Revisão e Editoração Eletrônica João Carlos de Pinho



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mais do que estão sofrendo. Para dizer a verdade, ele nem parece filho de José Luís.

Daniel notou que os olhos de Guilherme brilharam comovidos. Ele baixou a cabeça tentando encobrir a emoção. Daniel não se conteve:

— Seu interesse por esse caso, o fato de D. Maria Júlia recebê-lo e tudo o mais está me fazendo pensar que ainda não sei o suficiente. Há al­guma coisa a mais. Pode dizer-me o que é?

— Ainda não. Espero que Maria Júlia concorde, e então vocês sa­berão de tudo.

— Devo lembrar-lhe que como advogado dela preciso estar informa­do de tudo.

— Concordo. Se não pensasse assim, não teria vindo. Deixe-me fa­lar com ela primeiro, depois voltaremos ao assunto.

Quando Daniel e Guilherme chegaram em casa de Josefa, ela ainda não havia voltado. Foram introduzidos na sala pela criada, que, orienta­da, serviu-lhes café com biscoitos.

Quinze minutos depois as duas chegaram. Maria Júlia pálida e ner­vosa. Depois dos cumprimentos, Josefa conduziu-os ao escritório e deixou-os a sós, sentando-se com Daniel na sala para conversar.

Assim que se viu sozinho com ela, Guilherme disse comovido:

— Quanto tempo! Lamento o que está acontecendo. Durante todo este tempo pensei que você estivesse feliz e que José Luís fosse um homem de bem. Por que nunca se comunicou comigo? Não sabe como vivi ator­mentado este tempo todo.

— Eu não queria envolvê-lo em mais problemas.

— Tentei algumas vezes vê-la, à distância acompanhava suas notí­cias nas colunas sociais. Consolava-me pensando que, apesar de todo o mal que eu lhe causara, você conseguira vencer e ser feliz.

— Minha felicidade era de aparência. Uma máscara que eu usava para encobrir a verdade. Agora nem isso tenho mais.

— Engana-se. Tem seus filhos, tem a mim, que voltei para ten­tar ajudá-la.

— Ninguém pode me ajudar. Estou envolvida demais. José Luís me acusa e não tenho como defender-me.

— Diga a verdade. Conte por que agüentou todas as maldades dele sem reagir.

Maria Júlia tremia nervosa, seu coração disparava e ela não conse­guia controlar-se.

— Não posso. Meus filhos ignoram tudo. Já estão desiludidos com o pai. O que será deles quando souberem que eu tenho mentido todo esse tempo? O que pensarão de eu ter me casado carregando no ventre o filho de outro homem?

— Entenderão por que você se submeteu às exigências de seu mari­do. Não compreende que essa é a sua defesa diante das acusações que vem sofrendo? Você precisa dizer a verdade.

— Não tenho coragem. Profiro morrer.

— Não permita que a falsa moral que a fez suportar uma situação ter­rível todos esses anos continue a vitimá-la. Você sempre foi uma mulher de bem, apesar do que houve entre nós. Assim que li nos jornais o que es­tava acontecendo, deixei tudo e voltei decidido a ajudá-la. Embora não conhecendo detalhes do caso, tinha a certeza de que você nunca teria sido cúmplice de seu marido. Nem por um momento acreditei em sua cul­pa. A conversa que mantive com o Dr. Daniel mostrou-me que estava certo. Ele me disse que está difícil explicar por que você ficou calada todo este tempo. Eu sei o motivo.

— Sabe?


— Sei. Gabriel. Nosso filho. Não foi por isso que se calou? Maria Júlia não conteve as lágrimas. Guilherme segurou a mão dela e continuou:

— Esse canalha deve ter ameaçado você. Ela fez que sim com a cabeça.

— Por que suportou tudo sozinha e nunca me procurou? Eu a teria defendido.

— Tive medo. Não queria prejudicá-lo. Você é um diplomata e, de­pois, tem família. Eu não tinha o direito de envolvê-lo.

— Agora você precisa contar a verdade no tribunal. Dizer por que se calou. É a maior prova de sua inocência.

— Não posso. Vão querer saber tudo, você será envolvido. Já pen­sou o escândalo? Sua carreira irá por água abaixo. E sua família me odia­rá. Não. Não vou fazer isso.

— Pois eu vou. Estou disposto a depor em juízo e a contar tudo.

— Não faça isso!

— Faço. Há muito me desiludi com a carreira. Estou cansado da hi­pocrisia dos políticos, dos governos de aparência que se permitem a todas as falcatruas, desde que nada venha a público. Não me importa mais o jul­gamento das pessoas maldosas que vivem julgando as pessoas para tentar fingir que são melhores. O que conta agora para mim, Maria Júlia, é a mi­nha felicidade, a paz de minha consciência.

— Você pensa assim, mas e sua mulher? E seus filhos? Eles sofrerão.

— Minha mulher morreu há cinco anos. Meus filhos casaram-se e vivem em outro país. Mas ainda que eles estivessem aqui eu faria o que estou pretendendo. Sinto dentro de mim a vontade de ser verdadeiro, de limpar minha alma, de fazer o que meu coração sente. Eu preciso apagar um pouco a lembrança do mal que lhe causei, enganando-a.

Mana Júlia já não tentava conter as lágrimas que desciam por suas faces. Ele continuou:

— Eu a amava muito. Desde o primeiro dia que a vi, apaixonei-me perdidamente. Meu casamento com Isaura obedeceu mais à escolha da fa­mília em um tempo em que eu não sabia o que era amor. Ela foi compa­nheira de infância. Eu gostava dela, mas amor eu só vim a conhecer quan­do vi você. Sabia que se dissesse que era comprometido você nunca me aceitaria. Por isso a enganei. Estava louco. Queria ficar com você para sem­pre. Insisti para que fugisse comigo. Mas você não quis e eu não tinha for­ças para deixá-la.

— Para que recordar agora todo o nosso sofrimento? Chega!

— Nunca pude dizer-lhe como me senti depois de nossa separação. Meu pai descobriu que eu estava apaixonado por você e providenciou para que eu fosse mandado para longe. Eu havia ingressado na carreira di­plomática, que sempre fora o sonho dele. Fui embora com a família pen­sando que ficaria fora dois meses. Entretanto, eles foram me segurando fora. Quando voltei, soube que havia se casado com José Luís.

— Depois que você viajou, ele foi protelando o aborto dizendo que eu precisava tomar alguns medicamentos preventivos. Finalmente se re­cusou a fazer o que prometera alegando que era tarde demais e que o bebê tinha que nascer. Fiquei apavorada por causa de meu pai. Hoje agradeço a Deus por não termos feito isso. Meu filho é meu tesouro. Mas naquele tempo só pensava em papai. Então ele se ofereceu para casar-se comigo e dizer que era o pai de meu filho. Mesmo sem amor, aceitei. Pareceu-me a única saída.

— Ele me mandou uma carta dizendo que vocês haviam descober­to que se amavam e que iriam casar-se. Que eu nunca mais a procurasse, porque você não me queria mais.

— Eu nunca o amei. Também não pensava em procurá-lo. Estava dis­posta a renunciar a seu amor. Não concordaria jamais em ser apenas sua amante, prejudicando sua mulher e seus filhos.

— Sofri muito por isso. Mas concordei em me afastar de seu cami­nho. Acreditei no que ele disse naquela carta. Senti que não tinha o di­reito de prejudicar mais sua vida. Confesso que foi difícil aceitar isso. E até hoje, quando penso, sinto enorme tristeza. Nunca deixei de amar você, Maria Júlia. Esse amor ainda aquece meu coração. Foi ele que me fez re­gressar e é por ele que desejo lutar daqui para a frente.

— Agora é tarde, Guilherme. Apesar de tudo, ainda estou presa a José Luís.

— É uma questão de tempo. Só uma coisa me interessa. Se disser que ainda resta em seu coração um pouco daquele sentimento que nos uniu um dia, não medirei esforços para conquistar o direito de vivermos jun­tos para sempre. Diga que não me esqueceu. Diga que ainda gosta de mim.

Maria Júlia levantou o rosto lavado em lágrimas e olhando-o nos olhos disse emocionada:

— Esse amor tem sido meu alimento nesta vida. Nos momentos di­fíceis que tenho vivido, só a lembrança daquele tempo a seu lado me dava forças para suportar a realidade de minha vida.

Guilherme não se conteve. Tomando a mão dela, fê-la levantar-se, abraçou-a e beijou-a nos lábios. A princípio delicadamente, depois com paixão.

Maria Júlia esqueceu tudo. Nos braços de Guilherme, entregou-se àquele sentimento há tanto tempo reprimido que tomava conta de seu ser ansioso por libertar-se.

Quando se acalmaram, Guilherme disse baixinho:

— Não se entregue, Maria Júlia. Lute e permita que eu a ajude a li­bertar-se desse pesadelo. Juntos seremos fortes e venceremos. Ainda te­mos muitos anos pela frente. Podemos ser felizes.

— E meus filhos? O que lhes direi?

— A verdade. Só a verdade. Eles entenderão.

— Tenho medo.

— Não precisa. Tenho aprendido que a verdade é mais forte do que :udo. Quero que conte a verdade a Gabriel. Ele precisa saber que sou seu pai. Pretendo reconhecê-lo como filho legítimo e oferecer-lhe meu nome c dividir com ele minha fortuna.

— E seus filhos? Eles podem não gostar.

— Farei o que acho direito, doa a quem doer. Entretanto meus filhos estão bem de vida e têm fortuna própria. Têm cabeça aberta e muito bom senso. Estou certo de que vão nos apoiar. Mas mesmo que não concordas­sem eu o faria. Estou disposto a não fazer mais nada contra o que considero verdadeiro e justo. Quem não gostar, paciência. É assim que quero viver daqui para a frente e conquistar a paz de minha consciência.

Os dois continuaram conversando durante mais algum tempo. Quan­do eles finalmente saíram do escritório, Maria Júlia parecia outra pessoa. Seu rosto conservava vestígios das emoções que vivera, mas sua expres­são era mais relaxada e em seus olhos havia um brilho novo, de vida e de força.

Josefa fê-los sentar e serviu-lhes chá com biscoitos. Foi Guilherme quem falou primeiro.

— Obrigado por sua hospitalidade. Serei eternamente grato a vocês por haverem nos proporcionado este encontro. Temos muito que conver­sar. Você fala ou eu?

Maria Júlia respondeu:

— Josefa já conhece nossa história. Tem sido minha confidente. Fale você. Daniel precisa saber.

Guilherme relatou tudo quanto acontecera entre eles e finalizou:

— Como eu previa, Maria Júlia viveu a vida toda chantageada por José Luís. Ele ameaçava a vida de Gabriel.

Maria Júlia completou:

— Eu sabia que ele havia assassinado o próprio tio, os primos, ten­tara matar Marcelo sem nenhum remorso. Não duvidava que ele seria ca­paz de cumprir o que dizia. Todos haviam morrido mesmo, quem lucraria com minha confissão? Preferi preservar a vida de meu filho.

— Como a senhora deve ter sofrido! — disse Daniel admirado.

— Estou disposto a testemunhar em juízo e contar a verdade — dis­se Guilherme. — Faria isso de qualquer forma, ainda que minha mulher estivesse viva. Mas ela morreu. Estou livre. Eu e Maria Júlia nunca deixa­mos de nos amar. Queremos ficar juntos para sempre. Estou disposto a fa­zer tudo que for preciso para isso. Se conseguir legalmente, bom. Senão, iremos para outro país onde há divorcio e nos casaremos lá. Temos o di­reito à felicidade e vamos lutar por ela.

Josefa levantou-se e abraçou Maria Júlia com entusiasmo:

— Isso mesmo! Sinto-me feliz por saber disso. Vocês merecem a felicidade.

— Estou pensando em meus filhos. Laura não vai aceitar.

— Laura é jovem. Logo encontrará alguém e seguirá seu próprio ca­minho. Você não está fazendo nada errado. Seu marido será condenado. Mas mesmo que ele estivesse livre você não voltaria para ele depois do que ele lhe fez. Nenhuma lei do mundo a obrigaria a isso. Laura terá que compreender. Se fizer isso, será beneficiada. Poderá viver em um lar feliz e ter a proteção e o carinho de vocês até dar um rumo à sua vida. Não preju­dique sua felicidade por causa dela. Você já foi muito prejudicada e tem todo o direito de ser feliz. Se ela não puder entender isso ainda, a vida terá meios de ensinar-lhe o que lhe falta aprender. Um dia ela compreenderá.

— Tem razão, tia.

— Ainda assim, tenho medo. Guilherme é um diplomata. Não pos­so permitir que se envolva em um escândalo desses. Arrasaria sua carreira!

Guilherme abraçou-a dizendo emocionado:

— A carreira não conseguiu me devolver a felicidade. As viagens fo­ram pretextos para fugir do Brasil e para não ver você ao lado de outro ho­mem. Eu imaginava que você o amava e que eram felizes. Isso me entris­tecia e eu mergulhava mais no trabalho, na esperança de esquecer. Ago­ra que sei a verdade, que reencontrei você, que descobri que sempre me amou, não vou perder a chance de ser feliz. Saiba que, aconteça o que acon­tecer, estarei a seu lado. Nunca mais a deixarei. Isso é tudo que eu quero da vida. O resto não importa.

Maria Júlia quis responder, mas não encontrou palavras. Seus olhos encheram-se de lágrimas e seus lábios tremiam de emoção. Daniel não se conteve:

— Um amor como o de vocês tem força. Tenho certeza de que con­seguirão tudo que desejam. Estamos aqui para ajudar no que for possível.

— Quero testemunhar no processo — disse Guilherme com voz fir­me. — Vocês, como advogados, devem me orientar.

— Não precisa. Basta contar os fatos — disse Daniel.

— A verdade tem muita força — completou Josefa. — Sempre é o melhor caminho.

Maria Júlia passou as mãos pelos cabelos dizendo inquieta:

— Como contar tudo a Gabriel? Como dizer-lhe que o enganei du­rante toda a sua vida mesmo sabendo que ele não se dava bem com José Luís?E Laura?

Josefa tomou a mão de Maria Júlia dizendo com voz firme:

— Essa é uma coisa que terá que fazer.

— Tenho medo.

— E hora de posicionar-se. De conversar com seus filhos sobre seus verdadeiros sentimentos. Essa é a base de uma confiança mútua que deve existir entre pessoas que se amam e que desejam manter um bom relacio­namento. Não tenha medo de falar de tudo que vai em seu coração. De seu amor da juventude, de suas fraquezas, de seus medos e de sua infelicidade. Deixe-os conhecer sua intimidade. Abra sua alma para que eles sin­tam todo o amor que tem por eles. Se fizer isso, irá se surpreender.

— Vou tentar.

— Isso — concordou Josefa. — Uma atitude sincera, franca, agora vai dar-lhes mais segurança. Eles a conhecerão como você é de fato e isso os fará sentir-se mais confiantes, apesar dos problemas que estão enfren­tando. Perceberão que a felicidade que pensavam possuir era falsa e que, fatalmente, um dia teriam que descobrir isso.

— Você acha mesmo?

— Acho, Maria Júlia.

— Poderia ir comigo falar com eles?

— Poderia. Entretanto minha presença poderá constrangê-los. É melhor falar com eles sozinha.

Maria Júlia colocou a outra mão sobre a que Josefa segurava e pediu:

— Reze por mim. O que me pede é um ato muito penoso. Apesar disso, sinto que preciso fazer. Não dá mais para esperar.

— Isso mesmo. Estarei rezando por você. Agora vamos. Vou acom­panhá-la de volta a casa.

— Por favor, Maria Júlia. Assim que falar com eles, ligue para mim. Estarei esperando ansioso. Gostaria de estar a seu lado nessa hora, mas sin­to que essa conversa precisa ser só você com eles.

— Ainda bem que entende, Guilherme. Tenho que prepará-los para conhecer você. Não tenho idéia de como vão receber essa notícia. Principalmente Laura. Ela é muito revoltada. Admirava o pai. Vai ser di­fícil aceitar.

— Talvez não. Faça sua parte, que a vida fará o resto — disse Josefa com um sorriso.

Saíram juntos. Enquanto Josefa com seu motorista levava Maria Jú­lia de volta, Daniel conduziu Guilherme de novo ao escritório.

Rubinho havia chegado e Daniel apresentou o diplomata, informan­do que ele iria depor no processo. Diante da história que Guilherme lhe contou, Rubinho ficou radiante:

— Finalmente encontramos o meio de libertar D. Maria Júlia. Uma história de amor como essa colocará do nosso lado toda a opinião públi­ca. As mulheres, principalmente, vão se colocar ao lado da mãe que so­freu calada para proteger a vida do filho! Até que enfim temos o motivo pelo qual ela se calou durante toda a vida!

— É verdade — concordou Guilherme. — Nem eu sabia o que ela estava sofrendo. Sabia que Gabriel era meu filho, mas pensava que eles

fossem uma família unida e que Gabriel havia encontrado em José Luís o pai que eu não pudera ser. Nunca os procurei porque não queria atrapa­lhar sua felicidade. Carregava no coração muita culpa pela infelicidade que havia provocado, não queria prejudicá-los mais.

— Qualquer pessoa teria feito o que fez. Como poderia suspeitar a verdade? Eles eram tidos como o casal modelo na sociedade — comentou Rubinho.

— Se por um lado eu sentia ciúme, por outro me conformava pen­sando que eles haviam encontrado a paz. Quando li sobre o escândalo nos jornais, fiquei desesperado. Mas só depois, quando percebi que ela es­tava sendo acusada de cumplicidade, foi que resolvi voltar.

— Sua presença será de grande ajuda no caso dela — disse Daniel. — Sua coragem de enfrentar tudo e permitir que sua vida íntima venha à tona é admirável.

— Eu amo essa mulher! Sempre a amei. Saber que ela me ama deu-me forças para enfrentar qualquer desafio. Nós ainda seremos felizes, te­nho certeza.

Depois que ele se foi, Daniel ficou pensativo.

— O que foi? Está calado.

— Pensando na força do amor. Puxa, o que ele faz com as pessoas.

— E mesmo. Eu faria qualquer coisa por Marilda. E você, o que fa­ria por Lídia?

— Tenho medo de pensar. A cada dia que passa me sinto mais preso a ela. Tenho a impressão de que agora já não dá mais para tentar escapar.

Rubinho riu alegre e respondeu:

— Nós já marcamos o casamento. E você?

— Ainda não sei. Depois que tudo isto acabar, veremos.

— O julgamento está marcado para o dia dezoito. Depois da senten­ça, tudo estará acabado.

— Parece mentira que conseguimos desvendar tudo isso.

— Ás vezes penso que tivemos muita ajuda espiritual. Você com seus sonhos, as sessões em casa de D. Josefa. Há momentos em que me pa­rece que estamos apenas sendo instrumento das forças superiores. Nunca pensou nisso?

— Já. Tia Josefa acha que estava na hora de a verdade aparecer. Mas diz que nosso trabalho foi fundamental para que tudo se concretizasse. Se nós não tivéssemos aceitado a causa, talvez eles não pudessem fazer o que pretendiam.

— Por isso você sonhou que precisava aceitar esse trabalho.

— Eu ia dizer não. O sonho mudou minha vontade. Ainda ago­ra a presença desse diplomata disposto a defender D. Maria Júlia fez-me pensar.

— Em quê?

— No merecimento que ela tem. Quem poderia imaginar uma coi­sa dessas?

— Concordo.
Josefa deixou Maria Júlia em casa e despediu-se dizendo:

— Coragem. Estarei rezando por você.

Ela foi direto para seu quarto, sentou-se na poltrona e pensou nas pa­lavras de Josefa. Durante o trajeto de volta ela lhe mostrara o quanto Deus havia sido bondoso com ela, ajudando-a sempre que precisava. Primeiro, tirando-a da tirania paterna, depois libertando-a do marido, e, num mo­mento decisivo e difícil, trazendo de volta o amor de sua vida, disposto a lutar por ela e dar-lhe a felicidade.

Josefa tinha razão. Nessa hora ela precisava confiar em Deus. Ele a estava ajudando e protegendo. Queria que seus filhos usufruíssem dessa proteção e pudessem refazer suas vidas. Guilherme tinha dito que se ela desejasse, depois que tudo se resolvesse, eles iriam para outro país, onde havia leis para o divórcio e para outro casamento. Tanto poderiam con­tinuar vivendo lá como voltar ao Brasil. Ele faria tudo como ela e seus filhos quisessem.

Maria Júlia fechou os olhos e rezou. Agradeceu a Deus a proteção que tivera e pediu que lhe desse forças para contar toda a verdade aos filhos. Ao terminar, respirou fundo e sentiu-se aliviada.

Chamou os filhos a seu quarto para essa conversa. Eles obedeceram imediatamente.

Sente-se melhor, mamãe? — indagou Gabriel.

— Sim. Estou bem. Sentem-se aqui, a meu lado. Eles se acomodaram e ela continuou:

— Chamei-os porque precisamos conversar. Tudo que tem aconte­cido ultimamente tem-nos perturbado e feito sofrer. Para vocês deve ter sido terrível descobrir os fatos dolorosos de nosso passado.

— Mãe, ainda duvido que papai tenha cometido tudo que dizem.

— Infelizmente, Laura, ele o fez. Você é sua filha, sempre teve dele uma imagem boa e eu sinto ter que lhe dizer a verdade. Eu me calei esses anos todos porque nunca pensei que Marcelo pudesse descobrir tudo e voltar para nos pedir contas.

— Quer dizer que você foi cúmplice dele em tudo isso? Como pode concordar com uma coisa dessas?

— Eu nunca concordei, filha. Fiz o que pude para salvar Marcelo e o consegui. Só Deus sabe como foi difícil e o medo que passei. Mas eu tam­bém tinha um filho pequeno e repugnava-me saber que pensavam em ma­tar aquele menino.

— Mãe, não precisa dizer nada — tornou Gabriel. — Isso a faz so­frer. Sabemos de tudo. Não se atormente mais.

— Não, meu filho. Ainda não sabem de tudo. E sobre isso que de­sejo lhes falar. Minha vida tem sido até agora um amontoado de menti­ras. Tenho sido covarde, nunca tive coragem para lhes contar o que ia em meu coração, por que e como me casei com José Luís. O que vou lhes di­zer agora é o segredo que tenho guardado durante tanto tempo mas que não dá mais para segurar. Desejo abrir meu coração a vocês, dizer toda a verdade, lavar minha alma. Desnudar meus sentimentos mais íntimos para que me vejam tal qual sou. Apenas uma mulher que amou muito e que tem sofrido todos esses anos.

— Sempre desconfiei de que havia alguma coisa que a fazia temer Bóris e papai. Várias vezes senti que eles a ameaçavam.

— E verdade, meu filho. A vida inteira vivi ameaçada. Nossa his­tória começou quando eu tinha dezessete anos.

Maria Júlia, olhos fixos no passado, com voz pausada porém firme que a emoção por vezes dificultava, foi relatando todos os acontecimentos de seu passado. A medida que ela falava, Gabriel foi se emocionando, pres­sentindo que suas palavras tinham a ver com ele. Segurou a mão dela com força e, sem desviar o olhar, esperava ansioso que ela concluísse.

Laura sentia as lágrimas descerem por suas faces. Nunca lhe passara pela cabeça que aquela mulher que sempre vira bem-posta, calma, con­trolada, havia passado por todas aquelas emoções, e parecia-lhe estar ven­do-a pela primeira vez.

Em silêncio, esperaram que ela acabasse:

— Por isso me calei durante toda a vida — finalizou ela. — Eles ameaçavam a vida de Gabriel e eu sabia que eles diziam a verdade. Eu os conhecia. Vira como eles haviam planejado todos aqueles crimes. Eu mes­ma muitas vezes pensei que eles poderiam me matar. Acho que ele nun­ca fez porque tinha uma fixação por mim. Era como uma obsessão. Que­ria conquistar meu amor a qualquer preço. Precisava de mais essa vitória. Como nunca conseguiu, não desistia.

Os dois a abraçaram com força e misturaram suas lágrimas. Gabriel sentia um nó na garganta e não conseguia falar. Ficaram assim, abraçados, durante alguns minutos. Quando se acalmaram, Maria Júlia continuou:

— Eu queria poupar vocês. Entretanto foi inútil. A vida tem seus pró­prios caminhos. Espero que me perdoem. Eu amo vocês. Preciso de seu amor.

— Mãe, você sempre foi generosa e amiga. Deu-nos tudo e foi até o sacrifício para nos preservar. Só lamento que não tenha me contado a verdade antes. Se tivesse feito isso, talvez tivéssemos encontrado uma so­lução para acabar com seu sofrimento.

— Eu temia que não entendessem. Pretendia ficar calada pelo res­to da vida. Nunca iria revelar esse segredo, a não ser que José Luís cum­prisse a ameaça que me fez de que, se fosse preso, contaria tudo. Todavia, hoje aconteceu algo que me fez mudar de idéia.

Maria Júlia levantou a cabeça e olhou-os por alguns segundos em si­lêncio. Depois continuou:

— Daniel me telefonou e disse que o Dr. Guilherme Gouveia insis­tia em falar comigo pessoalmente.

— O diplomata? — indagou Gabriel admirado.

— Ele mesmo. Conversamos e Josefa veio buscar-me para um encon­tro em sua casa.

— Mãe, por que ele a procurou? O que ele tem a ver conosco? — indagou Gabriel apertando as mãos dela com força.

— Porque ele foi o amor de toda a minha vida. Depois daquele tem­po, nunca mais nos encontramos. Pretende testemunhar a meu favor. Contar por que me calei durante esse tempo todo.


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