Tempos modernos tempos de sociologia helena bomeny



Yüklə 2,63 Mb.
səhifə31/36
tarix08.01.2019
ölçüsü2,63 Mb.
#91946
1   ...   28   29   30   31   32   33   34   35   36

Página 338

O consumo de bens culturais

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é uma dessas instituições públicas que congregam pesquisadores cuja função principal é produzir dados estatísticos e analisá-los. Esses dados e suas análises informam decisões políticas, orientam investimentos públicos e privados, além de alimentar nossa imaginação sociológica. Dois pesquisadores do Ipea, Frederico Barbosa da Silva e Herton Ellery Araújo, apresentaram um estudo muito interessante sobre o consumo cultural das famílias brasileiras, partindo das seguintes perguntas: Que variáveis socioeconômicas – escolaridade, cor, gênero, renda familiar – condicionam o consumo cultural? Existem variações regionais? Que variações são essas?

Vejamos as interessantes conclusões a que os pesquisadores chegaram utilizando os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF).

Os bens culturais estão relacionados a necessidades materiais e culturais; são quaisquer bens úteis para proporcionar informações e entretenimento. Os bens culturais podem referir-se a:

■ leitura (mídia escrita);

■ fonografia (CDs, aparelhos ou equipamentos);

■ espetáculos ao vivo e artes (circo, artes, teatro, balé, shows, música etc.);

■ audiovisual (cinema, práticas amadoras, TV a cabo, equipamentos e conteúdos);

■ microinformática (equipamentos e internet);

■ outras atividades fora do domicílio (casas noturnas, danceterias, parques etc.).

A pesquisa mostra, por um lado, que essa “cesta de bens culturais” é valorizada por todos os segmentos sociais, independentemente da renda, do gênero e da cor. Nenhuma classe social vê os bens culturais como algo supérfluo, ao contrário: esse consumo é valorizado por todas as faixas de renda, em todas as regiões. Por outro lado, a possibilidade de consumir bens culturais tem relação direta com a escolaridade e com a renda. Ou seja: quanto maior a escolarização do provedor da casa, maior a renda, maior o consumo cultural da família. O consumo de livros é um bom exemplo. Todas as classes sociais consideram a leitura e o consumo de livros algo importante para a família, mas a leitura concentra-se nas classes de renda alta: 90% das classes A/B, 66% da C e apenas 42% das D/E têm mais de dez livros no domicílio. Ter uma grande quantidade de livros em casa, mesmo que não implique a existência de um grande leitor, tem correlação com maior escolarização e com o fato de a pessoa se situar nos estratos de mais alta renda. As populações mais pobres, por sua vez, concentram seus gastos com bens culturais em produtos audiovisuais e fonográficos e, em menor grau, em festas, danceterias e casas noturnas.

Pesquisa de Orçamento Familiar (POF)

A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) é um levantamento feito pelo IBGE com o objetivo de traçar o perfil de consumo da família brasileira. Realizada periodicamente em todo o país, a pesquisa reúne dados sobre como as famílias comem, vestem, estudam e se divertem e quanto gastam nessas atividades, e por isso constitui uma importante ferramenta na decisão de políticas públicas e na determinação das tendências do mercado nacional. Para realizar um mapeamento das condições de vida das famílias brasileiras, a POF abrange famílias de todos os segmentos sociais. Na realização da pesquisa (que tem duração de 12 meses), as famílias, selecionadas por amostragem, são visitadas diversas vezes, e cada integrante é entrevistado diretamente, respondendo a questões sobre gastos e dados nutricionais.

No levantamento são aplicados seis tipos de questionário a cada família: um sobre as características do domicílio (para definir o perfil de cada morador sobre nível escolar, religião, cor, ocupação etc.); um sobre características do rendimento; um sobre as despesas coletivas (como luz, água, aluguel, compra de eletrodomésticos etc.); um sobre despesas individuais (com detalhes sobre o que cada pessoa consome individualmente, como mensalidades escolares, transporte, lazer, vestuário etc.); uma caderneta de despesas (em que cada morador anota durante uma semana todas as despesas feitas para a casa); e um questionário sobre as condições de vida (preenchido com o chefe de família).

Os resultados da POF revelam, por exemplo, o perfil nutricional da família brasileira, denunciando tendências como desnutrição ou mesmo obesidade, além de apontar as diferenças de consumo entre classes sociais. Trata-se de um importante instrumento para o conhecimento da estrutura orçamentária das famílias (a relação entre quanto ganham e no que gastam). Por meio de seus resultados é possível não apenas ver sintomas da desigualdade e avaliar deficiências nutricionais, como também analisar as mudanças no comportamento alimentar e consumidor da família brasileira ao longo dos anos.
Página 339

Os autores chamam a atenção para o fato de que as tecnologias multimídia vieram alterar profundamente o acesso aos bens culturais no Brasil. As novas tecnologias transformam os mercados de livros e de música, criam museus e bibliotecas virtuais. Mas o acesso à internet ainda é muito restrito em nosso país: em 2013, 49,4% dos domicílios tinham acesso à rede mundial de computadores. Será que esses números se alteraram muito desde essa data?



Mariela Guimarães/O Tempo/Folhapress



Show da banda Sepultura na Terceira Virada Cultural de Belo Horizonte (MG), 2015. No Brasil, museus ou casas de cultura localizados em cidades que não são capitais ou grandes metrópoles estão contextualizados dentro da história local. Dessa maneira, a valorização da memória e da história regional é mantida por meio de iniciativas públicas e do turismo local.

Há um dado em particular no qual devemos refletir: 82% das despesas com bens culturais estão relacionadas a práticas domiciliares. Ou seja, a maioria das famílias brasileiras, de norte a sul do país, concentra seus gastos com televisão, vídeo, música e leitura. Quem vai ao cinema também assiste filmes em casa, mas nem sempre o oposto é verdadeiro. As práticas que pressupõem saídas do domicílio – cinema, espetáculos ao vivo, festas – correspondem a somente 17,8%. Como podemos interpretar esses dados?

Nossa interpretação deve levar em conta que as regiões metropolitanas brasileiras cresceram rápida e desorganizadamente, limitando as possibilidades de expansão dos equipamentos culturais de uso coletivo ou público. Um exemplo: apenas 25% dos municípios metropolitanos têm salas de cinema, e sua esmagadora maioria está concentrada na Região Sudeste (com 1244 salas em 2010, contra apenas 60 na Região Norte). Museus, então, são praticamente inexistentes fora das capitais.

Os espaços públicos são escassos e muitas vezes de difícil acesso. A disponibilidade de equipamentos culturais de uso coletivo não condiz, portanto, nem com o tamanho do país nem com o número crescente da população.

Você sabe quantas salas de cinema existem em seu município? Há algum museu ou teatro em sua vizinhança? Eles estão localizados em lugares de acesso fácil e seguro? Sim, porque a questão da segurança também foi citada pelos entrevistados da pesquisa. Muitos que teriam condições de usufruir de certos equipamentos não o fazem porque se sentem inseguros, têm medo de ser vítimas de roubos ou assaltos no deslocamento entre a residência e o local de lazer.

A pesquisa conclui que a escola é um dos instrumentos de política cultural mais poderosos, por sua universalidade e cobertura. A escola forma o gosto e faz com que pessoas de diferentes classes sociais internalizem a apreciação e compreendam o uso dos bens culturais. Em muitos municípios, a escola é uma das únicas fontes públicas e coletivas de informação.



Rubens Chaves/Pulsar Imagens

Museu do Algodão, localizado em antiga estação ferroviária do início do século XX. Campina Grande (PB), 2015. Grandes eventos culturais, públicos ou pagos, acabam se restringindo às metrópoles e capitais. Um dos motivos é a necessidade de infraestrutura adequada ao público.
Página 340

O que vai à mesa?

Outro estudo muito interessante, coordenado pela antropóloga Lívia Barbosa, examina os hábitos alimentares dos brasileiros. Trata-se de uma pesquisa empírica, realizada em dez cidades – Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre – com pessoas na faixa entre 17 e 65 anos, pertencentes a todos os cinco segmentos de renda da sociedade brasileira. Foram utilizadas tanto metodologias qualitativas quanto metodologias quantitativas, no intuito de responder a uma série de perguntas importantes: O que consomem as famílias em suas refeições? Há muitas variações por região? A renda é um fator determinante na hora de decidir o que colocar no prato?

O título do artigo, baseado nos dados da pesquisa, é um trocadilho: “Feijão com arroz e arroz com feijão: o Brasil no prato dos brasileiros”. Por quê? Porque foram reveladas regularidades bastante significativas nos padrões alimentares que permitem pensar em várias outras dimensões da vida social brasileira. Antes de descobrirmos que regularidades são essas, sigamos um conselho da autora, que adverte ser preciso prestar atenção a alguns conceitos. Vejamos.

Em primeiro lugar, Lívia Barbosa afirma que “comida” e “alimento” não são a mesma coisa: “Os alimentos são sempre ingeridos sob alguma forma culturalizada”. Você já reparou que nós, seres humanos, somos os únicos animais que cozinhamos aquilo que comemos? Essa é uma grande diferença que nos distingue dos demais entes vivos, é um dado cultural, já dizia o antropólogo Claude Lévi-Strauss. A comida é o alimento – conjunto de nutrientes necessários à nossa manutenção física – transformado naquilo que se come sob uma forma específica, com um molho de que gostamos, com o temperinho que só a vovó sabe fazer, de preferência com um aspecto visual e um cheiro convidativos. Na China, cachorro é um prato apreciadíssimo; no Ocidente, só se for “cachorro-quente”! Enquanto os brasileiros adoram uma churrascaria, a maioria dos indianos considera uma temeridade comer carne de vaca – um animal sagrado no hinduísmo. Em diferentes culturas existe aquilo que chamamos de culinária – “um conjunto que engloba manipulação, técnicas de cocção, representações e práticas sobre as comidas e as refeições”, segundo a definição da antropóloga.

Cada sociedade tem normas e momentos específicos em que determinados tipos de comida são ingeridos, em determinada sequência, dentro de uma lógica de ingestão e de combinação dos alimentos entre si. É o que chamamos de “refeições”. Um bom exemplo é a nossa ceia de Natal. O peru, que não costuma ser servido com frequência em nenhuma região brasileira, transforma-se na grande atração. São comprados figos, nozes, tâmaras, e as rabanadas são preparadas com antecedência. Dificilmente servimos esses alimentos em outras épocas do ano.



G. Evangelista/Opção Brasil Imagens

Mesa com pratos típicos de Festas Juninas. João Pessoa (PB), 2014. Durante o período das Festas Juninas, muitos brasileiros consomem alimentos específicos, que, embora variem bastante de acordo com a região do país, têm em sua base o milho, cuja colheita ocorre tradicionalmente no mês de junho.

No Brasil, pelo menos nos grandes centros urbanos, os habitantes têm na prática uma média de três refeições diárias. Segundo Lívia Barbosa, essas refeições se dividem em subsistemas: o sistema de refeições semanal, o de fim de semana e o ritual. Algumas famílias, cujos membros comem em momentos separados ao longo da semana, fazem questão de que todos sentem juntos à mesa aos domingos. Outras estipulam que sábado é dia de pizza e de refrigerante, itens proibidos durante a semana.

A autora identifica algumas especificidades interessantes na maneira de comer do brasileiro. Em primeiro lugar, costumamos misturar vários estilos culinários em uma mesma refeição (os “restaurantes a quilo” são ótimo exemplo). Outra especificidade apontada é a lógica de ingestão dos alimentos: “Entre nós vigora o ‘juntos, mas separados’. Ou seja, as pessoas colocam, ao mesmo tempo, os diferentes tipos de comida no prato, mantendo-os separados em pequenos montes.
Página 341

A mistura dos diferentes alimentos ainda no prato está associada à quebra de etiqueta e é vista com repugnância”. Uma terceira característica é a presença de pelo menos duas refeições quentes ao dia. Espera-se, portanto, que no almoço e no jantar sejam servidas comidas “de panela”, “de sal” ou “de gordura”.

A grande informalidade à mesa e a pouca preocupação com a apresentação da comida é apontada pela autora como a quarta característica de nossos hábitos alimentares. A “mesa posta” é reservada para situações mais formais e rituais, enquanto no cotidiano as pes soas “fazem o prato” e vão comer em frente à TV, na sala ou no quarto. Por fim, a pesquisa aponta que, apesar de em algumas residências a cabeceira da mesa ainda ser reservada ao “chefe da família”, não observamos hierarquias rígidas ou muitas formalidades em sua composição. A seleção do cardápio, em 70% dos casos, permanece como função das mães/esposas.

O cardápio do fim de semana costuma ser mais voltado para o prazer e deixa de lado a questão da praticidade, além de ser mais dispendioso e variado. A autora resume essa questão no seguinte esquema:



Semanal

Fim de semana

Ritual

praticidade

preferências individuais

tradição

saudabilidade

prazer/sabor

+prazer/sabor

rotina

variedade

+variedade

economia/restrição

extravagância

+extravagância

Esse esquema traduz o que acontece em sua casa? Quem define o que será consumido por sua família nas diferentes refeições? Será que foi assim quando seus pais eram crianças?

Por todo o país costuma-se ingerir cardápios muito semelhantes, com reduzidíssima presença de itens considerados “regionais”. Esses cardápios são em geral organizados levando em consideração questões econômicas, estéticas e de saúde do grupo doméstico como um todo, e não apenas o que os membros individualmente gostariam de comer. Existem pequenas variações no que concerne às faixas etárias, às faixas de renda e às faixas regionais, mas não se verificou praticamente nenhuma diferença entre os gêneros. Os trios “feijão, arroz e carne”, no caso do almoço e do jantar, e “café, leite e pão” no caso do café da manhã, são os absolutos campeões na maioria dos lares brasileiros.

Uma antropologia do consumo

Em meados dos anos 1970, a antropóloga Mary Douglas e o economista Baron Isherwood lançaram o livro O mundo dos bens, com o objetivo de olhar para as relações das pessoas com os objetos, e das pessoas entre si. Dessa forma, o livro inaugurou uma nova forma de compreender por que as pessoas desejam adquirir determinadas coisas. A primeira tarefa dos autores foi desconstruir a visão utilitarista, que diz que compramos determinado item simplesmente por precisar dele, ou por ver nele um bom negócio. Douglas e Isherwood diziam que era importante olhar as dimensões culturais e simbólicas do consumo, chamando a atenção para as muitas motivações envolvidas no ato de consumir. Nessa linha, por meio de um olhar antropológico, o estudo concluiu que os bens de consumo são, sobretudo, comunicadores de valores sociais, ou seja, a escolha do que compramos carrega significados, diz algo sobre nós, nossas famílias, o lugar em que moramos e nossa rede de relações. Assim, o que compramos também produz e ajuda a manter relações sociais. Podemos dizer, por isso, que os objetos podem ser bons para comer, vestir e abrigar, mas também são bons para pensar. Essa visão é interessante, pois nos faz ir além da ideia de que o consumo é sinal de alienação ou de futilidade. Mais recentemente, o antropólogo inglês Daniel Miller publicou diversos estudos defendendo que o ato de comprar não é só “uma coisa em si”. Deve ser visto como uma forma de descobrir, pela “observação das práticas das pessoas, algo sobre seus relacionamentos” e sobre elas mesmas. Um bom exemplo de seu trabalho é uma pesquisa sobre a ida de donas de casa inglesas ao supermercado. Após pesquisar mulheres de diferentes classes sociais, Miller concluiu que as compras constituíam relações importantes para elas, que se sentiam responsáveis ao selecionarem mercadorias que pudessem ser educativas, edificantes e moralmente superiores para suas famílias. A ida ao supermercado seria, assim, um dos meios fundamentais para construir seus relacionamentos de amor e carinho na vida prática, extrapolando a impressão comum de que se trata apenas da satisfação de necessidades objetivas.


Página 342

O CONSUMO SUSTENTÁVEL

Desde a década de 1990, o consumo tornou-se tema de debates em razão dos impactos socioambientais provocados por ele. Foi assim que se formou a noção de consumo sustentável, uma proposta de ação e política ambiental cuja meta é reduzir os impactos que o consumo desenfreado causa à sociedade, à economia e ao meio ambiente. É uma proposta que engloba a participação de empresas e instituições, as políticas públicas e o papel do consumidor.



O PAPEL DO ESTADO

É importante enfatizar que a prática do consumo sustentável não deve ser delegada exclusivamente ao consumidor, as ações devem envolver várias esferas, como empresas e poder público. Pensando por essa perspectiva, em que o Estado deve ser mais ativo, há diferentes estratégias que favorecem o consumo consciente, como o consumo verde e o consumo consciente/responsável, explicados a seguir.



CONSUMO CONSCIENTE/ RESPONSÁVEL

Consiste em estratégias para a escolha dos produtos e serviços com base na qualidade e preço, assim como no impacto ambiental e social decorrente deles. Esse conceito requer ainda preocupação com a conduta das empresas que fabricam o produto, ou seja, se a ética aplicada na empresa afetará o ecossistema e outros grupos e locais, que podem estar distantes geograficamente. Além disso, consumo responsável implica menos consumo, ou seja, a compra apenas do que é necessário.

Consumo verde

São estratégias adotadas pelo consumidor visando a escolha de produtos ecologicamente sustentáveis em todas as etapas pelas quais o produto passa: produção, distribuição e descarte. De acordo com esse conceito, o consumidor participa mais ativamente dessas ações adotando alguns hábitos.



PRODUTOS LOCAIS

Escolha produtos que foram produzidos ou fabricados no entorno do local em que você vive. Assim, a quantidade de combustível utilizada no transporte é reduzida.





PRODUTOS ECOLÓGICOS

Selecione alimentos que procedem de agricultura ecológica e tenham sido cultivados de forma a respeitar o meio ambiente.



© Sol 90/Cristiane Viana



RECICLÁVEIS

Consuma produtos a granel ou vendidos em embalagens facilmente recicláveis, como vidro, papel ou embalagens biodegradáveis.


Página 343

Públicos consumidores e campanhas publicitárias

Outra fonte boa para a investigação dos padrões de consumo são as campanhas publicitárias veiculadas pela mídia. Guita Grin Debert, professora do Departamento de Antropologia da Unicamp, publicou em 2003 os resultados de uma pesquisa muito interessante intitulada “O velho na propaganda”. Como vimos em capítulos anteriores, houve no Brasil um aumento significativo da população de 65 anos ou mais, e não por acaso esse é um público consumidor que tem se tornado cada vez mais importante no mercado.

Nos Estados Unidos, o senior citizen – cidadão acima de 65 anos – já é, há algum tempo, considerado fatia importante do mercado por sua disponibilidade de tempo livre e pela ausência de muitos dos gastos fixos que pesam sobre a população mais jovem. Inspirada no caso dos Estados Unidos, uma pesquisa brasileira – feita em 1989 em várias capitais do país, com homens e mulheres de 50 a 69 anos de idade, das classes A e B – identificou que aqui esse setor era bem menos afluente e mais inseguro que o norte-americano, sobretudo em razão da situa ção instável da aposentadoria e dos problemas econômicos do país. A pesquisa de Guita Debert atualiza esses dados refletindo sobre como a “melhor idade” é apropriada pelas campanhas publicitárias públicas e privadas.

Por meio da análise de dez comerciais que trazem idosos como personagens, a autora identifica três grupos presentes no tratamento dado a esse segmento nos anúncios publicitários: em quatro dos anúncios, a velhice representa perda das habilidades, dependência, passividade ou arrogância; em três, poder, beleza, riqueza e prestígio; e em outros três a subversão de padrões tradicionais encontrava expressão no personagem idoso.

Outro recurso metodológico usado no levantamento foi o grupo focal. Os participantes, que avaliaram os comerciais selecionados pelos pesquisadores, afirmaram que a publicidade deveria transmitir a ideia de que “as fases mais avançadas da vida devem ser tratadas como momentos propícios para experimentar vivências inovadoras em busca de novas formas de autoexpressão, explorando identidades de um modo que não é mais visto como exclusivo da juventude”. Um comercial em particular foi muito bem avaliado pelos participantes do grupo focal: o da campanha da vacinação contra a gripe que tinha como público-alvo os maiores de 65 anos. Veja o texto de um dos comerciais da campanha.

Um locutor, tendo como pano de fundo a imagem de duas celebridades, um sambista e uma poetisa, diz:

“O sambista Cartola gravou o seu primeiro disco aos 66 anos. A poetisa Cora Coralina começou a publicar as suas poesias aos 88 anos. Eu tenho 68, nunca fui ator e estou aqui gravando o meu primeiro comercial. Se você acha que está velho demais para fazer certas coisas, faça outras. Se você tem mais de 65 anos, vacine-se contra a gripe e o tétano. Você tem muito que fazer ainda. Velho é o seu preconceito.”

Segundo a antropóloga, a supervalorização da juventude acaba ocasionando um paradoxo entre nós: o envelhecimento precoce da população brasileira. “No século XVIII, viajantes impressionados comentavam em seus diários de viagem que no Brasil uma mulher antes de completar 18 anos já era considerada velha”, exemplifica a autora. Ela lembra também que Gilberto Freyre, um dos mais renomados analistas da cultura brasileira, deixou um retrato cheio de ironia das etapas em que a vida adulta feminina se desdobrava no Brasil e de como as mulheres, mesmo as de classe dominante, eram vistas e se comportavam. Antes de entrar na casa dos 30, elas eram consideradas irremediavelmente passadas: aos 18 atingiam a completa maturidade e depois dos 20, a decadência. Gilberto Freyre descrevia com detalhes esse suposto quadro de decadência física: “Ficavam gordas, moles. Criavam papadas. Tornavam-se pálidas. Ou então murchavam... Largadas, passavam grande parte do dia em casa. De lá só se deixavam tirar ‘como geleia de uma colher’”. Você acha que essa descrição de Gilberto Freyre ainda faz sentido? Como vivem as mulheres com mais de 60 anos de idade com as quais você convive? Elas passam a maior parte do tempo em casa ou são consumidoras ativas? E que tipo de entretenimento costumam buscar?

Atualmente, apesar de os idosos se verem como indivíduos mais produtivos e menos ociosos, a velhice continua sendo avaliada como algo negativo, que deve ser adiado a todo custo. A velhice, como afirma Guita Debert, é transformada em “um problema de in di víduos negligentes que não se envolveram no consumo de bens e serviços capazes de retardar seus problemas”. A lógica, então, passa a ser a seguinte: se o mercado coloca à disposição do consumidor um sem-número de medicamentos, cosméticos, aparelhos, só é velho quem quer, quem não investe em si. Nesse sentido, a autora pondera que o novo enfoque dos comerciais pode acabar sugerindo que a velhice é uma questão de escolha e que sucumbir às perdas da idade é fruto de escolhas inadequadas pelos indivíduos: “Ser velho [passa a ser visto como] um problema de indivíduos descuidados que foram incapazes de se envolver em atividades motivadoras e adotar o consumo de bens e serviços capazes de combater o envelhecimento”.


Página 344

O consumo, portanto, perpassa as várias camadas sociais e diz respeito a todos nós como indivíduos e como parte da sociedade brasileira. Que tipo de consumidor você é? É do tipo impulsivo ou reflexivo? Esbanjador ou controlado? Que tipos de produtos você consome com regularidade e quais deles fazem parte de sua lista de “objetos de desejo”? Você já pensou sobre as implicações geradas por seus hábitos de consumo e padrões de entretenimento? O que você está “comunicando” aos colegas da escola por meio de “bens” como sua mochila e seu tênis?



João Prudente/Pulsar Imagens

Idosos exercitam-se na academia ao ar livre, no Centro de Esportes e Lazer Dirceu Graeser, Praça Oswaldo Cruz, em Curitiba (PR), 2015.

A constatação de grandes mudanças nos padrões de consumo da classe média brasileira ao longo dos últimos anos chamou a atenção de especialistas de diversas áreas. Economistas e sociólogos se debruçaram sobre o assunto, buscando entender as causas e os efeitos dessas transformações, principalmente no que diz respeito à redução das desigualdades. O que indicaria o aumento de consumo? Quem consumia mais? Quais produtos entravam na casa de um número cada vez maior de brasileiros?

Esse tema ocupou muitas páginas de jornais e também a mídia televisiva. E suscitou mais perguntas que respostas. Algumas pesquisas ajudaram a tornar pública a questão. Segundo um estudo divulgado pela FGV, em 2014 a classe C agregava cerca de 118 milhões de pessoas no Brasil, cerca de 60% da população nacional. Em 2003, esse número era de 65,9 milhões, o que revela um crescimento de 60% em uma década.

Paula Radi

Fonte: Centro de Políticas sociais – GPJ/FGV a partir dos microdados da PNAD, POF e PME/IBGE.

De acordo com o economista Marcelo Neri, autor do livro A nova classe média: o lado brilhante da pirâmide, o fenômeno é resultado de mudanças significativas em setores como a educação, o trabalho, as políticas econômicas e as políticas sociais. “As pessoas pobres passaram a colocar os filhos na escola na década de [19]90. Na década seguinte, esses filhos chegaram à carteira de trabalho. As políticas econômicas responsáveis e bem administradas, além do boom do mundo até 2008, também ajudaram a ampliar a renda dos mais pobres”, diz ele. Neri afirma ainda que o processo de ascensão da classe C começou em 2004, ano a partir do qual o Brasil viveu três saltos significativos: mais pessoas passaram a ter acesso a cursos técnicos, houve aumento do número de trabalhadores com carteira assinada e a qualificação profissional também melhorou.

Essas mudanças se refletiram, na prática, no aumento do poder de compra de pessoas que, anos atrás, não tinham acesso a bens e serviços consumidos pelas classes mais favorecidas, como planos de saúde, escolas particulares e previdência privada. Um dos efeitos mais evidentes do crescimento dessa nova classe média foi a popularização das viagens de avião, que antes eram um luxo para poucos e que acabaram concorrendo com as viagens de ônibus. Os aeroportos recebiam muito mais pessoas motivadas pelos preços das passagens e, sobretudo, pelas atraentes condições de pagamento. Conhecer aquela praia da revista ou visitar aquele parente que mora longe passou a ser projeto acessível a consumidores que antes mal sonhavam em viajar de avião.
Página 345

Mas as mudanças não se restringiram às viagens. Os carrinhos de supermercado se encheram de produtos em uma variedade nunca vista para segmentos tão amplos da população. Antes, os mais pobres se privavam de determinada categoria de produtos, como alimentos industrializados, para sua renda chegar ao fim do mês. “Hoje, a classe C tem acesso aos mesmos produtos, talvez com uma frequência de compra um pouco menor”, segundo o economista Renato Meirelles.

Mas quem são, afinal, esses brasileiros cujos novos padrões de consumo chamaram tanto a atenção como fenômeno que estava mudando a cara do país? As pesquisas indicavam que nesse grupo estavam principalmente jovens com um nível de escolaridade maior que o de seus pais, que constituem famílias menores (com um ou dois filhos), têm o hábito de pesquisar preços e lutar por seus direitos. São consumidores mais exigentes e com grande desejo de mobilidade social. Com renda familiar em torno de 3 mil reais mensais (considerando famílias de, em média, 4 pessoas), eles investem em educação, turismo, computadores, comunicação e combustível, movimentando 58% do crédito no Brasil. Apesar dessas características comuns, Meirelles recorda que a classe C não pode ser entendida como uma massa homogênea. Afinal, “será que 108 milhões de pessoas consomem da mesma forma?”, questiona ele.

Junto com o fenômeno de ordem econômica, os cientistas sociais vêm tentando compreender os impactos que os novos padrões de consumo terão, em médio e em longo prazo, na sociedade brasileira. Indo além de números e estatísticas, sociólogos, antropólogos e cientistas políticos começam a olhar para as transformações dos hábitos e valores da classe média brasileira buscando entender, entre tantas outras coisas, os caminhos e descaminhos da redução da desigualdade em nossa sociedade.

Recapitulando

Cada indivíduo, ao longo da vida, pratica certo padrão de consumo que indica seu status e o lugar que ocupa ou gostaria de ocupar na hierarquia social. Além de traçar as particularidades individuais, os padrões de consumo mantêm relações diretas com a cidadania, com o acesso a bens e serviços coletivos. Isso significa que o consumo não se resume a ter ou não dinheiro. Dependendo do grau de informação ou educação, alguns poderão consumir o que é oferecido, e outros não.

Em todos os países realizam-se pesquisas sobre os hábitos de consumo dos cidadãos. Os resultados de quatro pesquisas feitas no Brasil demonstram algumas facetas da sociedade brasileira: a primeira aborda o consumo de bens culturais; a segunda, o consumo de alimentos; a terceira, a imagem dos idosos nas campanhas publicitárias; e a quarta, o recente fenômeno da emergência de uma nova classe média.

No Brasil, nenhuma classe social toma os bens culturais como algo supérfluo. Todas as faixas de renda, em todas as regiões, consideram importante ir ao teatro ou ao cinema, ler livros, visitar exposições de arte, assistir a programas de TV, ouvir rádio etc. No entanto, apenas uma minoria – composta de indivíduos mais escolarizados e com renda mais alta – tem acesso à maior parte das atividades culturais.

As camadas de baixa renda investem em bens culturais que podem ser usados no espaço doméstico. Isso significa que a maioria das famílias brasileiras concentra seus gastos em televisão, vídeo ou DVD, CDs de música e livros. Enfim, as práticas culturais que implicam saídas do domicílio – cinema, espetáculos, festas – estão restritas a menos de 20% da população. As desigualdades da sociedade brasileira não só se refletem nos padrões de consumo cultural, mas também indicam como a urbanização se deu no Brasil, propiciando uma reduzida oferta de espaços culturais (bibliotecas, teatros, salas de cinema, museus etc.) fora das capitais dos estados. Nos centros urbanos, a insegurança e a violência limitam o acesso de muitas pessoas aos espaços públicos.

Em suas refeições, as famílias apresentam muito mais regularidades do que a diversidade da culinária regional brasileira sugere. Sabemos que o churrasco é um prato típico gaúcho, o bife com batata frita é típico do carioca, e o feijão tropeiro, do mineiro; a moqueca tem suas variações baiana e capixaba, e assim por diante. No entanto, nas duas tradicionais “refeições quentes” do dia, os brasileiros de norte a sul do país consomem o trio arroz-feijao-carne, que impera absoluto.

As propagandas de produtos e serviços veiculadas pela mídia revelam aspectos que se mantêm e que estão em transformação na sociedade em termos de consumo e de mentalidade.

Nas campanhas publicitárias encontramos valores, sugestões de atitudes e comportamentos direcionados a grupos étnicos (brancos, negros, orientais, indígenas etc.), segmentos sociais (populares, camadas médias e elites), faixas etárias (crianças, jovens, adultos e idosos), categorias profissionais etc. Essas campanhas estimulam o público-alvo a consumir o produto anunciado.

A cidadania abre e fecha possibilidades de os indivíduos consumirem determinados produtos. A educação, a segurança pública, o acesso aos espaços de cultura podem ser considerados direitos que os cidadãos-consumidores têm nesse campo. Mas, em contrapartida, há também os deveres: os de ser um consumidor consciente de que suas escolhas têm consequências sobre o meio ambiente, sobre as relações de trabalho, sobre os direitos autorais e até mesmo sobre a distribuição da riqueza por meio dos impostos.
Página 346

Leitura complementar


Necessidade e consumo

Por trás de boa parte da crítica social ao consumismo da sociedade contemporânea se encontra a visão de que existem “necessidades reais”, verdadeiras, enquanto outra seria produto da publicidade e de uma sociedade dominada pelo exibicionismo e pela ostentação.

A antropologia já se ocupou de criticar a noção de que o consumo pode ser reduzido a uma visão naturalista, pois a cultura permeia sempre o gosto e define os produtos culturalmente adequados (por exemplo, não é “natural” que certas sociedades prefiram carne de vaca a carne de cachorro ou o contrário). A antropologia também mostra que os objetos consumidos não são apenas instrumentos de distinção social dos grupos dominantes, mas são utilizados, igualmente, como forma de marcar a identidade de qualquer grupo ou mesmo como forma de protesto social.

Embora a futilidade e a ostentação tenham sempre caracterizado e continuem a caracterizar a vida das classes dominantes, a sociedade moderna é uma sociedade de consumo não porque a massificação tenha levado o conjunto da sociedade a introjetar a necessidade de consumir cada novo produto lançado pela indústria e promovido pela publicidade, mas porque os produtos de consumo são, em sua maioria, condição de acesso à saúde, à educação, ao trabalho e à sociabilidade.

Na sociedade moderna, as consequências sociais do consumo não se reduzem à utilidade específica que leva à sua incorporação pelos usuários; elas têm muitas vezes efeitos inesperados ou paradoxais quando se disseminam no conjunto da sociedade. Assim, o carro individual facilita o transporte de um lugar a outro, mas, hoje, em muitas cidades o excesso de carros, sem que se mencionem os danos da poluição sonora e atmosférica, contribui para o uso da bicicleta como forma de deslocamento mais rápido. Novos medicamentos podem salvar vidas, mas os efeitos sobre o patrimônio genético da humanidade podem ser nefastos; assim como novas sementes que podem aumentar a produtividade poderão afetar de maneira irreversível a biodiversidade. Ou, como veremos no caso da sociedade da informação, bancos de dados que contêm a história médica do paciente ou compras por cartões eletrônicos que substituem o dinheiro podem ajudar a salvar vidas ou a diminuir o risco de circular com dinheiro, mas geram informação sobre a vida privada do usuário, o que pode significar um controle de sua intimidade.

De todas as formas, em face das críticas elitistas da sociedade de consumo, é sempre importante lembrar que a maioria dos produtos de consumo são usados, porque, no contexto da sociedade contemporânea, eles são úteis. [...].

SORJ, Bernardo. brasil@povo.com: a luta contra a desigualdade na Sociedade da Informação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora; Brasília: Unesco, 2003. p. 26-27.

Fique atento!


Definição dos conceitos sociológicos estudados neste capítulo.
Yüklə 2,63 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   28   29   30   31   32   33   34   35   36




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin