Elliot possa ter um bom desempenho nos testes psicológicos? Mas, de
facto, é possivel. Doentes com anomalias profundas em termos de com
portamento social podem ter um excelente desempenho em muitos, ou
mesmo na maioria, dos testes de inteligência. Esta é a realidade frustrante
com a qual clinicos e investigadores se têm debatido durante décades. A
doença cerebral pode existir, mas os testes de laboratório falham na me
diçäo de limitaçöes significativas. Claro que o problema reside nos testes
e näo nos doentes. Os testes näo säo adequados para as funçöes que estäo
comprometidas e, por isso, näo conseguem medir qualquer limitaçäo.
Conhecendo o estado e a lesäo de Elliot, previ que ele seria considerado
normal pela maioria dos testes neuropsicológicos, mas anormal num
pequeno núrnero de testes que säo sensiveis a alteraçöes nos córtices fron
tais. Como veremos mais à frente, Elliot viria de novo a surpreender me.
Os testes psicolôgicos e neuropsicológicos padräo revelaram um inte
lecto superior'. Em todos os subtestes da Escala de Inteligência para
Adultos de Wechsler, Elliot exibiu capacidades de nivel superior ou
médio. A sua memória imediata de digitos era de nivel superior, assim
como a memória verbal de curto prazo e a memória visual de padröes
geométricos. A sua memória diferida da lista de palavras e da ilustraçäo
complexe de Rey encontrava se dentro dos niveis normais. A realizaçäo
do Exame de Afasia Multilinguistica (uma colecçäo de testes que avaliam
vários aspectos da compreensäo e produçäo da linguagem) foi normal. As
UM PHINEAS GAGE MODERNO 61
suas capacidades de percepçäo visual e de construçäo revelaram se nor
mais nos testes de Benton para a Discriminaçäo Facial e para o Juizo de
Orientaçäo Linear e nos testes de orientaçäo geográfica e de construçäo bi
e tridimensional de blocos. A cópia da figura complexe de Rey Osterrieth
também se revelou normal.
Elliot executou normalmente os testes de memória que utilizam inter
ferência. Um dos testes envolveu a evocaçäo de trigramas consonantes,
apôs desfasamentos temporais de três, nove e dezoito segundos, com a
distracçäo de uma contagem decrescente; outro, a evocaçäo de itens, após
um desfasamento de 15 segundos, dispendido na elaboraçäo de cálculos.
A maior parte dos doentes com lesöes no lobo frontal executam estes tes
tes de uma forma anormal; Elliot desempenhou bem ambas as tarefas,
com uma precisäo de 100% e 95%, respectivamente.
Em suma, a capacidade perceptiva, a memória do passado, a memória
de curto prazo, a aprendizagem de novos factos, a linguagem e a capa
cidade de efectuar cálculos aritméticos estavam intactas. A atençäo a
capacidade de concentraçäo num determinado conteúdo mental em de
trimento de outros estava também intacts; igualmente intacts estava a
memória de trabalho*, a qual consiste na capacidade de reter informaçäo
durante um periodo de muitos segundos e de a manipular mentalmente.
A memória é testada habitualmente no dominio das palavras ou
números, dos objectes ou das suas caracteristicas. Por exemplo, após ser
informado de um número de telefone, o individus é solicitado a repeti lo
imediatamente na ordem inverse, omitindo os digitos impares.
A minha previsäo de que Elliot falharia nos testes concebidos para de
tectar disfunçöes no lobo frontal näo estava correcta. Elliot revelou se täo
intacte em termos intelectuais que até os testes especiais näo lhe levanta
ram qualquer dificuldade. Um bom exemplo foi o seu comportamento no
Teste de Escolha de Cartöes de Wisconsin, o mais proéminente do pe
queno grupo dos chamados testes do lobo frontal, o qual envolve a or
denaçäo de uma longa série de cartöes cuja imagem pode ser classificada
de acordo com a cor (por exemplo, vermelho ou verde), forma (estrelas,
circulos, quadrados) e números (um, dois ou três elementos). Quando o
examinador substitui o critério segundo o qual o inquirido está fazer a or
denaçäo, este tem de se aperceber da mudança rapidamente e adoptar um
novo critério. Nos anos 60, a psicóloga Brenda Milner mostrou que é fre
quente os doentes com lesöes nos córtices pré frontais apresentarembas
tantes limitaçöes significativas nesta tarefa, descoberta esta que tem sido
1 Workiiig niei@iory no original. (N. a T.)
ó2 O ERRO DE DESCARTES
repetidamente confirmada por outros investigadoreS3. Os doentes tendem
a fixar se num critério em vez de alterarem o mecanismo de ordenaçäo de
forma apropriada. Elliot alcançou seis categorias em setenta ordenaçöes
algo que a maioria dos doentes com lesöes no lobo frontal näo consegue
fazer. Transpôs a tarefa, näo revelando qualquer diferença face a indivi
duos näo diminuidos. Ao longo dos anos, ele tem conservado este tipo de
desempenho no teste Wisconsin e em tarefas semelhantes. O desem
penho normal de Elliot neste teste revelou a sua capacidade de utilizar
memória de trabalho e revelou também a competência da sua lógica e a
sua capacidade de alterar o set mental.
A capacidade de fazer estimativas acerca de um determinado assunto
com base em conhecimento incomplets é outro indice de funçäo intelec
tual superior, que se encontra frequentemente afectada nos doentes com
lesöes no lobo frontal. Dois investigadores, Tirn Shallice e M. Evans, de
linearam uma tarefa que permite a avaliaçäo desta capacidade através de
um conjunto de questöes para as quais qualquer de nós näo teria uma
resposta exacta (a näo ser que um de nós seja um coleccionador de triviali
dades) e cuja resposta requer conjecturas acerca de uma grande variedade
de factos desconexos bem como operaçöes lógicas sobre estes factos, de
modo a chegar a uma inferência válida". Imagine, por exemplo, que lhe
perguntavam quantas girafes existera na cidade de Nova lorque ou
quantos elefantes existera no Estado do Iowa. Tem de ter em considera
çäo que nenhuma destas espécies é indigena da América do Norte e que
os jardins zoológicos e os parques de vida selvagem säo, por isso, os
únicos locais onde podem ser encontradas; tem também de considerar o
mapa global da cidade de Nova lorque ou do Estado do lowa e delinear
quantas dessas infra estruturas é provável existirem em cada um desses
espaços; e, a partir de um outro «banco de dados» do seu conhecimento,
poderá estimar o número provável de girafas e de elefantes em cada uma
dessas infra estruturas; e adicionar, por fim, tudo isto e obter um núme
ro. (Espero que responda com um número razoável e confortável; ficaria
porém surpreendido e preocupado se soubesse o número exacto.)
O que é essencial é que produza uma estimativa aceitável, baseada em
fragmentes de conhecimento näo relacionado; e que possua uma compe
tência lógica normal, uma atençäo normal e uma memória de trabalho
normal. Elliot, que podia agir täo irracionalmente, produziu estimativas
cognitivas dentro da gama normal.
Por esta altura, Elliot tinha vencido a maioria das dificuldades que lhe
tinham sido postas. Contudo, näo tinha ainda sido submetido a um teste
de personalidade seria agora, pensei. Qual seria a probabilidade de se
sair bem no teste primordial de personalidade, o Inventário Multifásico
UM PHINEAS GAGE MODERNO 63
de Personalidade de Minnesotal, também conhecida por MMPI (Min
nesota Multiphasic Personality Inventory)? Como o leitor já deve ter
adivinhado, Elliot também se revelou normal neste teste. Produziu um
perfil válido com um desempenho perfeitamente genuino.
Após todos estes testes e à luz dos seus resultados, Elliot aparecia
como um homem com um intelecto normal que era incapaz de decidir de
forma adequada, especialmente quando a decisäo envolvia matéria pessoal
e social. Poder se ia dar o caso de o raciocinio e a tomada de decisöes nos
domínios pessoal e social serem diferentes do raciocinio e do pensamen
to nos domínios referentes a objectes, espaço, números e palavras? Será
que dependiam de sistemas e processos neurais diferentes? Tive de acei
tar o facto de que, apesar das grandes alteraçöes que acompanharam a sua
lesäo cerebral, nada mais poderia ser medido no laboratório com os
instrumentos neuropsicológicos tradicionais. Havia outros doentes que
tinham demonstrado este tipo de dissociaçäo, mas nenhum de forma täo
devastadora, pelo menos em termos do impacto que tinham sobre os in
vestigadores. Para medir qualquer limitaçäo, teríamos de desenvolver
novas abordagens. E, se queriamos explicar satisfatoriamente as defi
ciências do comportamento de Elliot, teríamos de desistir da avaliaçäo
tradicional; os desempenhos impecáveis de Elliotmostravam que nao po
diamos acusar os suspeitos habituais.
RESPOSTA AO DESAFIO
Poucas coisas podem ser täo salutares quando se encontra um obs
táculo intelectual como dar umas férias ao problema ou a nós pro'prios.
Assim sendo, fiz uma pausa relativamente ao problema de Elliot e,
quando regressei, descobri que a minha perspectiva acerca do caso tinha
começado a mudar. Apercebi me de que tinha estado excessivamente
preocupado com o estado da inteligência de Elliot e com os instrumentos
da sua racionalidade e de que näo tinha prestado muita atençäo às suas
emoçöes, por diversas razöes. A primera vista, as emoçöes de Elliot nada
tinham fora do comum. Ele era, como mencionei anteriormente, emo
cionalmente contido, mas há muitas pessoas ilustres e socialmente
exemplares que têm sido emocionalmente contidas. Elliot näo era de todo
hiper emotivo; näo ria ou chorava a despropósito nem parecia triste nem
alegre, embora tivesse um sentido de humor subtil bem mais atraente e
socialmente aceitável que o de várias pessoas que conheço. Numa análise
ó4 O ERRO DE DESCARTES
mais aprofundada, contudo, havia qualquer coisa que faltava, e eu tinha
largamente ignorado a principal prova deste facto: Elliot era capaz de re
latar a tragédia da sua vida com uma imparcialidade que näo se ajustava
à dimensäo dos acontecimentos. Agia sempre de forma controlada,
descrevendo as cenas como um espectador impassivel e desligado. Näo
havia nunca sinal do seu próprio sofrim'ento, apesar de ser ele o protago
nista. Em si mesmo, isto näo era propriamente um problema: restriçöes
deste tipo säo bem vindas, do ponto de vista de um médico ouvinte,
dado que reduzem os custos emocionais do observador. Mas, à medida
que falava com Elliot, horas a fio, tornou se claro que a sua distäncia era
invulgar. Elliot näo exercia qualquer restriçäo nos seus sentimentos. Era
calmo. Descontraido. As suas narrativas fluiam sem esforço. Näo inibia a
expressäo da ressonäncia emocional interna ou silenciava o tumulto
interno simplesmente porque näo tinha qualquer tumulto para silenciar.
Isto näo era uma íleuma culturalmente adquirida. De uma forma curiosa,
e involuntariamente protectora, ele näo era afectado pela sua própria tra
gédia. Apercebi me entäo de que sofria mais quando ouvia as histórias de
Elliot do que ele próprio parecia sofrer. Para ser exacto, senti que, apenas
pelo facto de pensar naquelas histôrias, eu sofria mais do que ele.
Pouco a pouco, a imagem deste desafeiçoamento foi se construindo,
em parte, a partir das minhas observaçöes, em parte, a partir do relato do
doente e, em parte, a partir do testemunho de familiares. Elliot manifesta
va as suas emoçöes de forma mais branda do que o tinha feito da doenç@i.
Abordava a vida com a mesma nota neutra. Nas muitas horas de conversa
que tivemos, nunca detectei traço de emoçäo: nenhuma tristeza, ne
nhuma impaciência, nem qualquer frustraçäo com o meu interrogatório
incessante e repetitivo. Descobri que O comportamento que adoptera
comigo era o mesmo que apresentava no seu dia a dia. Raras vezes se
zangava e, nas raras ocasi öes em que se enfurecia, a explosäo durava
pouco, regressando rapidamente ao seu novo modo de ser, calmo e sem
rancores.
Mais tarde, e de uma forma espontänea, eu viria a obter directamente
de Elliot a prova de que necessitava. O meu colega Daniel Tranel tinha
estado a conduzir uma experiência psicofisiológica na qual apresentava
aos seus doentes estimulos visuais emocionalmente carregados por
exemplo, imagens de edificios a ruir em terramotos, casas @i arder, pessoas
feridas na sequência de acidentes sangrentos ou na iminência de se afo
garem em cheias. Enquanto interrogávamos Elliot, depois de uma das
muitas sessöes em que viu estas imagens, ele disse me, sem qualquer
equivoco, que os seus sentimentos se tinham alterado desde a sua doença.
Conseguia aperceber se de que os tópicos que anteriormente lhe susci
UM PHLNEAS GAGE MODERNO 65
tavam emoçöes fortes já näo lhe provocavam qualquer reacçäo, positive
ou negativa.
A informaçäo que acabava de nos dar era, de facto, espantosa. Tente
colocar se no lugar dele. Tente imaginer que o facto de contemplar uma
pintura que adora ou o facto de ouvir a sua música favorita näo lhe pro
porcionariam prazer. Tente imaginer se para sempre destituido dessa
possibilidade, e, no entanto, consciente do conteúdo intelectual do es
timulo visual ou musical, assim como perfeitamente consciente de que
outrora este lhe tinha proporcionado prazer. O estado de Elliot poderia
ser resumido como saber nias näo sentir.
Comecei a ficar intrigado com a possibilidade de a alteraçäo das emo
çöes e os sentimentos poderem ter algum papel nas falhas de decisäo de
Elliot. Para apoiar esta ideia, contudo, eram necessários estudos adicio
nais em Ellio ' t e outros doentes. Antes de mais, era necessário excluir, sem
sombra de dúvida, a possibilidade de uma subtil dificuldade intelectual
poder explicar, por si só, os problemas de Elliot.
RACIOCINAR E DECIDIR
A exclusäo sistemática de deficiências intelectuais subtis necessitou de
várias abordagens. Era importante estabelecer se Elliot ainda conhecia as
normas e os principios de comportamento cuja utilizaçäo ignorava dia
apôs dia. Por outras palavras, teria ele perdido o conhecimento relative
ao comportamento social de tal modo que, mesmo com os seus mecanis
mos de raciocínio normais, näo seria capaz de resolver um determinado
problema? Ou estava ele ainda na posse desse conl iecimento, já näo sen
do, no entanto, capaz de o mobilizar e manipular? Ou seria capaz de ter
acesso ao conhecimento, mas incapaz de o utilizar e fazer uma escolha?
Fui ajudado nesta investigaçäo por Paul Eslinger, nessa altura meu
discipulo. Começámos por apresentar a Elliot uma série de problemas
centrados em dilemas éticos e questöes financeras. Por exemplo, diga
mos que ele necessitava de di nheiro; se lhe surgisse uma oportunidade,
com a garantia de que näo seria descoberto, cometeria ele um roubo? Ou,
se ele conhecesse a situaçäo do stock da companhia X, durante o mês
passado, venderia algum do stock que possuia ou compraria mais? As res
postas de Elliot näo foram diferentes daquelas que qualquer um de nós no
laboratório poderia ter tido. Os seus juizos éticos seguiam principios que
todos nôs partilhamos. Elliot estava ciente da forma como as convençöes
F.,.. da Ciê.icia 29 5
66 O ERRO DE DESCARTES
sociais se aplicam aos problemas. As suas decisöes financeras pareciam
razoáveis. Os problemas que nôs preparámos näo tinham nada de es
pecialmente sofisticado, mas era espantoso, apesar disso, descobrir que
Elliot os resolvia normalmente, dado que, na vida real, o seu compor
tamento era um catálogo de violaçöes nos dominios abrangidos pelos
problemas apresentados. Esta dissociaçäo entre a deficiência na vida real
e a normalidade no laboratório constituia um novo desafio.
Mais tarde, o meu colega Jeffrey Saver responderia a este desafio
através do estudo do comportamento de Elliot numa série de tarefas re
lacionadas com convençöes sociais e valores morais. Permita me que
descreva essas tarefas.
A primera consistia na criaçäo de opçöes de acçäo. Este instruments
foi projectado para medir a capacidade de delinear soluçöes altemativas
para problemas sociais hipotéticos. Quatro situaçöes sociais (provaçöes,
na realidade) säo verbalmente apresentadas no teste, e pede se ao doente
que produza diferentes opçöes de resposta verbal para cada problema
(as quais se espera que ele descreva verbalmente). Numa situaçäo, o
protagonista quebra um vaso de flores da esposa; pede se ao doente que
defina acçöes que poderiam ser tomadas pelo protagonista de modo a evi
tar que a esposa fique zangada. Emprega se um conjunto padronizado de
questöes, tais como «Que mais pode ele fazer?», para estimular soluç~öes
alternativas. Calcula se o número de soluçöes alternativas, relevantes e
discretas, concebidas pelo doente, antes e depois da estirnulaçäo. Com
parado com o desempenho de um grupo de controlo, Elliot näo exibiu
qualquer délice no número de soluçöes relevantes geradas antes da esti
mulaçäo, no número total de soluçöes relevantes ou na releväncia dessas
soluçöes.
A segunda tarefa visava obter uma amostra da inclinaçäo espontänea
do doente para considerar as consequências das acçöes O doente é con
frontado com quatro situaçöes hipotéticas nas quais surge a tentaçäo de
transgredir convençöes sociais comuns. Num caso, o protagonista entre
ga um cheque num Banco e, por engano, o caixa entrega lhe dinheiro a
mais. Pede se ao doente que descreva a possivel evoluçäo deste cenário,
indicando os pensamentos do protagonista que precedem uma acçäo e
quaisquer pensamentos ou acontecimentos subsequentes. A pontuaçäo
reflecte a frequência com que as respostas incluem a consideraçäo das
consequências resultantes da escolha de uma dada opçäo. Nesta tarefa, o
desempenho de Elliot foi ainda superior ao do grupo de controlo.
A terceira tarefa, o Procedimento de Resoluçäo de Problemas um
Meio para um Fim, visava a avaliaçäo da capacidade do doente de conce
ber meios eficazes para atingir um objective social. O doente é confron
UM PHINEAS GAGE MODERNO 67
tado com dez cenários diferentes, devendo conceber medidas apropria
das e eficazes para atingir um objective especificado, de modo a satisfa
zer uma iiecessidade social por exemplo, o estabelecimento de uma
amizadc, a preservaçäo de um relacionamento romäntico ou a resoluçäo
de uma dificuldade profissional. Poder se à informar o individus de que
alguem se está a mudar para um bairro novo, que adquire muitos bons
amigos e que se sente em casa nesse local. Pede se entäo ao doente que
elabore uma história, descrevendo os acontecimentos que condüziram,
este resultado feliz. A pontuaçäo consiste no número de acçöes efectivas
que conduzem ao resultado. Elliot desempenhou esta tarefa impecavel
mente.
A quarta tarefa diz respeito à capacidade de prever as consequências
sociais de acontecimentos. Em cada um dos trinta itens do teste, o doeilt( ,
observa um painel de banda desenhada que apresenta uma situaçäo in
terpessoal, e perante essa imagem é lhe pedido que escolha, de entre três
painéis, aquele que retrata o resultado mais provável do paft tel inicial. A
pontuaçäo reílecte o número de escolhas correctas. Elliot näo se com
portou de maneira diferente da dos individuos normais que formavam o
grupo de controlo.
A quinta e última tarefa, a Entrevista de juizo Moral de Questöes
Padräo (uma versäo modificada do dilema de Heinz, idealizada por L.
Kohlberg e seus colegas)6@ tinha por finalidade avaliar o estádio de desen
volvimento do raciocinio moral. Perante uma situaçäo social que coloca
dois imperativos morais em conflits, solicita se ao doente que indique
uma soluçäo para o problema e que forneça uma justificaçäo ética deta
lhada para essa soluçäo. Numa dessas situaçöes, por exemplo, o doente
tem de decidir, e explicar, se o protagonista deve ou näo roubar um medi
camento de modo a impedir a morte da sua mulher. A pontuaçäo em
prega critérios explicites de ordenaçäo por estádios com o objective de
atribuir um nivel especffico de desenvolvimento moral a cada juizo pro
duzido durante a entrevista.
O@ resultado da Entrevista de juizo Moral de Questöes Padräo clas
sifica o doente como pertencendo a um de cii ico estádios de raciocinio mo
ral sucessivamente mais complexes. Estas categorias de raciocínio moral
incluem niveis pré convencionais (estádio 1, obediência e orientaçäo da
puniçäo; estádio 2, finalidade instrumental e permute); niveis conveil
cionais (estádio 3, acordo interpessoal e conformidade; estádio 4, acordo
social e manutençäo do sistema); e um nivel pás convencional (estádio 5,
contrato social, utilidade, direitos individuais). Foram realizados estudos
que sugerem que aos 36 anos de idade, 89% dos homens americanos de
classe média evoluem para o estádio convencional de raciocinio moral, e
68 O ERRO DE DESCARTES
11% evoluem para o estádio pós convencional. Elliot atingiu um resul
tadoglobalde'/, oqueindicaumacategoriadepensamentomoralentre
o estádio convencional avançado e o pós convencional incipiente. Um
resultado excelente.
Em suma, Elliot possuia uma capacidade normal de gerar opçöes de
resposta para situaçöes sociais e de considerar espontaneamente as
consequências de determinadas opçöes de resposta. Possuia igualmente
a capacidade de conceber meios para atingir objectivos sociais, de predi
zer o resultado provável de situaçöes sociais e de empreender raciocúlios
morais a um nivel de desenvolvimento avançado. Os resultados indica
vam claramente que a lesäo do sector ventromediano do lobo frontal näo
tinha destruido os registos do conhecimento social tal como estes foram
recuperados nas condiçöes experimentais descritas acima 7.
Apesar da manutençäo do alto nivel de desempenho de Elliot ser
coerente com os bons resultados obtidos nos testes convencionais de
meméria e intelecto, isto contrastava nitidamente com a capacidade de
decisäo profundamente deficiente que ele exibia na vida real. Como se
poderia explicar tal discrepäncia? Para encontrar a explicaçäo desta dis
sociaçäo dramática, consideremos as várias diferenças existentes entre as
condiçöes e exigências destas tarefas, e as condiçöes e exigências da vida
real.
Excepte para a última tarefa, näo existia qualquernecessidade de fazer
uma escolha entre várias opçöes. Era suficiente tecer conjecturas acerca de
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