Marian keyes



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CAPÍTULO 19
Na manhã seguinte, a casa parecia a Grande Estação Central.

Helen ia para Belfast passar dois dias numa viagem da universi­dade e obviamente acreditava que seus preparativos não apenas deveriam ser uma questão de último minuto, mas também um gran­de acontecimento familiar.

Em vez de ser acordada por Kate choramingando, acordei com o som de um furtivo farfalhar ao pé de minha cama.

Alguém estava no meu quarto e com más intenções.

Sentei-me na cama, sonolenta.

- Quem é? - bocejei. Era Helen.

Eu devia ter adivinhado.

Ela caminhava para a porta com uma braçada das minhas rou­pas novas.

Ah, Claire! - disse ela, pulando, cheia de culpa, enquanto deixava cair no chão uma das minhas botas novas. - Pensei que você estivesse dormindo.

É, estou vendo - disse eu, secamente. - Agora, ponha tudo de volta no lugar.

Filha da puta - resmungou Helen, atirando no chão uma grande pilha das minhas roupas. Estavam obviamente destinadas a Belfast.

Lamento, queridas. Levarei vocês uma outra vez. Ouvi-a descer para a cozinha e, pouco depois, houve o indefectí­vel começo de altercação. O que havia com ela? Tem de levar irritação para onde quer que vá.

Kate estava acordada em seu berço, simplesmente deitada ali, olhando para o teto.

- Por que você não chorou, querida? - eu a provoquei, cari­nhosa. - Por que não me acordou e me disse que a enjoada titia Helen estava roubando minhas roupas?

Peguei-a e levei-a para a cama comigo, segurando em meus bra­ços seu corpinho quente e macio.

Ficamos deitadas na cama algum tempo, alternando sono e vigí­lia, ouvindo pela metade os sons de uma discussão na cozinha. Na verdade, eu deveria levantar-me, pensei. Talvez Helen fale em Adam, antes de ir embora.

Apenas apertei Kate com mais força. Minha preciosa e bela filha.

Mas então ela começou a pedir para ser alimentada. Saí da cama e me vesti rapidamente, tropeçando, na correria, na pilha de roupas que estava no chão. E fomos para o andar de baixo.

Lá, uma pequena briga se desenrolava.

Anna, mamãe e Helen estavam sentadas em torno da mesa, cer­cadas por restos de café da manhã - tortas compradas prontas, bules de chá, pacotes de cereais e embalagens de leite por toda parte.

Mamãe e Helen discutiam em voz alta.

Anna sorria beatificamente e fazia algo esquisito com uma mar­garida e um clipe de prender papel.

Não sei nada sobre nenhuma echarpe e luvas verdes - mamãe disse a Helen, acaloradamente.

Mas eu as deixei em cima da geladeira - protestou Helen. - Então, o que você fez com elas?

Ora, se você não as tivesse deixado em cima da geladeira, se as colocasse no lugar certo, saberia onde encontrá-las - respondeu- lhe mamãe.

Em cima da geladeira é o lugar certo - replicou Helen. - É onde sempre deixo minhas coisas.

- Bom-dia - disse eu, amável. Todas me ignoraram completamente.

Sem qualquer razão óbvia, a porta dos fundos estava aberta, ba­lançando-se, e rajadas de gélido ar matinal sopravam pela cozinha.

Aquilo era ridículo.

Eu tinha uma criança pequena em casa. Todas morreríamos de pneumonia.

Caminhei rapidamente até lá e, segurando Kate com uma das mãos, consegui fechar a porta e trancá-la firmemente com a outra.

- Você não devia ter feito isso - disse Anna, misteriosamente. Olhei-a, surpresa.

Eu pensaria que era cedo demais, até no caso de Anna, para se mostrar mística e etérea.

Por quê? - perguntei com brandura e afeto, preparada para dançar conforme a música. - Será que a Deusa da Manhã vai me punir, por barrar sua entrada em nossa cozinha?

Não - disse Anna, olhando-me como se eu tivesse enlouque­cido por completo.

Exatamente nesse momento houve uma agitação abafada e fre­nética do lado de fora da porta dos fundos.

Alguém ou algo estava muito aborrecido por encontrar a porta trancada.

Usava um linguajar, para a Deusa da Manhã, que vou lhe contar.

Anna suspirou, caminhou pesadamente até a porta e abriu-a.

Papai ficou em pé no degrau, quase inteiramente oculto pela imensa pilha de roupa lavada que segurava nos braços.

Quem trancou essa maldita porta? - rugiu, através de sua braçada de jeans e casacos. - Devia logo saber que você tinha algo a ver com isso - disse entre dentes para a pobre Anna, enquanto ela mantinha a mão na maçaneta da porta.

Não, papai, fui eu - disse-lhe, apressadamente. O lábio inferior de Anna começara a tremer e ela parecia à beira das lágrimas. - Foi porque estávamos com frio - expliquei, enquanto papai fixava em mim um olhar magoado. - Não foi porque eu quisesse trancar você do lado de fora.

Meu Deus, que bando de neuróticos!

Eu era tão normal, comparada com o resto da minha família.

- Certo - declarou papai, atirando todas as roupas em cima da mesa, sem se preocupar com as torradas meio comidas e as tigelas de cereais abandonadas que ainda estavam em cima dela. - Quais des­sas roupas você quer?

- Ah, Helen, você é tão difícil - suspirou mamãe. - Há um quarto cheio de roupas lá em cima, mas o que você deseja tem sempre de estar na máquina de lavar ou no varal.

Helen sorriu como um gatinho. Adorava que lhe dissessem que era difícil. Isso a fazia sentir-se poderosa. O que de fato era.

Com um sorriso afetado, escolheu algumas peças de roupa do monte em cima da mesa e entregou-as a papai.

O que tenho eu a ver com isso agora? - perguntou ele, sur­preso.

Elas precisam ser passadas a ferro - disse Helen, com uma voz igualmente surpresa.

Passadas a ferro? - perguntou papai. - Por mim?

Vai me mandar para Belfast com as roupas amassadas? - perguntou Helen, ultrajada. - Você sabe, sou uma embaixatriz do Estado Livre. Não posso ir a Belfast parecendo uma mendiga. Pensarão que todos os católicos são sujos e repugnantes.

Certo, certo, certo! - gritou papai, erguendo os braços para se defender do seu apelo inflamado.

Pobre homem.

Jamais tinha uma chance.

As coisas se acalmaram.

As torradas começaram a ser comidas, o café a ser tomado, a conversa - e estou usando esta palavra de forma muito livre - recomeçou.

- Adivinhe com quem ficarei em Belfast? - perguntou Helen com um tipo de voz inocente e melodiosa. Soava por demais casual e blasée.

Eu conhecia esse tom. Pressenti problemas.

Com quem? - perguntou Anna.

Com um protestante - disse Helen, em tom sigiloso e reverente.

Mamãe continuou bebericando seu chá.

- Mamãe, você ouviu o que eu disse? - perguntou Helen, com petulância. - Disse que vou ficar com um protestante.

Mamãe ergueu os olhos, calmamente.

E daí?

Mas não odiamos todos os protestantes?



Não, Helen, não odiamos ninguém - disse-lhe mamãe, como se falasse com uma criança de quatro anos.

Nem mesmo os protestantes?

Helen estava decidida a conseguir uma briga, de uma forma ou de outra.

Não, nem mesmo os protestantes.

Mas, e se eu cair sob a influência deles e começar a ficar esqui­ sita e a fazer arranjos de flores?

Helen ouvira cantar o galo sem saber onde, e a partir daí chega­ra a uma vaga e confusa generalização sobre os protestantes.

Uma mistura curiosa de Belzebu e Miss Marple.

Tinham chifres, claro, e cascos fendidos, e preparavam suas armadilhas.

Bem, e daí, se você fizer isso? - perguntou mamãe, amavelmente.

E se eu não for mais à missa? - arquejou Helen, com fingido tom de horror.

Mas você já não vai mesmo - disse Anna, com um tom perplexo.

Seguiu-se um silêncio um tanto tenso e desagradável.

Felizmente, Kate, sentindo, é óbvio, um estado de espírito desa­gradável em torno, amenizou as coisas começando a chorar como um espírito maligno.

Senti que ela tinha um grande futuro diante de si, como embai­xadora, ou trabalhando para as Nações Unidas.

Houve uma grande corrida para preparar sua mamadeira, e Anna e Helen quase tropeçaram para ajudar.

Papai ocupava-se pegando a tábua de passar roupa e fazendo tudo em grande estilo, enchendo a cozinha com o vapor do ferro até que ficasse parecendo uma sauna.

Mamãe permaneceu sentada como se fosse feita de pedra.

Mas, depois de algum tempo, até ela despertou para a atividade. Começou a limpar a mesa e, resoluta, jogou algumas torradas frias e duras na lata de lixo.

O que foi uma pena, porque eu mais ou menos gostava de torra­das frias e duras. Mas não era boba de deixar minha mãe zangada, pouco depois de ela ter sido informada do não comparecimento à missa por parte de uma de suas filhas.

Mesmo quando a filha em questão não era eu.

As coisas voltaram ao normal.

Sendo, claro, normal um conceito inteiramente subjetivo.

A normalidade para um homem é, para outro homem, um ambiente doméstico que não funciona, anárquico, fragmentado, profundamente insalubre.

Helen nunca foi do tipo que deixasse qualquer passo em falso derrubá-la por muito tempo.

A tagarelice vazia recomeçou dentro de alguns momentos.

- Como será em Belfast? E se eu for assassinada? - cogitou ela.

- Quero dizer, qualquer coisa poderá acontecer comigo. Posso levar um tiro ou ser atingida por uma explosão de bomba. Esta pode ser a última vez que vocês me verão.

Todas a olhamos fixamente, paralisadas pela emoção. Até Kate ficou em silêncio.

Claro, claro que não teríamos tanta sorte assim.

- Ou talvez eu seja seqüestrada - disse ela, em tom sonhador. - Poderá acontecer comigo o mesmo que com Brian Keenan. E ele também tem duas irmãs feias! - disse ela, triunfante, encantada por encontrar uma semelhança entre si mesma e uma vítima de seqüestro.

- A diferença é que tenho quatro irmãs feias - disse, pensativa. - Ora, esqueçam.

Elas não são feias - disse mamãe, no auge da indignação.

Obrigada, mamãe - sorri para Helen, com ar superior.

Obrigada, mamãe - disse Anna.

Vocês não - disse mamãe, aborrecida. - Estou falando das irmãs de Brian Keenan.

Ah - disse eu, abatida.

Helen ainda falava sobre ser seqüestrada.

Meu coração confrangeu-se de pena do imaginário seqüestrador.

Qualquer pessoa que seqüestrasse Helen ficaria convencida de que caíra numa armadilha. Que ela era algum tipo terrível de arma secreta enviada pelo outro lado para destruí-los.

Nada a assustava.

Podia estar acorrentada em algum porão sujo, com um magro jo­vem fanático de rosto pálido, cheio de músculos parecendo cordas e olhos ardentes, carregado de armas, que ainda assim talvez puxasse uma conversa com ele sobre o local onde o dito cujo comprara seu suéter.

Ou sobre nada, realmente.

- Acho que terá de me torturar um pouco - diria ela, de improviso. - O que fará? Acho que poderia cortar minha orelha, e mandá-la pelo correio, para receber o dinheiro do resgate. Não me importaria tanto com isso. Quero dizer, para que preciso de minha orelha se ouço com a parte de dentro do ouvido? Não com o pedaço que fica do lado de fora. Embora surgisse um pequeno problema, se eu quisesse usar óculos. Se tivesse apenas uma orelha, eles, claro, ficariam inteiramente caídos para um lado. Mas eu ainda poderia usar lentes de contato. Sim! Poderia fazer papai comprar para mim algumas daquelas lentes de contato coloridas. Que tal castanhas? Acha que eu ficaria bem de olhos castanhos?

E o pobre terrorista ficaria exausto e horrorizado com ela. "Cale a boca, sua filha da puta", poderia dizer. E ela talvez ficasse calada uns rápidos instantes, antes de come­çar a falar novamente.

- Essas algemas são lindas. Tenho algemas também, mas são apenas uma velharia ordinária de plástico. Acho que este deve ser um dos atrativos desse trabalho: ter permissão para pegar empresta­ do as boas algemas. Algemar sua namorada, coisas assim, sabe? Embora deva ser um problema quando você tem um prisioneiro. Mas eu não me importaria. Você pode tirá-las esta noite, e prometo que não tentarei fugir...

E prosseguiria interminavelmente, até os terroristas terem um colapso.

Marmanjos chorando, descontrolados:

- Ela é horrível, horrível! Faço tudo que você quiser, mas simplesmente obrigue essa mulher a parar de falar.

Helen chegaria novamente sã e salva em sua casa, não apenas com o dinheiro do resgate devolvido intocado, mas com um chicote ganho de presente e um bilhete de solidariedade para sua família, da parte dos terroristas.

De qualquer jeito, ela finalmente partiu. Algum pobre idiota cha­mado Anthony, de sua turma, teve o dúbio prazer de sua companhia na viagem de automóvel de três horas até Belfast.

Lá se foi ela, sentada na frente, usando uma expressão devota e estreitando uma garrafa de água-benta.

Não mencionou Adam, antes de partir.

Aquela vaca.

Talvez ele também estivesse indo para Belfast.

Talvez já estivesse lá.

Talvez todas as linhas telefônicas em Rathmines estivessem com defeito e fosse esse o motivo para ele não ter ligado, à minha procura.

Talvez ele tivesse sofrido um acidente com sua bicicleta e estives­se no hospital com vários ferimentos.

O importante era que ele não me telefonara.

E não ia telefonar.

Então, agora, o que eu deveria fazer?

O que eu realmente achava peculiar era o fato de mal ter dedica­do um único pensamento a James nos últimos dias.

Minha cabeça estava cheia de Adam, Adam, Adam.

Da mesma maneira como os camareiros do Titanic estavam mais preocupados com os cinzeiros não esvaziados do bar do que com o enorme buraco do lado do navio, que deixava entrar milhões de litros de água, eu também estava preocupada apenas com o que não tinha importância, e ignorava, assim, o que era vital.

Algumas vezes, é mais fácil dessa maneira.

Porque, embora eu não pudesse fazer droga nenhuma com rela­ção ao enorme rombo, ainda estava ao meu alcance esvaziar um cin­zeiro.

Bela analogia.

Mas a conseqüência prática de eu me sentir desse modo foi que passei a terça-feira vagueando pela casa.

No mundo da lua, mas sem sonhos agradáveis.

No pior sentido da palavra: sentindo-me infeliz, com um ar trá­gico.

Telefonei para James?

Sinto muito, mas não o fiz.

Estava com um caso grave de autopiedadite.

Fora atacada por uma forma particularmente virulenta de pobre-de-mim-zite.

Não há desculpa, percebi.

Deus sabe que eu não tentava justificar-me.

Mas estava, estava... estava deprimida, que diabo.




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