Mário júlio de almeida costa


§3.° ÉPOCA DO DIREITO SOCIAL



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§3.°

ÉPOCA DO DIREITO SOCIAL

72. Considerações gerais

Chegamos ao direito português contemporâneo. Passa-

-se da história ao quadro do presente, pelo que a respectiva exposi-

ção deixa de pertencer, ao âmbito deste livro. Apenas se acrescenta,

portanto, um rápido apontamento introdutório (').

Ora, querendo-se indicar um marco cronológico — mais uma

vez, com toda a sua relatividade inevitável — que sirva de ponto de

referência para o começo do ciclo que se designa como sendo a

época do direito social, ocorre a I Grande Guerra (1914 a 1918). Um

alargamento sensível das actividades humanas trouxe consigo novas

relações sociais, pôs ao direito imprevistas exigências de tutela, sus-

citou conflitos até então desconhecidos ou agudizou outros, cha-

mando a ordem jurídica a desempenhar uma tarefa cada vez mais

extensa, variada e melindrosa.

As tendências, por exemplo, do moderno direito privado

enraizam, antes de tudo, na mudança de estruturas económicas e

sociais que resultaram da crise do liberalismo clássico. Como se

apresentam diversos dos anteriores os pólos de gravitação das mais

autênticas aspirações individuais e colectivas do nosso tempo.

Importantes factores culturais, progressos da ciência, sucessi-

vas revoluções industriais e tecnológicas (2), que acompanharam a

(') Cfr. M. J. Almeida Costa, Uma perspectiva da evolução do direito português,

cit., págs. 19 e seg.

(2) E comum aludir-se a três revoluções industriais: a da máquina a vapor;

a do dínamo e seus correlativos; e a dos microprocessadores e electrónica. Tam-

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

formação de sociedades massificadas, constituíram aspectos a que

os problemas do direito e da realização da justiça não poderiam

ficar alheios. Ensina a história, como vimos, que sempre cada época

lhes deu ou procurou dar a sua própria resposta.

Um sentido de democratização económica e o intervencio-

nismo da legislação do Estado, a limitar os anteriores dogmas da

autonomia da vontade e da liberdade contratual, determinaram,

por toda a parte, a edificação de um direito social, ou, se preferir-

mos, de uma tendência social do direito, e o desenvolvimento da

sua publicização. Verificam-se neoformações jurídicas, que se

foram produzindo em múltiplos sectores, ao lado das instituições e

dos ramos tradicionais do direito. Bastará pensar no que sucedeu

quanto às relações de trabalho, ao instituto da propriedade, ao

direito económico e industrial, ao contrato de arrendamento, ao

direito agrário, ao direito de defesa do consumidor, etc.

Sobre a inspiração última do fenómeno, aliás, comum à gene-

ralidade dos povos da nossa civilização, pode dizer-se, esquemati-

camente, que ele partiu das diversas tendências solidaristas moder-

nas, que subordinam os interesses individuais aos colectivos. Entre

estas, a que mais toca ao espírito do direito português é a doutrina

social cristã, que propõe a consecução do bem individual através da

sua coordenação com os interesses gerais da comunidade, ao mesmo

tempo que o próprio Estado procura, também por si, aumentar os

poderes e impor-se ao individualismo neutralizador da sua acção.

A tais transformações que se têm operado no âmbito do

direito correspondem viragens da ciência que o cultiva e do pensa-

bém se encontram referências a revoluções tecnológicas ou revoluções energética

e informática. Com maior exactidão, caberá indicar cinco revoluções industriais

sucessivas: a da máquina a vapor; a da electricidade e da química; a dos produtos

artificiais; a da energia atómica; e a da cibernética. Através desses ou idênticos

qualificativos, pretende-se, em suma, mais ou menos rigorosamente, assinalar e

alicerçar profundas e encadeadas mutações que se operaram nas sociedades indus-

trializadas, por virtude dos avanços científicos e técnicos.

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PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO


mento filosófico-jurídico. A par do renovado direito natural cató-

lico, e depois do neokantismo e correntes concomitantes, e mesmo

do neo-hegeleanismo, com relevo, ainda, para a fenomenologia,

sublinha-se hoje o que poderá dizer-se a axiologia crítica no hori-

zonte da reformulação hermenêutica e do aprofundamento metodo-

lógico, que vão sendo, entre outros, caminhos diversificados de

superação das perspectivas positivistas, sem prejuízo dos contributos

significativos que, a seu turno, estas trouxeram à ciência jurídica.

As breves referências anteriores deixarão entrever as profun-

das mudanças registadas no campo do direito. Como é óbvio, elas

produziram-se em todas as suas áreas, publidsticas e privatísticas.

Enormes resultaram as paralelas transformações metodológicas e a

evolução da ciência jurídica.

Sustenta a metodologia moderna que os cultores do direito

não devem propor-se a mera explicação teórica das soluções consa-

gradas na lei, com vista a uma compreensão sistematico-formal do

ordenamento jurídico, segundo postulava a jurisprudência dos conceitos.

Em vez dessa linha metodológica, considera-se que incumbe ao

jurista, como tarefa principal, a indagação dos motivos práticos das

soluções da lei, dos interesses materiais ou ideais e finalidades que

as determinaram, como sugere a jurisprudência dos interesses; ou

melhor, de acordo com a subsequente orientação da. jurisprudência das

valorações, é necessário que ao aplicar-se o direito se atenda, essen-

cialmente, aos princípios ou critérios valorativos em que as formu-

lações legislativas se baseiam e imanentes ao ordenamento jurídico.

Esta orientação, contudo, não se mostra indiscutida.

Acresce que, numa acentuação do momento pragmático de

linguagem e dos esquemas institucionais, as próprias correntes ana-

líticas destacam o facto de uma adequada resolução dos problemas

jurídicos concretos apenas se tornar possível mediante a ponderação

das especificidades destes, em referência a uma certa prática, e

nunca por mera via axiomático-dedutiva de subsunção. Trata-se do



modo actual de encontro do homem com o direito.

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