Tempos modernos tempos de sociologia helena bomeny


Cidadania: na página 305. Cidadania regulada



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Cidadania: na página 305.
Cidadania regulada: na página 311.
Constituição: na página 300.
Direitos civis: na seção Conceitos sociológicos, página 367.
Direitos políticos: na seção Conceitos sociológicos, página 367.
Direitos sociais: na seção Conceitos sociológicos, página 367.
Iniciativa popular: na página 309.

Sessão de cinema



Tempo de resistência

Brasil, 2003, 115 min. Direção de André Ristum.



Sombumbo Filmes

O filme mostra o depoimento de cerca de 30 pessoas envolvidas na resistência à ditadura e imagens de arquivos. Conta a história desse período, que se estendeu por mais de 20 anos. Além de informar, tem uma mensagem dirigida aos jovens eleitores do Brasil.

Vlado – 30 anos depois

Brasil, 2005, 90 min. Direção de João Batista de Andrade.



Europa Filmes

Elaborado com base em depoimentos de pessoas que conviveram com Vladimir Herzog, jornalista que, segundo informações da polícia, teria se suicidado após prestar depoimento ao DOI-Codi em 25 de outubro de 1975. Conta sua história desde a infância, na Iugoslávia, passando pela fuga, com a família judaica, da perseguição nazista, até sua posse como diretor de jornalismo na TV Cultura de São Paulo e a perseguição sofrida durante o Regime Militar.
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Construindo seus conhecimentos



MONITORANDO A APRENDIZAGEM

1. Leia, atentamente, o fragmento do discurso proferido pelo presidente da Assembleia Constituinte – Ulysses Guimarães – em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Brasileira.

[...]


Tem significado de diagnóstico a Constituição ter alargado o exercício da democracia, em participativa além de representativa. É o clarim da soberania popular e direta, tocando no umbral da Constituição, para ordenar o avanço no campo das necessidades sociais.

O povo passou a ter a iniciativa de leis. Mais do que isso, o povo é o superlegislador, habilitado a rejeitar, pelo referendo, projetos aprovados pelo Parlamento.

A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos. Do Presidente da República ao Prefeito, do Senador ao Vereador.

A moral é o cerne da Pátria.

A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam.

Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.

Pela Constituição, os cidadãos são poderosos e vigilantes agentes da fiscalização, através do mandado de segurança coletivo; do direito de receber informações dos órgãos públicos, da prerrogativa de petição aos poderes públicos, em defesa de direitos contra ilegalidade ou abuso de poder; da obtenção de certidões para defesa de direitos; da ação popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão, para anular ato lesivo ao patrimônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, isento de custas judiciais; da fiscalização das contas dos Municípios por parte do contribuinte; podem peticionar, reclamar, representar ou apresentar queixas junto às comissões das Casas do Congresso Nacional; qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato são partes legítimas e poderão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União, do Estado ou do Município. A gratuidade facilita a efetividade dessa fiscalização.

A exposição panorâmica da lei fundamental que hoje passa a reger a Nação permite conceituá-la, sinoticamente, como a [...] Constituição cidadã [...].

GUIMARÃES, Ulysses. Discurso proferido na sessão de 5 de outubro de 1988. Câmara dos Deputados. Escrevendo a História – Série Brasileira. Disponível em: . Acesso em: maio 2016.

a) Ouvimos diariamente que a democracia depende da participação dos cidadãos. De acordo com o documento que você acabou de ler, quais são os caminhos práticos que a Constituição de 1988 abriu para uma “democracia participativa, além de representativa”?

b) A caracterização da Constituição de 1988 como “Constituição Cidadã” advém, entre outros aspectos, do fato de ela ter garantido o direito à iniciativa de leis: “O povo é o superlegislador”. Após pesquisar na biblioteca ou na internet, cite algumas leis brasileiras promulgadas a partir de 1988 que tiveram origem na iniciativa popular.

2. Você aprendeu que a cidadania se refere a um conjunto de direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito no ambiente social em que vive. Cite exemplos de direitos e deveres civis, políticos e sociais.

3. Defina o que é um regime político autoritário e um regime político democrático. Cite exemplos atuais ou históricos desses dois tipos de regime.

4. Explique o que é a “cidadania regulada”.
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DE OLHO NO ENEM

1. (Enem 2014)

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) reuniu representantes de comissões estaduais e de várias instituições para apresentar um balanço dos trabalhos feitos e assinar termos de cooperação com quatro organizações. O coordenador da CNV estima que, até o momento, a comissão examinou, “por baixo”, cerca de 30 milhões de páginas de documentos e fez centenas de entrevistas.

Disponível em: www.jb.com.br. Acesso em: 2 mar. 2013 (adaptado).

A notícia descreve uma iniciativa do Estado que resultou da ação de diversos movimentos sociais no Brasil diante de eventos ocorridos entre 1964 e 1988. O objetivo dessa iniciativa é



(A) anular a anistia concedida aos chefes militares.
(B) rever as condenações judiciais aos presos políticos.
(C) perdoar os crimes atribuídos aos militantes esquerdistas.
(D) comprovar o apoio da sociedade aos golpistas anticomunistas.
(E) esclarecer as circunstâncias de violações aos direitos humanos.

2. (Enem 2012)

Diante dessas inconsistências e de outras que ainda preocupam a opinião pública, nós, jornalistas, estamos encaminhando este documento ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, para que o entregue à Justiça; e da Justiça esperamos a realização de novas diligências capazes de levar à completa elucidação desses fatos e de outros que porventura vierem a ser levantados.

Em nome da verdade. O Estado de São Paulo, 3 fev. 1976. In: FILHO, I. A. Brasil, 500 anos em documentos. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.

A morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida durante o regime militar, em 1975, levou a medidas como o abaixo-assinado feito por profissionais da imprensa de São Paulo. A análise dessa medida tomada indica a



(A) certeza do cumprimento das leis.
(B) superação do governo de exceção.
(C) violência dos terroristas de esquerda.
(D) punição dos torturadores da polícia.
(E) expectativa da investigação dos culpados.

3. (Enem 2011)

Na década de 1990, os movimentos sociais camponeses e as ONGs tiveram destaque, ao lado de outros sujeitos coletivos. Na sociedade brasileira, a ação dos movimentos sociais vem construindo lentamente um conjunto de práticas democráticas no interior das escolas, das comunidades, dos grupos organizados e na interface da sociedade civil com o Estado. O diálogo, o confronto e o conflito têm sido os motores de construção democrática.

SOUZA, M. A. Movimentos sociais no Brasil contemporâneo: participação e possibilidades das práticas democráticas. Disponível em: http://www.ces.uc.pt. Acesso em: 30 abr. 2010 (adaptado).

Segundo o texto, os movimentos sociais contribuem para o processo de construção democrática, porque



(A) determinam o papel do Estado nas transformações socioeconômicas.
(B) aumentam o clima de tensão social na sociedade civil.
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(C) pressionam o Estado para o atendimento das demandas da sociedade.
(D) privilegiam determinadas parcelas da sociedade em detrimento das demais.
(E) propiciam a adoção de valores éticos pelos órgãos do Estado.

4. (Enem 2014)

Existe uma cultura política que domina o sistema e é fundamental para entender o conservadorismo brasileiro. Há um argumento, partilhado pela direita e pela esquerda, de que a sociedade brasileira é conservadora. Isso legitimou o conservadorismo do sistema político: existiriam limites para transformar o país, porque a sociedade é conservadora, não aceita mudanças bruscas. Isso justifica o caráter vagaroso da redemocratização e da redistribuição da renda. Mas não é assim. A sociedade é muito mais avançada que o sistema político. Ele se mantém porque consegue convencer a sociedade de que é a expressão dela, de seu conservadorismo.

NOBRE, M. Dois ismos que não rimam. Disponível em: www.unicamp.br. Acesso em: 28 mar. 2014 (adaptado).

A característica do sistema político brasileiro, ressaltada no texto, obtém sua legitimidade da



(A) dispersão regional do poder econômico.
(B) polarização acentuada da disputa partidária.
(C) orientação radical dos movimentos populares.
(D) condução eficiente das ações administrativas.
(E)sustentação ideológica das desigualdades existentes.

5. (Enem 2015)

Não nos resta a menor dúvida de que a principal contribuição dos diferentes tipos de movimentos sociais brasileiros nos últimos vinte anos foi no plano da reconstrução do processo de democratização do país. E não se trata apenas da reconstrução do regime político, da retomada da democracia e do fim do Regime Militar. Trata-se da reconstrução ou construção de novos rumos para a cultura do país, do preenchimento de vazios na condução da luta pela redemocratização, constituindo-se como agentes interlocutores que dialogam diretamente com a população e com o Estado.

GOHN, M. G. M. Os sem-terras, ONGs e cidadania. São Paulo: Cortez, 2003 (adaptado).

No processo da redemocratização brasileira, os novos movimentos sociais contribuíram para



(A) diminuir a legitimidade dos novos partidos políticos então criados.
(B) tornar a democracia um valor social que ultrapassa os momentos eleitorais.
(C) difundir a democracia representativa como objetivo fundamental da luta política.
(D) ampliar as disputas pela hegemonia das entidades de trabalhadores com os sindicatos.
(E) fragmentar as lutas políticas dos diversos atores sociais frente ao Estado.
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ASSIMILANDO CONCEITOS

1. As fotografias são registros de dois momentos da história recente do Brasil: a primeira diz respeito à mobilização popular de 1984 em prol das eleições diretas para a Presidência da República, e a segunda registra a mobilização popular em favor do impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, primeiro presidente civil eleito pelo voto direto após o Golpe Militar de 1964.

Juca Martins/Olhar Imagem

Passeata da campanha por eleições Diretas Já no Viaduto do Chá. São Paulo (SP), 1984.

Claudia Ferreira/www.memoriaemovimentossociais.com.br

Manifestação pelo impeachment do presidente Collor. Rio de Janeiro (RJ), 1992.

Compare as duas imagens, leia o texto “Democracia: passado, presente e futuro” e elabore um texto desenvolvendo a seguinte ideia: Não há projeto pronto e acabado na democracia. Nela não é possível descansar.



DEMOCRACIA: PASSADO, PRESENTE E FUTURO

A democracia depende da natureza da cultura cívica e política de cada povo capaz de se mobilizar para discutir os desafios e as soluções.

A democracia e as formas republicanas de governo tendem a se expandir em todo o mundo, principalmente depois do fim da chamada Guerra Fria e, mais recentemente, diante dos influxos e afluxos da onda globalizadora que permeia nossos tempos.

Em “O futuro da democracia”, Norberto Bobbio [...] observou que a “democracia é definida como um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”. Praticar eleições livres é essencial; contudo, para que sejam efetivamente democráticas, devem ser periódicas, competitivas, livres e não manipuladas.

Em 1830, nos pródromos do sistema representativo na Inglaterra, os eleitores representavam 2,3% da população; na Suécia, em 1860, 5,7%; nos Países Baixos, em 1851, 2,4%; em Luxemburgo, em 1848, 2%.

Em todos esses países, assim como no Brasil, nesse tempo praticava-se a democracia censitária. Desde 1821, votávamos para eleger os representantes brasileiros às Cortes Constituintes de Lisboa. O eleitorado masculino atingia, em 1872, data do primeiro recenseamento demográfico, cerca de 11% da população adulta, podendo votar os de renda mínima anual de 100$000 (100 mil-réis).

Na maioria dos países, a universalização, mesmo restrita aos homens, veio bem mais tarde: em 1893, na Bélgica; em 1918, na Dinamarca; na Finlândia, em 1906; na Inglaterra, em 1918; na Itália, em 1919; na Noruega, em 1913; nos Países Baixos, em 1917; e, na Suécia, em 1921.

No Brasil, ao lado da democracia participativa, em razão dos novos instrumentos acolhidos no texto constitucional de 1988, a soberania popular é exercida por meio do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular.

Esse sufrágio, contudo, depende menos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário do que da sociedade. Temos de nos conscientizar de que a democracia representativa, tal como foi concebida e materializada há dois séculos, não exige dos cidadãos pouco mais do que algumas horas de participação a cada dois anos.
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Ela, mais do que do esforço de qualquer governo, dependerá da natureza da cultura cívica e política de cada nação, povo ou sociedade capaz de se mobilizar para discutir as aspirações, as opções e os desafios e, principalmente, encontrar solução para os problemas da comunidade.

As reclamações sobre a distonia entre os desejos e as aspirações que separam os cidadãos de sua representação política, nas casas legislativas e nos governos, não se restringem ao Brasil. Também ocorrem nas mais consolidadas democracias do mundo contemporâneo.

As críticas são ácidas, amargas e, em grande parte, desoladoras. Implicam muitas vezes desesperança, quando não fatalismo ou inconformismo. Somos nós que escolhemos nossos representantes e, em consequência, inevitavelmente nos arrependemos. [...]

MACIEL, Marco. Folha de S.Paulo, São Paulo, 25 fev. 2009. Fornecido pela Folhapress.

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OLHARES SOBRE A SOCIEDADE

CAMINHANDO
(PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES)

Caminhando e cantando e seguindo a canção


Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção

Vem vamos embora que esperar não é saber


Quem sabe faz a hora não espera acontecer

Pelos campos a fome em grandes plantações


Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão

Vem vamos embora que esperar não é saber


Quem sabe faz a hora não espera acontecer

Há soldados armados, amados ou não


Quase todos perdidos de armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição:


De morrer pela pátria e viver sem razão

Vem vamos embora que esperar não é saber


Quem sabe faz a hora não espera acontecer

Nas escolas, nas ruas, campos, construções


Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais, braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição

Vem vamos embora que esperar não é saber


Quem sabe faz a hora não espera acontecer

Geraldo Vandré. © 1968 Fermata do Brasil/Editora Música Brasileira Moderna Ltda. Todos os direitos reservados.

A canção de Geraldo Vandré foi considerada um hino de protesto contra o Regime Militar no Brasil. Ela foi apresentada ao público em um festival de música brasileira em 1968 (ano do AI-5), no qual tirou o segundo lugar.

1. Identifique os versos que sugerem a necessidade de participação do povo para que haja mudança na sociedade.

2. A música popular brasileira com teor político, bem como outros estilos musicais, tem sido veículo importante para a difusão dos valores democráticos e de críticas ao sistema político brasileiro. Faça uma pesquisa das letras de canções no seu estilo musical favorito e identifique aquelas que exploram os assuntos estudados neste capítulo. Analise-as e compartilhe suas descobertas com a turma. Esse exercício irá ajudá-lo a ampliar sua cultura musical e a identificar a diversidade dos “olhares sobre a sociedade” dos músicos brasileiros.
Página 319

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EXERCITANDO A IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA
TEMA DE REDAÇÃO DO ENEM (2009)

Com base na leitura dos textos motivadores seguintes e nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em norma culta escrita da língua portuguesa sobre o tema O indivíduo frente à ética nacional, apresentando proposta de ação social que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione coerentemente argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.



ENEM, 2013

Millôr Fernandes. Disponível em http://www.2uol.com.br/millor. Acesso em 14 jul. 2009.

Andamos demais acomodados, todo mundo reclamando em voz baixa como se fosse errado indignar-se.

Sem ufanismo, porque dele estou cansada, sem dizer que este é um pais rico, de gente boa e cordata, com natureza (a que sobrou) belíssima e generosa, sem fantasiar nem botar óculos cor-de-rosa, que o momento não permite, eu me pergunto o que anda acontecendo com a gente.

Tenho medo disso que nos tornamos ou em que estamos nos transformando, achando bonita a ignorância eloquente, engraçado o cinismo bem-vestido, interessante o banditismo arrojado, normal o abismo em cuja beira nos equilibramos – não malabaristas, mas palhaços.

LUFT, L. Ponto de vista. Veja. Ed. 1988, 27 dez. 2006 (adaptado).

QUAL É O EFEITO EM NÓS DO “ELES SÃO TODOS CORRUPTOS”?

As denúncias que assolam nosso cotidiano podem dar lugar a uma vontade de transformar o mundo só se nossa indignação não afetar o mundo inteiro. “Eles são TODOS corruptos” é um pensamento que serve apenas para “confirmar” a “integridade” de quem se indigna.

O lugar-comum sobre corrupção generalizada não é uma armadilha para os corruptos: eles continuam iguais e livres, enquanto, fechados em casa, festejamos nossa esplendorosa retidão.

O dito lugar-comum é uma armadilha que amarra e imobiliza os mesmos que denunciam a imperfeição do mundo inteiro.

CALLIGARIS, C. A armadilha da corrupção. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br (adaptado).

Instruções:

■ Seu texto tem de ser escrito à tinta, na folha própria.

■ Desenvolva seu texto em prosa: não redija narração, nem poema.

■ O texto com até 7 (sete) linhas escritas será considerado texto em branco.

■ O texto deve ter, no máximo, 30 linhas.

■ O rascunho da redação deve ser feito no espaço apropriado.


Página 320

20 Violência, crime e justiça no Brasil



Filipe Frazao/Shutterstock.com

Estátua da Justiça em frente ao Supremo Tribunal Federal, Brasília (DF), 2015.
O Poder Judiciário é um dos três poderes do Estado moderno, junto com os poderes Executivo e Legislativo. É exercido pelos juízes, que julgam segundo as regras constitucionais e leis criadas pelo Poder Legislativo. O papel do Judiciário é, de acordo com a Constituição Federal, garantir e defender os direitos individuais, ou seja, promover a justiça resolvendo todos os confl itos que possam surgir na vida em sociedade.

Como já vimos, Michel Foucault tinha um interesse especial pelos temas que envolvem violência e disciplina. Ele queria entender de que maneira e por que razões as diferentes sociedades estabelecem aquilo que as pessoas devem fazer e aquilo que é visto como inapropriado (e implica algum tipo de punição ou sanção). Como explicar que certos comportamentos e atitudes, antes vistos como justos e corretos por determinado grupo social, sejam por ele repudiados mais adiante? O caso da abolição da pena de morte no Brasil é um bom exemplo dessa mudança de atitude em relação às concepções de justiça. Como explicar que em determinadas situações o uso da violência seja visto como justo e legítimo e em outras como abominável e ilícito? Durante muito tempo, lembra Foucault, a lei da violência foi vista como a única forma legítima de fazer justiça. Torturas longas e cruéis eram aplicadas no intuito de restabelecer a ordem interrompida pelo crime ou pela transgressão. Mas, a partir do século XVIII, as torturas corporais e as humilhações morais foram pouco a pouco substituídas pela ideia da “punição humanizada”. As penas corporais passaram a ser consideradas inaceitáveis, e em seu lugar foram propostas outras maneiras de “resgatar o homem por detrás do criminoso”. Na base dessas alterações, a sociedade contava com novos saberes desenvolvidos em campos distintos do conhecimento, como a Criminologia, a Psiquiatria e a Sociologia. O objetivo já não era simplesmente condenar quem cometeu a falta, mas compreender os motivos que levaram o criminoso a cometê-la, e reabilitá-lo como cidadão.


Página 321

Ao longo de mais de 200 anos assistimos ao que Michel Foucault chamou de “humanização dos processos penais”. A justiça deixou de ser executada em praça pública para realizar-se nos tribunais; em vez de corpos esquartejados, os condenados deveriam ser levados para as prisões. O criminoso passou de objeto passivo da vontade do soberano a sujeito detentor de direitos – direito à defesa, a um julgamento justo, à reintegração à sociedade uma vez cumprida a pena. O sistema judiciário como um todo tornou-se mais racional.

Mas nós bem sabemos que, no caso do Brasil e de outras tantas nações, a racionalização dos procedimentos penais não levou nem ao desaparecimento da violência na aplicação da lei, nem à contenção satisfatória do crime. Se hoje temos mais prisões, advogados, juízes e policiais do que jamais tivemos em nossa história, qual é a explicação para o aumento no número de delitos violentos entre nós? Por que será que a polícia brasileira está entre as mais sanguinárias do mundo? Devemos buscar as causas da violência na pobreza, no desemprego e nos baixos índices de educação? Ou será que a culpa é de nosso sistema judiciário, tido por muitos como ineficiente e guardião de leis inadequadas? Essas são perguntas extremamente polêmicas e complexas. Vejamos como alguns cientistas sociais brasileiros vêm enfrentando o desafio de respondê-las.

Pobreza gera violência?

Na década de 1980, o conjunto habitacional Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, ficou conhecido como uma das localidades mais violentas do país. Os meios de comunicação, em sua maioria, referiam-se à população do local como “perigosa”, “bandida” e “sem escrúpulos”. Nessa mesma época, e nessa mesma localidade, a antropóloga Alba Zaluar deu início a uma pesquisa que resultou em um dos livros mais influentes no campo dos estudos sobre violência urbana – A máquina e a revolta.

Com base em um intenso trabalho de campo, Alba Zaluar apresenta o cotidiano dos moradores da Cidade de Deus e desvincula duas noções que, no discurso do senso comum, aparecem quase sempre associadas: pobreza e violência. Essa associação, tão difundida entre nós, apresenta o seguinte ciclo: o indivíduo é violento porque é pobre, é pobre porque não tem acesso à educação, não tendo educação não sabe exigir seus direitos. Nesse círculo vicioso, a criminalidade aparece como uma consequência automática e praticamente inevitável.

Alba Zaluar afirma que é preciso interromper esse encadeamento de ideias se quisermos realmente entender o problema da violência urbana, não apenas na Cidade de Deus, mas em qualquer outro contexto brasileiro. A pobreza, insiste a antropóloga, não é um ingrediente óbvio da criminalidade. Se assim o fosse, todos os pobres seriam necessariamente criminosos, e todos os criminosos seriam pobres – o que está longe de ser verdade, como comprovam os chamados crimes do colarinho branco, cometidos por cidadãos procedentes das classes médias e altas da sociedade.

Essa correlação causal pobreza-crime já havia sido contestada em 1978 por Edmundo Campos Coelho (1939-2001). O sociólogo mineiro chamava a atenção para o fato de que os períodos de crise econômica, quando aumentam as taxas de desemprego, não são os de maior aumento da taxa de crimes violentos. Para o autor, a associação a ser estudada era entre crime e impunidade penal, ou seja, ao fato de a pessoa saber que se cometer um crime não haverá consequências. O que quer dizer isso? Quer dizer que não punir o criminoso gera mais crime do que si tua ções de carência ou desemprego. Significa que a sociedade sinaliza para os indivíduos que o crime vale a pena, compensa. Ainda hoje, convivemos com altíssimas taxas de impunidade para homicídios praticados pela polícia, por grupos de segurança privada, pelos chamados grupos de extermínio e por criminosos que influenciam, de alguma maneira, o resultado do processo de punição. Homicídios que vitimam trabalhadores rurais e lideranças sindicais também seguem, muitas vezes, impunes. As taxas de impunidade para crimes do colarinho branco, ainda tão expressivas, contribuem igualmente para a descrença dos cidadãos nas instituições promotoras de justiça. Vale lembrar que na pesquisa “Cidadania, justiça e violência” (citada no capítulo anterior), 97,5% das pessoas entrevistadas pensavam que, diante de um mesmo crime cometido, um rico seria tratado com mais complacência pela Justiça do que um pobre.

Porém, ainda hoje, a lógica que associa pobreza e criminalidade segue prevalecendo no imaginário social, tendo de ser continuamente recusada por vários cientistas sociais. Na grande maioria, os habitantes de lugares violentos e segregados – demonstram os pesquisadores – são trabalhadores honestos que repudiam a criminalidade e cujas aspirações são bastante semelhantes àquelas das camadas médias: ter uma casa confortável, oferecer uma boa educação para os filhos, ver a família progredir por meio do trabalho honrado.
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Se a explicação para a violência não está na pobreza, onde estará?

Há sociedades muito pobres, como a indiana, em que os índices de criminalidade são baixíssimos, muito mais baixos do que os de uma nação rica como os Estados Unidos. A desigualdade, e não a pobreza, tende a resultar em violência no contexto da sociedade de consumo. No Brasil, o acesso ao consumo ampliou-se significativamente nas últimas décadas, mas está longe de incluir a todos. E mais: os pobres seguem tendo seus direitos civis muitas vezes desrespeitados. Seu acesso às instituições promotoras do bem-estar e da cidadania é significativamente mais restrito quando comparado com o das camadas médias e altas. Daí muita gente dizer que, no Brasil, alguns são mais cidadãos do que outros. Temos os cidadãos de primeira e de segunda classe.

Alba Zaluar sugere que muitos jovens pobres optam por fazer parte de redes criminosas porque elas podem lhes oferecer prestígio e poder – um poder que se baseia sobretudo na cultura da masculinidade, na maneira de ser que opera de acordo com a lógica da guerra, no ideal que busca reconhecimento por meio da imposição do medo. Essa rede aspira a um estilo de vida em que ganham destaque bens de consumo cujo acesso dificilmente poderia ser alcançado por esses jovens e seus familiares. Assim como os jovens das camadas médias e das elites, jovens pobres desejam consumir o tênis de marca, a calça da moda, o celular mais moderno, ou seja, bens associados a alto prestígio e status, que são veiculados diariamente pelos meios de comunicação de massa.

Mas, como constatamos cada vez mais, junto com o prestígio e o poder possibilitados pelos lucros obtidos com o comércio de drogas ilícitas, muitas vezes vem a morte precoce e violenta. Alba Zaluar lembra ainda que a chance de morrer precocemente não é exclusiva dos jovens que aderem à rede criminosa: todos os que moram em zonas “dominadas” pela lógica da guerra – ou seja, pelos narcotraficantes – estão igualmente expostos ao risco de morrer de forma violenta e arbitrária. As pesquisas mostram que, nas regiões metropolitanas, a maioria das mortes violentas vitima rapazes negros e pardos. Como argumenta outro especialista no tema da violência urbana, Michel Misse, o fato de a maioria de presos ser de pobres, negros, jovens e desocupados também se deve à existência de um “roteiro típico” seguido pela polícia, que associa de antemão a pobreza (e a juventude não branca) à criminalidade.

Miramax/Everett Collection/Glow Images

Cena do filme CIdade de Deus, 2001.

Com base nas entrevistas feitas na Cidade de Deus, Alba Zaluar pôde desenhar um esquema de oposições e complementaridades entre duas categorias-chave: trabalhadores e bandidos. “Trabalhadores” eram, na visão dos “bandidos”, otários que trabalhavam para ganhar cada vez menos. “Bandidos”, para os “trabalhadores”, podiam ser classificados como “bandidos formados” (que ofereciam proteção aos moradores e lhes tinham certo respeito), “bandidos porcos” (vagabundos que furtavam os moradores locais) e “pivetes” (adolescentes que humilhavam e roubavam os trabalhadores).



Marlene Bergamo/Folhapress

Presidiários dividem cela em complexo penitenciário de Pedrinhas (MA), 2014.
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Está ausente nesse esquema desenhado pelos moradores a figura do “malandro simpático”, que, segundo Zaluar, teria desaparecido justamente com a entrada do tráfico de drogas, especialmente a cocaína, que veio acompanhada de armamento pesado. A antropóloga também observou que, dependendo da idade do entrevistado, as concepções de “trabalho” variavam significativamente: para os adultos trabalhadores, ser “trabalhador” e “provedor do lar” era algo importante em si mesmo, um motivo de orgulho; para os jovens, o trabalho era visto sobretudo como um caminho de acesso aos bens de consumo, numa lógica bem mais individualista do que a de seus pais, para quem a família estava em primeiro lugar.

De acordo com muitos depoimentos colhidos pela antropóloga, o crime muitas vezes não era classificado pelos moradores conforme os critérios da classe média. Era considerado crime roubar os iguais: negros, pobres e marginalizados. Crime era a polícia chegar e atirar em qualquer um, sem se importar se os alvos eram bandidos ou não. Crime era a mídia tratar os mais pobres como pessoas ruins e sem futuro.

Nos mais de 30 anos que nos separam da publicação da pesquisa de Alba Zaluar, o problema da segurança pública tornou-se ainda mais dramático, tanto no Rio de Janeiro como nas demais áreas metropolitanas do país. Aumentou o número de crimes contra o patrimônio (roubo, extorsão mediante sequestro), homicídios conectados com o “crime organizado”, violações de direitos humanos.



Daniel Marenco/Folhapress

Manifestação com manequins cobertos de tecido branco, na Praia de Copacabana, contra o desaparecimento de Amarildo de Souza. Rio de Janeiro (RJ), 2013. O caso do pedreiro, que foi levado por policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) como suspeito de cooperação com o tráfico e desapareceu em seguida, repercutiu mundialmente. Amarildo virou um símbolo da luta contra a violência e abuso de poder por parte da polícia militar.

Como argumenta o sociólogo Sérgio Adorno, a emergência do narcotráfico promoveu a “desorganização das formas tradicionais de socialidade entre as classes populares urbanas, estimulando o medo das classes médias e altas e enfraquecendo a capacidade do poder público em aplicar lei e ordem”.

Publicado em 2015, o Mapa da violência no Brasil nos apresenta alguns dados importantes. A pesquisa revelou que em 2013 o homicídio foi a principal causa de mortes de adolescentes de 17 anos no Brasil (48% dos óbitos). Isso corresponde a uma média de 10,3 adolescentes assassinados por dia no país. O estudo apresenta ainda o perfil das vítimas: 93% eram do sexo masculino e, proporcionalmente, morreram quase três vezes mais negros que brancos. Veja no gráfico abaixo a evolução das mortes de adolescentes brasileiros por homicídio entre 1980 e 2013:

Paula Radi

Fonte: WAISELFISZ, Julio Jacob. Mapa da violência 2015: adolescentes de 16 e 17 anos do Brasil. Rio de Janeiro: Flacso, 2015. p. 19.

A violência urbana não é uma exclusividade brasileira. Nossos índices de violência são, porém, assustadoramente altos quando comparados aos de outros países. O Mapa da violência no Brasil também mostrou que, entre os 85 países analisados, o Brasil ocupava o terceiro lugar em relação à taxa de homicídios de adolescentes de 15 a 19 anos. Com o índice de 54,9 assassinatos para cada 100 mil jovens nessa faixa etária, o país era superado apenas por México e El Salvador. Uma situação tão crítica não permite uma explicação única. Vejamos, então, outra interpretação possível do fenômeno.


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Sociabilidade violenta

Max Weber definia o Estado como “uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de determinado território”. Ou seja: o Estado, para se constituir como tal, precisa ser reconhecido como detentor único do direito de empregar a violência. Essa violência é considerada legítima porque se apoia em um conjunto de normas e leis. No caso de um país estar sob o estado democrático de direito, essas normas e leis são fruto do debate amplo e franco entre os cidadãos. Segundo a lei brasileira, por exemplo, aborto é crime, mas há muitos países em que o aborto é permitido. O que é tido como crime e a respectiva punição podem variar de uma nação para outra, mas em todas elas cabe ao Estado fazer cumprir a lei.

Você já deve ter ouvido dizer ou lido no jornal que em algumas cidades brasileiras o Estado não detém mais o monopólio da força; que os aparelhos estatais de controle social, como a polícia e a Justiça, têm perdido sua capacidade de controle por contarem com servidores mal remunerados, mal preparados e muitas vezes corruptos. Há quem argumente que o Estado não tem mais capacidade nem de conter o crime nem de fazer valer a ordem. Conclui-se, assim, que os bandos criminosos, bem armados e sempre violentos, constituíram um “Estado paralelo” ou um “paraestado”. Até que ponto essa linha de raciocínio se sustenta?

Para o sociólogo Luiz Antonio Machado da Silva, não se deve encarar os “comandos” dos narcotraficantes como um “Estado dentro do Estado”. Tampouco caberia falar em “ausência do Estado”, nem mesmo nas áreas mais violentas. Machado da Silva argumenta que não se trata de um problema de Estado ausente, mas da convivência entre a ordem institucional-legal e uma ordem cujo princípio norteador é a violência. Estamos vivendo de acordo com uma nova sociabilidade – uma sociabilidade violenta –, que rege todo o corpo social, afetando de forma ainda mais direta e profunda as áreas desfavorecidas economicamente.

Segundo Machado da Silva, “pode-se apresentar a característica mais essencial da sociabilidade violenta como a transformação da força, de meio de obtenção de interesse, no próprio princípio de coordenação das ações”. Diferentemente da sociabilidade que rege a gangue ou a máfia, na sociabilidade violenta os grupos criminosos não obedecem a princípios como honra, amizade, laços de sangue. Trata-se de uma sociabilidade fragmentada, regida pela lógica do “cada um por si”. “O que parece estruturar a organização dos criminosos em grupos”, diz Machado da Silva, “é simplesmente a cadeia de submissão formada pelo reconhecimento do desequilíbrio de força”. Os “comandantes” conseguem se manter no poder não por meio da negociação ou do convencimento, mas pelo uso da força, no mais das vezes letal, imposta aos demais. A violência é utilizada tanto no tratamento dos que não fazem parte do grupo – pessoas que não pertecem aos grupos e os criminosos de grupos rivais – como no interior do próprio grupo.

Pensemos no que está sendo dito aqui imaginando uma situação concreta. Dois criminosos jovens acabam de assaltar um caixa eletrônico. Os dois estão sob efeito de drogas e um deles está armado com uma pistola automática. Eles não têm exatamente um plano – a única coisa que sabem é que precisam escapar da polícia. O sinal de trânsito fecha e eles caminham na direção de um carro qualquer – não têm interesse no carro como tal, apenas precisam de um veículo para a fuga. Na lógica da sociabilidade violenta, sempre extremamente imprevisível, há vários desfechos possíveis para essa história:

■ os criminosos ameaçam o motorista do carro com a pistola, este lhes entrega o carro e os criminosos conseguem escapar;

■ o motorista do carro, paralisado pelo medo, não consegue sair do carro rapidamente. Os criminosos se exaltam e matam o motorista – perceba que, de início, não estava previsto um assassinato – e seguem em fuga;

■ o motorista do carro também está armado e ocorre uma troca de tiros. Numa perspectiva otimista, o motorista consegue render os criminosos e um policial os leva para a cadeia; numa perspectiva mais realista, motorista e criminosos morrem no local.

Você pode imaginar outros desfechos para a situa ção narrada. São muitos os finais possíveis porque no âmbito da sociabilidade violenta há uma enorme “zona de incerteza” – ninguém sabe exatamente como agir, nem mesmo os criminosos, o que acaba gerando na sociedade em geral uma profunda insegurança. Afinal, sabemos que qualquer “mal-entendido” pode resultar na morte de alguém.

Não faz sentido, portanto, acionarmos as noções de “criminalidade organizada” ou “Estado paralelo” para explicar o problema da violência no Brasil. Tampouco faz sentido conceber que o indivíduo já nasça violento. No capítulo anterior, foi dito que ninguém nasce cidadão e que é preciso aprender a sê-lo.


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Do mesmo modo, ninguém nasce “portador” da sociabilidade violenta. Não se trata de uma questão de caráter ou índole. E justamente porque não se trata de uma questão “natural”, alguém que no presente é criminoso, no futuro pode deixar de sê-lo.

Essas questões estão relacionadas diretamente com um tema que vem levantando muita polêmica: a redução da maioridade penal. A maioridade penal é a idade a partir da qual a pessoa passa a responder criminalmente, como adulto, ou seja, passa a ser punido por seus crimes de acordo com o que determina o Código Penal. No Brasil, isso se aplica a pessoas com mais de 18 anos. Antes disso, quem infringir a lei será punido por uma norma feita especialmente para jovens e crianças, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Até a linguagem do ECA é diferente do Código Penal: o ECA não fala em crimes, e sim infrações; também não menciona penas, e sim medidas socioeducativas. Diante do grave quadro de violência do país, algumas pessoas vêm defendendo que a redução da maioridade para 16 anos seria uma solução, pois os jovens infratores passariam a cumprir pena em prisões comuns. A questão vem sendo debatida por juristas, políticos, psicólogos e cientistas sociais, e parece estar longe de consenso. Veja duas opiniões divergentes sobre esse assunto:

Contra


Julita Lemgruber, socióloga.

[...] Estima-se que 0,01% do total de adolescentes, no Brasil, cometeram crimes contra a vida. Ao contrário, 6,6% dos adolescentes de 16 e 17 anos [...] foram vítimas de homicídios embora totalizem apenas 3,6% da população brasileira. Em média, são assassinadas no Brasil, por dia, aproximadamente 20 crianças e adolescentes. [...]

De todos os atos infracionais praticados por adolescentes somente 8% equiparam-se a crimes contra a vida. A grande maioria (75%) são crimes contra o patrimônio e, destes, 50% são furtos, isto é, delitos sem violência. No ano 2000, dos mais de 40 mil homicídios que aconteceram no Brasil, os adolescentes foram responsáveis por 448, mas foram vítimas em 3 800 dos casos. Aliás, 75% das mortes de jovens entre 15 e 19 anos são mortes violentas. Os adolescentes, portanto, são muito mais vítimas do que perpetradores de violência neste país. O grande problema está em que os crimes praticados por adolescentes sempre recebem [...] divulgação de tal forma ampla que fica a impressão de que são muito mais numerosos e graves do que realmente são. [...]

Há também a grave situação da superpopulação carcerária. E jogar milhares de adolescentes infratores nas prisões é apostar no pior. Agrava-se o quadro de superpopulação, possibilita-se o contato de jovens, muitos recém-iniciados no mundo do crime, com criminosos experientes, com integrantes das facções que dominam o sistema penitenciário brasileiro, com um universo onde as leis não são respeitadas e onde grassam a violência e a corrupção. O ECA já prevê um total de nove anos de monitoramento do comportamento do adolescente infrator – basta examinar com cuidado o que dispõe o Estatuto –, três anos de internação mais seis anos monitorado de diversas formas pelo poder público. [...]

Disponível em: . Acesso em: abr. 2016.

A favor


Fábio José Bueno, promotor de Justiça do Departamento da Infância e Juventude de São Paulo.

Eu sou favorável à redução da maioridade penal em relação a todos os crimes. Em 1940, o Brasil estipulou a maioridade em 18 anos. Antes disso, já foi 9 anos, já foi 14. Naquela época, os menores eram adolescentes abandonados que praticavam pequenos delitos. Não convinha punir esses menores como um adulto. Passaram-se 70 anos e hoje os menores não são mais os abandonados. O menor infrator, na sua maioria, é o adolescente que vem de família pobre, porém, não miserável. Tem casa, comida, educação, mas vai em busca de bens que deem reconhecimento a ele. As medidas do Estatuto da Criança e do Adolescente não intimidam. Eles praticam os atos infracionais, porque não são punidos na medida. A pena tem a função de intimidação, que a medida socioeducativa não tem. É importante saber que o crime não compensa, que haverá uma pena, uma punição.

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