Sam bourne o código dos justos


ONZE SEXTA-FEIRA, 21H43, CHENNAI, ÍNDIA



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ONZE
SEXTA-FEIRA, 21H43, CHENNAI, ÍNDIA
As noites começavam a ficar mais frias. Mesmo assim, Sanjay Ramesh preferia ficar no escritório com ar-condicionado a correr o risco do calor sufocante da cidade. Esperaria até o sol se pôr inteiramente antes de dirigir-se para casa.

Assim evitaria não apenas o calor úmido, mas o fardo de ficar na varanda, como acontecia toda noite, ouvindo a mãe jogar conversa fora com as amigas, reunidas diante da casa até tarde. Ele ficava calado em tal companhia; em companhia de quase todos, na verdade. Além disso, setembro podia ser frio pelos padrões de Chennai, mas conti­nuava sendo penosamente quente e pegajoso. Ali, um hangar trans­formado em escritório de planta aberta, repleto por uma fileira atrás da outra de cubículos com isolamento acústico, as condições eram sim­plesmente adequadas. Para o que ele precisava fazer, era o ambiente perfeito.

Era um call center, um dos milhares que proliferavam em toda a índia. Quatro andares amontoados de jovens indianos recebendo tele­fonemas dos Estados Unidos ou da Grã-Bretanha, de pessoas na Filadél­fia, ansiosas para pagar a conta telefônica, ou viajantes em MacClesfield querendo conferir os horários de trem para Manchester. Poucos — ou quase ninguém — se davam conta de que seu telefonema estava sendo desviado para o outro lado do mundo.

Sanjay gostava muito de seu trabalho. Para um jovem de 18 anos que morava com a família, o dinheiro era bom. E ele podia trabalhar em turnos alternados para estudar. A grande atração, contudo, estava bem ali dentro do pequeno cubículo. Ele tinha tudo que precisava: uma cadeira, uma mesa e, o mais importante, um computador com conexão rápida com o outro lado do mundo.

Sanjay era jovem, mas um veterano da internet. Descobriu isso quan­do os dois, ele e ela, eram crianças. Havia apenas algumas centenas de sites então, talvez mil. À medida que ele foi crescendo, a internet tam­bém. A rede mundial expandiu-se como uma seqüência de números binários — 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128 —, aparentemente dobrando a cada dia que passava, até dar várias voltas ao redor do mundo. Sanjay não acompanhara esse ritmo fisicamente, claro — ao contrário, era um ra­paz franzino e magricela —, mas sentia que sua mente se equiparara. À medida que a internet crescia, ele crescia com ela, descortinando cons­tantemente novas áreas inteiras de conhecimento e curiosidade. De seu quarto na índia, viajara para o Brasil, dominara a disputada política fronteiriça de Nagorno-Karabakh, rira dos desenhos animados indonésios, contemplara o interior do mundo do entusiasta de carava­na escocês, passara os olhos pelas tabelas da liga de esgrima juvenil de Flandres e vira o que realmente motivava os cultivadores de árvores de Taipei. Não havia nenhum ramo da atividade humana proibido a ele. A internet mostrava-lhe tudo.

Inclusive as imagens que não quisera ver, aquelas que haviam iniciado o projeto que ele completara apenas 24 horas antes. Torna­ra-se um hacker tardio, começando aos 15 anos: a maioria começa­va antes da adolescência — hackeando dentro da lista de alvos da Otan, chegando a um clique de derrubar o sistema do Pentágono —, mas todas as vezes se contivera e não dera o clique final. Causar estra­gos não exercia o menor apelo para ele. Só causaria às pessoas muitos sofrimentos e, surfar pela web lhe ensinara, já havia excesso de sofri­mento no mundo.

Agora sentia uma vontade irresistível de rir, em parte por sua es­perteza, em parte pela brincadeira de mau gosto que fizera com aque­les que considerara como o inimigo. Levara meses para aperfeiçoar, mas funcionara.

Concebera um vírus benigno, capaz de espalhar-se por todos os computadores do mundo tão rapidamente quanto quaisquer das varie­dades malignas criadas por seus colegas geniozinhos, cuja finalidade os tornava, na gíria da web, crackers em vez de hackers.

Nesse momento, era mais seu método que seu objetivo que o mara­vilhava. Como a maioria dos vírus, o dele fora planejado para propa­gar-se via computadores que ficavam conectados à internet o tempo todo. Enquanto as pessoas em Hong Kong ou Hanover digitavam, en­viavam e-mails aos amigos ou faziam suas contabilidades — ou até mesmo estavam ferradas no sono —, o bebezinho de Sanjay estava den­tro da máquina delas, em ação.

Ele lhe dera um alvo para procurar e, assim como todo mundo, usa­ra o Google para encontrá-lo. Invisível ao usuário, recolhia os resultados e usava-os para compilar o que criara como uma lista de inimigos. Estes seriam os sites que sentiriam a ira do vírus. Todos eles, como quaisquer outros sites, teriam algum bug ou erro em seu software: o desafio era encontrá-lo. Para isso, os hackers (e os crackers) bolavam um conjunto de códigos, os "exploits", planejados para desencadear o erro. Isso po­deria significar enviar-lhe uma carga de dados que o software não espe­rava; mesmo um símbolo brincalhão, um ponto-e-vírgula talvez, poderia servir. Nunca se saberia até tentar. Sanjay imaginou-o como uma guerra medieval: disparar centenas de flechas contra um castelo, sabendo que apenas uma delas poderia encontrar uma brecha na pedra e atravessar.

Cada castelo teria uma abertura diferente nas defesas, uma fraqueza di­ferente. Mas se sua lista de possibilidades fosse longa o suficiente, acabaria por encontrá-la. E assim que a encontrasse, derrubaria o site e o servidor que o hospedava. Desapareciam assim, sem maiores esforços.

E esses sites certamente mereciam desaparecer. Mas Sanjay levara sua guerra contra eles um estágio além. A maioria dos hackers arma­zenava sua lista num único servidor, em geral num "país bandido" da internet, um lugar fora do alcance dos reguladores. A Romênia e a Rússia eram os países favoritos. Esse método trazia consigo uma fra­queza fatal, contudo: assim que os sites percebiam a origem do fogo inimigo, podiam simplesmente bloquear o acesso ao servidor em ques­tão de segundos. E os ataques cessariam.

Sanjay encontrara uma solução. O vírus que criara pegaria seu ar­senal de várias fontes e transportaria ele próprio parte dessa carga útil. Melhor ainda, programara-o para recuperar dados extras de vez em quando, para aperfeiçoar-se. Criara uma espécie de mágico capaz de renovar constantemente sua cartola de truques. E criar era a palavra certa, pois Sanjay sentia que concebera uma criatura viva. Em lingua­gem técnica, era um "algoritmo genético", uma peça de codificação capaz de mudar. Evoluir.

O vírus de Sanjay alteraria sua lista, até seu método de proliferação — às vezes por e-mail, às vezes por bulletins board, às vezes por brechas nos softwares de navegação —, enquanto se propagava pelo universo infinito da internet. Desse modo, o vírus se reproduziria, mas seus "fi­lhotes" não seriam idênticos ao original nem uns aos outros. Iriam mutar pegando novos dados e novos modos de propagação de fontes em todo o mundo virtual. Algumas dessas fontes seriam servidores nas terras sem lei do leste europeu, algumas seriam encontradas rastreando bulletins board — onde as pessoas discutiriam como evitar os truques que o próprio Sanjay estava espalhando. Sentia orgulho de sua cria­ção, viajando por todo o globo, sofrendo mutações e aperfeiçoando-se de um milhão de maneiras diferentes — e tornando-se, por causa dis­so, quase impossível de ser detectado e eliminado. Mesmo que ele nunca mais pudesse colocar as mãos em um computador, sua proliferação continuaria sem a ajuda dele. Ainda adolescente, sentia orgulho de pai, ou melhor, de tataravô — fundador de uma imensa dinastia. Sua prole estava em toda parte.

E envolvida numa causa nobre. Rastreando os resultados agora, ele pôde ver que estabelecera os parâmetros de forma suficientemente es­treita para que apenas os sites-alvos entrassem em colapso. Em ques­tão de horas, cada uma das páginas do mundo dedicada à pornografia infantil se dissolveria. Sanjay ria, porque via que o comando final que programara para o vírus também passara a surtir efeito. Cada um dos sites que antes exibia imagens violentas e pornográficas de crianças era agora substituído por uma única imagem: um desenho da década de 1950, ao estilo de Norman Rockwell, de um filho no joelho da mãe. Em­baixo, uma simples mensagem de quatro palavras: Leia para seus filhos.

Sanjay voltou para casa, sorrindo feliz de sua brincadeira — e rea­lização. Ninguém precisava saber o que fizera; ele sabia — e isso basta­va. O mundo seria um lugar melhor.

Mesmo à noite, Chennai era uma cidade barulhenta, tão agitada quanto havia sido no tempo em que se chamava Madras. Talvez por isso, e pelo fato de sua mente estar a mil por hora, não tenha ouvido os passos atrás de si. Talvez por isso tenha ouvido e não tenha desconfia­do de nada até descer o beco lateral para sua casa, quando sentiu um lenço sobre a boca e ouviu seus próprios gritos abafados. Teve uma sen­sação aguda e perfurante no lado do braço — e depois uma zonza e escorregadia queda para o sono.

Quando a Sra. Ramesh encontrou o único filho morto no chão, gri­tou o bastante para ser ouvida a três ruas de distância. Não lhe deu alívio algum saber que seu menino — que sonhara em um dia fazer coisas "pelas crianças" e fora assassinado antes que tivesse uma chance — fora morto por uma injeção aparentemente indolor. A polícia admitiu es­tar perplexa com o assassinato; jamais vira nada igual àquilo antes. Sem sinal algum de violência nem, queira Deus, abuso sexual. E a estranha posição do corpo. Como se houvesse sido tratado com cuidado.

— Deitado para descansar — fora como o policial descrevera. — Isso deve querer dizer alguma coisa, Sra. Ramesh — acrescentara. — O corpo do seu filho foi envolto numa manta púrpura. E, como todo mundo sabe, púrpura é a cor dos príncipes.


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