Revisão e Editoração Eletrônica João Carlos de Pinho



Yüklə 1,94 Mb.
səhifə33/35
tarix02.03.2018
ölçüsü1,94 Mb.
#43800
1   ...   27   28   29   30   31   32   33   34   35

— Não sabia se seria bem recebido.

— Não diga isso, meu filho. Afinal somos a sua família!

— Vocês também não me procuraram. André, Betinho, nem mes­mo você.

— Não tive coragem. Mas sempre acompanhei o caso pelos jornais. Seu pai ficou pasmo! Quem poderia imaginar que José Luís seria capaz de tudo aquilo? Parecia tão bom, tão sério! E pensar que por causa disso bri­gamos com você. Estou envergonhada, meu filho.

— Não se preocupe, mãe. Compreendo a posição de vocês.

— Não está sentido conosco? Magoado com seu pai?

— Não. Ele fez o que pensou que fosse certo. Esqueça isso. Não vale a pena lembrar.

— Nesse caso você pode voltar lá para casa. Falei com seu pai, será recebido de braços abertos.

— Verdade? Então por que ele não veio?

— Sentiu-se acanhado. Sabe como é. Ninguém gosta de reconhe­cer que errou. Quando eu disse que vinha aqui pedir que voltasse para casa, ele concordou. Está arrependido.

— Sei.


— Você vai voltar?

— Não.


— Então não nos perdoou. Ainda está com raiva.

— Engana-se, mãe. E que eu estou muito bem. Posso cuidar de mim. Não precisa preocupar-se.

— Seu pai pode montar um grande escritório para você. Não preci­sa mais trabalhar aqui.

Rubinho olhou-a nos olhos e disse com voz firme:

— Eu trabalho aqui porque gosto. Adoro este lugar e não pretendo me mudar. Adoro meu apartamento com Daniel e só sairei de lá para me casar, o que pretendo fazer assim que puder.

— Casar? Você falou casar? Com quem?

— Saberá quando for oportuno. Pretendo enviar convites para toda a família.

— E moça da sociedade? Nós a conhecemos?

— Saberão quando receberem os convites.

— Não é justo fazer isso comigo. Casar sem contar nada. Sou sua mãe. Mereço atenção.

— Nunca lhe faltei com o respeito. Só que agora não sou mais crian­ça. Tomei conta de minha vida. Sei o que quero. Espero que compreenda.

— Pelo menos vá lá em casa conversar com seu pai.

— Tenho estado muito ocupado, trabalhado bastante. Não sei se te­rei tempo.

— Você não quer ir. Diga a verdade.

— Não quero mesmo, mãe. Não sinto vontade de vê-los. Nunca se interessaram por mim. Garanto que não sentem minha falta.

— Como pode dizer isso? Ainda somos a sua família!

— Já disse que mandarei convite de meu casamento. Se precisarem de mim antes disso, podem me procurar. Estarei disposto a cooperar. É o que posso oferecer.

Angelina olhou-o triste e disse:

— Você está diferente. Não é mais o mesmo.

— Não se entristeça por isso. Não vale a pena. Gosto de vocês, de­sejo todo o bem do mundo, mas estou disposto a viver do meu jeito. Cui­dar de minha vida como eu quero.

— Agora que ficou famoso não quer mais saber de nós.

— Você está me julgando de acordo com seus próprios valores. Eu poderia dizer que vocês me querem de volta pelo mesmo motivo. Mas prefiro reconhecer que pensamos de maneira diferente. Peço-lhe que entenda e não se aborreça comigo. Garanto que não lhe darei motivos de tristeza.

— Quer dizer que não vai mesmo voltar para casa?

— Não, mãe.

Nesse caso, vou embora. Se um dia se arrepender, nossa casa está aberta. Lembre-se disso.

— Não esquecerei.

— Pelo menos vá nos visitar. Sinto tanto sua falta!

— Vamos ver.

Angelina abraçou-o, beijou-o nas faces e saiu. Rubinho sentou-se atrás da escrivaninha pensativo. Daniel entrou e ele nem notou:

— Encontrei com sua mãe agora. Aconteceu alguma coisa? Você está com uma cara...

Rubinho levantou a cabeça olhando-o sério:

— Queria que eu voltasse para casa.

— Era de se esperar. Afinal eles entenderam que estavam errados.

— Eles me pediram para voltar porque vencemos. Se tivéssemos perdido, nem teriam me procurado.

— Não está sendo muito duro com eles?

— Pode ser. Mas quando a vi reticente, dizendo que papai queria me dar um escritório de luxo se eu voltasse para casa, senti vontade de pedir que ela fosse embora.

Daniel começou a rir.

— O que foi? — indagou Rubinho mal-humorado.

— Queria ver sua cara nessa hora. Pelo jeito, eles ainda não enten­deram nada do que fizemos.

— Nem nunca entenderão. Para eles o que vale é a fama, o nome, as aparências.

— Meu pai é capaz de ter alguma idéia parecida. Ainda bem que ma­mãe mudou. Está tão diferente! Acho que foi influência de tia Josefa. Está mais viva, mais alegre.

— Sua mãe é mais independente. A minha nunca fará nada que ele não aprove. Não tem vontade própria. Só pensa por intermédio dele.

— É uma pena. Mas ela deve gostar muito de você. Sempre o tra­tou com carinho.

— É verdade. Eu também gosto dela. Mas não suporto essa depen­dência. Ela se anula, não posso entender.

— Nem eu. Talvez seja problema de educação.

— Jonas ligou e disse que José Luís ainda está internado. Vive do-pado. Quando acorda, fica tão furioso que quer agredir todo mundo. En­tão eles colocam de novo a camisa de força e o imobilizam com tranqüi­lizante. Acha que ele vai aceitar a condenação?

— Não sei. Laura está muito deprimida e todos estão preocupados com sua saúde. Está abatida, mal se alimenta. Na sessão da semana passa­da, tia Josefa pediu ajuda aos espíritos.

— Ela ainda está em estado de choque. Vai passar. É jovem. Tenho certeza de que vai reagir.

— Espero que sim.

O telefone tocou em casa de Maria Júlia e a criada avisou-a que era Guilherme. Ela atendeu imediatamente:

— Como vai Laura? Melhorou?

— Infelizmente, não. Hoje nem se alimentou. Está lá, no jardim, quieta, parada. Não posso vê-la assim. Emagreceu. Está mais pálida a cada dia. O que podemos fazer, Guilherme?

— Temos que dar tempo para que ela assimile o que aconteceu. Lanira pode ajudá-la.

— Ela tem vindo visitá-la, mas não tem conseguido muito.

— Eu gostaria de ir até aí. Precisamos conversar. Não suporto mais ficar longe de você. Podemos resolver nossos assuntos, viajar todos jun­tos para algum lugar onde vocês possam esquecer um pouco tudo isso.

— Eu gostaria muito. Mas tenho medo. Acho que é cedo para que ela veja alguém no lugar do pai. Pode se revoltar. Não quero magoá-la mais. Prefiro esperar.

— Sinto vontade de fazer alguma coisa por vocês. Não posso vê-los sofrendo sem que eu possa fazer nada. Eu amo você, Maria Júlia, amo Ga­briel, quero que Laura aprenda a gostar de mim.

— Eu também. Mas vamos esperar um pouco mais.

Ele desligou o telefone, mas não se conformou. Ligou novamente e pediu para falar com Gabriel. Quando ele atendeu, disse:

— Gabriel, precisamos conversar. Não podemos esperar mais. Quer almoçar comigo hoje?

Gabriel hesitou, depois resolveu:

— Está bem. Irei. Onde?

No carro, quando se dirigia para o local do encontro, Gabriel pensa­va em tudo que havia acontecido. Ao descobrir sua origem, havia ficado chocado. Porém, depois do depoimento de Guilherme no tribunal, sen­tira-se aliviado. Ele não era filho de José Luís e sim de um homem hones­to, culto, bom, que amava sua mãe e o amava também.

Sabia que chegaria a hora de falar com ele, de colocar para fora to­dos os seus sentimentos. Tentara retardar esse momento, porém sentia que precisava enfrentá-lo.

Guilherme esperava-o na porta do restaurante. Vendo-o parar o car­ro, aproximou-se. Gabriel abriu a porta e ele disse:

— Vamos conversar antes do almoço. Posso entrar?

Gabriel assentiu. Ele entrou, sentou-se a seu lado, fechou a porta e disse com voz embargada:

Sempre desejei este encontro, meu filho. Agora que estamos aqui, as palavras me fogem.

Gabriel olhou-o e sentiu que algo se quebrava dentro de seu pei­to. Abraçou-o e, seja pela tensão dos últimos tempos ou pela comoção do momento, começou a chorar sentidamente. Abraçados, mistura­ram suas lágrimas e ficaram assim durante certo tempo. Nenhum dos dois conseguia falar. Depois, foram se acalmando, e Gabriel tornou com voz emocionada:

— Não pude me conter.

— Nem eu. Tenho esperado por esse momento toda a minha vida. Só quero dizer-lhe que sempre o amei. Infelizmente, não pudemos con­viver, mas nestes dias em que estivemos mais próximos pude avaliar como você é nobre, bom, amoroso. Senti-me muito orgulhoso de poder dizer a todos naquele tribunal que você é meu filho. Quero recuperar o tempo perdido. Amo sua mãe. Meu maior sonho sempre foi casar-me com ela. Podemos ir para um país onde há divórcio e regularizar nossa união. Sei

que posso ser para Laura um bom amigo, protegê-la e amá-la. Sua mãe me ama também. Disse que sempre me amou. Mas tem medo de desgos­tar vocês. Teme que Laura não aceite. Diga que concorda com o que es­tou propondo.

— Se mamãe o ama, penso que tem todo o direito de ser feliz. É o que mais desejo neste mundo.

— E você? O que pretende fazer de sua vida?

— Eu tranquei a matrícula na faculdade. Ainda não tomei nenhu­ma decisão. Teremos que devolver nossos bens a Marcelo. Não sei como ficaremos financeiramente.

— Não se preocupe com isso, meu filho. Tenho bastante para todos nós vivermos com conforto. Vocês não terão nenhum problema financei­ro. Quero fazer pela felicidade de vocês tudo que puder. Diga: o que mais deseja obter neste mundo?

Pelo rosto de Gabriel passou um lampejo de emoção. Seus olhos bri­lharam e fundo suspiro saiu de seu peito.

— O que foi? — indagou Guilherme. — Fale. O que mais deseja no mundo?

— Ver minha família bem e em paz.

— Isso eu sei. Mas você, pessoalmente, o que o faria mais feliz? Gabriel hesitou, depois disse:

— O amor de Lanira. Eu a amo muito. Queria viver a seu lado para sempre.

Guilherme pensou um pouco, depois disse:

— Ela gosta de você?

— Gosta. Eu sinto que gosta. Mas não aceitou meu pedido de casa­mento. Disse que ainda é cedo.

— Você aceitou essa recusa assim, sem fazer nada?

— Não achei justo continuar. Ela é moça de família rica, importan­te. Eu sabia que ficaria pobre e com o nome sujo. Afastei-me por isso.

— Compreendo. Mas agora sua situação é outra. Você vai ter um nome honrado para oferecer e dinheiro para dar-lhe conforto. Vou reconhecê-lo como filho legítimo. Acha que ela não o aceitou por causa do que seu pai fez?

— Não. Ao contrário. Disse que não estava certa se o que sentia por mim era amor de verdade. Se tivesse essa certeza, casaria comigo em qual­quer circunstância.

— Parece ser uma boa moça.

— Lanira é diferente de todas as que conheci. Franca, direta, since­ra, sabe o que quer.

— Dá para perceber que você gosta mesmo dela.

— Gosto. Gosto muito.

— Nesse caso, não perca sua chance de felicidade. Trate de con­quistá-la. Aproxime-se dela.

— Agora já posso pensar nisso.

— Não perca mais tempo. Ela tem lhes dado todo o apoio. D. Ma­ria Alice me parece pessoa de bem. Apoiou vocês durante todo o tempo. Tenho certeza de que aprovará o casamento.

— O pai dela, talvez não. É muito diferente delas.

— E político ardiloso. Conheço-o. Mas, como você disse, ela sabe o que quer. O que ele pensa não vai influenciá-la.

Guilherme colocou a mão no braço do filho dizendo contente:

— Com seu apoio, sei que vou conseguir o que pretendo. Me aju­de a conquistar a estima de Laura. O que acha que posso fazer para que me aceite?

— Conversarei com ela para perceber o que pensa. Depois veremos.

— Você deve estar com fome. Vamos almoçar agora.

Marcelo ligou para Lanira convidando-a para um chá no fim da tarde.

— Não posso. Prometi passar em casa de D. Maria Júlia.

— Vai ver Gabriel?

— Ele está bem. Vou mais por causa de Laura. Ela tem passado muito mal.

— Fui visitá-las duas vezes e só vi D. Maria Júlia. Laura nem apare­ceu. Então pensei que minha presença era-lhe desagradável. Afinal, eu pro­voquei toda esta mudança.

— Não deve ser por isso. Ela se recusa a receber qualquer pessoa. Vive triste, deprimida. D. Maria Júlia tenta tirá-la desse estado, mas tem sido inútil. Tenho estado com ela para ver se reage.

— Sei como ela está se sentindo. Durante anos senti-me triste por causa de minha orfandade e dos mistérios que me envolviam. Julgava-me injustiçado, infeliz. Tive que fazer muita força para sair dessa atitude e confesso a você que foi com a ajuda de alguns amigos que me levaram às sessões espíritas, onde pude falar com meu avô e receber a orientação dele, que reagi. Aliás, penso que foi a mão de Deus que me guiou para que a jus­tiça se cumprisse. Já falou com D. Josefa sobre o estado dela?

— Já. Ela também está tentando ajudar.

— Se eu fosse visitá-las esta tarde, acha que Laura me receberia?

— Não sei.

— De certa forma sinto-me responsável pelos sofrimentos dela. Eu provoquei a revelação dos crimes de seu pai.

— Não tem por que se sentir assim. Ela viveu toda a vida na men­tira. A verdade dói mas fortalece. Eu prefiro saber a verdade, seja qual for. Você a enfrenta, reage, fica mais forte. Viver enganada sempre aca­ba em dor.

— Gostaria de fazer alguma coisa por Laura. Seria uma forma de suavizar um pouco o golpe que fui forçado a lhe dar.

— Apareça lá hoje à tarde. Vamos ver como ela reage.

— Mais ou menos às cinco horas estarei lá. Estou com saudade de você. Depois do julgamento nunca mais saímos juntos.

— Tenho estado ocupada.

—Precisamos retomar nossos passeios.

— Vamos ver.

Despediram-se e Lanira ficou pensativa. Durante o julgamento, sentira-se o tempo todo preocupada com Gabriel. Sabia que ele estava sofrendo e por várias vezes sentira vontade de abraçá-lo, beijá-lo, dar-lhe carinho.

Comovia-a sua atitude digna, seu amor pela mãe e pela irmã, seus cui­dados para suavizar um pouco o sofrimento delas. Em nenhum momento ouviu de seus lábios palavras de vingança contra José Luís, nem revolta por ter que entregar a fortuna a Marcelo.

Agia conforme sua consciência, sem mesquinhez, disposto a traba­lhar e a sustentar a família dali para a frente. Era forte e valoroso.

Quando pensava nele, Lanira sentia um calor brando no peito e uma vontade muito forte de estar com ele, de repetir aqueles momentos que haviam vivenciado juntos. Isso seria amor? Estaria mesmo amando Gabriel?

Ele nunca mais a procurara. Agora que os motivos de seu retraimento com ela haviam sido contornados, ele voltaria a mostrar interesse?

Vendo-a arrumada, Maria Alice perguntou:

— Vai sair?

— Vou ver Laura. Quer vir?

— Combinei tomar chá com Josefa.

— Vocês agora não se largam.

— Nunca pensei que pudesse dar-me tão bem com ela. Só lamento o tempo que perdi todos esses anos.

Lanira saiu e Maria Alice apanhou a bolsa para sair. A criada apare­ceu e entregou-lhe uma carta. Assim que viu o envelope, ela estremeceu. Era igual ao da carta anônima que recebera meses antes.

Apanhou. Estava endereçada a ela. Abriu e leu:

"Enquanto você finge que não vê, seu marido leva a amante e regis­tra-a no hotel como sua esposa. Você sabia? Se duvida, telefone ao Gran­de Hotel de Punta dei Este e veja a ficha de registro. Aliás, as jóias que ela tem foram todas pagas com nosso dinheiro. Até quando vai suportar essa vergonha? Ou será que sabe e fica calada? É o que nós deduzimos ven­do que ele faz isso tudo e você continua ao lado dele como se nada fosse. Crie vergonha. Reaja! Está na hora de acabar com essa farra!!!"

Não estava assinada. Maria Alice deixou-se cair no sofá. Aquilo era demais. Tinha que tomar uma atitude. Não podia mais suportar essa situação.

Gabriel chegou em casa e procurou por Laura. Ela estava sentada no jardim tendo ao colo um livro aberto sem ler, olhos perdidos em um pon­to distante.

— Laura.


Ela o olhou e não disse nada. Gabriel sentou-se a seu lado e segurou sua mão dizendo:

— Sente-se melhor?

Ela deu de ombros e ele prosseguiu:

— Não gosto de vê-la triste, abatida. Está na hora de reagir. É pre­ciso enfrentar a verdade. Nada que fizer vai modificar os fatos que nos aconteceram.

— Não posso. Nossa vida acabou.

— Não creio. Somos jovens. Temos muitos anos para viver ainda. Po­demos fazer de nossa vida alguma coisa melhor do que tivemos até agora.

— Nossa vida era ótima antes da desgraça que se abateu sobre nós.

— Engana-se. Estávamos cegos para tudo que estava acontecendo à nossa volta, dentro de nossa própria família. Vivíamos às custas de di­nheiro roubado. Bóris dirigia nossa casa, nossos negócios, até nossas vi­das, vigiando-nos pelas costas, sem que soubéssemos. Pessoas estavam sen­do vítimas da maldade e da ambição deles. De qualquer forma, isso um dia teria que ser descoberto. Não percebe que tudo foi revelado para que nos­sa vida possa ser melhor daqui para a frente? Que agora todas as ameaças terminaram? Que mamãe pode respirar aliviada sem o peso da chantagem e das ameaças deles?

— Reconheço tudo isso. Mas e papai? Você nunca gostou dele e agora sei por quê. Mas eu sou sua filha. Ele sempre me tratou bem, nun­ca me fez mal. Depois do que vimos no tribunal, creio que ele seja um doen­te mental que precisa de ajuda. Dói pensar que ele está lá, abandonado, dopado, amarrado naquele hospital. Que quando melhorar, se melhorar, será trancado em uma prisão pelo resto da vida. Esses pensamentos me ator­mentam o tempo todo.

Gabriel colocou a mão no braço dela enquanto dizia:

— Você está confundindo as coisas. Ele está no lugar onde se colo­cou com suas próprias mãos. Durante anos ele burlou a justiça humana, mas chegou o momento em que ele colheu o resultado de suas atitudes. Acha que ele iria ficar impune? Laura! Acorde. Perceba o que está dizen­do. Claro que ele é digno de pena. Pode até ser um doente mental. Mas isso não o isenta de responder pelo que fez. Seja qual for o grau de insa­nidade que ele tem, o certo é que não pode de forma alguma ficar em li­berdade. Trata-se de um homem perigoso. Pense. Ele matou três pessoas da própria família. Prendeu mamãe com correntes de ferro e por pouco não a matou também. Acha que ele poderia ficar solto?

— Por que diz essas coisas horríveis que fui obrigada a ouvir no tri­bunal e que quero esquecer? Está sendo cruel.

— Não, Laura. Você não é uma menina fraca, mimada, incapaz. Você é uma moça cuja inteligência sempre admirei e que tem condições de enfrentar a verdade. De saber tudo como é. Isso não a impede de con­tinuar amando seu pai como sempre fez. Mas esse amor não pode impe­di-la de ver os fatos, de compreender. Ele escolheu como queria viver, você tem o direito de fazer o mesmo. Não pode permitir que o que ele fez a impeça de ser feliz, de sentir alegria novamente. Você um dia encontra­rá um homem que a ame, se casará, terá uma família. Não pode permitir que essa sombra dos atos dele a impeça de construir sua vida em paz.

Laura soluçava e Gabriel abraçou-a com força esperando que ela se­renasse. Depois disse com voz firme:

—Laura, preciso que me ajude. Mamãe tem se dedicado com amor a nós dois. Ainda agora, pensa em renunciar ao amor de sua vida com re­ceio de nos desgostar. Acha que podemos exigir-lhe esse sacrifício?

— Ela disse isso?

— Hoje estive com Guilherme... com meu pai. Tivemos uma lon­ga conversa. Ele deixou bem claro que se amam. Mamãe só não o aceitou por nossa causa. Não acho justo. Amanhã cada um de nós casa, vai embora e ela ficará só. Já pensou nisso?

— É difícil para mim aceitar outro homem no lugar de meu pai.

— Você não precisa fazer isso. Ele não pretende substituir seu pai em seu coração. Eu gostaria que o conhecesse melhor. Que concordasse que ele nos visitasse.

— Acha que mamãe quer isso?

— Acho que ela se sentiria feliz se nos aproximássemos dele um pouco mais.

— Não sei... Vou ficar inibida.

— Ele virá como uma visita. Disse-me que não vão decidir nada de suas vidas sem que nós sejamos consultados.

— Ele disse isso?

— Sim. Disse que quer ser um bom pai para mim e um bom amigo para você, protegê-la e ajudá-la a esquecer o que passou.

— Se é isso que mamãe quer, posso tentar. Mas se eu não gostar dele ela pode casar assim mesmo. Irei embora de casa e pronto.

— Não seja criança nem preconceituosa. Nem o conhece e já está criando caso.

Ela deu de ombros e ele prosseguiu:

— Você está cada dia mais magra e mais feia. Desse jeito nunca vai arranjar um marido.

Ela fez uma careta e respondeu:

— Se for para casar com algum almofadinha sem graça, prefiro ficar solteira.

— Com esses olhos vermelhos, então, parece que está de ressaca.

— Você tirou o dia para me criticar.

— Vamos entrar, você vai se arrumar um pouco. Não gosto de vê-la tão relaxada. O que é isso? Você nunca foi assim!

— Não sou relaxada, não!

— Vamos. Vou levá-la para o quarto e vai se arrumar. Lanira não virá aqui hoje?

— Não sei. Mas se soubesse não lhe diria. Está caidinho por ela.

— Estou mesmo. Se ela não vier até as quatro horas, telefono pedin­do que venha. Vamos agora.

Gabriel abraçou-a e acompanhou-a até o quarto, fazendo-a entrar:

— Veja se muda essa atitude. Afinal, somos civilizados. Estamos ma­chucados mas não destruídos. Olhe-se no espelho. Acha que pode conti­nuar assim?

Laura empurrou-o para fora e bateu a porta. Aproximou-se do es­pelho e olhou-se. Aquela moça magra, olhos encovados, sem cor, cabelos em desalinho, não se parecia em nada com a Laura que ela se orgu­lhava de ser.

Gabriel tinha razão. Ficar destruída e doente não iria ajudar em nada. Precisava reagir.

Foi ao banheiro, lavou-se, penteou-se, colocou uma maquiagem leve, perfumou-se. Depois procurou um vestido elegante e vestiu. Olhou-se no­vamente no espelho. Ainda estava um pouco pálida, mas pelo menos mais arrumada. Gabriel não poderia dizer que ela estava ficando relaxa­da. Isso, não.

Gabriel procurou a mãe, que estava sentada na sala, beijou-a na face com carinho e disse:

— Mãe, estive com meu pai.

Ela estremeceu. Olhou-o preocupada.

— Com meu verdadeiro pai — emendou ele. — Tivemos uma lon­ga conversa. Penso que chegou a hora de falarmos nesse assunto.

— O que foi que conversaram?

— Tratamos de nos conhecer melhor e falamos sobre o futuro. Ele a ama e deseja propor-lhe casamento. Perguntou-me se eu concordaria.

— O que respondeu?

— Não sou eu quem deve responder essa pergunta. Ele é meu pai. Estou aliviado por saber disso. Sinto que posso amá-lo e manter com ele estreitas relações de amizade. Mas quanto ao casamento, só você pode resolver. Ele está certo quando diz que você ainda sente por ele o mesmo amor?

— Durante toda a minha vida nunca deixei de pensar nele, de re­cordar nossos encontros e de ter saudade. Ainda agora, depois do que ele fez naquele tribunal, de sua coragem, de sua dignidade, confessando seu amor diante de todos, senti meu coração bater mais forte e uma vontade muito grande de ficar ao lado dele. Mas tenho medo.

— De quê? Ele me parece um homem de bem.

— Ele é. Mas penso em vocês. Você é filho, vai aceitar melhor, mas e Laura? Ela não vai gostar. Ainda não se refez do golpe duro que sofreu e eu não posso agora colocá-la em uma situação delicada. Talvez um dia, depois que ela se casar, eu e Guilherme possamos pensar novamente no assunto.

— Isso, não. Vocês já esperaram demais. Antes havia um casamen­to. Ele estava comprometido, porém agora está livre. Você, depois do que houve, é como se estivesse viúva. Estive conversando com Laura. Ela concordou em tentar conhecer melhor meu pai. Acho que podemos convi­dá-lo a freqüentar nossa casa.

— Tem certeza? Ela está tão deprimida... Isso não irá contribuir para que fique pior?

— Ao contrário. Ela é vaidosa, toquei-lhe os brios. A presença dele a fará reagir e se cuidar. Será até bom. Esta casa precisa de alegria. Chega de tristeza. Temos que reagir. Vou telefonar para Lanira, para que venha tomar chá hoje conosco. Posso telefonar e convidá-lo que ve­nha também?


Yüklə 1,94 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   27   28   29   30   31   32   33   34   35




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin