Susan ronald



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1522-1578
Dom Manuel sem dúvida estava ciente de que possuía o grande diamante do duque Carlos. Como ele descobriu que o maior diamante de sua coleção fabulosa pertenceu ao grande guerreiro Carlos, o Temerário, nunca podere­mos saber. A fonte de informação mais provável não era Jacob Fugger, que viveu mais quatro anos após a morte do rei português, mas os mercadores portugueses residentes em Antuérpia. Embora as fofocas e a conversa fiada se espalhassem mais lentamente no século XVI do que hoje, eram mais per­versas e freqüentemente tomadas por fatos, não diluídas por informações variadas em um fluxo interminável de notícias. À época de sua morte, em 1521, dom Manuel pôde se consolar com o conhecimento de que o todo-poderoso diamante de Carlos trilhou seu caminho até suas mãos. Infeliz­mente para Manuel, o sigilo que cercava sua compra significava que ele não poderia anunciar a origem de seu grande diamante sem arriscar incorrer na cólera de seu legítimo herdeiro, o Sacro Imperador Romano. Mas, como ti­nha acontecido com Carlos, o Temerário, esse conhecimento deve ter em­balado o supersticioso e extravagante rei em uma falsa sensação de segurança — acreditando que enquanto o diamante permanecesse na coleção de jóias da coroa, a sorte dele e de Portugal estava a salvo.

Mas Portugal não estava a salvo. A disseminação do luteranismo e a luta religiosa por ele provocada se tornaram focos de tremenda inquietação e engendraram um novo tipo de guerra continental. Na península italiana, a Renascença na arte e na arquitetura comandada por Da Vinci e Michelangelo e financiada por grandes líderes comerciais como os Médici, Strozzi e Bórgia ganhava importância e influência. O sultão turco Suleimã, o Magnífico, es­tava batendo às portas de Viena em sua própria guerra santa. Guerras reli­giosas e casamentos continuaram a modificar a configuração geopolítica da Europa, com novas idéias e o surgimento de monarcas mais poderosos. O filho de dom Manuel, João III, pretendeu governar com os sonhos portu­gueses de um império ultramarino da mesma forma que seu pai, ignorando a falta de influência na Europa.

Independentemente disso, Portugal continuava a ser um grande alvo para qualquer governante que pudesse legitimar um direito a seu trono. Por fim, foi Carlos V (1500-1558), o último monarca europeu que aspiraria a unir o continente europeu em uma única nação sob seu comando, quem reivindi­cou Portugal ao desposar a irmã de João III e filha de dom Manuel, Isabel, em 1526. Carlos, como seu bisavô paterno Carlos, o Temerário, acreditava ser seu destino cumprir o grandioso desígnio borgonhês de dominar as ques­tões européias. Para ele, a aquisição do "maior diamante da cristandade" ou de qualquer das impressionantes jóias de seu bisavô seria vista como uma "prova" de que seu desejo era abençoado por Deus.

Sua luta por poder o colocou em confronto direto com Francisco I (1494-1547), rei da França, e é possível dizer com segurança que o período em que seus governos coincidiram foi pontuado por apenas curtos períodos de paz. Sua rivalidade começou quando Francisco perdeu para Carlos a eleição de Sacro Imperador Romano após a morte de Maximiliano — uma eleição per­dida em função da fenomenal contribuição de campanha de 544 mil florins holandeses (44 milhões de dólares ou 27,5 milhões de libras, em valores de hoje) feita pelo dono anterior do Sancy, Jacob Fugger, de um total estontean­te de 852 mil florins holandeses (68,9 milhões de dólares ou 43,1 milhões de libras, em valores de hoje) gastos. Acabou com Carlos aprisionando Francis­co durante anos e depois arrancando dele termos custosos, exigindo com sucesso que ele entregasse metade da França e seus filhos menores para que cumprissem seus próprios períodos de encarceramento.

Outros novos e poderosos governantes também ouviram boatos de que as jóias do duque Carlos estavam reaparecendo, e deram início à sua própria luta para encontrar e se apossar dessas gemas. O terceiro poderoso governante europeu a disputar poder com Carlos e Francisco I da França era Henrique VIII da Inglaterra (1491-1547), também um ávido amante de pedras precio­sas. Henrique, mais lembrado por seus casamentos desastrosos, também acre­ditava na importância de uma marinha, e acompanhou com agudo interesse a colonização da índia pelos portugueses. O agente financeiro de Henrique em Antuérpia, Stephen Vaughan, sabia tudo o que havia para saber sobre co­mércio, e era um especialista no mercado de jóias. Ele freqüentemente peca­va por "administrar notícias" relativas aos insistentes boatos acerca do grande diamante de Carlos, bem como de outras grandes pedras, e seu fluxo de in­formações para Henrique normalmente era condicionado à capacidade de pagamento do rei.

Apesar de todas as mudanças ao longo da Europa na década de 1520, Antuérpia e Flandres mantinham seu monopólio como centros de comércio e, portanto, conhecimento e insinuação comercial. Antuérpia também pros­perou com a entrada em cena de Henrique. Seus casamentos, suas guerras e suas escaramuças iriam inflamar as indústrias naval, de ferro, madeira e co­bre, e seu gosto por opulência e esposas criaria uma indústria de roupas de luxo e jóias como o mundo jamais havia visto.

Henrique VIII era uma verdadeira usina de força, ambicionando a glória européia por intermédio da conquista. Ele tinha muito em comum com o monarca português. Portugal era o principal aliado da Inglaterra havia cente­nas de anos quando Henrique ascendeu ao trono em 1509, e a talassocracia de Portugal era invejada pela maioria das nações, especialmente a Inglaterra. Henrique era casado com a cunhada de dom Manuel, Catarina de Aragão, e possivelmente poderia, nas circunstâncias certas, figurar na linha de suces­são ao trono espanhol. Acima de tudo, Henrique Tudor assemelhava-se a dom

Manuel em sua ostentação e crueldade para conseguir o que queria. Henrique dava ordens de modo que qualquer coisa que os portugueses fizessem, Henrique faria melhor. Seu maior desafio se deu quando ordenou a forma­ção na marinha inglesa, que, diferentemente de todos os outros países além de Portugal, seria uma marinha permanente para a defesa do reino.

À medida que as relações com a França se deterioravam em 1513, o em­baixador veneziano escreveu para os doges: "O novo rei [Henrique VIII] tem 18 anos de idade, um rei valoroso e muito hostil à França. (...) acredita-se que ele indubitavelmente invadirá a França." Enormes fortificações costei­ras foram construídas em Portsmouth e Dover. À disposição de Henrique estavam os maiores e mais bem armados navios da época, o Mary Rose e o Peter Pomegranate, construídos três anos antes para invadir a França e recla­mar a coroa francesa para a Inglaterra.

Henrique também era um grande admirador de Jacob Fugger e de seus mecanismos de coleta de informações. Enquanto Portugal não parecia se importar com o que seus vizinhos europeus faziam, Henrique, como Fugger, estava plenamente consciente de que informação é poder. Como não havia embaixadas permanentes da Inglaterra no exterior, com exceção de Paris, Henrique imitou o exemplo de Fugger e estabeleceu uma rede primitiva de espiões para ajudá-lo a ganhar vantagem.

Com a morte de dom Manuel em 1522, Henrique sabia que diamantes dos postos comerciais portugueses ao longo da costa malabar da Índia tinham chegado em grande número a Antuérpia para venda, e comprou não apenas diamantes, mas também outras pedras preciosas em. abundância. Enquanto isso, os venezianos restabeleceram suas ligações comerciais com alguns mer­cadores árabes que tinham sobrevivido ao massacre português e estavam novamente incursionando no mercado de jóias de Antuérpia. A proliferação de pedras preciosas significava não apenas que havia um número maior à disposição para venda, mas também que um maior número de pessoas podia usá-las.

Diamantes, rubis, safiras e pérolas eram agora usados por todos os no­bres da Europa, com alguns membros das classes mercantis também come­çando a usar pedras preciosas, apesar de antigas leis por todo o continente proibindo essa prática por plebeus. Jóias e joalheria eram varridas pela maré da Renascença italiana. Brincos eram decorados com pedras e colares de ouro e pedras preciosas indicavam o grau de nobreza e prestígio real. Gargantilhas e colares eram usados junto ao pescoço, braceletes de ouro e pedras precio­sas no pulso. Correntes de ouro, pingentes e cruzes adornadas também en­feitavam o pescoço. O tablet, uma parte fundamental da vestimenta da corte, para ser usado na cintura da dama como uma jóia de duas faces com abertura projetada para revelar seu conteúdo (normalmente um retrato em miniatu­ra), também poderia ser usado na garganta ou no peito. Henrique VIII enco­mendou monogramas com sua inicial e as de suas esposas; eram jóias com a ponta do diamante voltada para fora de modo a permitir que quem a usava escrevesse mensagens secretas com ela. Elas se tornaram a coqueluche entre os ricos. A iconografia religiosa era tão comum quanto na época do duque Carlos, e nos inventários as jóias distinguiam-se como adornos "seculares" ou "religiosos".

Qalquer um sabia que o caminho para o coração de Henrique — ou, de fato, para qualquer outro monarca europeu — era dar a ele jóias. E quando as boas relações retrocediam, o mesmo ocorria com as jóias. Quando o car­deal Wolsey caiu em desgraça em 1530 e foi enviado por Henrique à Torre de Londres para morrer, o rei não descuidou de se apropriar das jóias do car­deal, como fizera com aquelas de sua primeira rainha, Catarina de Aragão.

Em 1520, quando Henrique se encontrou com Francisco I no Campo do Velo de Ouro para negociar a paz, sua ostentação de jóias causou uma enor­me perturbação. Entre 1527 e 1530 Henrique continuou gastando somas fenomenais em jóias — cerca de 10.801 libras (7,9 milhões de dólares ou 4,9 milhões de libras, em valores de hoje). No segundo encontro de Henrique com o rei francês, em 1532, Francisco não seria ofuscado, e chegou mesmo a levar um grande diamante para a nova e sensual rainha de Henrique, Ana Bolena.

Esse crescimento abrupto na venda de jóias na Inglaterra, bem como no restante da Europa, aumentou a pressão sobre Portugal, com outras coroas tramando deter ou dominar a exportação de jóias da Índia. Essa cobiça real logo iria colocar pressão política e econômica na busca dos monarcas euro­peus e de suas classes nobres por gemas.

Como os portugueses, Henrique não conseguiu todos os seus bens por meios lícitos. Quando sua discussão com o papa Clemente acerca da "gran­de questão do rei", como seu divórcio de Catarina de Aragão ficou conheci­do, alcançou proporções épicas, o bombástico Henrique decretou que a autoridade papal deixava de existir na Inglaterra e que o rei passava a ser o chefe da Igreja lá. Thomas Cromwell, que era o guardião da casa de jóias desde 1532, concebeu e projetou a provocativa e efetiva dissolução dos mos­teiros e garantiu que os tesouros da Igreja fossem "adquiridos" pela coroa. Um volume estimado em 289.786 onças de prataria e jóias foi pilhado e apro­ximadamente um sexto enviado diretamente para a casa de jóias real para ser recomposto em jóias, com o restante indo para a casa da moeda para cunhagem. Como freqüentemente se conta, Henrique VIII não se detinha por nada para atingir seus objetivos.

Os boatos de que a coroa de Portugal obtivera algumas das notórias e fabulosas jóias do duque Carlos continuaram a surgir ao longo dos anos, e, a cada vez que chegavam aos ouvidos de Henrique, ele ordenava que Stephen Vaughan descobrisse mais. Henrique simplesmente queria as maiores e mais importantes gemas para que todos vissem que ele era o maior monarca vivo. Ele sabia que, não importa o que tivesse passado para a posse da coroa portu­guesa, estava fora de alcance, pelo menos enquanto ele precisasse de Portu­gal como aliado, mas se houvesse outras grandes gemas históricas à disposição, ele as queria.

Em algum momento no início da década de 1540, Vaughan recebeu a informação de que os Fugger tinham estado intimamente envolvidos na venda de algumas jóias do duque. Quando ele transmitiu as notícias a Henrique, recebeu ordens de questionar Anton Fugger, sobrinho de Jacob então encar­regado da grande casa bancária mercantil, sobre a veracidade dos boatos. Vaughan e Henrique não se decepcionaram com a resposta de Anton. Foi confirmado que Jacob havia de fato obtido algumas das grandes jóias do duque Carlos, mas que algumas delas tinham sido negociadas ou vendidas para ou­tros monarcas desde a época da compra.

Mas o poder de compra de Henrique tornou-se limitado em função de seus gastos pródigos em guerras contra a França. Isso foi obliterado pelo fato de que um grande número de jóias confiscadas da Igreja tinha chegado aos cofres reais como resultado da dissolução dos mosteiros em 1547, o último ano de seu reinado. Mesmo assim, Henrique continuava obcecado com as grandes jóias do duque Carlos. Os Fugger permaneceram em silêncio acerca do preciso paradeiro do grande diamante e da Balle de Flandres (o Sancy), mas Henrique deve ter suposto, como tinham feito dom Manuel e seu filho João III, que ele estava então abrigado na coroa portuguesa.

Henrique comprou muitas jóias dos Fugger ao longo dos anos, e outras foram oferecidas a ele por vários mercadores de Antuérpia, incluindo um mercador florentino, Jasper Duchy — um homem descrito por Vaughan como "inconstante", o que hoje significaria que ele era um aproveitador. Duchy era um homem próximo ao poder mas que nunca chegou a ter a credibilidade ou a posição de um ator principal. Quando, em 1547, como intermediário dos Fugger, Duchy tentou vender a Henrique diamantes no valor de 50 mil florins (4 milhões de dólares ou 2,5 milhões de libras, em valores de hoje), Anton Fugger escreveu a Duchy uma carta sarcástica acerca da comissão que ele propunha:


Sobre os 3 mil florins que você pede, além dos 5 mil florins de gratificação que Guido Horl, da parte do comprador, prometeu pagar, eu penso que os 5 mil são mais do que suficientes, e que você deveria se queixar de sua própria liberalidade ao deixar tudo para o rei da Inglaterra. (...) Estou certo de que o rei de bom grado pagaria de 12% a 13% de juros para as jóias e o dinheiro, como antes, e como ele negociou com outros.
Duchy, ao que parecia, também estava a soldo de Carlos V, e pode muito bem ter sido um espião para o Sacro Imperador Romano. Henrique muito provavelmente sabia disso, mas precisava de agentes que se comunicassem diretamente com Carlos em questões financeiras, já que a fundamental An­tuérpia ainda estava nos domínios de Carlos. Mesmo que Henrique quises­se transferir dinheiro de Antuérpia para seus próprios domínios em Boulogne e Calais, precisaria de uma licença do regente da Holanda. De fato, Vaughan escreveu para Henrique em fevereiro de 1546 dizendo que ele e Duchy "con­sideram adequado relembrar a sua alteza que escreva para a dama regente pedindo licença, caso seus agentes consigam algum dinheiro aqui, para enviar 200 mil coroas para Calais ou Boulogne".

Em outras palavras, quem quisesse movimentar seu dinheiro através de Antuérpia até possessões inglesas, precisaria assegurar um salvo-conduto para Carlos e seus navios através do Canal. Esse casamento de interesse econô­mico com interesse político tinha se tornado comum, e monarcas estavam diretamente envolvidos em médias e grandes transações. As negociações co­merciais freqüentemente se misturavam à correspondência política, como pode ser visto em outra das cartas de Vaughan para Henrique, de 1o de feve­reiro de 1546:


Desde o retorno de Jasper Duchy da corte do imperador, eu recebi sua pro­messa de servir ao senhor. Estive em contato com Duchy para saber se ele poderia servi-lo com 40 mil libras em dinheiro vivo, contra compromissos como aqueles oferecidos ao Fugger. (...) O Fugger que recentemente empres­tou ao senhor os 100 mil florins irá emprestar mais 30 mil florins em dinhei­ro vivo com 10 mil florins em fustão [veludo de algodão] por seu preço atual na Inglaterra, pelos juros que o senhor estiver disposto a pagar. (...) Duchy se oferece para servi-lo a partir do próximo verão por seis meses (...) com 100 mil coroas mensais com o compromisso de Londres, se o senhor além disso ficar com uma jóia que ele estima em 100 mil coroas [8,1 milhões de dólares ou 5,1 milhões de libras, em valores de hoje].
Enquanto essa luta pelo poder se desenrolava entre Carlos, Francisco I e Henrique, o papel de João III de Portugal era uma mera nota de rodapé no contexto europeu, enquanto ele exigia taxas justas em Antuérpia e audiências com os três monarcas poderosos para melhor tratamento aos cidadãos portugueses em seus países. Embora João houvesse expandido o império na década de 1530, ele não tinha um exército com o qual pudesse contar para sua defesa na Europa, e, em momentos de dificuldade, apelava para sua anti­ga aliança com a Inglaterra ou a Espanha.

Em 1547, Henrique esteve envolvido em diversos atos de pirataria contra portugueses e espanhóis, mas isto precisa ser compreendido no contexto de meados do século XVI, uma época particularmente difícil. Em todo o conti­nente havia fome, provocada por um inverno inclemente, guerras e precários canais de distribuição de bens. A ascensão do protestantismo tornava-se mili­tante, levando a conflitos em muitas cidades. Carlos V tinha decidido, junta­mente com o papa, derrotar os heréticos luteranos e calvinistas com uma força armada de trinta mil mercenários italianos e dez mil soldados de elite espa­nhóis. Isto significava que havia muito pouca comida em circulação, e a Ingla­terra estava utilizando sua recém-criada força naval na Europa para alimentar a si mesma. Stephen Vaughan escreveu de Antuérpia para Henrique em julho de 1546, com base na informação que havia recebido de Jasper Duchy, de que "os Fugger, que vivem em Augsbug, foram muito ameaçados pelos habitantes por emprestarem dinheiro para o imperador". A idéia de que menos deveria ser gasto na opulência da corte e mais em víveres para a sobrevivência parece jamais haver sido considerada por qualquer dos monarcas.

Parecia que Duchy estava então comerciando com João III regularmente de Antuérpia, e naquele preciso momento começara a oferecer algumas pe­dras preciosas de qualidade e tamanho notáveis. Duchy tentou oferecer al­gumas diretamente a Henrique, mas foi impedido de fechar acordos satisfatoriamente pelo sempre vigilante Vaughan. Ainda assim, um dos cli­entes de Duchy, Juan Carolo, abordou Vaughan com uma gema marcante em um incidente que Vaughan descreveu a Paget, ministro de Henrique:
Jantei ontem com John Carolo, que me mostrou, entre outras boas jóias, um diamante em lapidação mesa engastado em uma polegada de ouro pouco menor que o papel desenhado do outro lado [ilustrado como sendo de 1 po­legada por V4 de polegada de tamanho] que penso ser do melhor tipo que se pode encontrar. Se a espessura corresponder ao comprimento e à largura, seria uma jóia de preço impressionante. Ele [Carolo] o avalia em 40 mil coroas [3,2 milhões de dólares ou 2 milhões de libras, em valores de hoje]. Ele tem uma grande e impecável pérola oriental redonda pendendo dele. (...) Eu não escreverei a Sua Majestade Real sobre a grandeza desse diamante.
Havia dois motivos para a relutância de Vaughan em contar a Henrique sobre o diamante. Primeiramente, o rei precisava de dinheiro, não de jóias, para alimentar seu país. Em segundo lugar, Henrique ainda estava desesperadamente procurando pelas poderosas jóias de Carlos, e este grande diamante mesa, cuja descrição o assemelha notavelmente ao Espelho de Portugal — que bem poderia ter sido parte da coleção do duque Carlos em determinado mo­mento e depois partilhado um destino comum com o Sancy —, certamente teria atraído o cobiçoso rei além do bom senso. Carolo estava desesperado para se livrar da pedra, apenas porque ela foi dada a ele inesperadamente em paga­mento por grãos e, de acordo com o Calendar of State Papers, "por pagamentos em dinheiro para o agente de Portugal por especiarias".

Se essa gema de fato era o Espelho de Portugal nós nunca saberemos, mas ela apareceu no mercado ao mesmo tempo que outro fabuloso diaman­te, que tinha sido avaliado em 100 mil ducados, e que Vaughan descreveu ao ministro Paget de Henrique como "um grande diamante ogival engastado juntamente com outros diamantes ogivais como uma rosa". Poderia este ser o Sancy? E possível, já que os proprietários estavam constantemente mudando o desenho de suas jóias. Se era, Vaughan estava certo de ter escondido de Henrique a venda potencial da pedra, que mal poderia dar conta da compra. Da mesma forma, é perfeitamente possível que as duas pedras fossem da coroa portuguesa, que na época estava reduzida a pagar por víveres com jóias em­penhadas devido a sua fraca administração fiscal do império do país e dos enormes gastos. Em qualquer dos casos, nenhuma das jóias foi vendida a Henrique ou a qualquer outro monarca, e ambas desapareceram novamente no tesouro português.

O rei João reagiu à tensa situação religiosa e política preservando zelosa­mente a ortodoxia católica como uma forma de conter a crescente doutrina luterana, e reinstalou a Inquisição portuguesa. Embora ela tivesse sido insti­tuída já em 1536, apenas em 1548 foi colocada sob o comando fanático do perverso irmão de João, o cardeal Henrique (mais tarde rei Henrique). Em 1555, os jesuítas fundaram a faculdade de artes da Universidade de Coimbra e o domínio jesuíta na educação portuguesa seria absoluto por séculos. A influência jesuítica também dominava as colônias, com uma devoção messiânica à conversão das populações indígenas "pagãs".

As colheitas ruins, o êxodo rural e outros indícios de decadência nacio­nal dominavam o final do reinado de João. As respostas de João a todas as calamidades que se abateram sobre ele foram aumentar a utilização de escravos africanos e ignorar suas dívidas. Mas as dívidas aumentaram muito além de seus meios de pagamento e muitas de suas mais estimadas jóias mais uma vez encontraram seu caminho informal para penhor no mercado de Antuérpia.

Portugal escorregara ladeira abaixo, enquanto a próxima potência eco­nômica mundial, a Inglaterra — apesar de sua dívida —, continuava a subir. Henrique, um confuso "convertido" religioso que pensava ter permanecido católico mas que outras nações viam como protestante, era supersticioso, como todos em sua época. Suas pedras preciosas, e particularmente seus diamantes, eram sua "apólice de seguro" contra a perda de autoridade. E essa crença por sua vez inflamava a busca pelas onipotentes gemas de Carlos. Apesar de todos os seus esforços, Vaughan não foi inteiramente bem-sucedido em proteger Henrique de sua própria cobiça.

Quando os Fugger "relutantemente" anunciaram que ainda tinham os Três Irmãos — a jóia feita por Carlos, o Bom, com três rubis-balache perfei­tamente idênticos colocados sem fundo ao redor de um diamante de ponta, com três pérolas redondas entre os rubis e uma quarta pérola como um pingente —, Henrique simplesmente tinha de ficar com ela. Na época, ele devia aos Fugger um volume de dinheiro astronômico — bem mais de 200 mil florins (16,2 milhões de dólares ou 10,1 milhões de libras, em valores de hoje).

Os Fugger se mostraram inflexíveis, insistindo em que alguma parcela disso precisava ser quitada antes que fizessem negócio com Henrique. Rapidamen­te, Henrique determinou que valores devidos aos Fugger teriam precedên­cia sobre pagamentos a outros mercadores.

No final, a caça de Henrique às grandes jóias de Carlos terminou com seu filho e herdeiro Eduardo VI, aos 14 anos de idade, concluindo a aquisi­ção dos Três Irmãos em 1553. A anotação inofensiva nos documentos oficiais de Eduardo diz: "Para os Fugger, 26.700 libras (a serem pagas em 15 de no­vembro de 1552). Para os Fugger, 20 mil libras; juros de 1.400 libras total, a pagar em 15 de fevereiro de 1553. Para os Fugger — 24 mil libras; juros 2.360 libras — total 27.352.13.4 [sic] a pagar em 15 de agosto de 1553."

Carlos V se recolheu a um mosteiro na Espanha em 1556, tendo lutado e conquistado o domínio sobre a maior parte da Europa ocidental, incluindo toda a atual Alemanha, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, grande parte do norte da Itália, incluindo o ducado de Milão, o reino de Nápoles (que representava a maior parte do sul da Itália), a Hungria, regiões da França e, claro, a Espanha. Ele combateu onda após onda de luteranos e calvinistas convertidos ao protestantismo em suas províncias alemãs a um alto custo de vidas humanas e fundos, com pequeno sucesso. Tornou-se velho e cansado e se preparou para deixar seu império para seu filho e herdeiro, o futuro Felipe II. Em 1555 a Paz Religiosa foi assinada em Augsburg, decretando que a religião do governante seria partilhada no futuro por seus súditos, a despeito do fato de que muitos de seus príncipes súditos eram agora calvinistas ou luteranos.

Naquele mesmo ano, aos 27 anos de idade, o príncipe Felipe recebeu honrarias em todo o Sacro Império Romano, inclusive nos Estados protestantes rebeldes, como herdeiro de Carlos, em uma miríade de cerimônias de su­prema pompa promovidas pelo próprio imperador como um exercício de propaganda para convencer seus súditos do poder absoluto de seu filho so­bre eles. Para assegurar sua lealdade, Felipe permaneceu na Holanda pelos quatro anos seguintes, governando pessoalmente. Afinal, Antuérpia — e agora Amsterdã — eram os centros financeiros mais importantes da Europa. Além disso, Antuérpia era o principal porto a partir do qual o ouro e a prata da

América do Sul eram distribuídos. Felipe literalmente não podia arcar com súditos rebeldes na região.

Em 1578, a balança de poder e império pendeu de Portugal para a Espanha, com Inglaterra e França nos calcanhares uma da outra. O Sancy permaneceu por mais de setenta anos nas mãos da Casa de Avis e foi fundamental para a suposta invencibilidade do monarca reinante. Nos dois anos seguintes, ele se tornaria um dos mais importantes instrumentos financeiros nos problemas pan- europeus que estiveram fermentando nos cinqüenta anos anteriores — cobi­çado por Elizabeth I da Inglaterra e usado por Henrique III da França.


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No coração da luta pelo poder



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