História do brasil moderno ernesto geisel



Yüklə 1,66 Mb.
səhifə35/46
tarix02.03.2018
ölçüsü1,66 Mb.
#43801
1   ...   31   32   33   34   35   36   37   38   ...   46

No momento em quefoi denunciado, o Acordo Militar significava exatamente o quê?

Nada. Fornecimento de material, de armamento etc., mas o que eles nos mandavam não era o melhor armamento, o mais mo- derno. Mandavam aquilo que já era obsoleto para eles, quando já havia material muito melhor. Quanto às missões que mantinham aqui, uma do Exército e uma naval, na realidade elas funcionavam como uma agência de informações dos Estados Unidos. Tinham suas prerrogativas, isenção alfandegária e de outros impostos, e montaram aqui um PEx semelhante aos que havia nos Estados Uni- dos, um shopping em que tinham roupas e artigos americanos de toda natureza. Esse PEx - havia um em Brasília e outro no Rio- funcionava sob a alegação de que era apenas para uso pessoal de- les, dos americanos. No dia seguinte à minha posse na presidência da República, eles mandaram um cartão para a dona Lucy que lhe #


permitia freqüentar livremente o shopping para fazer suas compras. Devolvi o cartão. Era uma forma de corrupção! Por que a senhora do presidente da República pode comprar artigo americano barato e outros brasileiros não podem? É uma forma de agradar e de criar uma certa benevolência.

O Carter esteve em Brasília não sei se uma ou duas vezes, as- sim como a sra. Rosalyn,73 e as conversas nem sempre foram agra- dáveis, embora fossem conduzidas com serenidade e com um certo respeito. Com a dona Rosalyn era mais difícil, porque ela trazia um caderninho com suas anotações. Ela tinha um professor que veio junto, o sr. Pastor, que a instruía. Ela sentava, abria o caderno e apresentava sucessivamente os itens da nossa conversa. Eram itens sobre direitos humanos, sobre energia nuclear. . . Ela se envolvia em tudo. Uma vez eu disse a ela: "A senhora está abordando um proble- ma baseada apenas em suposições" - referia-me à energia nuclear - "e, enquanto isso, os Estados Unidos continuam fazendo experiên- cias nucleares". Ela: "Ah, não! O Jimmy não faz isso!" Aí eu respon- di: "Perdoe, mas faz. Está aqui, o jornal de ontem deu a notícia de uma experiência no deserto de Nevada". E ela: "Não, não é verda- de". Depois ela me telefonou dizendo que tinha verificado e que a ex- periência nuclear tinha sido feita realmente, mas no mar. Eu disse: "Mas minha senhora, é experiência nuclear do mesmo jeito! Estão estourando bombas nucleares! Para quê? Para bombardear o mun- do?"

Uma ocasião o Carter, ela e o secretário de Estado que os acom- panhava fizeram uma chantagem comigo. Eles diziam que poderiam fazer isso ou aquilo pelo Brasil, mas que já estavam em negociações, se encaminhando para fazer tais favores à Argentina. Respondi: "Mui- to bem, os senhores façam os favores para a Argentina. O Brasil não tem nada com isso. Não temos incompatibilidades ou rivalidades com a Argentina. Se os senhores quiserem fazer, não há qualquer objeção". Que mediocridade! Pensavam que eu fosse me impressionar e ceder às suas pressões. Eles queriam que eu não cumprisse o Acor- do Nuclear com a Alemanha. Havia naturalmente outras questões, e no meio eles vinham com os problemas dos direitos humanos. Eu

73 Em junho de 1977, Jimmy Carter adiou sua viagem ao Brasil, mandando em seu lugar a primeira-dama, Rosalyn Carter. O presidente americano veio finalmente em março de 1978. #



<352 ERNESTO GEISEL>

expliquei: "Nós estamos vivendo uma fase dificil, mas o problema dos direitos humanos progressivamente vai melhorando. Há realmente muitos problemas complexos de direitos humanos no Brasil, não só em relação aos subversivos, mas ao povo que passa fome, aos desem- pregados, aos que não têm instrução, não têm escola. Enfim, há uma série de deficiências que só com muita ação e com o tempo podem ser atendidas".

No jantar que ofereci no palácio da Alvorada, o Carter virou- se para mim e perguntou: "O senhor não estaria disposto a refazer o Acordo Militar?" Respondi: "Estou sim, mas com uma única condi- ção: que se acabe com a intromissão do Senado americano, fiscali- zando o Brasil. Se o senhor acabar com aquilo, faço com muito pra- zer um novo acordo militar. O que não posso fazer é um acordo que humilhe o meu país". Aí, ele desconversou. Não tinha força jun- to ao Senado, que é uma potência nos Estados Unidos. Nesse mes- mo dia do jantar no Alvorada os jornais noticiavam um massacre de porto-riquenhos em Chicago! Será que os porto-riquenhos não fa- ziam jus aos direitos humanos? E a ação da polícia americana, com a sua violência? Não era a primeira vez que aquilo acontecia! Por que não iam cuidar da sua gente, em vez de meter o nariz aqui den- tro? Se eu fosse um homem completamente omisso, que não me preocupasse com esse problema, não tratasse de resolvê-lo e, ao contrário, incentivasse para que os direitos humanos não fossem respeitados, essa crítica poderia se justificar. Mas eram injustos co- migo e, em vez de ajudar, atrapalhavam. Pelo menos eu tinha essa convicção. Pelo que eu procurava fazer, pelo que eu tinha feito para melhorar esse quadro, acho que a atitude deles deveria ser outra. As relações com os Estados Unidos tornaram-se muito desagradá- veis. Mas as divergências vinham de antes, por problemas na área comercial e tarifária.

E quanto às pressões da Anistia Internacional? Como o senhor li- dou com isso?

É a mesma coisa. O que a Anistia Internacional tem a ver com o Brasil? Por que não vão cuidar dos seus problemas? Por que a Inglaterra vem querer resolver o problema do Brasil e não vai re- solver o seu problema com a Irlanda? Por que o americano não re- solve adequadamente o problema dos negros, dos porto-riquenhos e de outros grupos étnicos que vivem nos Estados Unidos? Para mim, #
a Anistia Internacional é constituída por um grupo que se formou em torno da tese do pleno respeito aos direitos humanos e acha que um belo campo para atuar é o Brasil ou outros países da Amé- rica do Sul. Mas lá, onde está o problema, dentro dos seus próprios países, eles não atuam. Em vez de agir contra os novos nazistas da Alemanha, que estão incendiando e matando gente, de resolver os problemas da Iugoslávia, vêm se meter aqui. Não estou dizendo que não tenham certa razão, mas o nosso problema, cabe a nós resolvê- lo, e não à Anistia Internacional.

Os nossos graves problemas sociais, as favelas, os meninos de rua, a prostituição, a fome, o desemprego, o tráfico de entorpecentes, a violência, o seqüestro, sem dúvida exigem solução, mas é ao gover- no e à própria sociedade brasileira, através de suas organizações, in- clusive a Igreja, que cabe dar essa solução. Por ocasião da chacina de presos em São Paulo, na cadeia do Carandiru,74 veio ao Brasil um representante da Anistia Internacional que passou a interrogar pessoas, ouvir os presos, entrevistar o governador. Por fim, com espa- lhafato, ele concluiu seu relatório pessoal. Eu, por mim, não permiti- ria essa ação. Dir-lhe-ia: "Vá cuidar do seu país! Aqui quem vai resol- ver o problema somos nós, e não vocês!" Não dou direito ao estran- geiro de vir aqui ditar regras do que devemos fazer com os nossos problemas. Nós é que temos que resolvê-los. Duvido muito da sinceri- dade dessa gente. Pode ser que eu esteja apaixonado nessa questão, mas não rezo por essa cartilha.

O senhor não acha que alguns órgãos internacionais, como a ONU, a Cruz vermelha, são importantes? A Anistia Internacional não teria a mesma importância?

Mas ela não tem caráter oficial, ao passo que essas outras enti- dades têm. A Cruz Vermelha é uma entidade importante, embora às vezes se desvirtue. Agora estão descobrindo roubos na Cruz Verme- lha aqui no Rio, estão destituindo a presidente que a dirigia havia muitos anos. De toda forma é um órgão importante, que se caracteri- zou pela ação humanitária nas guerras e em outras ocasiões. A ONU é um sonho, idealista. Vem desde a Liga das Nações do Wilson, em

74 Em 2 de outubro de 1992 ocorreu uma rebelião no presídio do Carandiru, em São Paulo. A polícia interveio, matando 111 presos. #

<354 ERNESTO GEISEL>

decorrência do Tratado de Versalhes. A maior parte dos países hoje em dia não paga à ONU, deve a ela, inclusive o Brasil. Os Estados Unidos são os maiores devedores, segundo li nos jornais. Apesar de todos os países terem direito de voto na ONU, só quatro ou cinco de- cidem, com o seu poder de veto. Há, assim, países de primeira clas- se e países de segunda e terceira. Não aceito isso. Num organismo internacional, todos os países devem ser iguais. O Brasil não é um país independente? Os outros podem e o Brasil não pode? Querem que o Brasil volte a ser colônia? Não vejo por que um tem direito de veto e o outro não tem. Isso é imperialismo, prepotência. E den- tro desse direito de veto, quem manda na ONU hoje em dia são os Estados Unidos. O que os Estados Unidos querem, os outros têm que aprovar. Tacitamente eles ficam de acordo, tal é o poder que os Estados Unidos adquiriram. Então, para mim, a ONU é uma institui- ção parcial. Não consegue resolver o problema da Iugoslávia, da Bósnia. Fazem uma violentíssima intervenção no Iraque, matam gen- te, bombardeiam etc., mas na Iugoslávia não mexem. Como se expli- ca isso? Ainda medo da ação russa? Será que isso é justo? Será que aquele povo da Bósnia não merece tanta atenção quanto o do Kuwait? Entraram na Somália a pretexto de alimentar o povo que es- tava morrendo de fome. Aí, resolveram combater a guerrilha e fize- ram uma verdadeira guerra na Somália. Isso é a ONU. Acho que a ONU corresponde a um ideal, mas o que está aí está muito longe desse ideal.

Falou-se aqui em geopolítica. Como é que o senhor via o desenho geopolitíco do mundo na época de seu governo?

Estudei as doutrinas geopolíticas mas dou-lhes um valor relati- vo, porque, em essência, a geopolítica acaba dizendo que a história da humanidade é dada pela conformação geográfica, inclusive com relação aos oceanos. Conclui que o centro do mundo, por exemplo, é a Rússia. Essa é a área forte do mundo, que vai dominar o resto, pela sua posição. Já os países marítimos são prejudicados. Há uma série de outras doutrinas de origem alemã que também se baseiam no determinismo geográfico. Dou a isso um valor muito relativo. Co- nheço o teor do livro do Golbery, Meira Matos também gosta muito de escrever sobre geopolítica, há civis entre nós que escreveram igualmente sobre o assunto. Mas creio que o problema do Brasil é, principalmente, econômico. Dele derivam os demais, inclusive o so- #


cial. A fome do povo, o desemprego do povo, os assaltos, os rou- bos, o tráfico de entorpecentes têm a sua raiz na nossa deficiência econômica. Seremos uma nação de maior expressão se conseguir- mos desenvolver a nossa economia. E é no Hemisfério Norte que há mercados, tecnologia, ciência, tudo o que nos interessa e é necessá- rio para o nosso desenvolvimento. Isso não quer dizer que se ignore o resto, mas numa escala de valores dou preponderância ao Hemis- fério Norte, independentemente de considerações geopolíticas.

O senhor visitou alguns países durante seu governo. Quais são suas lembranças dessas viagens?

Gostei de todas elas. Estive na França, Inglaterra, Alemanha e Japão, além do Uruguai, Paraguai, Bolívia e México. A viagem ao Ja- pão talvez tenha sido a de mais êxito. Na Inglaterra também se fez muita coisa. Na França foram mais visitas protocolares, muito ami- gas. Ali vi uma situação que também encontrei na Alemanha e que me chocou. Na França havia muitos operários portugueses. Portugal recebe muitos recursos financeiros dos portugueses que estão no exte- rior trabalhando, inclusive na África do Sul. Essa gente ganha o seu dinheiro e depois volta para Portugal, onde o aplica. Conversando com o presidente Giscard, ele se queixava de que o operário portu- guês era muito bom mas não gastava o salário que recebia. Gastava muito pouco, levava o dinheiro para o exterior. Perguntei-lhe: "Como é que o operário francês, que está em grande parte desempregado por causa da recessão, aceita o trabalho do operário português aqui? Vocês estão sustentando um operário estrangeiro em prejuízo de um operário nacional. Como se explica isso?" Respondeu-me que não ha- via problema porque o operário francês se entendia muito bem com o operário português. Fiquei intrigado, e ele me esclareceu: "O operá- rio português faz o trabalho sujo, bruto, que o francês não faz mais". No meu juízo, os franceses, que são liberais e democratas, criaram castas dentro do operariado. Encontrei a mesma coisa na Alemanha. Num jantar, uma senhora se queixava da sujeira dos operários turcos que para lá haviam migrado. Perguntei a ela: "Como é que o operário alemão aceita o operário turco tomar o seu lugar?" E a resposta foi: `Ãh, não, o operário turco não toma o lugar, porque ele é quem faz o trabalho sujo, o operário alemão não faz mais isso". Esses são os paí- ses civilizados ! #

<356 ERNESTO GEISEL>

O senhor já havia ido à Alemanha antes?

Não, foi a primeira vez. Fui bem recebido, trataram-me muito bem. No fim de uma recepção reuniram os meus parentes que lá vi- viam. Eu não conhecia nenhum deles. Conversei com alguma dificul- dade, porque o meu alemão é muito fraco. Embora entenda perfei- tamente, falo muito pouco. Depois disso nunca mais tive contato com esses parentes. Lucy esteve na Alemanha em outra ocasião e encontrou-se com eles. Havia lá uns 20 ou 30. Os mais velhos já

morreram.

guaisforam as suas impressões do Japão?

O Japão é um país superpovoado, ilhado num pequeno territó- rio, sem recursos naturais, a não ser no mar. A população é forma- da por uma raça milenar que conservou sua pureza, tem padrões de vida e conduta extraordinários, principalmente na educação e no tra- balho. De um modo geral são muito comedidos e disciplinados. Após a derrota militar que sofreram em 1945 e a destruição de duas gran- des cidades pela bomba atômica, a nação tenazmente se reconstituiu e se tornou uma potência econômica que quase chegou a sobrepujar a economia norte-americana.

E quanto à viagem à Inglaterra?

A viagem à Inglaterra foi muito boa, lá também trataram-me muito bem. Fui recebido pela rainha em carruagem aberta e segui com ela para o palácio de Buckingham, onde me hospedaram e me ofereceram um jantar de gala. A rainha, quando regressei ao Brasil, veio se despedir muito gentilmente. Tive um almoço com o primeiro-ministro, que era do Partido Trabalhista e que também foi muito afável. Jantei na prefeitura de Londres e aí senti o quan- to estão arraigados à tradição. A guarda com que me receberam es- tava trajada a caráter, com toda a indumentária da Idade Média, armaduras etc. Entregaram-me o título de cidadão de Londres, após o que, feitas as demais apresentações, fomos jantar. O prefei- to fez um discurso meio jocoso, e o meu também foi no estilo. Houve muitos risos, e o ambiente tornou-se muito agradável. No fim do jantar, apareceu uma moça com um copo, e perguntei ao prefeito, que estava do meu lado, para que era. Respondeu: "É a #


caipirinha". Perguntei: "De onde o senhor conhece a caipirinha?" Ele: "Tenho uns amigos brasileiros e aos sábados vou lá tomar minha caipirinha". Acabamos tomando caipirinha. Quando voltei ao Brasil, mandei escolher 12 marcas de cachaça, das melhores que havia, e as enviei de presente ao prefeito, para as suas caipiri- nhas. . .

Houve uma reunião com os empresários em que fiz uma expo- sição sobre a situação econômica do Brasil. Fizeram-se várias nego- ciações com a indústria inglesa, inclusive para o fornecimento de equipamentos para a Açominas, cuja construção estava sendo inicia- da. Fiz várias visitas, fui ver a rainha-mãe e estive no Museu Britâni- co e, por fim, houve uma recepção na embaixada do Brasil, que era chefiada pelo Roberto Campos. No último dia, fui passear no cam- po. Passei por Oxford, almocei num restaurante da zona rural e ad- mirei a beleza dos campos, com sua cultura vegetal e a coloração das plantas. À tarde passamos pelo castelo onde Churchill tinha nas- cido. E, dali, para o aeroporto. Gostei muito da Inglaterra.

Como foi sua viagem ao México?

Foi bem. Hospedaram-me num hotel, num andar muito alto, de onde se descortinava grande parte da cidade e se podia ver e sen- tir a densa atmosfera poluída que a cobre. Na recepção no aeropor- to havia uma demonstração de força do Partido Revolucionário Insti- tucional, com numerosas representações que desfilaram. O México vive em torno de um partido único, e nisso há muita demagogia. Houve almoços e jantares com música, canto e representação tea- tral, quadros típicos, folclóricos. Estivemos no Museu de Antropolo- gia, com muitos objetos relativos à civilização dos índios. Um dia, já fora da cidade, fomos ver as pirâmides dos astecas. Visitamos com o prefeito da cidade um centro hípico, onde exibiram cavalos adestrados em alta escola, montados por senhoritas da sociedade mexicana. Tudo sempre muito agradável e cordial.

Houve algum entendimento importante em termos econômicos?

Não, apenas conversamos sobre nossas relações econômicas, que não apresentavam maiores problemas. Eu me empenhava em #



<358 ERNESTO GEISEL>

aumentar as relações comerciais com o México, inclusive para o nos- so suprimento de petróleo, já que eles produziam em grande escala.

Na América Latina, naquela época, o México seria o país mais po- deroso?

Mais poderoso, eu não diria, mas o mais interessante para nós. Mais do que a Argentina. O México, entretanto, estava muito voltado e mesmo vinculado aos Estados Unidos. Presentemente, com o Tratado Nafta, está muito mais. Alguém - creio que foi o prefeito da Cidade do México - me disse o seguinte com relação aos Estados Unidos: "Nossa impressão, de noite, quando vamos dor- mir, é que dormimos ao lado de um elefante. A qualquer momento podemos ser esmagados. É só o elefante se virar..."

O senhor recebia muitos presentes nessas viagens?

A rainha-mãe, que é escocesa, nos deu uma manta escocesa de lâ bordada. Ela dizia que era para eu usar quando andasse de carruagem no frio, para cobrir as pernas. No México me deram uma sela de montaria, toda bordada. No Japão, um quadro com o seu maior vulcão, no meio da neve. Eram presentes geralmente tra- dicionais, sem maior valor financeiro. Além disso, havia troca de condecorações.

Nessas ocasiões, quem preparava os discursos que o senhor fazia?

Nessas viagens, os discursos eram preparados com antece- dência pelo Itamarati, pelo Golbery, que revia, pelo professor Hei- tor, por mim e às vezes pelo Petrônio. Depois, se fosse o caso, nos reuníamos, inclusive com o Figueiredo, o Moraes Rego, o Humber- to, e analisávamos o projeto do discurso para aprimorá-lo no texto e nos conceitos e idéias que devia conter. Eu reexaminava tudo e dava as linhas mestras, o que mais ou menos a gente pensava di- zer, e depois vinham as sugestões. Eles achavam que podiam colo- car mais isso ou aquilo, ou que se podia abordar mais esse ou aquele ponto. Golbery, principalmente, era muito imaginoso. Às ve- zes o discurso estava feito e eu o refazia, conforme o que realmen- te queria dizer. #


Quando se tratava de viagens ao interior do Brasil, eu pro- curava saber quais eram os problemas, qual a história da região que eu ia visitar, para que pudesse conversar e, eventualmente, discursar. Nesses casos, a própria Casa Militar ou a Secretaria do Conselho de Segurança me ajudavam. Isso dependia do local a ser visitado. Eu achava que nunca devia ser submetido a um im- proviso, sem alguma preparação, inclusive porque sempre fui sin- cero.

Além das informações do Itamarati, em questões de política exter- na, o senhor também recebia relatórios do SNI, ou do Conselho de Segurança Nacional?

Relatórios, propriamente, não. Às vezes vinham notas, observa- ções. Podiam vir do SNI, da Casa Militar ou do Conselho de Segu- rança. Podiam vir do próprio Golbery. Qualquer um podia trazer. É claro que sempre com cuidado, para não causar melindres, mesmo porque o Itamarati é muito suscetível.

O senhor sempre aceitava as sugestões do ministro Silveira?

Nós conversávamos muito. Aos domingos ele me telefonava não sei quantas vezes, para falar sobre os problemas que tinha em pauta. Era insistente, mas disciplinado. Às vezes tinha diver- gências com o Golbery, outras com o Simonsen, com o Veloso, com o Ueki, o Ângelo etc. O problema às vezes vinha a mim, con- versávamos e procurávamos encontrar soluções. O Silveira era um grande ministro, um apaixonado pela sua profissão, que exer- cia havia muitos anos. Dedicou-se inteiramente à carreira diplomá- tica, vivendo com o Itamarati os problemas do exterior. Tinha um amór profundo às tarefas, às iniciativas e às prerrogativas que ca- biam ao Itamarati, e por isso muitas vezes surgiam divergências. Com relação aos Estados Unidos, por exemplo, às vezes o Itama- rati pensava de uma maneira e o Simonsen de outra. O Simon- sen era mais conciliador, mais inclinado a ceder aos americanos em várias questões, para colher boa vontade e apoio para os nos- sos problemas financeiros, enquanto o Silveira era mais intransi- gente.

#

<360 ERNESTO GEISEL>

O senhor se identificava mais com o ministro Silveira?

Não propriamente, pois eu não menosprezava o interesse do Simonsen, que também era um interesse do governo. Quer dizer, nós não podíamos brigar demasiadamente com os Estados Unidos, não podíamos romper com eles. Nem os Estados Unidos queriam romper conosco. Contudo, tínhamos que encontrar fórmulas de aten- der aos interesses do Brasil sem nos aviltar. Tínhamos que manter uma posição de negociação que, às vezes, exigia um pouco mais de altivez. #

21 - Problemas com a linha dura

No início do governo, o senhor achava que teria problemas na área militar?

Poderia ter problemas com os generais por causa da ques- tão a que já me referi de não manter meu irmão no ministério. Al- guns, sobretudo os generais-de-exército, batalhavam e trabalha- vam por isso, e eu os contrariei. Contrariei e achei, como acho até hoje, que era o que eu tinha que fazer, embora fosse muito de- sagradável para mim. Eu poderia assim ter uma certa resistência deles, mas isso não tinha maior expressão. Eu me sentia perfeita- mente à vontade em relação ao Exército, onde tinha muitos ami- gos. Além do mais, os generais que eram mais antigos chegavam no limite de idade e passavam para a reserva. Iam saindo e permi- tindo, assim, a renovação. Devo recordar que houve uma grande modificação na carreira dos generais, feita por Castelo Branco. An- tigamente os generais ficavam no último posto até os 66 anos de idade, quando eram reformados ou transferidos para a reserva. Is- so dava lugar a que ficassem muito tempo na função. São exem- plos Denys, Cordeiro, Zenóbio, que permaneceram muitos anos no serviço ativo como generais. Cada um deles passou a ser uma espécie de cacique, com o seu entourage, seu grupo de oficiais, seus amigos, o que não era bom. Como ficavam muito tempo, #

<362 ERNESTO GEISEL>

muitas vezes também não davam oportunidade a outros de chegar ao generalato. Oficiais de certo valor, muitos coronéis, tinham que ir compulsoriamente para a reserva aos 60 anos. Castelo modifi- cou esse sistema.

Às vezes alguns militares criticam essa alteração, dizendo que no Exército não há mais lideranças.

Sim, de certa forma. Há prós e contras, mas o fato é que o sistema foi modificado. O general, no máximo, pode servir 12 anos, quatro no último posto. E mais: há um número mínimo obrigatório de vagas por ano. Se normalmente não se abrirem essas vagas, al- guns dos mais velhos vão para a reserva para dar lugar aos mais novos. O quadro de generais passou a ter uma renovação muito grande, e até hoje é assim. Os generais antigos foram todos para a reserva durante o meu governo, inclusive o Frota.

Quando morreu o ministro Dale Coutinho, logo no início de seu governo, por que o senhor escolheu o general Sílvio Frota para substitui-lo?

O Frota, de modo geral, tinha um bom conceito dentro do Exército, era um bom soldado. Eu o conhecia, embora nunca tives- se servido com ele. Ele era da cavalaria, e eu da artilharia. Tinha sido chefe de gabinete do ministro Lyra Tavares no governo Costa e Silva e exercido o comando do I Exército. No início do meu go- verno, foi designado chefe do Estado-Maior do Exército. Era, as- sim, o substituto normal, interino, do ministro. Tinha boas rela- ções comigo.


Yüklə 1,66 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   31   32   33   34   35   36   37   38   ...   46




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin