História Universal da Destruição dos Livros Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque Fernando Báez


CAPÍTULO 6 Os códices queimados no México



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CAPÍTULO 6

Os códices queimados no México
A eliminação sistemática de códices pré-hispânicos
Frei Juan de Zumárraga sempre foi taciturno, insociável, propenso à deselegância e a falar sozinho em voz alta. Não gostava de ser citado nem de ficar anônimo, e em meio a tantos paradoxos a decisão do rei Carlos V de nomeá-lo primeiro bispo do México o transformou numa lenda. Nasceu em 1468, no mítico povoado basco de Durango, na Espanha, e uma de suas primeiras tarefas como monge franciscano foi examinar os casos de feitiçaria mais conhecidos de sua região, o que o levou a praticar exorcismos. A recomendação de um amigo o aproximou do imperador Carlos V, que, em 20 de dezembro de 1527, despachou o decreto que o enviava ao México, mas a lentidão dos processos o fez chegar só um ano depois. Desconhecia quase tudo sobre o mundo que lhe correspondia converter ao cristianismo e tentou se reunir com os índios de maneira pacífica. Ficou certamente surpreendido diante do que via: uma cultura deslumbrante e uma literatura esplêndida.

Os astecas e os maias tinham uma das civilizações mais extraordinárias do México antigo. No palácio de Netzahualcóyotl, que era poeta, havia uma grande biblioteca, da mesma forma que no palácio de Montezuma. Os livros eram códices feitos de papel de figo, obtido de uma figueira silvestre, e reproduziam desenhos.

Em 1530, em Tetzcoco, fez uma fogueira com todos os escritos e ídolos dos maias. Seu ato teve enorme repercussão porque não houve ninguém entre os que viram a queima que não entendesse o significado: a idéia era apagar o passado e dar um passo para uma nova etapa. Juan Bautista Pomar contou que entre as grandes perdas dos indígenas estavam suas pinturas "em que narravam suas histórias, porque, no tempo em que o marquês del Valle e os demais conquistadores entraram pela primeira vez em Tetzcoco, queimaram-nas nas casas reais de Nezahualpiltzintli, num grande aposento que era o arquivo geral de seus papéis [...].

C. W. Ceram informou que Zumárraga "[...] destruiu num gigantesco auto-de-fé todos os documentos que pôde reunir[...]". A tradição católica tentou salvar a imagem desse religioso apresentando-o de outra maneira. Hoje é lugar-comum em todas as histórias sobre o livro atribuir a ele a introdução da imprensa no México, pois em 1533 trouxe os primeiros especialistas em impressão da Espanha. Da mesma maneira, e paradoxalmente, dizem que foi o criador da primeira biblioteca pública. A seu pedido, Juan Cromberger criou uma sucursal de sua gráfica no México e com esse propósito enviou a Giovanni Paoli (Juan Pablos), de Brescia, Itália, que começou seu trabalho ao editar, em 1539, a Breve y más compendiosa doctrina christiana en lengua mexicana y castellana, o primeiro livro americano, do qual ironicamente não se conserva nenhum exemplar da impressão original. Quando Zumárraga morreu, em 1548, centenas de fiéis choraram por ele.

Diego de Landa continuou seu trabalho. Também pertencia à ordem dos franciscanos, e fora educado no convento de San Juan de Los Reyes, em Toledo, onde conheceu outro célebre aluno dessa casa de estudos religiosos, o cardeal Francisco Jiménez de Cisneros. Ao que parece, ambos aprenderam uma teologia radical, tal como nos mostram suas ações. Landa mandou torturar 4.500 índios.

Landa dedicou-se meses a analisar a escrita maia e deixou um tratado em que descreveu sua experiência filológica. Ele não aprendeu a língua por interesse histórico, mas sim para conhecer melhor a personalidade dos indígenas e poder dessa forma doutriná-los com mais êxito. Em julho de 1562 mandou queimar em Mani cinco mil ídolos e 27 códices dos antigos maias. Em sua autobiografia justificou seu ato ao dizer: "Essa gente usava também certos caracteres ou letras com as quais escreviam em seus livros suas coisas antigas e ciências, e com essas figuras e alguns sinais entendiam as coisas e as faziam entender e ensinavam. Achando grande quantidade de livros com essas letras, e porque nada havia neles que não fosse superstição e falsidades do demônio, queimamos todos, o que lhes causou muito pesar [...].

O padre José de Acosta deixou outra versão dessa queima na História natural e moral das índias. Considerando que seu texto é pouco citado, convém recordá-lo: "[...] Na província de Yucatán [...] havia uns livros de folhas à sua maneira encadernadas ou dobradas, em que os índios sábios registravam o emprego de seu tempo, o conhecimento de plantas e animais, e outras coisas naturais, além de suas relíquias; coisa de grande curiosidade e aplicação. Um doutrinador entendeu que tudo aquilo devia ser feitiço e arte mágica, e insistiu que deviam ser queimados, e foram aqueles livros queimados, do que mais tarde lamentaram não só os índios, mas também espanhóis curiosos, que desejavam conhecer os segredos daquela terra. Aconteceu o mesmo com outras coisas porque, pensando os nossos que tudo era superstição, perderam-se muitos registros de coisas antigas e ocultas, que poderiam ser aproveitadas. Isso acontece por causa de um ciúme ignorante que, sem saber, nem mesmo querendo saber sobre as coisas dos índios, insiste num ataque cerrado que tudo é feitiçaria [...].

Essa ação gerou um conflito que provocou o assassinato de centenas de índios. Uma investigação manipulada pelo próprio Landa o absolveu de qualquer responsabilidade, e posteriormente foi nomeado segundo bispo de Yucatán. As crônicas o exaltaram como um dos maiores estudiosos dos maias, autor de um livro intitulado Informação sobre as coisas de Yucatán (1566). Tudo isso não parece incrível. Mais espantado pode ficar um leitor que tome conhecimento da condenação desses fatos realizada pelo grande inquisidor frei Juan de Torquemada, que queimou centenas de livros na Espanha. Inimigo dos franciscanos, escreveu com ironia: "Porque os religiosos e o bispo primeiro don Juan de Zumárraga queimaram livros de grande importância para conhecer as coisas antigas desta terra, pois entenderam que era demonstração de supersticiosa idolatria; e assim queimaram todos os livros que conseguiram ter nas mãos e, caso não existissem alguns índios diligentes que escondessem parte desses papéis e histórias, não haveria agora deles a informação que temos [...].

Em todo o caso, sobreviveram três códices que revelam a magnitude da perda. O de Dresde, o Tro-Cortesiano e o Peresiano, todos em largas tiras dobradas. O de Dresde é um tratado de astronomia; o Tro-Cortesiano é um livro de adivinhações; e o Peresiano resume os rituais maias.


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