A batalha contra os livros
Convido o leitor a considerar outros acontecimentos, neste caso bélico, em que a destruição alcança maior magnitude.
Bastaria dizer que, de 1467 a 1477, uma guerra civil no Japão acabou com todas as bibliotecas de Kioto. A conhecida coleção de Ichijyo Kanera, prestigiosa no mundo oriental, foi destruída. Em 1527, o exército de Carlos V conquistou e subjugou Roma em 6 de maio. Foi um dia sombrio, por causa dos saques. Em meio ao enorme alvoroço foram destruídas duas enormes bibliotecas: a de Elizah ben Asher Levita, notável cabalista, e a de seu amigo o cardeal Aegidio de Viterbo. Os livros foram usados como combustível pelos soldados, gelados pelo vento frio das noites italianas.
Rebeldes irlandeses queimaram exemplares dos livros do poeta Edmund Spencer quando atacaram sua casa, no castelo Kilcolman, em County Cork, em 1598. Alguns exemplares do The Faerie Queene (1590) foram destruídos.
Na Dinamarca e Noruega desobedeceram uma ordem do Concilio Odense e utilizaram os antigos pergaminhos procedentes de igrejas e mosteiros para fazer as capas dos livros de contabilidade. Um fragmento de Saxo Gramático, por exemplo, foi encontrado na capa das contas do registro de 1627 e 1628 do castelo de Kronborg. Em 1634, os pergaminhos foram usados para envolver os cartuchos dos fogos de artifício lançados em homenagem ao príncipe Christian.
Kenelm Digby foi um homem versátil. Médico, alquimista, diplomata e militar, repudiou o Fellow Commoner, em Gloucester Hall, onde esteve de 1618 a 1620, e saiu dali sem um certificado acadêmico, que, no entanto, não o impediu de se dedicar ao estudo e à escrita com enorme erudição."'8 Em 1628, publicou A relation of a brave and resolute sea-fight, livro do qual só restam hoje dois exemplares.
Um texto procurado com paixão pelos estudiosos, Chorographia sacra Brabantiae (dois volumes, 1659-1669), do historiador Antônio Sandero (1586-1664), foi reimpresso em Haia em 1726 e 1727, numa edição confiscada e destruída nos ataques do exército francês à cidade de Bruxelas em 1695.
Em 1780, em Gordon Riot, foi queimada a casa de Lord Mansfield e sua biblioteca desapareceu, com uma seleção dos mais importantes textos jurídicos de todos os tempos. A biblioteca da Universidade de Princeton, numa sala do segundo andar de Nassau Hall, foi atacada por soldados na Revolução e em 1802 um incêndio destruiu quase todos seus livros. Os bibliotecários apelaram a benfeitores pródigos para recuperar a perda de manuscritos e obras únicos.
El Guipuzcoano instruído (1780), de Ignacio de Egana, foi arrasado quase totalmente no ataque dos franceses a San Sebastián. O decreto de José II da Áustria dissolveu 738 mosteiros cujas bibliotecas, na maioria dos casos, perderam-se. Os ataques dos soldados prussianos reduziram a cinzas a biblioteca de M. Le Chevalier de Fonvielle, como ele contou no prólogo de um de seus livros.w
Em 1807, a esquadra inglesa atacou a cidade de Copenhague, bombardeou e incendiou muitas casas: uma delas era a de Grimur Johnsson Thorkelin, um excêntrico erudito de origem dinamarquesa dedicado a elaborar uma edição crítica do poema anglo-saxão intitulado Beowulf. O manuscrito da edição evidentemente foi destruído e Thorkelin teve de se conformar em editar uma versão um tanto contrafeita, porém digna de mérito.
Durante a guerra entre Peru e Chile, ocorrida de 1879 a 1894, o escritor Ricardo Palma teve de reorganizar a Biblioteca Nacional do Peru em sua condição de diretor. As perdas foram enormes devido aos saques e aos incêndios.
Na Guerra de Secessão dos Estados Unidos, centenas de livros desapareceram. Vale lembrar que em setembro de 1866 uma coletânea de cantos patrióticos sulistas e texanos, compostos durante os anos da guerra, foi queimada pelos soldados nortistas, quando o major G. W. Smith mandou destruir a propriedade do compilador. O título do livro era Allarís lone star ballads, mas foi feita uma reedição em Galveston, em 1874. Uma das canções era a popular The Texas ranger. A biblioteca Byrd, com quatro mil livros, queimou.
Em 1870 a biblioteca de Estrasburgo foi queimada pelas tropas prussianas e o fogo de artilharia acabou com grande parte da biblioteca da Escola
Especial Militar de Saint-Cyr. Nesse fogo se perderam documentos sobre a história da França, correspondência de Napoleão e exemplares do Journal Militaire e do Spectateur Militaire. Um obus destruiu no arsenal um volume de Sexto Pompeu intitulado De verborum significatione, anotado pelo erudito Dacier. A biblioteca Sainte-Geneviève foi atacada na noite entre 8 e 9 de janeiro e se perderam livros e manuscritos antigos.
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