sistemáticas, detectam-se
outras de conteúdo, muito relevantes. Por exemplo, é nas Ordena-
ções Filipinas que, pela primeira vez, se inclui um conjunto de pre-
ceitos sobre o direito da nacionalidade. De acordo com as normas
aí estabelecidas, os naturais do Reino não se determinam mediante a
aplicação de um só dos critérios a que tradicionalmente se
recorre — o princípio do sangue ("ius sanguinis") e o princípio do
território ("ius soli")—, mas através da conjugação de ambos, por-
ventura, com predomínio do segundo (2).
O diploma de aprovação das Ordenações Filipinas declarou
revogadas todas as normas legais não incluídas na compilação, ape-
nas com ressalva das transcritas em livro conservado na Casa da
(') Ver, infra, pág. 310.
(2) Liv. II, tít. 55. Parece que estes dispositivos tiveram origem nas Orde-
namos Redes de Filipe II de Espanha (liv. I, tít. 3, lei 19). Ver Rui Manuel Gens
de Moura Ramos, A evolução do direito da nacionalidade em Portugd (das Ordenações
Filipinas à Lei n.° 2098), in "Boi. da Fac. de Dir.'\ cit., vol. LVIII, tomo II, págs.
695 e segs., especialmente págs. 699 e segs., e Do Direito Português da Naciondidade,
Coimbra, 1984, págs. 7 e segs.
286
PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
Suplicação, das Ordenações da Fazenda e dos Artigos das Sisas(l).
Porém, muitos outros preceitos continuaram a receber aplicação
prática.
c) Confirmação por D. João IV
Sobreviveram as Ordenações Filipinas à Revolução de 1640.
Nesse próprio ano, D. João IV sancionou genericamente toda a
legislação promulgada durante o governo castelhano.
Em Lei de 29 de Janeiro de 1643, procedeu-se à expressa con-
firmação e revalidação das Ordenações. Nesse mesmo diploma, o
monarca manifestou o desígnio de determinar a sua reforma, como
era vontade das Cortes. O que, porém, não se concretizaria.
d) Os "filipismos"
Observou-se que os compiladores filipinos tiveram, sobretudo,
a preocupação de rever e coordenar o direito vigente, reduzindo-se
ao mínimo as inovações. Não seria estranha a esta atitude a já
referida disposição política do próprio monarca (*).
Intentou-se uma simples actualização das Ordenações Manue-
linas. Só que o trabalho não foi realizado mediante uma reformula-
ção adequada dos vários preceitos, mas apenas aditando o novo ao
antigo. Daí subsistirem normas revogadas ou caídas em desuso,
verificarem-se frequentes faltas de clareza e, até, contradições
resultantes da inclusão de disposições opostas a outras que não se
eliminaram.
A ausência de originalidade e os restantes deíúts^saenósmâ-
dos receberam, pelos fins do século XVIII, a designação de "filipis-
(x)C(r., supra, pág. 285.
287
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
mos'^1). E o termo ficou. Essas imperfeições encontram difícil
explicação fora da ideia de um respeito propositado pelo texto
manuelino. Não se estaria em época marcante da nossa cultura
jurídica. Contudo, bastará recordar os juristas que, seguramente,
participaram nos trabalhos preparatórios para reconhecermos a sua
capacidade de realização de obra isenta, ao menos, de alguns dos
graves inconvenientes assinalados.
e) Edição
As Ordenações Filipinas tiveram múltiplas edições. O que não
admira, mercê da longa vigência, já assinalada, que conheceram em
Portugal e no Brasil (2).
A primeira edição das Ordenações Filipinas saiu da oficina de
Pedro Craesbeeck(3), em Lisboa, com a data de 1603. Houve ainda
outras, antes de o privilégio da impressão das Ordenações passar à
Universidade de Coimbra, nos finais de 1773 (4). A última destas, a
chamada "Edição Vicentina", por antonomásia, é do tempo de D.
João V e distiegue-a uma apresentação mais aparatosa, embora,
pelo formato, a sua consulta se torne incómoda (5). Seguiram-se
diversas impressões conimbricenses, de 1789 a 1865.
(') Deve-se a José Virissimo Alvares da Silva, Introducção ao Novo Código,
ou Dissertação Critica sobre a principal causa da obscuridade do nosso Código Authentico,
Coimbra, 1780, pág. 6. Encontra-se nesta obra uma crítica aguda à compilação
filipina.
(2) Cfr., supra, pág. 285, nota 2.
(3) No rosto dessa edição figura a grafia Crasbeeck.
(4) Pertencia, anteriormente, como se recordou, ao Mosteiro de S.
Vicente de Fora, dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho (cfr., supra, pág.
275, nota 3).
(5) Tal edição, de 1747, está relacionada com uma tentativa de novas
Ordenações, no reinado de D. João V, que não chegou a concretizar-se e a que
estiveram especialmente ligados Fr. Gaspar da Incarnação Moscoso e Alexandre
de Gusmão (ver Alexandre de GusmAo, Colecção de vários escritos inéditos, políticos e
litterarios de Alexandre de Gusmão que dá á hz publica J. M. T. de G, Porto, 1841,
págs. 59 e segs.; J. M. T. de C. é abreviatura de José Manuel Teixeira de
288
PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA
Destaca-se a edição dada à estampa no Brasil, em 1870, por
iniciativa de Cândido Mendes de Almeida (!). Este eminente jurista
informa ter consultado todas as edições anteriores, fixando o texto
de acordo com a primeira edição, de 1603, e a nona, de 1824. No
conjunto, trata-se da décima quarta tiragem das Ordenações Filipi-
nas, mas foi a primeira impressa no Brasil, numa data em que se
encontravam, entre nós, completamente revogadas.
Esta edição, que assegura a fidedignidade do texto, oferece a
vantagem de os vários preceitos serem acompanhados de anotações,
com notas filológicas, históricas e exegéticas, indicação das fontes,
referências aos diplomas, portugueses e brasileiros, que até então os
modificaram ou revogaram, ao lado de/remissões doutrinais e de
jurisprudência. Em aditamento, transcreve-se a legislação respei-
tante aos temas disciplinados nos diversos títulos. E, sem dúvida, a
edição mais útil à investigação, posto que, dobrados consideráveis
anos sobre a sua elaboração, muitas das opiniões histórico-j uri dicas
de Cândido Mendes se encontrem superadas, designadamente a
exposição preambular que desenvolve a respeito da evolução do
direito português, marcada pelo cunho metodológico da época (2).
Carvalho). Da iniciativa, apenas ficou a referida edição das Ordenações Filipinas,
dirigida por Jerónimo da Silva. Nela se acrescentaram, aos vários títulos, os
correspondentes preceitos extravagantes, publicados de 1603 a 1747, que os
revogaram, alteraram ou interpretaram. Mas realizou-se trabalho imperfeito (ver
Francisco Coelho de Souza e S. Paio, Prelecções de Direito Pátrio Publico e Particular,
partes l.a e 2.a, Coimbra, 1793, pág. 15, § XIII e nota t, e pág. 17, § XV e
nota z).
(!) Importa não confundir a referida edição com uma outra, da autoria de
Fernando Mendes de Almeida, Ordenações Filipinas — Ordenações e lés do Reino de
Portugal Recopiladas por mandado d'el Rei D. Filipe, o Primeiro, São Paulo, vols. I
(1957), II (1960) e III (1966). Esta obra, como se verifica, posterior à promulgação
do Código Civil brasileiro, foi elaborada numa pura perspectiva histórico-
-jurídica, contendo também notas e remissões valiosas. Todavia, só abrange os
três primeiros livros da compilação filipina.
(2) A edição, que era raríssima em Portugal, encontra-se reimpressa em
fac-símile, mais uma vez, por iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian (as já
referidas Ordenações Filipinas, Lisboa, 1985, onde pode consultar-se, a respeito da
289
HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
50. Legislação extravagante. Publicação e inicio da vigência da lei
a) Considerações introdutórias
Aos diplomas que as Ordenações Filipinas não revogaram ou
que, abusivamente, continuaram a aplicar-se, outros se foram
acrescentando (!). A colectânea filipina ver-se-ia, sem demora, alte-
rada ou complementada por um núcleo importante e extenso de
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