Esses estranhos Homens deveriam ficar muito satisfeitos por serem julgados mais maldosos dó que realmente são



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Quando a pequena multidão se dispersou, apenas Grommetik ficando para limpar as xícaras e as migalhas, Madame Morrible em pessoa acendeu a lareira ― um gesto de simpatia que não passou despercebido a ninguém ― e mandou Grommetik embora. “Mais tarde, coisinha”, ela disse, “mais tarde. Vá se lubrificar em algum reservado por aí.” Grommetik saiu rodando com um ar ofendido, se tal era possível. Elphaba teve de controlar uma gana de dar-lhe um pontapé com a ponta de sua vigorosa bota preta.

“Saia você também, Babá”, Madame Morrible disse. “Faça uma pequena pausa em seu trabalho.”

“Oh, não”, a Babá disse. “A Babá aqui não abandona a sua Nessa.”

“Abandona, sim. Sua irmã é perfeitamente capaz de tomar conta dela sozinha”, disse a Diretora. “Não é mesmo, Senhorita Elphaba? A própria alma da caridade.”

Elphaba abriu a boca ― a palavra alma sempre a provocara, Glinda sabia ― mas fechou-a novamente. Ela fez um sinal trêmulo indicando a porta. Sem uma palavra, a Babá levantou-se para sair, mas antes que a porta fechasse, ela disse: “Não é lugar para eu reclamar, mas, realmente: faltar creme? Num funeral?”.

“Socorro”, disse Madame Morrible quando a porta fechou, mas Glinda não tinha certeza se isso era uma crítica a serviçais em geral ou um lampejo de simpatia. A Diretora recuperou-se arrumando as abas, aberturas e cadarços de seu vistoso blusão social. Coberta de lantejoulas de um alaranjado-cobre, ela parecia uma deusa peixe-dourado enorme, estofada, de ponta-cabeça. Como será que teria conseguido o cargo de Diretora?, Glinda pensava.

“Agora que Ama Clutch se tornou cinzas, vamos, digo, devemos seguir em frente com coragem”, Madame Morrible começou. “Minhas jovens, posso lhes pedir que recontem a triste história de suas últimas palavras? É uma terapia essencial para que vocês se recuperem da aflição.”

As garotas não olharam umas para as outras. Glinda, que nessa situação era a porta-voz, tomou fôlego e disse: “Oh, ela só expeliu absurdos no fim”.

“Não é surpresa, vindo de uma coisa velha caduca”, disse Madame Morrible, “mas, que espécie de absurdo?”

“Nós não conseguimos entender”, disse Glinda.

“Pensei se ela não teria falado da morte do Bode.”

Glinda disse: “Oh, o Bode? Bem, eu mal pude notar...”

“Suspeitei que, na condição insana em que ela se encontrava, pudesse querer retornar ao momento crítico. Os moribundos com freqüência tentam extrair sentido, no seu derradeiro momento, do enigma de suas vidas. Esforço inútil, é claro. Sem dúvida, Ama Clutch estava intrigada por tudo que lhe aconteceu, o corpo do Bode, o sangue. E Grommetik.”

“Oh?”, disse Glinda, debilmente. As irmãs ao seu lado tomavam todo o cuidado para não parecerem nervosas.

“Naquela terrível manhã eu estava em pé cedo ― fazendo minhas meditações espirituais ― e notei a luz no laboratório do Doutor Dillamond. Assim, mandei Grommetik para lá com um estimulante bule de chá para o velho Bode. Grommetik encontrou o Animal caído sobre uma lente quebrada; parece que ele deu um passo em falso e cortou sua própria veia jugular. Um acidente tão triste, devido ao zelo (para não dizer o orgulho) acadêmico e a uma lastimável falta de senso comum. Descanso, nós todos precisamos de descanso, mesmo os mais brilhantes entre nós precisam de descanso. Grommetik, em sua confusão, sentiu o pulso ― nada descobriu ― e eu suponho que foi justo quando Ama Clutch chegou. Deparou-se com o querido Grommetik salpicado pelos jorros de uma forte pulsação circulatória. Ama Clutch chegou de lugar nenhum e estava extrapolando suas incumbências, devo acrescentar, mas não vamos falar mal dos mortos, não é?”

Glinda engoliu as suas lágrimas, e não mencionou que Ama Clutch mencionara ter visto alguma coisa fora do comum na noite anterior, e que saíra para observar.

“Sempre achei que o choque de ver aquele sangue todo deve ter sido a gota d’água que fez com que Ama Clutch piorasse em sua enfermidade. Incidentalmente, vocês podem entender por que eu dispensei Grommetik agora há pouco. Ele está ainda muito sensível ao caso e desconfia, eu creio, que Ama Clutch o julgou responsável pela horrível morte do bode.”

Glinda disse, com hesitação: “Madame Morrible, a senhora deve saber que Ama Clutch não padeceu nunca dessa doença que lhe descrevi. Eu a inventei. Mas eu não a reforcei. Não a envolvi nisso, nem ela ficou sabendo”.

Elphaba olhou para Madame Morrible firmemente, embora mantivesse uma aparência de interesse moderado. As pestanas de Nessarose palpitavam. Se Madame Morrible já tinha ciência do que Glinda acabara de revelar, seu rosto não a traía. Ela tinha a aparência tão imperturbável quanto a de um barco amarrado num ancoradouro. “Bem, isso apenas dá peso às minhas observações”, ela admitiu. “Há um poder imaginativo, mesmo profético, em seu destacado pequeno círculo social, Senhorita Glinda.”

A Diretora se levantou, as saias farfalhando, como o vento através de um campo de trigo. “O que eu digo agora é da mais estrita confidencia. Eu espero que minhas jovens obedeçam ao meu comando. Estamos de acordo?” Ela pareceu tomar o silêncio atordoado das três como aceitação. Olhou para elas detidamente. Era por isso que ela se parecia com um peixe, Glinda pensou subitamente. Ela nunca piscava.

“Devido à autoridade que me foi investida por alguém elevado demais para que eu possa citar, fui incumbida de uma tarefa crucial”, disse a Diretora. “Uma tarefa essencial para a segurança interna de Oz. Eu tenho trabalhado para cumprir essa tarefa já há alguns anos, e o tempo chegou, e os recursos estão à minha disposição.” Ela escrutinou-as. Eram elas os recursos.

“Vocês não repetirão o que ouviram nesta sala”, ela disse. “Vocês não deverão ter nem querer, nem escolha, nem capacidade de repetir. Estou envolvendo cada uma de vocês num casulo fechado como proteção para essa matéria muito delicada. Não” ― ela ergueu uma mão a um protesto de Elphaba ― “não, vocês não têm o direito de objetar. O feito já está feito e vocês devem ouvir e ficar abertas àquilo que vou dizer.”

Glinda tentou examinar-se para sentir se ficara envolvida, ou fechada, ou se não tremia sob o efeito de algum feitiço. Mas ela se sentia apenas assustada e jovem, o que deveria ser mais ou menos a mesma coisa. Ela olhou de relance para as duas irmãs. Nessarose em seus sapatos deslumbrantes estava na cadeira, as narinas se dilatando em medo ou excitação. Elphaba, do outro lado, parecia tão impassível e contrariada como sempre.

“Vocês vivem num pequeno útero aqui, num pequeno ninho bem prote­gido, garota com garota. Oh, eu sei que vocês têm uns garotos bobos sempre por perto, coisas desprezíveis. Bons para uma coisa só e nem para esta são muito confiáveis. Mas, estou digressionando. Devo dizer é que vocês sabem pouco ou nada da situação do país hoje. Vocês não têm uma idéia do grau de inquietação a que as coisas chegaram. Comunidades marginalizadas, grupos étnicos uns contra os outros, banqueiros contra fazendeiros e fábricas contra lojas. Oz é um vulcão fervilhante ameaçando entrar em erupção e queimar­-nos com seu próprio pus venenoso.

“Nosso Mágico parece forte o bastante para enfrentar isso. Ah, mas será mesmo? Ele tem o domínio da política interna. Ele não é frouxo nas negocia­ções de taxas de câmbio com as sanguessugas de Ev ou Jemmicoe ou Fliann. Ele governa a Cidade Esmeralda com uma diligência e uma habilidade que o decadente e arrogante clã de Ozma nunca nem sonhou possuir. Sem ele, teríamos sido varridos para longe por uma chuva de fogo, há anos. Não de­vemos ficar senão agradecidos. Um pulso forte faz maravilhas numa situação de decadência. Caminhe suavemente, mas leve junto um bom porrete. Vejo que estou sendo ofensiva. Bem, um homem é sempre bom quando julgado pela face externa do poder, não é?

“Sim. Mas as coisas não são sempre como parecem ser. E ficou claro, de repente, que o saco de truques do Mágico não funcionará para sempre. Há no horizonte iminentes levantes populares ― daquele tipo insensível, estúpido, no qual pessoas fortemente obtusas se deliciam em ser mortas em considera­ção a mudanças políticas que serão revertidas dentro de uma década. É uma coisa que dá um tal significado a vidas insignificantes, não é? Não se pode imaginar nenhum outro motivo para isso. De qualquer modo, o Mágico pre­cisa de novos agentes. Ele tem necessidade de alguns generais. Pessoas com habilidades para exercer o poder. Pessoas com iniciativa.

“Em resumo, mulheres.”

“Eu chamei vocês três aqui. Vocês não são mulheres ainda, mas o mo­mento em que serão está se aproximando, mais depressa do que possam ima­ginar. A despeito de minha opinião quanto ao comportamento de vocês, tive de escolhê-las. Há em vocês muito mais do que aquilo que os olhos podem ver. Senhorita Nessarose, sendo a mais jovem, você é a mais indecifrável para mim, mas, assim que superar esse encantador hábito da fé, vai desenvolver uma autoridade feroz. Seu defeito corporal não conta aqui. Senhorita Elpha­ba, você é um caso isolado, e mesmo com minha fala cativante, fica aí rumi­nando desprezo por tudo que eu digo. Isso é evidência de um grande poder interior e força de vontade, uma coisa que respeito profundamente mesmo quando dirigida contra mim. Você não mostrou sinal algum de interesse por feitiçaria e não afirmo que você tenha qualquer aptidão natural para isso. Mas sua esplêndida atitude e espírito de lobo solitário pode ser utilizada, oh sim se pode, e você não precisará viver uma vida de fúria reprimida. E Senhorita Glinda: você se surpreendeu com os talentos que possui para a feitiçaria. Eu sabia que ia surpreender-se. Eu tive a esperança de que suas inclinações pudessem contagiar a Senhorita Elphaba, mas o fato de elas não terem con­tagiado é a prova mais firme do caráter de ferro da Senhorita Elphaba.

“Vejo em seus olhos que você questiona meus métodos. Você pensa, um tanto revoltada: será que a Horrível Morrible não terá feito o prego perfurar o pé de minha Ama Clutch, fazendo com que eu fosse forçada a dividir um quarto com Elphaba? Ela não terá feito Ama Clutch descer para encontrar o Bode morto, a melhor maneira de tirá-la do caminho e assim colocar a Babá e Nessarose no cenário? Quanta lisonja a senhora ainda pensar que eu tenho tal poder.”

A Diretora fez uma pausa e quase ficou ruborizada, o que nela era al­guma coisa tão difícil quanto o separar da nata numa chama muito elevada. “Sou uma subordinada a serviço de superiores”, ela continuou, “e meu talento especial é estimular o aparecimento de talentos. A meu próprio modo mo­desto, a vocação para a educação me chamou, e aqui faço minhas pequenas contribuições à história.

“Agora, para ser mais específica. Quero que vocês reflitam sobre seus futuros. Eu gostaria de chamá-las, de batizá-las como se fossem um Trio de Adeptas. Nessa trajetória, gostaria de designá-las para missões ministeriais de bastidores nas diferentes partes do país. Fui investida de poder para fazer isso, lembrem-se, por aqueles cujas solas de botas eu não sou digna de lamber.” Mas ela parecia presunçosa, como se no fundo se julgasse muito digna sim da atenção dessas forças misteriosas. “Vamos dizer que vocês serão parceiras secretas do mais alto nível do governo. Vocês serão anônimas embaixadoras da paz, ajudando a restringir os elementos insubordináveis entre nossas po­pulações civilizadas. Nada foi decidido ainda, é claro, e vocês têm direito a dizer algo sobre a questão, dizer a mim, e a ninguém mais que seja, como foi traçado ― mas gostaria que vocês refletissem sobre isso. Eu preciso ― even­tualmente ― colocar uma Adepta em algum ponto estratégico de Gillikin. Senhorita Glinda, com sua posição social de médio alcance e suas ambições transparentes, você pode se ajustar tanto aos bailes de margraves quanto estar à vontade em chiqueiros. Oh, não se embarace assim, você tem sangue bom apenas por um lado e nem é uma linhagem tão refinada. A Adepta de Gillikin, Senhorita Glinda? Não cairá bem?”

Glinda apenas ouvia. “Senhorita Elphaba”, disse Madame Morrible, “cheia do desprezo adolescente que vem da posição herdada, você é, todavia a Terceira Descendente do Thropp, e seu bisavô, o Eminente Thropp, já está senil. Um dia herdará o que restou de Solos de Colwen, o pretensioso reduto em Pedras do Ninho, e poderia ajustar-se no papel da Adepta de Munchkin. A despeito da infeliz condição de sua pele ― na realidade, talvez em razão dela ― você desenvolveu um voluntarismo e uma iconoclastia que têm um apelo dis­creto quando não inspiram repulsas. Isso será proveitoso. Acredite em mim.”

“E Senhorita Nessarose”, ela continuou, “tendo sido criada no Estado de Quadling, você quererá retornar para lá com a Babá. A situação social em Quadling é uma total confusão, que dizer de um décimo da população anfíbia esborrachada, mas pode melhorar, em certa medida, e vai precisar haver alguém lá para supervisionar as minas de rubi. Precisamos de alguém para cuidar das coisas lá no Sul. Assim que você se recuperar de sua mania religiosa, será um arranjo perfeito. Você não espera viver na alta sociedade de modo algum, não sem braços. Afinal, como conseguiria dançar?

“Quanto ao Vinkus, não achamos que precisaremos de uma Adepta posicionada lá, ao menos não durante as suas existências. Os planos princi­pais deixam de fora qualquer povoamento apreciável naquele lugar esquecido por Deus.”

Aqui a Diretora parou de falar e olhou ao redor. “Oh, garotas. Sei que são jovens. Sei o quanto isso as aflige. No entanto, não precisam ver isso como uma sentença de prisão, mas como uma oportunidade. Perguntem a si mesmas: como poderei chegar a uma posição de proeminência e responsabi­lidade, embora silenciosa? Como poderão meus talentos desabrochar? Como, minhas queridas, como eu poderei ajudar meu Oz?”

O pé de Elphaba se mexeu, atingiu a ponta de uma mesa lateral, e uma xícara com pires caiu no chão e se espatifou.

“Vocês são tão previsíveis”, disse Madame Morrible, suspirando. “E isso que faz meu trabalho tão fácil. Agora, garotas, presas como estão a um jura­mento de silêncio, peço-lhes que se retirem e meditem sobre o que eu disse. Por favor, nem mesmo tentem discutir a coisa juntas, ou isso lhes dará dor de cabeça e cólicas. Não conseguirão fazer isso. Em algum dia do próximo semestre chamarei cada uma de vocês aqui e vocês me darão a resposta. E se vocês escolherem não ajudar o seu país nesta hora de necessidade...”. Ela apertou suas mãos numa paródia de desespero. “Bem, vocês não são os únicos peixes que há no mar, são?”

A tarde havia se tornado ameaçadora, com montículos de nuvens cor de ameixa ao norte, aparecendo no céu mais para além das agulhas e cam­panários das torres de pedras azuis. A temperatura caíra vinte graus des­de o início da manhã, e as garotas conservavam seus xales bem apertados enquanto caminhavam em direção ao boteco. A Babá, tremendo ao vento tempestuoso, gritou: “E o que a velha intrometida tinha a dizer que eu fui proibida de ouvir?”.

Mas, não havia nada que pudessem dizer. Glinda não conseguia nem olhar para as outras. “Ergueremos um copo de champanhe para Ama Clutch”, disse Elphaba finalmente, “quando chegarmos ao Pêssego e Rins.”

“Eu pedirei uma colher cheia de creme verdadeiro”, disse a Babá. “Que mão-de-vaca aquela velha porca é. Não tem respeito pelos mortos.”

Mas Glinda achava que a fala da Madame tivera um efeito mais pro­fundo, cortara mais fundo do que ela podia entender. Não era apenas que elas não podiam comentar a respeito. Ela já começara a sentir mais ― não encontrando palavras, vacilando em seus pensamentos, falhando em relacio­nar a entrevista à sua memória. Havia a tal proposta. Era uma proposta, não era? De alguma questionável tarefa no (não era isso?) serviço civil? Fazendo alguma coisa ― dançar nos bailes, o que não fazia muito sentido. Um tanto de risada, um copo de champanhe, um belo homem tirando a faixa da cin­tura e pressionando os punhos engomados sobre seu pescoço, enxugando as lágrimas em formas de rubis de seus olhos... Fale macio, mas carregue um porrete grande. Ou não era uma proposta, mas uma profecia? Um pequeno encorajamento amigável para alguma coisa futura? E ela estava sozinha, as outras não tinham escutado. Madame Morrible falara diretamente com ela. Uma prova adorável do... potencial de Glinda. A oportunidade de subir na vida. Caminhe suave, mas case com um bem-dotado. Um homem tirando a sua gravata de noite numa cama, pegando seus botões de diamantes, em­purrando-os com o nariz pelo declive da parte superior de seu pescoço... Era um sonho, Madame Morrible não devia ter dito isso! Ela devia estar confusa de aflição. Pobre Ama Clutch. Tinha tido apenas uma discreta palavra de condolência da querida e devotada Diretora, que achava tão difícil falar em público. Mas a língua de um homem entre as suas pernas, uma colher cheia de creme de açafrão...

Nessarose disse: “Peguem-na, eu não posso, eu sou...”, e ela caiu so­bre o peito da Babá, e Glinda desmaiou ao mesmo tempo. Elphaba lançou os braços fortes e apanhou Glinda no meio do desmaio. Glinda não havia perdido a consciência de fato, mas a desconfortável proximidade física do rosto rapace de Elphaba depois desse indesejável ato de desejo fazia com que sentisse vontade de tremer de repugnância e ronronar ao mesmo tempo. “Fique firme, garota, aqui não”, disse Elphaba, “resista, vamos!”. Resistir era exatamente o que Glinda não queria fazer. Mas, afinal, na sombra de uma carroça de maçãs, perto do mercado onde os mercadores vendiam o último peixe do dia, baratinho, bem, não era bem o melhor lugar. “Vamos, vê se endurece”, disse Elphaba, parecendo puxar as palavras do fundo da garganta. “Vamos, Glinda ― você tem boa cabeça ― vamos lá! Eu te amo muito, sai dessa, sua idiota!”

“Bem, realmente”, ela disse, enquanto Elphaba a colocava numa pilha de palha de embrulho mofada. “Não precisa ser tão romântica assim!” Mas ela se sentiu melhor, como se uma onda de mal-estar tivesse acabado de passar.

“Vocês, garotas, eu lhes digo, esses desmaios, eles vêm desses sapatos apertados”, disse a Babá, zangando-se e afrouxando os sapatos glamorosos de Nessarose. “Gente sensível deve usar couro ou madeira.” Ela massageou os peitos dos pés de Nessarose por um momento, e Nessarose gemeu e arqueou suas costas, mas começou a respirar normalmente em alguns minutos.

“Bem-vindas de volta a Oz”, disse a Babá daí a pouco. “Que comidinhas vocês todas andaram beliscando, lá com a Diretora?”

“Vamos, eles estão esperando”, disse Elphaba. “Não faz sentido ficar demorando. De todo jeito, estou com medo que comece a chover.”

No Pêssego e Rins, o resto da turma havia confiscado uma mesa na alcova a vários degraus acima do primeiro piso. Eles estavam bem entretidos com suas taças àquela altura da tarde, e estava claro que lágrimas haviam sido derramadas. Avaric estava encostado preguiçosamente a uma parede de tijolos do antro de estudantes, os braços em torno de Fiyero e suas pernas estendidas no colo de Shenshen. Boq e Crope discutiam sobre alguma coisa, picuinha, e Tibbett estava cantando uma canção interminável para Pfannee, que parecia mais era sentir vontade de atirar um dardo na polpa de sua coxa. “Ahhh, as mulheres”, grunhiu Avaric, e fez como se fosse levantar.

Eles cantavam e tagarelavam e pediam sanduíches, e Avaric deixou cair um número exagerado de moedas para pagar uma salva de creme de açafrão, em memória de Ama Clutch. O dinheiro fez maravilhas e o creme foi encon­trado na despensa, o que deu a Glinda um sentimento de desconforto, embora ela não soubesse por quê. Eles punham os montinhos de terra voadores com colheres nas bocas uns dos outros, esculpiam com eles, misturavam-nos no champanhe, lançavam-nos em bolinhas uns sobre os outros, até que o gerente do bar viesse e lhes dissesse para pararem com a bagunça. Eles obedeciam, resmungando. Não sabiam que era a última vez que estariam todos juntos, senão teriam ficado um pouco mais.

Uma chuva rápida viera e se fora, mas as ruas ainda estavam barulhentas devido às enxurradas, e a luz das lâmpadas cintilava e dançava nos montícu­los saltitantes de água de um negro prateado entre as pedras. Imaginando o possível bandido a vagar pelas sombras, ou o andarilho faminto emboscado ali por perto, eles ficavam bem juntos uns dos outros. “Eu tenho uma idéia”, disse Avaric, pondo um pé aqui e outro ali, como se fosse flexível feito um homem de palha. “Quem é homem o bastante para ir ao Clube de Filosofia nesta noite?”

“Oh, não, você não”, disse a Babá, que não bebera muito.

“Eu quero ir”, Nessarose lamentou, mais bamba que o habitual.

“Você nem sabe o que isso é”, disse Boq, dando uma risadinha e um soluço.

“Eu não me importo, eu não quero ir embora”, disse Nessarose. “Nós só temos uns aos outros, e eu não quero ser abandonada, e eu não quero ir para casa!”

“Quieta, Nessa, quieta, quieta, minha linda”, disse Elphaba. “Aquilo não é lugar para você, nem para mim. Venha, vamos para casa. Glinda, venha.”

“Eu não tenho mais Ama agora”, disse Glinda, de olhos arregalados, esticando um dedo ameaçador sobre Elphaba. “Eu sou minha própria agente. Eu quero ir para o Clube de Filosofia e ver se é verdade.”

“O resto pode fazer o que quiser, mas nós vamos para casa”, disse El­phaba.

Glinda desviou-se de Elphaba, que se dirigia a um Boq que aparenta­va muita incerteza. “Agora, Boq, você não quer ir àquele lugar desagradável, quer?” Elphaba dizia. “Vamos lá, não deixe os rapazes obrigarem você a fazer uma coisa que não deseja.”

“Você não me conhece”, ele disse, parecendo dirigir a palavra mais para um poste de amarrar animais. “Elfinha, como você sabe o que eu quero? A menos que eu próprio descubra? Hmmm?”

“Venha conosco”, disse Fiyero para Elphaba. “Por favor, se nós lhe pe­dirmos educadamente?”

“Eu quero ir também”, gemeu Glinda.

“Oh, venha, Glindinha”, disse Boq, “talvez eles levem a gente. Em con­sideração aos velhos tempos, que nunca existiram.”

Os outros tinham despertado um sonolento condutor de carruagem de aluguel e contratado seus serviços. “Boq, Glinda, Elfinha, venham”, Avaric chamou da janelinha. “Cadê a coragem de vocês?”

“Boq, pense bem nisso”, Elphaba pressionava.

“Eu sempre penso, eu nunca sinto, eu nunca vivo”, ele gemeu. “Não posso simplesmente viver de vez em quando? Uma vez só? Só porque sou baixo não sou uma criança, Elfinha!”

“Não até agora”, disse Elphaba. Meio falsa hoje, pensou Glinda, e se retorceu toda para subir no carro de aluguel. Mas Elphaba agarrou-a pelo cotovelo e a girou. “Você não pode”, ela sussurrou. “Nós vamos para a Cidade Esmeralda.”

“Eu vou ao Clube de Filosofia com meus amigos...”

“Nesta noite”, sibilou Elphaba, “sua pequena idiota, nós não temos tem­po a desperdiçar com sexo!”

A Babá já havia levado Nessarose embora, e o condutor estalou suas rédeas e o veículo moveu-se pesadamente e afastou-se. Glinda tropeçou e disse: “Que você estava quase para dizer? O que ia dizer?”.

“Eu já disse e não vou dizer de novo”, disse Elphaba. “Minha querida, eu e você vamos voltar a Crage Hall nesta noite apenas para arrumar uma valise. Depois, cairemos fora.”

“Mas os portões estarão fechados...”

“Vamos sair pelo muro da horta”, disse Elphaba, “e vamos ver o Mágico, haja o que houver e aconteça o diabo que acontecer.”

7
Boq não podia acreditar que finalmente estava indo ao Clube de Filosofia. Ele esperava não vomitar num momento crucial. Esperava lembrar-se da coisa toda no dia seguinte, ou ao menos de algum grãozinho fundamental dela, apesar da dor de cabeça que se formava vingativamente nos ocos de suas têmporas.

O lugar era discreto, embora fosse a espelunca mais conhecida de Shiz. Ocultava-se sob uma fachada de janelas com painéis. Dois Macacos de chá­cara vagavam vigilantes na rua defronte, dando porradas em causadores de problemas que tinham ficado até fora de hora. Avaric contou os integrantes do grupo conforme iam apeando da carruagem. “Shenshen, Crope, eu, Boq, Tibbett, Fiyero e Pfannee. Rapaz, como nós todos coubemos nesse carro em que nunca caberíamos, dá o que pensar.” Pagou o condutor e lhe passou uma gorjeta, ainda em alguma obscura homenagem a Ama Clutch, e então foi para a frente do grupo de companheiros. “Vamos, estamos na idade certa e no ponto certo de embriaguez”, ele disse, e disse ao rosto oculto nas sombras da janela: “Sete. Somos sete, bom senhor”.


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