Mário júlio de almeida costa



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também, pelo menos em época mais tardia, com uma composição

(') Cfr., supra, pág. 124.

(2) A mais importante compilação canónica visigoda é, sem dúvida, a

chamada Collectio Hispana ou Collectio canonum ecclesiae Hispaniae, do séc. vil, que

tem sido equivocadamente atribuída a Santo Isidoro de Sevilha (ver G. Martínez

DiEZ,La Colección canónica Hispana, I — Estúdio, Madrid/Barcelona, 1966). Quanto

aos Capitula Martini, cfr., supra, pág. 117, nota 1.

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PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO



mista de eclesiásticos e de leigos, foram uma instituição auxiliar da

realeza, para assuntos políticos e legislativos.

Deve salientar-se a influência que os princípios canónicos

exerceram sobre os institutos jurídicos seculares, no âmbito do

direito público e do direito privado. Existia uma conexão íntima

entre a legislação civil e os cânones conciliares: umas vezes, nestes

se recolhiam normas temporais já consagradas por leis régias,

enquanto, outras vezes, lhes serviam de base ou eram transforma-

dos em leis civis, mediante disposições confirmativas. Foi especial-

mente valiosa a legislação secular emanada dos concílios sobre

questões de Estado, portanto, matérias que hoje se considerariam

de direito constitucional. Indicam-se as relativas à eleição e protec-

ção do monarca, à condição dos juízes e aos direitos das pessoas em

face do rei(l).

23. Ciência do direito e prática jurídica na época visigótica
23.1. Ciência do direito. A personalidade e a obra de Santo Isidoro,

bispo de Sevilha


As escolas de direito romano da época pós-clássica parecem

ter entrado em franca decadência depois das invasões, visto que não

se lhes encontram quaisquer referências. Possuímos, no entanto,

(') Sobre o tema, ver, entre outros, José Vives/T. Marín Martínez/G.

Martínez Díez, Concílios visigóticos e hispano-romanos, vol. I, Barcelona/Madrid,

1963, G. Martínez Díez, Canonística Espahola Pregraciánica, in "Repertório de Histo-

ria de las Ciências Eclesiásticas en Espana", vol. I, Salamanca, 1967, págs. 377 e

segs., e José Orlandis, La problemática conciliar en el reino visigótico de Toledo, in "An.

de Hist. dei Der. Esp.", cit., tomo XLVIII, págs. 277 e segs. Deste último autor,

consulte-se, ainda, La iglesia visigoda y los problemas de la sucesión ai trono en el siglo

VII, Spoleto, 1960 (sep. de "Settimane di studio dei Centro italiano di studi

sull'alto medioevo", VII — "Le chiese nei regni deli'Europa Occidentale e i loro

rapporti con Roma sino ali '800"). Pode ver-se uma síntese dos Concílios de

Toledo in P.e Miguel de Oliveira, História Eclesiástica de Portugal, 4.a ed., Lisboa,

1968, págs. 45 e segs.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

várias informações acerca da existência de juristas de valor e de

importante literatura jurídica do período visigótico. Aliás, as com-

pilações legislativas que analisámos logo induzem a pressupor a par-

ticipação de juristas de mérito considerável. Entre estes se inclui

Leão de Narbona.

Dispomos da obra de Santo Isidoro, bispo de Sevilha, que,

apenas por si, bastaria para atestar o nível da ciência jurídica da

época. Viveu nos fins do século vi e começos do século vil

(570/636), tendo presidido ao Concílio de Sevilha de 619 e ao IV

Concílio de Toledo (633).

Conhecia o direito romano, tanto o pré-justinianeu, como o

contido nas próprias compilações de Justiniano. A obra mais rele-

vante de Isidoro de Sevilha foram as Etimologias, correspondendo ao

que hoje se designa enciclopédia, em que a entrada dos assuntos se

faz por vocábulos (').

O seu livro V, que se ocupa do direito e de temas de cronolo-

gia ("De legibus et temporibus"), bem patenteia a cultura do

autor ( ). Claro que esse pequeno tratado jurídico que a primeira

parte do referido livro constitui não se revela profundamente origi-

nal e terá de colocar-se numa posição modesta, quando confron-

tado com as obras da literatura jurídica da época clássica. Mas não

é com esse critério que devemos avaliar o mérito do trabalho de

Santo Isidoro. Cabe apreciá-lo dentro do quadro da época; e, assim,

terá de reconhecer-se que representa um texto importante, em

que se mostra um domínio expressivo do direito romano,

(l) Ver San Isidoro de Sevilla, Etimologias, vols. I (livros I/X) e II (livros

XI/XX), Madrid, 1982/1983 (ed. bilingue de José Oroz Reta/Manuel-A. Mar-

cos Casquero, com uma introdução geral de Manuel C. Diaz y Diaz).

(2) A primeira parte do liv. V (capítulos 1/27) trata de matéria jurídica.

Também no liv. II ("De rhetorica et dialéctica") se dedica um capítulo

(10 — "De lege") ao estudo da lei. E, ainda, no liv. IX ("De linguis, gentibus,

regnis, militia, civibus, affinitatibus") se encontram capítulos sobre a nomencla-

tura real e militar (3 — "De regnis militiaquae vocabulis") e sobre os cidadãos

(4— "De civibus"), que apresentam algumas relações com o direito.

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PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO

descobrindo-se, aqui e além, algumas concepções próprias. Santo

Isidoro é, ainda, autor de uns "Libri Sententiarum", onde se alarga

em reflexões acerca de problemas políticos.

A obra deste bispo de Sevilha teve grande divulgação, mesmo

fora da Península. Chegaram à actualidade centenas de manuscritos

das Etimologias, o que revela a sua difusão.

Podemos ainda considerar Santo Isidoro como um cultor do

direito canónico. Há quem sustente que organizou uma colecção

canónica, a chamada Collectio Hispana(l). Trata-se, contudo, de

uma opinião infundada. Mas é suficiente o papel por ele desempe-

nhado nos concílios a que presidiu para aquilatarmos dos seus méri-

tos de canonista ( ).

23.2. Prática jurídica


a) Falta de documentos desta época. Os formulários
Vamos, por último, referir a prática do direito. O modo mais

exacto de conhecê-la é através dos documentos que consubstanciam

ou realizam actos jurídicos concretos, como vendas, doações, per-

mutas, testamentos, contratos agrários. Porém, consoante já se

observou (3), perdeu-se a grande maioria das fontes históricas dessa

espécie respeitantes ao período visigótico. Acresce que alguns dos

poucos documentos que chegaram até nós ou são apócrifos ou

apresentam-se muito truncados e inconclusivos.

Resta-nos o recurso aos formulários, isto é, às colectâneas de

modelos ou paradigmas que os notários tinham presentes para a

redacção dos vários actos jurídicos. Mas também neste capítulo

(') Cfr., supra, pág. 140, nota 2.

(2)Ver a extensa e documentada introdução de Manuel C. Diaz y DiAzà

cit. edição bilingue das Etimologias, vol. I, págs. 7 e segs., em que se integra a

personalidade e a obra de Isidoro de Sevilha na situação histórica.

(3) Cfr., supra, págs. 112 e segs.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



deparamos com dificuldades, em consequência da escassez e das

dúvidas que se levantam.

Ao lado das Fórmulas Visigóticas, seguidamente consideradas,

recordam-se as Fórmulas de Holkham. Só que não se encontra

demonstrada a origem visigótica destas últimas (1).
b) Fórmulas Visigóticas
Dá-se esta designação ao conjunto de quarenta e seis fórmulas

encontradas num códice da Catedral de Oviedo (2). A maioria delas

refere-se a actos privados: manumissões, vendas, doações, testamen-

tos, permutas, etc.

Merece destaque a fórmula 20, consagrada à "morgengabe",

que consistia no presente oferecido pelo noivo à noiva, como retri-

buição da sua castidade. Corresponde a uma instituição germânica

que não se encontra na legislação visigótica. O facto de essa fór-

mula estar redigida em verso — o que constitui caso único na

( ) Trata-se de duas fórmulas contidas num códice conservado na Biblio-

teca de Holkham. Uma delas retere-se ao juramento das testemunhas, visando

provar a inocência do réu. A outra diz respeito à prova caldária, um dos deno-

minados juízos de Deus ou ordálios, que consistia no seguinte: o acusado, na

presença de um júri, mergulhava a mão num recipiente com água a ferver e

tirava dele um objecto; a mão era depois untada e ligada; ao fim de certo

número de dias, o mesmo júri procedia ao seu exame e, conforme estivesse ou

não curada ou em vias de cura, considerava-se o acusado inocente ou culpado.

Existia a prova análoga do ferro candente, que apenas diferia por se exigir que o

acusado desse alguns passos transportando na mão um ferro incandescente.

Argumento a favor da procedência visigótica das Fórmulas de Holkham

reside na suposição de que a prova caldária foi aceita nos últimos tempos do

Reino dos Visigodos, por Egica ou Vitiza (ver García-Gallo, Consideración crítica

de los estúdios, cit., in "An. de Hist. dei Der. Esp.", tomo XLIV, págs. 407 e

segs.). As Fórmulas de Holkham podem ser consultadas nos "Textos de Direito

Visigótico", cit., vol. II, págs. 124 e segs.

(2) Ver García-Gallo, Los documentos y los formulários, cit., in "Est. de

Hist. dei Der. Priv.", págs. 364 e segs.

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PERÍODO GERMÂNICO OU VISIGÓTICO

diplomática medieval — suscita dúvidas sobre a sua verdadeira

natureza de modelo de documentos jurídicos.

Quanto à redacção e ao estilo, o formulário analisado baseia-

-se no sistema documental romano. Também, pelo que toca ao

conteúdo, pode dizer-se que reflecte um ambiente romano e cris-

tão. As influências germânicas mostram-se reduzidas.

A data deste formulário é duvidosa. Correntemente, aparece

situado entre os anos 615 e 620. Talvez seja mais tardio. De qual-

quer modo, está-se em face de uma colecção de fórmulas que na

sua grande parte derivavam de uma época bastante anterior.

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CAPÍTULO IV

PERÍODO DO DOMÍNIO MUÇULMANO

E DA RECONQUISTA CRISTÃ

24. A invasão muçulmana e o seu significado


A vinda dos Árabes para a Península ocasionou a quebra da

unidade estadual que o Reino Visigótico conseguira após a expulsão

dos últimos redutos bizantinos (!). Durante séculos, passam a existir

no território hispânico dois blocos diferenciados, embora com fron-

teiras mais ou menos instáveis: o cristão e o islâmico.

Essa separação política conduziu a uma paralela dualidade

jurídica básica. Os invasores trazem para a Península o direito

muçulmano, que continuam a adoptar. Enquanto, por outro lado, a

desorganização político-administrativa provocada pela queda do

Estado Visigótico faz com que, entre os Cristãos, o ordenamento

jurídico tradicional, baseado no "Liber ludiciorum", fique entregue

ao seu próprio destino, sujeito à influência de múltiplos factores.

Verifica-se a ruptura do pano de fundo romanístico que existira ao

longo do período anterior.

E na sequência da Reconquista cristã que a Península se divide

em vários Estados. Daí que surjam correspondentes sistemas jurídi-

cos que a marcha do tempo individualizaria.

Como a nossa exposição tem directamente por objecto a his-

tória do direito, abstrai-se de pormenorizações sobre a alteração

profunda que se produziu das estruturas política, económica, social

e religiosa da Península. Sabe-se, aliás, que todo o mundo islâmico

patenteou uma cultura uniforme. Esta não possuiu originalidade

expressiva. Caracterizou-se pelo sincretismo ou combinação dos

elementos culturais dos extensos e muito diferentes povos domina-

(') Cfr., supra, págs. 119 e seg.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

dos, alguns deles com fortes influências helénicas e romanas. Foi

valiosa, sob tal aspecto, a presença dos Muçulmanos na Península

Ibérica, que beneficiou dos seus diversificados conhecimentos cien-

tíficos e técnicos, das suas ideias e filosofia, das suas formas artísti-

cas e literárias. As zonas do Sul conheceram uma época de acen-

tuada prosperidade económica (!).

Interessa recordar, especialmente, os pontos fulcrais da histó-

ria política dos Árabes na Península. Desse modo se facilita a com-

preensão da Reconquista cristã e dos aspectos jurídicos concomi-

tantes.

(') A evolução económico-financeira da Península Ibérica pode ser repre-



sentada, graficamente, no seu conjunto, por um W, enquanto nela se intercalam

duas fases de regressão, de rumo gradual para um sistema de trocas directas, e

duas fases de nítido progresso da circulação monetária. Cada uma das fases

regressivas tem a sua ordenada mais baixa, respectivamente, nos começos do

século viu e nos meados do século xh. Assim, não há exacta coincidência com a

marcha da Europa transpirenaica, onde faltou o travão árabe: agora a linha

evolutiva desdobra-se num simples V. A um ciclo regressivo, desde a queda do

Império Romano do Ocidente e que atinge o rubro no decurso do século IX, na

época de Carlos Magno, sucede-se, sobretudo a partir do século XI, um ciclo

ascendente, em correspondência com o renascimento económico europeu e

caracterizado, não só pelo progressivo acréscimo monetário, mas até pela cria-

ção, a breve trecho, de alguns instrumentos de crédito e financeiros que estão na

base da vida moderna. Voltando ainda à economia peninsular, parece admissível

que ela nunca tenha atingido, talvez, um ponto de regressão comparável aos da

francesa ou alemã: no primeiro período, impediu-o a invasão muçulmana; e no

terceiro, ou seja, no segundo regressivo, porque à medida que a influência islâ-

mica ia afrouxando se caminhava, por outro lado, para a integração no movi-

mento económico europeu, já em pleno curso. Reproduz-se o que escreve M. J.

Almeida Costa, Raízes do Censo Consignatwo. Para a História do Crédito Medieval

Português, Coimbra, 1961, págí 67, nota 1, onde se remete para A. H. de Oliveira

Marques, A moeda portuguesa durante a Idade Média, Porto, 1959, págs. 5 e segs.

(sep. do "Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto", vol. XXII, desig-

nadamente págs. 497 e segs.). A respeito das influências e das relações económi-

cas entre Cristãos e Árabes, consultar César E. Dubler, Ober das Wirtschaftsleben

auf der Iberischen Halbinsel vom XI. zum XIII. Jahrhundert. Beitrag zu den islamisch-

-cristlichen Beziehungen, Genève, 1943.

150

PERÍODO DO DOMÍNIO MUÇULMANO E DA RECONQUISTA CRISTA


a) Breve nótula sobre a história política dos Muçulmanos na Península
Os Muçulmanos chegaram à Península como aliados do par-

tido rebelde dos filhos de Vitiza contra o rei Rodrigo, que foi

derrotado e morto, em 711, na batalha de Guadalete( ). Mas este

apoio, tendo-se os Árabes apercebido da decadência do País,

transformou-se numa campanha de conquista que acabou com o

Estado Visigótico e alargou, em pouco tempo (711/713), a domina-

ção dos invasores à quase totalidade da Península. Só alguns peque-

nos núcleos dos Pirenéus e da Cordilheira Cantábrica, a bem dizer

inacessíveis, conseguiram manter-se independentes. Do mesmo

modo, certos "territórios" ou "condados" — que eram importantes

circunscrições administrativas da época visigótica—conservaram a

sua organização, mediante pactos ou tratados que envolviam o

reconhecimento da soberania muçulmana.

Assim nasceu o que se denominaria "país de al-Andalus". As

áreas peninsulares conquistadas pelos Árabes ficaram a constituir

uma espécie da província do grande Estado Muçulmano, sob a

suprema autoridade política e religiosa do Califado de Damasco. O

governador da Ibéria árabe era um emir que estava subordinado ao

emir do Norte de África e, através deste, ao califa de Damasco.

A referida situação, pela qual existia na Península um Emirado

dependente do Califado de Damasco, termina em meados do século VIII

(711/755). Nessa altura, a dinastia Omíada é destronada pela família

dos Abácidas; e, devido a isso, um príncipe omíada, o futuro

Abderramão I, foge para a Península, obtém o apoio de alguns

poderosos que se conservaram fiéis à dinastia destronada e desenca-

deia a guerra contra o emir local. Vitorioso da luta, torna-se ele

próprio emir, proclamando a autonomia dos domínios muçulmanos
(l) A luta pelo poder caracterizou a vida política do Estado Visigótico,

que, ao menos teoricamente, se manteve até final como monarquia electiva.

Recordamos que, no período ariano, portanto, até 589 (cfr., supra, págs. 116 e

124), houve dezasseis monarcas, dos quais nove morreram assassinados. Após a

conversão ao Catolicismo, existiram igualmente dezasseis monarcas, tendo sido

assassinados dois e depostos três.

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

peninsulares. Surge, deste modo, o Emirado independente da Espanha

ou Emirado de Córdova, por ter aí a sua capital (756/929).

Nos fins do século VIII, o Emirado atravessa uma crise grave.

Há rivalidades entre os nobres e manifestam-se tendências de desin-

tegração. A unidade só foi restabelecida em começos do século X,

com Abderramão III (912), que consegue impor uma política cen-

tralizadora e eleva o Emirado à categoria de Califado (929).

Durante cerca de cem anos, o Califado de Córdova (929/1031)

corresponde ao período de apogeu da presença muçulmana.

Traduz-se, especialmente pelos finais do século X, nos maiores

reveses dos príncipes cristãos.

A esse ciclo de grandeza seguiu-se um outro de franca deca-

dência (1031/1090), que levou ao fraccionamento do Califado de

Córdova em numerosos pequenos Estados dissidentes — os Reinos de

Taifas —, que chegaram a ser vinte e três. Das rivalidades entre os

Árabes se aproveitaram, mais uma vez, os monarcas cristãos, alar-

gando a sua hegemonia para o Sul.

A divisão dos domínios muçulmanos nos Estados de Taifas

prolongou-se até à invasão dos Almorávidas, povo berbere oriundo do

Sara Ocidental que se convertera ao Islamismo e que chegou à

Península, em 1090, sob o comando de Yusuf. Este, depois de bre-

ves campanhas coroadas de êxito, consegue reunificar todos os

domínios muçulmanos e formar com elas o Império Almorávida.

Em meados do século XII, novas dissidências e cisões afectam

os Árabes. O poder dos Almorávidas entrara em declínio. Seguiu-se

a invasão dos Almóadas (1147), que levaria, embora menos rapida-

mente do que a dos Almorávidas, a uma última unificação do

mundo islâmico peninsular (1072). Também esta efémera. Mas a

história política muçulmana oferece, desde então, menor interesse,

dada a consolidação manifesta que já na altura possuía a Recon-

quista cristã (').

( ) Sobre as vicissitudes da permanência dos Muçulmanos na Península,

ver a exposição minuciosa de David Lopes, O Domínio Árabe, in "História de

152

PERÍODO DO DOMÍNIO MUÇULMANO E DA RECONQUISTA CRISTÃ


b) Os invasores e o seu direito. As fontes do diráto muçulmano
Como já se observou (*), a fixação dos Árabes na Península

conduziu à perda da unidade jurídica, que, pelo menos em princí-

pio, o Código Visigótico polarizava. O direito que os invasores

trouxeram consigo tinha natureza confessional. Não havia uma dis-

tinção entre a religião e o direito, ou melhor, este ia buscar àquela

o conteúdo dos seus critérios normativos. Portanto, afirmava-se

como um sistema jurídico personalista, que apenas abrangia a

comunidade de crentes que integrava o mundo islâmico. Não era a

raça que definia o direito aplicável (2), mas sim o credo religioso.

Embora se mostre reduzido o contributo árabe para a evolu-

ção do direito peninsular, sempre forneceremos, em traços rápidos,

o quadro geral das suas fontes (3). Convirá, entretanto, salientar

Portugal", dirigida por DamiAo Peres, vol. I, Barcelos, 1928, págs. 389 e segs.

Consultar, ainda, o livro clássico de R. Dozy, Histoire des Musultnans d'Espagne

jusqu'à la conquête de 1'Andalousie por les Almoravides (711/1110), 2.a ed., Leyde, 1932,

É. Lêvi-Provençal, L'Espagne musulmane au X.èm siècle. Institutions et vie sociale,

Paris, 1932, La civilisation árabe en Espagne. Vue générale, Caire, 1938, e Histoire de

l'Espagne musulmane, 2.a ed., vol. I — La conquête et 1'Emirat hispano-umayade (711-

-912), Paris, 1950, vol. II — Le califat umayade de Cordoue (912-1031), Paris, 1950, e

vol. III— Le siècle du Califat de Cordoue, Paris, 1953 (trad. para castelhano desta

obra e introdução de E. García Gómez, in "Historia de Espana", dirigida por R.

Menéndez Pidal, tomo IV, Madrid, 1950, e tomo V, Madrid, 1957), C.

Sánchez-Albornoz, La Espana Musulmana. Según los autores islamitas y cristianos

medievales, tomos I e II, Buenos Aires, 1946, e "The Encyclopaedia of Islam", 2.a

ed., Leiden/London (em publicação desde 1960).

(') Cfr., supra, pág. 151.

( )Cfr., supra, págs. 106 e segs., o que se referiu a propósito dos povos

germânicos.

(3) Ver J. López Ortiz, Derecho musulmán, Barcelona, 1932, F. M. Pareja,

Ismalogie, Beyrouth, 1957/1963, e E. Tyan, Histoire de l'organisation judiciaire en pays

d'Islam, 2.a ed., Leiden, 1960. Sobre as fontes, evolução e instituições do direito

islâmico, existem as sínteses elementares, mas bastante esclarecedoras, de

Raymond Charles, Le droit musulmán, colecção "Que sais-je?", n.° 702, 4.a ed.,

Paris, 1972, e Joseph Schacht, Introduction au droit musulmán, Paris, 1983.

153

HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS



dois aspectos: por um lado, que o direito dos Muçulmanos, quando

estes chegaram à Península, se encontrava numa fase de formação,

que ainda levaria tempo a consumar-se de modo definitivo; por

outro lado, como decorre da referida confessionalidade, que a cria-

ção do direito não oferece autonomia substancial relativamente à

revelação divina.

Devem referir-se, antes de mais, o Alcorão (]) e a "Sunna".

Trata-se das fontes básicas do direito muçulmano.

O Alcorão consiste no conjunto de revelações de Alá que os

fiéis se habituaram a recitar e que, segundo Maomé, lhe foram

feitas de modo explícito. Só depois da morte deste se reduziram a

escrito. Tais ensinamentos possuem um conteúdo variado, mas

sobressaem as regras de carácter religioso, moral e jurídico. A

"Sunna" corresponde à conduta pessoal de Maomé, traduzida em

actos, palavras e silêncios tidos como concordância ao que presen-

ceava. São ensinamentos recebidos de forma implícita. Conhecidos,

de início, apenas pela tradição oral ("hadith"), procedeu-se à sua

compilação, desde meados do século VIII.

Contudo, o Alcorão e a "Sunna" estavam longe de propor-

cionar resposta a todas as questões jurídicas. Por isso, desenvol-

veram-se as fontçs complementares do direito maometano. Adquire


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