§3.°
ÉPOCA DO DIREITO SOCIAL
72. Considerações gerais
Chegamos ao direito português contemporâneo. Passa-
-se da história ao quadro do presente, pelo que a respectiva exposi-
ção deixa de pertencer, ao âmbito deste livro. Apenas se acrescenta,
portanto, um rápido apontamento introdutório (').
Ora, querendo-se indicar um marco cronológico — mais uma
vez, com toda a sua relatividade inevitável — que sirva de ponto de
referência para o começo do ciclo que se designa como sendo a
época do direito social, ocorre a I Grande Guerra (1914 a 1918). Um
alargamento sensível das actividades humanas trouxe consigo novas
relações sociais, pôs ao direito imprevistas exigências de tutela, sus-
citou conflitos até então desconhecidos ou agudizou outros, cha-
mando a ordem jurídica a desempenhar uma tarefa cada vez mais
extensa, variada e melindrosa.
As tendências, por exemplo, do moderno direito privado
enraizam, antes de tudo, na mudança de estruturas económicas e
sociais que resultaram da crise do liberalismo clássico. Como se
apresentam diversos dos anteriores os pólos de gravitação das mais
autênticas aspirações individuais e colectivas do nosso tempo.
Importantes factores culturais, progressos da ciência, sucessi-
vas revoluções industriais e tecnológicas (2), que acompanharam a
(') Cfr. M. J. Almeida Costa, Uma perspectiva da evolução do direito português,
cit., págs. 19 e seg.
(2) E comum aludir-se a três revoluções industriais: a da máquina a vapor;
a do dínamo e seus correlativos; e a dos microprocessadores e electrónica. Tam-
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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS
formação de sociedades massificadas, constituíram aspectos a que
os problemas do direito e da realização da justiça não poderiam
ficar alheios. Ensina a história, como vimos, que sempre cada época
lhes deu ou procurou dar a sua própria resposta.
Um sentido de democratização económica e o intervencio-
nismo da legislação do Estado, a limitar os anteriores dogmas da
autonomia da vontade e da liberdade contratual, determinaram,
por toda a parte, a edificação de um direito social, ou, se preferir-
mos, de uma tendência social do direito, e o desenvolvimento da
sua publicização. Verificam-se neoformações jurídicas, que se
foram produzindo em múltiplos sectores, ao lado das instituições e
dos ramos tradicionais do direito. Bastará pensar no que sucedeu
quanto às relações de trabalho, ao instituto da propriedade, ao
direito económico e industrial, ao contrato de arrendamento, ao
direito agrário, ao direito de defesa do consumidor, etc.
Sobre a inspiração última do fenómeno, aliás, comum à gene-
ralidade dos povos da nossa civilização, pode dizer-se, esquemati-
camente, que ele partiu das diversas tendências solidaristas moder-
nas, que subordinam os interesses individuais aos colectivos. Entre
estas, a que mais toca ao espírito do direito português é a doutrina
social cristã, que propõe a consecução do bem individual através da
sua coordenação com os interesses gerais da comunidade, ao mesmo
tempo que o próprio Estado procura, também por si, aumentar os
poderes e impor-se ao individualismo neutralizador da sua acção.
A tais transformações que se têm operado no âmbito do
direito correspondem viragens da ciência que o cultiva e do pensa-
bém se encontram referências a revoluções tecnológicas ou revoluções energética
e informática. Com maior exactidão, caberá indicar cinco revoluções industriais
sucessivas: a da máquina a vapor; a da electricidade e da química; a dos produtos
artificiais; a da energia atómica; e a da cibernética. Através desses ou idênticos
qualificativos, pretende-se, em suma, mais ou menos rigorosamente, assinalar e
alicerçar profundas e encadeadas mutações que se operaram nas sociedades indus-
trializadas, por virtude dos avanços científicos e técnicos.
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PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO
mento filosófico-jurídico. A par do renovado direito natural cató-
lico, e depois do neokantismo e correntes concomitantes, e mesmo
do neo-hegeleanismo, com relevo, ainda, para a fenomenologia,
sublinha-se hoje o que poderá dizer-se a axiologia crítica no hori-
zonte da reformulação hermenêutica e do aprofundamento metodo-
lógico, que vão sendo, entre outros, caminhos diversificados de
superação das perspectivas positivistas, sem prejuízo dos contributos
significativos que, a seu turno, estas trouxeram à ciência jurídica.
As breves referências anteriores deixarão entrever as profun-
das mudanças registadas no campo do direito. Como é óbvio, elas
produziram-se em todas as suas áreas, publidsticas e privatísticas.
Enormes resultaram as paralelas transformações metodológicas e a
evolução da ciência jurídica.
Sustenta a metodologia moderna que os cultores do direito
não devem propor-se a mera explicação teórica das soluções consa-
gradas na lei, com vista a uma compreensão sistematico-formal do
ordenamento jurídico, segundo postulava a jurisprudência dos conceitos.
Em vez dessa linha metodológica, considera-se que incumbe ao
jurista, como tarefa principal, a indagação dos motivos práticos das
soluções da lei, dos interesses materiais ou ideais e finalidades que
as determinaram, como sugere a jurisprudência dos interesses; ou
melhor, de acordo com a subsequente orientação da. jurisprudência das
valorações, é necessário que ao aplicar-se o direito se atenda, essen-
cialmente, aos princípios ou critérios valorativos em que as formu-
lações legislativas se baseiam e imanentes ao ordenamento jurídico.
Esta orientação, contudo, não se mostra indiscutida.
Acresce que, numa acentuação do momento pragmático de
linguagem e dos esquemas institucionais, as próprias correntes ana-
líticas destacam o facto de uma adequada resolução dos problemas
jurídicos concretos apenas se tornar possível mediante a ponderação
das especificidades destes, em referência a uma certa prática, e
nunca por mera via axiomático-dedutiva de subsunção. Trata-se do
modo actual de encontro do homem com o direito.
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