Mário júlio de almeida costa



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MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA

HISTÓRIA


DO

DIREITO PORTUGUÊS

COIMBRA
1989


NOTA PRÉVIA

19


INTRODUÇÃO
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.

PLANO DA EXPOSIÇÃO

1. Noção de história do direito 23

1.1. A história do direito como ciência histórica 26

1.2. A história do direito como ciência jurídica 27

2. Objecto da história do direito 29


3. Classificações da história do direito 31

3.1. História externa e história interna do direito 32

3.2. História geral e história especial do direito 33
4. O método cronológico e o método monográfico na exposição da

história do direito 34


5. Enquadramento do direito português. Seus factores básicos 36
6. Plano da exposição 40

7. Formação e evolução da ciência da história do direito português ... 42

a) Os estudos histórico-jurídicos anteriores à segunda metade do século XVIII 42

b) Criação da ciência da história do direito português 44

c) Consolidação da história do direito português como disciplina cientifica 50

d) Individualização da historiografia júri dica portuguesa 54

e) Renovação moderna da ciência da história do direito português 55

9


índice geral

PARTE I
ELEMENTOS DE HISTÓRIA DO DIREITO PENINSULAR

CAPÍTULO I
PERÍODO PRIMITIVO

8. Característica básica. Fontes de conhecimento 67

9. Povos anteriores à conquista romana 69

9.1. Principais povos autóctones 69

9.2. Colonizações estrangeiras 71

10. Organização política e social 72

10.1. Organização política 72

a) Os Estados peninsulares. Regimes políticos 72

b) Confederações e subordinações de Estados 74

10.2. Classes sociais 75

11. Direito peninsular pré-romano 76

11.1. Direito dos povos autóctones 77

a) Fontes de direito 77

b) Instituições jurídicas 79

11.2. Direito dos povos colonizadores 81
CAPÍTULO II
PERÍODO ROMANO
12. A conquista da Península pelos Romanos 85

13. A romanização da Península 86

13.1. Assimilação lenta da cultura e da civilização dos Romanos pelos povos autóc-

tones 87

13.2. Romanização jurídica 89

a) A concessão da latinidade 90

b) A concessão da cidadania 93

14. Fontes de direito romano relativas à Península 93

15. Direito vigente na Península ao tempo das invasões germânicas.

O direito romano vulgar 95

10

ÍNDICE GERAL



CAPÍTULO III
PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO
16. Razão de ordem 101

17. Os Germanos antes das invasões 101

a) Assentamento primitivo. Grupos em que se subdividiram 101

b) Cultura, religião e direito 103

18. As invasões germânicas 104

a) Natureza e causas determinantes 104

b) Formação dos novos Estados germânicos 105

c) Persistência do direito romano nos Estados germânicos „ 106

19. Fontes de direito dos Estados germânicos. Documentos de aplica-

ção do direito 108

19.1. Fontes de direito 108

a) Carácter exclusivamente consuetudinário do primitivo direito germânico. Redução

desse direito a escrito após as grandes invasões 108

b) Leis dos bárbaros ou leis populares 109

c) Leis romanas dos bárbaros 111

d) Capitulares 112

19.2. Documentos de aplicação do direito. Os formulários e os textos de actos jurí-

dicos 112

20. Traços gerais da história política da Península desde as invasões

germânicas até à queda do Estado Visigótico 114

a) Estabelecimento, na Península, dos Alanos, I 'ândalos e Suevos 114

b) O Reino Suevo (409/585). A figura de S. Martinho de Dume na história sueva 115

c) Ocupação da Península pelos I 'isigodos 117

I — Instalação na Gália 118

II — Incursões no território peninsular durante o século V 105

III — Estabelecimento definitivo na Península 119

IV — O Estado Visigótico na Península 120

21. Condições em que os Visigodos se instalaram na Península ....... 120

a) Repartição de terras entre Visigodos e Hispano-Romanos 121

b) Diferenças étnicas e culturais na Península depois da ocupação visigótica. Seu desapareci-

mento lento 123

22. Fontes de direito do período visigótico 126

22.1. Referência sumária às principais fontes de direito do período visigótico 127

I — Código de Eurico 128

II — Breviário de Alarico 129

11

índice geral



III — Código Revisto de Leovigildo 130

IV — Código l Isigótico 131

22.2. O problema da personalidade ou territorialidade da legislação visigótica 133

a) lese de personalidade 134

b) Tese da territorialidade 135

c) Posição actual do problema 136

22.3. Direito consuetudinário visigótico 139

22.4. Direito canónico. Os Concílios de Toledo 140

23. Ciência do direito e prática jurídica na época visigótica 141

23.1. Ciência do direito. A personalidade e a obra de Santo Isidoro, bispo de Sevilha 141

23.2. Prática jurídica 143

a) Falta de documentos desta época. Os formulários 143

b) Fórmulas I 'isigóticas 144
CAPÍTULO IV
PERÍODO DO DOMÍNIO MUÇULMANO

E DA RECONQUISTA CRISTÃ


24. A invasão muçulmana e o seu significado 149

a) Breve nótula sobre a história política dos Muçulmanos na Península 151

b) Os invasores e o seu direito. As fontes do direito muçuhnano 153

c) Os Cristãos e os Judeus submetidos ao domínio muçulmano 155

25. A Reconquista. Formação dos Estados cristãos 157

26. A separação de Portugal. O problema jurídico da concessão da

terra portugalense a D. Henrique 159

27. Características e elementos constitutivos do direito da Recon-

quista 162

PARTE II
ELEMENTOS DE HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS


CAPÍTULO I
PERIODIZAÇÃO DA HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
28. Visão de conjunto da evolução do direito português 173

12

ÍNDICE GERAL



CAPÍTULO II
PERÍODO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS
29. Fontes do direito português anteriores à segunda metade do

século XIII 183

a) Fontes de direito do Reino de Leão que se mantiveram em vigor 183

I — Código Visigótico 169

II —Leis dimanadas de Cúrias ou Concílios reunidos em Leão, Coianca e

Oviedo 186

III — Forais de terras portuguesas anteriores à independência 187

IV — Costume 190

b) Fontes de direito posteriores à fundação da nacionalidade 191

I — Leis gerais dos primeiros monarcas 191

II — Forais 193

III — Concórdias e concordatas 193

30. Aspectos do sistema jurídico da época 194

a) Considerações gerais 194

b) Contratos de exploração agrícola e de crédito 196

CAPÍTULO III


PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO

ROMANO-CANÕNICA


$1.°

ÉPOCA DA RECEPÇÃO DO DIREITO ROMANO RENASCIDO

E DO DIREITO CANÓNICO RENOVADO (DIREITO COMUM)
31. O direito romano justinianeu desde o século VI até ao século XI 205

32. Pré-renascimento do direito romano 207

33. Renascimento propriamente dito do direito romano com a Escola

de Bolonha ou dos Glosadores 210

a) Origens da escola e seus principais representantes 210

b) Sistematização do "Corpus luris Civilis" adoptada pelos Glosadores 212

c) Método de trabalho 213

I — A glosa e outros tipos de obras 214

II — Os Glosadores perante o texto do "Corpus luris Civilis" 215

d) Apogeu e declínio da Escola dos Glosadores. A "Magna Glosa". O ciclo pós-acursiano 216

13

ÍNDICE GERAL



34. Difusão do direito romano justinianeu e da obra dos Glosadores 218

a) Na Europa em geral. Causas dessa difusão 218

I — Estudantes estrangeiros em Bolonha 218

II — Fundação de Universidades 219

b) Na Península Ibérica e especialmente em Portugal 222

I — Em que época se inicia 222

II — Quando se verifica em escala relevante 224

35. Factores de penetração do direito romano renascido na esfera jurí-

dica hispânica e portuguesa 225

a) Estudantes peninsulares em escolas jurídicas italianas e francesas. Jurisconsultos estrangeiros

na Península 226

b) Difusão do "Corpus Iuris Civilis" e da Glosa 228

c) Ensino do direito romano nas Universidades 228

d) Legislação e pratica jurídica de inspiração romanística 231

e) Obras doutrinais e legislativas de conteúdo romano 231

36. Escola dos Comentadores 235

a) Origem e evolução da escola. Principais representantes 236

b) Significado da obra dos Comentadores 238

37. O direito canónico e a sua importância 239

38. Conceito de direito canónico 240

39. O direito canónico anteriormente ao século XII 242

4(). Movimento renovador do direito canónico 244

40.1. Colectâneas de direito canónico elaboradas desde o século XII. O "Corpus

Iuris Canonici" 244

40.2. Renovação da ciência do direito canónico. Decretistas e decretalistas 247

41. Penetração do direito canónico na Península Ibérica 248

41.1. Considerações gerais 249

41.2. Aplicação judicial do direito canónico 250

a) Aplicação nos tribunais eclesiásticos 250

b) Aplicação nos tribunais civis 251

42. O direito comum 252

43. Fontes do direito português desde os meados do século XIII até às

Ordenações Afonsinas 253

I — A legislação geral transformada em expressão da vontade do monarca. Publi-

cação e entrada em vigor da lei 257

II — Resoluções régias 258

III — Decadência do costume como fonte de direito 258

14

ÍNDICE GERAL



IV — Forais e foros ou costumes 258

V — Çoncórdias e concordatas 260

VI — Direito subsidiário 261

44. Colectâneas privadas de leis gerais anteriores às Ordenações Afonsinas 263

a) Livro das Leis e Posturas 264

b) Ordenações de D. Duarte 264

45. Evolução das instituições 265
§2.°

ÉPOCA DAS ORDENAÇÕES


46. Ordenações Afonsinas 269

a) Elaboração e início de vigência 269

b) Fontes utilizadas. Técnica legislativa 272

c) Sistematização e conteúdo 273

d) Importância da obra 274

e) Edição 275

47. Ordenações Manuelinas 276

a) Elaboração 276

b) Sistematização e conteúdo. Técnica legislativa 279

c) Edição 280

48 Colecção das Leis Extravagantes de Duarte Nunes do Lião 281

a) Elaboração, conteúdo e sistetnatização 281

b) Edição 283

49. Ordenações Filipinas 284

a) Elaboração 284

b) Sistematização e conteúdo. Legislação revogada 285

c) Confirmação por D. João IV 287

cl) Os "filipismos" 287

e) Edição 288

50. Legislação extravagante. Publicação e inicio da vigência da lei — 290

a) Considerações introdutórias 290

b) Espécies de diplomas 291

c) Publicação e início da vigência da lei 294

51. Interpretação da lei através dos assentos 296

52. Estilos da Corte. O costume 300

a) Estilos da Corte 300

b) O costume 301

15

ÍNDICE GERAL



53. Direito subsidiário 304

a) O problema do direito subsidiário 304

b) Fontes de direito subsidiário segundo as Ordenações Ajonsinas 307

I — Direito romano e direito canónico 308

II — Glosa de Acúrsio e opinião de Bártolo 309

III — Resolução do monarca 309

c) Alterações introduzidas pelas Ordenações Manuelinas e pelas Ordenações filipinas 310

d) (Jtilização das fontes subsidiárias 312

54. Reforma dos forais • 313

55. Humanismo jurídico 314

a) Causas do seu aparecimento. (Características 316

b) Precursores e apogeu da escola 317

c) Contraposição do humanismo ao banolismo 318

56. Literatura jurídica 320

a) Considerações gerais 320

b) Civilistas 322

c) Canonistas 323

d) Cultores do direito pátrio 323

57. O ensino do direito 327

a) Antes de D. João III 327

b) Instalação da l 'niversidade em Coimbra 330

c) Organização dos estudos jurídicos segundo os "Estatutos Velhos" 331

58. A segunda escolástica. Seus contributos jurídicos e políticos 335
CAPÍTULO III

PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO


§ L°
ÉPOCA DO JUSNATURALISMO RACIONALISTA
59. Correntes do pensamento jurídico europeu 345

a) Escola Racionalista do Direito Natural 345

b) í/50 Moderno 348

c) Jurisprudência Elegante 349

d) Iluminismo 350

e) Humanitarismo 353

60. Reformas pombalinas respeitantes ao direito e à ciência jurídica 354

a) Considerações introdutórias 354

16

índice geral



b) A Lei da Boa Razão 356

c) Os novos Estatutos da Universidade 362

61. Literatura jurídica 367

62. O chamado "Novo Código". Tentativa de reforma das Ordenações 372


§2.»
ÉPOCA DO INDIVIDUALISMO
63. Aspectos gerais do individualismo político e do liberalismo eco-

nómico 379

64. Transformações no âmbito do direito político 383

65. Transformação no âmbito do direito privado 386

66. Publicação e início da vigência da lei 391

67. As codificações 394

a) Aspectos introdutórios 394

b) O movimento codificador português 397

I — Direito comercial 398

II — Direito administrativo 401

III — Direito processual 403

IV — Direito penal 406

V — Direito civil 410

68. Nova perspectiva do direito subsidiário 417

69. Extinção dos forais 419

70. O ensino do direito 422

a) Fusão das Faculdades de Leis e de Cânones na moderna Faculdade de Direito 422

b) O ensino do direito nos começos do século XX 425

c) A criação da Faculdade de Direito de Lisboa 428

71. Ciência do direito e literatura jurídica 430

a) Considerações gerais 430

b) Direito potitico e direito administrativo 432

c) Outros domínios jurídicos 434
§ 3.°

ÉPOCA DO DIREITO SOCIAL


72. Considerações gerais 449

17
NOTA PRÉVIA

Este livro destina-se, sobretudo, a estudantes universitários. Píetende for-

necer tópicos que constituam uma condensação de prelecções orais. Com vista

ao aprofundamento que se queira fazer dos vários temas, proporciona-se biblio-

grafia adequada. Sempre que, em face de aspectos controversos, se fica na

síntese das posições básicas, nunca se elude a sua problematicidade e indicam-se

pistas para ir mais adiante. Assim impõe o equilíbrio da exposição.

Talvez fosse dispensável salientar que, mesmo dentro dos objectivos

visados, não se considera a presente obra um trabalho acabado: nem pelo que

toca à concepção global do ensino da história do direito, nem, tão-pouco, relati-

vamente à substância e à forma. O futuro dirá sobre a sua melhoria.

Quando, em Í979, retomei esta disciplina, após um hiato de alongados

anos, socorri-me de um texto policopiado, decorrente de reproduções sucessivas

de alunos, que trazia a lembrança muito grata da docência da matéria em

ligação estreita com o Prof Doutor Guilherme Braga da Cruz. Logo efectuei

acrescentos, supressões e modificações sensíveis, que depois prosseguiram.

Tratou-se de uma remodelação necessária. É completamente nova, por exem-

plo, a exposição posterior à segunda metade do século XVIII.

Adverte-se, todavia, que, apesar das transformações realizadas, ainda

poderão detectar-se vestígios do texto originário, em especial nos aspectos intro-

dutórios e a respeito dos ciclos mais antigos. Continuam uma presença desejada

do saudoso Mestre.

Havia o propósito de Braga da Cruz dar à estampa, com a minha

colaboração, umas lições que partissem do referido esboço policopiado — que,

em múltiplos pontos, aliás, não corresponde ao seu exacto ou último pensa-

mento. Diversos motivos levaram à demora da execução dessa iniciativa, até

19

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



quando não seria mais possível. Pela minha parte, verificou-se, entretanto, o

desempenho de honrosas e absorventes funções públicas. Depois, as circunstân-

cias deslocaram-me para o estudo predominante do direito das obrigações.

De qualquer modo, não se procedeu agora a simples revisão ou actuali-

zação de um projecto que as mudanças metodológicas e os próprios resultados

da investigação ultrapassaram inexoravelmente. Publico uma obra autónoma.

Daí que não parecesse certo, sem a palavra definitiva de Braga da Cruz,

colocar o presente livro sob o signo e a fiança de uma co-autoria que tanto me

honrava.
11 de Junho de 1989

M. J. Almeida Costa

20
<

INTRODUÇÃO

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.

PLANO DA EXPOSIÇÃO

1. Noção de história do direito

Do mesmo modo que a filosofia, distingue-se a história da

generalidade dos ramos do saber e da cultura, além do mais, pelo

facto de não possuir rigorosamente um objecto próprio e em exclu-

sivo seu. Pode dizer-se que se ocupa do objecto de todas as outras

disciplinas, se bem que de uma perspectiva diferente da adoptada

nessas múltiplas esferas do pensamento, da ciência e da técnica.

Há uma história do direito, tal como existe uma história da

economia, da medicina, da arte, da filosofia, da religião, da mate-

mática, etc. Compreende-se, de resto, que assim seja, porquanto a

história e a filosofia constituem de certo modo denominadores

comuns: embora partindo de ângulos diversos, consideram a globa-

lidade do homem, ao passo que as demais disciplinas o tomam ape-

nas em cada uma das suas várias expressões ou significações.

Por outras palavras: ao contrário dos restantes sectores cultu-

rais, científicos e técnicos, que versam áreas limitadas da realidade,

onde existe como que uma divisão do conhecimento, a filosofia e a

história dedicam-se, afinal, a todos esses domínios, suscitando a res-

peito deles os problemas característicos do espírito ou discurso filo-

sófico e do espírito ou discurso histórico. Voltam-se, em suma, para

questões relativas ao objecto das outras ciências, mas de que estas

não tratam directamente ou dão como resolvidas ( ).

Pressupomos conhecidos os conceitos de direito e de história,

aliás, não isentos de algumas difíceis controvérsias. Em decorrência,

numa noção introdutória, define-se a história do direito como a
(') Pode cônsultar-se, a propósito da filosofia do direito, a exposição de

L. Cabral de Moncada, Filosofia do Direito e do Estado, vol. I, Coimbra, 1947,

págs. 1 e segs.

2.3


HISTORIA DO DIREITO PORTUGUÊS

disciplina que descreve e explica as instituições e a vida jurídica do

passado, nos seus múltiplos aspectos normativos, práticos, científi-

cos e culturais. Apenas se acrescentam breves esclarecimentos a

este conceito básico.

Torna-se necessário, desde logo, não confundir a história do

direito com o direito actual historicamente estudado, ou seja, com

a análise do passado estrito do direito que vigora em nossos dias.

Àquela corresponde um âmbito mais vasto, porque se ocupa, não só

dos precedentes históricos das instituições e dos princípios jurídicos

que permanecem na actualidade, mas também dos que, entretanto, se

viram superados ou abolidos. Somente a consideração dessas duas

direcções oferece uma visão completa e adequada da evolução

jurídica.

Problema importante é o da posição que a história do direito

deve ocupar no âmbito das disciplinas históricas e das disciplinas

jurídicas. Trata-se de um aspecto discutido.

A orientação tradicional parte da ideia de sistema jurídico

como elemento aglutinador dos fenómenos jurídicos de cada época

e considera o estudo da transformação desses sistemas o fulcro da

história do direito. Esta compreensão da história jurídica através de

uma sucessão de sistemas e o facto de se encarar o direito numa

interdependência com os vectores materiais e ideológicos coetâneos

constituem corolários do seu enfoque como uma história especial.

Sublinha-se, pois, o aspecto de disciplina histórica.

Numa outra directiva, acentua-se o enquadramento da histó-

ria do direito entre as ciências jurídicas e assinala-se-lhe o precípuo

objectivo de determinar o estável e o transitório das instituições,

quer dizer, destacando-se, não só o vário e peculiar, consoante é

próprio de uma determinada visão tipicamente histórica, mas tam-

bém o atípico e permanente, como fundamental. Daí que se aponte

um critério de exposição de conjunto, a partir das situações ou

relações da vida, que, na essência, se revelam intemporais.

Não vamos aqui deter-nos nestes problemas de teoria historio-

lógica e de metodologia. Já resulta das rápidas considerações prece-

dentes que, por muito que se postule a inserção da história do

24

INTRODUÇÃO



direito na área das ciências jurídicas, nunca ela pode ser conside-

rada exactamente ao lado das outras. Sempre haverá que entendê-

-la como um ramo da história que se ocupa do direito, embora

profundamente influenciado pelas particularidades do seu objecto e

consequentes parâmetros e orientações da ciência jurídica moderna.

Mostra-se, em síntese, uma disciplina tributária desses dois

domínios.

A consideração da história do direito sob um caracterizado

ângulo jurídico salientará a sua utilidade para o jurista dogmático,

que se dedica ao estudo do direito vigente com finalidades práticas.

Pelo contrário, encarando-a mais comprometida no terreno histó-

rico, ou seja, em última análise, de uma visão global do homem e

da sociedade, melhor se alcança a relacionação das instituições e

dos princípios jurídicos com as outras realidades sociais.

A preferência por uma das referidas concepções da história do

direito depende, evidentemente, de um prévio acerto de posição no

plano da teoria historiológica. Há problemas de filosofia da história

a meditar e a decidir. Mas também não se afigura estranho à ques-

tão o facto de a história do direito poder ser cultivada por estudio-

sos que tenham uma formação básica de juristas ou de historiado-

res. De qualquer modo, as duas perspectivas — a mais jurídica ou a

mais historicista — até certo ponto como que se completam(l).

(') Existe larga bibliografia estrangeira sobre o problema. Destacam-

-se, por ex., H. Mitteis, Vom Lebenswert der Rechtsgeschichte, Weimar, 1947, K. S.

Bader, Aufgabe und Methoden des Rechtshistorikers, Tiibingen, 1951, A. García-

-Gallo, Historia, Derecho e Historia dei Derecho e Cuestiones de historiografia jurídica, in

"Anuário de Historia dei Derecho Espanol", respectivamente, tomo XXIII,

Madrid, 1953, págs. 5 e segs., e tomo LXIV, págs. 741 e segs., e Manual de Historia

dei Derecho Espanol, tomo I — El Origen y la Evolución de Derecho, 10.a reimpres-


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