História Universal da Destruição dos Livros Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque Fernando Báez


El Escorial e a queima de manuscritos antigos



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El Escorial e a queima de manuscritos antigos
Evoca-se, não sem injustiça, o monarca Filipe II (1527-1598) por suas fraquezas, pela derrota da Armada Invencível, pela sublevação de seu secretário, pela tragédia do filho, pelos delírios noturnos, por sua morte angustiante, pela crise econômica mais grave da Espanha, mas talvez seja importante resgatar aqui, e de maneira contundente, sua condição de gestor de um dos maiores monumentos da história da Europa, considerado hoje a oitava maravilha do mundo, o Mosteiro Real de São Lourenço de El Escorial, em cuja construção se trabalhou ao longo de 21 anos e cuja direção foi entregue aos padres jerônimos. Acredita-se (análise baseada na Escritura de Fundação e Dotação do prédio, preparada pelo rei em 22 de abril de 1567) que a razão de ser desse lugar está relacionada ao triunfo de San Quintin em 10 de agosto de 1557, quando as tropas francesas foram derrotadas por um pequeno exército. No entanto, é óbvio que Filipe II, assim como a dinastia dos Ptolomeus e a dos Médicis, quis ostentar seu poder por meio de uma obra incomparável em seu tempo. Raras vezes os triunfos militares geram bibliotecas.

El Escoriai, além disso, está situado num lugar pouco acessível, o que revela o escasso interesse pela fama que havia por trás de sua construção. O encarregado de construí-lo foi, primeiro, o arquiteto Juan Bautista de Toledo, e, depois de sua morte em 1567, Juan de Herrera, cosmógrafo e matemático. Entre muitas de suas divisões se pensou, por recomendação especial de Juan Bautista Cardona, na conveniência de preparar uma biblioteca. Ao final havia três: uma principal, em frente ao Pátio dos Reis, outra com manuscritos e finalmente a dos livros de corais e litúrgicos. Contou também com um Arquivo, onde ficavam as cartas, os títulos de fundação, bulas apostólicas, Privilégios, Cédulas Reais, tudo isso armazenado em arcas de acesso bastante limitado. A organização da biblioteca, por sua vez, deveu-se ao humanista Benito Árias Montano, nascido em Fregenal de La Sierra (Badajoz) em 1527 e morto em Sevilha em 6 de julho de 1598. Montano era o capelão de Filipe II e ao mesmo tempo conselheiro para assuntos secretos relativos a Flandres e Portugal. Por volta de 1577 foi assistido pelo padre José de Sigüenza. Montano, como se bem sabe, deixou uma Bíblia Poliglota.

Seria difícil expor aqui toda a história dessa biblioteca, mas convém insistir que o rei quis que fosse a melhor do mundo e com esse propósito doou seus livros, e, além disso, ou por isso, não regateou qualquer quantia para adquirir textos. Os colaboradores mais íntimos receberam instruções para comprar livros raros e manuscritos em Paris, Roma e Veneza. Uma carta de 28 de maio de 1567 explicitava ao embaixador na França os ânimos do monarca:
"[...] Nesse caso me alegrarei de que se tomem os mais raros e excelentes que se puderem encontrar, porque é uma das principais lembranças que se podem deixar, para o aproveitamento particular dos religiosos que morarão nesta casa e para benefício público de todos os homens de letras que quiserem ler neles [...]."
Conscientes da importância desse projeto, alguns cortesãos legaram suas bibliotecas inteiras. Os dois mil volumes de don Diego Hurtado de Mendoza, a maioria italianos, engrossaram a biblioteca, assim como aconteceu com muitos membros da nobreza. Em 1573, Filipe II contratou o copista Nicolau Turrianos, ou da Torre, natural de Creta, que passou trinta anos copiando pelo menos quarenta códices gregos. O acervo - dois mil manuscritos e 2.500 impressos - aumentou com diários de viagens, mapas, partituras musicais e objetos científicos, tais como esferas armilares, astrolábios e globos terrestres. Na batalha de Lepanto se obtiveram vinte códices persas, árabes e turcos, entre os quais se sobressaía o Corão de Lepanto. Havia uma seção especial de livros proibidos, onde repousavam textos que eram costurados para evitar que alguém pudesse lê-los. Em 1612, a esquadra de Luis Gajardo capturou, nas proximidades de Agadir, um navio que transportava a biblioteca de Muley Zidan, sultão do Marrocos, com quatro mil volumes, e todos foram parar nessa biblioteca.

As crônicas registram diferentes incêndios menores no El Escorial, mas em 7 de junho de 1671, domingo, às duas da tarde, ocorreu uma verdadeira catástrofe: "O edifício todo ardeu em soberba e terrível fogueira, em que se destacavam como manchas sombrias os aposentos de Filipe II, a biblioteca e a basílica [...]."

A propagação das chamas foi rápida devido aos ventos da serra de Guadarrama, e em cerca de oito horas o monumento se converteu, quase integralmente, em cinzas. Posteriormente se soube que o fogo começou numa lareira do colégio, na parte norte, e se estendeu violentamente até a seção dos manuscritos, de onde desapareceram textos magníficos. Pelo menos três manuscritos do cético Sexto Empírico se extinguiram para sempre, à semelhança de outros códices gregos:
"[...] Acabaram-se quadros, mesas, objetos de arte e ciência e muitos códices raríssimos [...] uns seis mil em todas as línguas e ciências se queimaram e muitos dos que ainda restam mostram o estrago e o perigo sofrido."
As perdas foram enormes. Entre outros, ardeu um manuscrito com o texto do Beato de Liébana, e o manuscrito Lucense, um códice de concílios visigóticos, textos de Dioscórides, a História natural das Índias, que tinha 19 volumes e fora escrita pelo erudito toledano Francisco Hernández, que estudou a botânica, a zoologia e os costumes do México. Por ordem expressa de Filipe II, Francisco Hernández se trasladou para as índias Ocidentais e permaneceu lá entre os anos 1571 e 1577 em busca de conhecimentos científicos. Hernández, médico, descreveu três mil espécies de plantas desconhecidas na Europa, quatrocentos animais e 14 minerais novos, e o incrível é que quando sua obra se queimou o fogo arrasou também as lâminas pintadas por indígenas. No fim, salvaram-se cerca de 4.500 códices, que, durante mais de cinqüenta anos, ficaram amontoados no Salão Alto do mosteiro.

Na Biblioteca de Impressos, onde ficava o arquivo de livros perigosos, a ação rápida impediu a queima dos livros. Muitos exemplares foram jogados pelas janelas. A biblioteca dos Corais, no entanto, salvou-se. E o Arquivo não sofreu danos, entre outros motivos porque os padres compreenderam o significado jurídico e político dos documentos ali armazenados.




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