Zíbia gasparetto



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Capítulo 13
Gabriela chegou ao escritório pela manhã, aborrecida. Seu relacio­namento com Roberto estava pior a cada dia. Embora ele não dissesse claramente, ela percebia que o marido a vigiava, controlando seus ho­rários, suas palavras, até seu dinheiro.

Era insuportável e injusto. Ela nunca lhe dera motivos para isso. Sempre fora esposa dedicada, fiel. Amava-o. Se não fosse pelas crian­ças, pensaria em separação. Estava cansada daquela desconfiança.

Ele insistia que deixasse o emprego. Nunca faria isso, O trabalho ajudava-a a esquecer e a suportar os problemas em casa. Gostava de sentir-se útil, inteligente, respeitada, ter seu próprio dinheiro. Sentia-­se viva, participando da vida. Não suportaria ficar sem fazer nada.

Sacudiu a cabeça tentando expulsar os pensamentos desagradáveis e mergulhou no trabalho.

Passava das onze quando um homem procurou por Renato. Depois de falar com seu chefe, Gabriela introduziu-o, retirando-se em seguida. Sentia o coração oprimido e certo mal-estar, mas reagiu. Não podia dei­xar que questões pessoais atrapalhassem seu lado profissional.

Quinze minutos depois, Renato chamou-a. Atendeu prontamen­te. Pelo seu rosto sério, notou logo que estava contrariado.

— D. Gabriela, poderia explicar-me o que significam estas retira­das das contas de nossa empresa?

— Retiradas? Como assim?

— O gerente do banco trouxe-me estes cheques assinados pela se­nhora. Por que fez estes saques?

Atônita, ela apanhou os três cheques que ele lhe estendia, exami­nando-os. As assinaturas eram iguais às suas, mas ela nunca os assinara.

— Não compreendo, Dr. Renato. Eu nunca assinei estes cheques. Deve haver um engano.

— Nega que tenha sacado este dinheiro?

— Claro. Por que o faria? Todos os cheques são sempre assinados pelo senhor...

- Mas a senhora tem minha procuração para assiná-los quando viajo.

— Mas nunca assinei nada sem que o senhor autorizasse.

— Mas estes não autorizei.

— Estas assinaturas são falsas. Nunca vi estes cheques.

Voltando-se para o gerente do banco, Renato disse:

— Obrigado pelo seu interesse. Pode deixar que eu resolvo isso. Seria bom dar queixa à polícia.

- Pode deixar.

Ele se despediu e Gabriela, pálida, olhava sem entender bem o que estava acontecendo.

— Sente-se, Gabriela. Vamos conversar. Você está passando por al­gum problema financeiro?

— Não, senhor. Meu marido voltou a trabalhar e o que ganho aqui tem dado para nossas despesas. O senhor está pensando que fui eu quem tirou esse dinheiro?

- Custo a crer, Gabriela. Você é a pessoa em quem eu mais con­fiava nesta empresa. Mas conheço sua assinatura. Posso entender um ato de desespero. Não quer me dizer a verdade?

As lágrimas desceram pelas faces de Gabriela, que, trêmula, tornou:

- Como pode pensar isso de mim? O senhor me conhece há tan­to tempo!

- Nega que tenha sacado esse dinheiro?

— Nego. Seria bom que o senhor investigasse para descobrir quem foi. Garanto que não fui eu.

Ele ainda a interrogou mais um pouco, mas ela continuava negan­do. Por fim ele disse:

— O que aconteceu foi muito sério. O gerente disse que recebeu um telefonema avisando que uma pessoa da empresa estava dando um desfalque. Então fez uma sindicância e descobriu estes três cheques, com sua assinatura, sem nenhum comprovante de pagamento. Descon­fiou e veio até aqui.

— Pois eu garanto ao senhor que não fui eu quem os assinou.

Renato suspirou aborrecido. Gabriela parecia sincera, mas as pro­vas eram irrefutáveis. Ele não podia facilitar. Respirou fundo e decidiu:

— Preciso pensar melhor. Vá para casa, tire uma semana de férias. Vou investigar. Gostaria muito de acreditar em você.

- Eu não fiz nada, eu juro. O senhor vai descobrir a verdade!

— Farei o possível para isso.

Gabriela saiu dali arrasada e, sem dizer nada a ninguém, foi para casa. Renato deixou-se cair na poltrona, passando a mão pelos cabelos, preocupado.

Pensou, pensou, depois decidiu. Abriu sua agenda, procurou um te­lefone e ligou:

— Egberto? Preciso de você. Pode vir até meu escritório agora?

— Irei imediatamente, Dr. Renato.

Meia hora depois, Egberto entrava na sala de Renato. Depois dos cumprimentos, Renato colocou-o a par dos acontecimentos. Finalizou:

— Quero que você investigue essa história. Gabriela está aqui há anos e sempre foi excelente.

— As pessoas mudam, doutor.

— Eu sei. Mas ela negou com tal veemência que me pareceu estar dizendo a verdade. Pode mesmo ter sido outra pessoa.

— O senhor gostaria que fosse.

— Sim. Para ser honesto, sim. Ela é minha secretária de confiança.

— Bem, vou investigar. Saber se ela tinha dívidas, se comprou al­guma coisa de valor, se abriu alguma conta em outro banco.

- Faça isso o mais rápido possível. Dei-lhe uma semana de férias. É o prazo que você tem.

— Um detalhe chama minha atenção: o telefonema para o geren­te do banco. Como é o relacionamento dela com os colegas?

— Bom. Não me consta que tenha algum inimigo na empresa.

— Um inimigo, não, mas alguém querendo apenas dizer a verdade.

— É, pode.

— Preciso dos dados dela para começar a trabalhar.

Depois que ele saiu, Renato colocou a cabeça entre as mãos, abor­recido. Aquilo parecia um pesadelo. Nunca havia se enganado com al­guém. Não descansaria enquanto não descobrisse a verdade.

Gabriela chegou em casa abatida. Vendo-a, Nicete preocupou-se:

— O que foi, D. Gabriela? Está doente?

— Não. Aconteceu uma coisa horrível! Alguém tirou dinheiro da empresa falsificando minha assinatura. Eles pensam que fui eu...

— Que horror! Quem teria feito isso?

— Não tenho idéia. Deve ser alguém que conhece minha assina­tura. Estava bem parecida.

Você pode imaginar como fiquei!

Você foi despedida?

— Não. O Dr. Renato deu-me uma semana de férias. Espero que ele consiga descobrir quem foi, caso contrário não sei o que será de mi­nha vida. A quantia desviada foi grande. Não tenho esse dinheiro. Se ele acreditar que fui eu, não vou poder pagar.

Gabriela cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar. Estava assustada. Se a empresa desse queixa à polícia, ela poderia ser presa.

Nicete tentou confortá-la:

— Não chore, D. Gabriela. Deus é grande. A senhora não fez nada, por isso não deve temer.

Vai ver que em pouco tempo o Dr. Renato des­cobre quem foi e tudo ficará bem.

— Estou me sentindo muito mal. Ser tachada de ladra... Logo eu, que sempre fiz questão de ser honesta. Foi como se alguém me tivesse dado uma paulada na cabeça. Estou tonta, sem rumo.

— Vamos rezar, D. Gabriela. Deus vai nos ajudar.

— Não tenho cabeça nem para isso.

— Vou fazer um chá de cidreira. Enquanto isso, a senhora deve to­mar um bom banho, descansar. Eu levo o chá no quarto.

— Obrigada, Nicete, mas não quero nada.

Nicete não escondeu a preocupação. Durante anos convivera com Gabriela e nunca a vira em tal estado de depressão, nem mesmo quan­do Roberto perdera tudo.

Nicete era pessoa de fé. Depois do jantar iria ao centro espírita fa­zer uma consulta. Tinha certeza de que Gabriela estava sendo vítima de uma injustiça. A situação podia complicar-se. Ela precisava pedir aju­da espiritual.

Quando Roberto chegou e perguntou pela esposa, ela disse triste:

- Está no quarto, foi se deitar.

- Ela está doente? Veio mais cedo hoje. Aconteceu alguma coisa?

O coração de Roberto bateu forte e ele se esforçou para dissimular a satisfação. Ela teria sido despedida?

Imediatamente subiu as escadas e entrou no quarto. Gabriela es­tava deitada, janelas fechadas, e ele acendeu a luz. Ela protestou:

— Apague, por favor. Estou com dor de cabeça.

Ele apagou a luz e aproximou-se da cama, dizendo:

— O que aconteceu?

— Nada. Não estou me sentindo bem, por isso tirei uma semana de férias para descansar.

— Está doente? É melhor chamar um médico.

— Não é preciso. Quero descansar. Não estou disposta a conver­sar. Não é nada sério.

Ele alisou a cabeça dela com carinho:

— Não gosto de vê-La assim. Deu para notar que está abatida, pa­rece ter chorado. Deve ter acontecido alguma coisa. Não vai me contar?

— Tomei um comprimido para dor de cabeça e quero dormir um pouco para ver se passa. Depois conversaremos.

— Deve ter sido alguma coisa no emprego. Eles estão abusando de você. Tem trabalhado demais.

Gabriela suspirou triste. Não sentia disposição para contar o que acontecera. Sabia o que ele pensava sobre seu emprego. Certamente ficaria ofendido por ela ter sido humilhada daquela forma, talvez até fos­se na empresa tomar satisfações, causaria mais confusão, e ela não de­sejava isso.

Renato prometera investigar, o melhor seria esperar. Pediria a Ni­cete que não dissesse nada.

— Deixe-me descansar. Nicete preparou um chá. Peça-lhe para trazer mais uma xícara.

Ele saiu, e, assim que Nicete entrou, Gabriela perguntou:

— Onde está Roberto?

— Ficou com as crianças na copa.

— Feche a porta. Olhe, não conte nada a ele sobre o que aconte­ceu. Sabe como ele é. Vai logo querer se envolver, tomar satisfações. Eu prefiro que ele fique fora disso. Só vou contar se for preciso. Está bem?

— Claro. Pode ficar tranqüila. Eu só disse que a senhora estava indisposta.

— Fez bem.

— Não vai descer para o jantar?

— Não.


Vou trazer a comida aqui.

— Não quero nada. Meu estômago parece que tem uma bola den­tro. Cresceu de repente.

— A senhora não pode ficar sem comer. Vou fazer uma sopa e dei­xar sobre o fogão. Trarei algumas frutas e deixarei aqui. Estou pen­sando em sair um pouco. Vou ao centro pedir ajuda. Lavo a louça na volta. Posso?

— Vá. Reze por mim.

Depois que ela saiu, Gabriela fechou os olhos e tentou rezar. Mas não conseguiu. A cena de Renato mostrando-lhe os cheques com sua assinatura não lhe saía do pensamento.

Roberto desejava saber como as coisas haviam acontecido. Mas precisava esperar. Não queria telefonar para Gioconda de sua casa. Pre­feria conversar com ela pessoalmente no dia seguinte. Ela lhe garanti­ra que fizera tudo direito. Ele lhe levara alguns documentos assinados por Gabriela e ela conseguira uma pessoa que falsificara as assinaturas. Ele vira os cheques. Haviam ficado perfeitos. Se ele não soubesse a ver­dade, diria que aquelas assinaturas eram de Gabriela.

Depois, Gioconda retirara o dinheiro e guardara em casa. Colocan­do um lenço no bocal do telefone, Roberto ligara para o gerente do banco fazendo a denúncia. Certamente ele fora procurar Renato. Ima­ginava que Gabriela já houvesse sido despedida. Mesmo que Renato a amasse, certamente não suportaria ver-se roubado por ela.

Estava radiante. Gabriela ficaria em casa e, com o tempo, esque­ceria o desagradável incidente. Gioconda prometera interceder para que o marido não desse queixa à polícia. Fazia parte do trato. Assim, tudo estaria resolvido.

Ele não podia demonstrar sua alegria. Tomou conta das crianças para que não incomodassem a mãe, esforçando-se para parecer preocupado diante de Nicete.

Na manhã seguinte, Roberto levantou-se bem-disposto, porém fin­giu preocupação. Gabriela só conseguiu adormecer quando o dia come­çou a clarear, e ele pediu a Nicete:

— Não deixe as crianças fazerem barulho. Gabriela não dormiu bem e está descansando. Não a acorde. Preciso trabalhar. Eu telefono.

Apesar de ter ido dormir muito tarde, Gabriela levantou-se às nove horas. Vendo-a, Nicete disse:

— Vou servir um café reforçado. A senhora não pode adoecer. Está abatida.

- Não tenho fome, Nicete. Só vou tomar um gole de café.

— Nada disso. O pão está fresquinho e tem aquele queijo que a se­nhora adora.

- E as crianças?

— Estão brincando no quintal. Fizeram a lição.

Gabriela sentou-se à mesa, servindo-se de café.

Nicete preparou um sanduíche e colocou-o no prato ao lado dela. Depois sentou-se em frente à patroa, dizendo:

— Coma. Não sairei daqui enquanto não a ver comendo tudo.

Gabriela esboçou um sorriso.

— Está me tratando como se eu fosse criança.

— A senhora precisa reagir. Não pode se abater dessa forma. Fui ao centro e tenho um recado para a senhora. Sabe, eu freqüento lá há mais de cinco anos. Sempre desejei conversar com o Dr. Bezerra de Menezes, que é o mentor espiritual. Nunca consegui. Ontem, coloquei seu nome no livro de orações e, quando menos esperava, me chamaram dizendo que queriam falar comigo. Fiquei tão emocionada! Entrei na sala e o Dr. Be­zerra estava falando com algumas pessoas. Depois me chamou e disse:

— Sei por que você veio. Diga a ela que tenha fé. Nós a estamos protegendo. Tudo será esclarecido.

— Ele disse isso mesmo?

— Disse. Bom, eu fiquei muito emocionada. Senti um ar diferen­te quando ele falou comigo, uma brisa leve, era como se eu estivesse no ar. Não consegui nem falar. Não via a hora de lhe contar. Seria bom a senhora ir até lá.

Gabriela hesitou:

— Não sei... Nunca fui a um centro espírita. Tenho medo des­sas coisas.

— Pode ir sem medo. Lá é uma casa de oração onde todos só fa­zem o bem. As pessoas são muito agradáveis e há muito respeito. Eu ga­ranto. Tenho certeza de que vai se sentir muito melhor.

— Está bem, Nicete, vou pensar.

— Isso, D. Gabriela. Tenho fé em que tudo será esclarecido.

— Faço votos.

Roberto aproveitou o telefone em uma construção, enquanto es­perava o engenheiro, e ligou para Gioconda:

— Então. Acho que estourou a bomba.

— É. Deve ter acontecido. Renato chegou em casa abatido, com cara de poucos amigos, e por mais que eu insistisse não quis me contar o que o estava preocupando. Estou morta de curiosidade.

— Eu também. Pensei que você soubesse. Gabriela voltou mais cedo para casa e foi se deitar.

Está abatida, chorosa, disse que está in­disposta e por isso tirou uma semana de férias. Não acreditei em nada disso. Ela não quis me contar. Mas acho até que já foi despedida.

— Não diga! Que maravilha!

— Precisamos saber como estão as coisas.

— Hoje à tarde irei à empresa investigar.

— Tome cuidado.

— Fique sossegado. Arranjarei um pretexto e tentarei descobrir o que aconteceu.

— Eu ligo no fim da tarde para saber.

— É melhor não. Ligue amanhã cedo, como agora.

— Está bem. Vai ser difícil esperar tanto tempo.

— Se ela está em casa de férias, é porque foi despedida.

— Não quero que seu marido dê queixa à polícia. A situação pode se complicar se ele fizer isso.

— Ele gosta dela, não fará nada disso. Estou certa de que vai des­pedi-la e pronto.

— Espero que seja assim.

Naquela mesma tarde, Gioconda foi ao escritório do marido a pre­texto de fazer hora para uma consulta ao dentista que ficava próximo. Depois de cumprimentar o marido, disse cordata:

— Não desejo atrapalhar. Sei que está muito ocupado.

— De fato. Há uma pessoa importante que já deve estar chegan­do para uma reunião.

— Só vou fazer um pouco de hora. Não gosto de ficar na sala de espera do consultório. Fico nervosa.

Renato foi avisando que a pessoa esperada chegara, e Gioconda le­vantou-se logo, dizendo:

— Pode atender. Faltam quinze minutos para minha hora. Vou dar uma volta pela empresa e sair.

Despediu-se do marido e foi à copa. Disse à funcionária:

— Pode me servir um café?

Enquanto tomava o café, Gioconda deu uma volta pelo escritório, cumprimentando os funcionários. Parou perto de uma que já conhecia e com a qual simpatizava e indagou:

— Gabriela não veio trabalhar hoje? Não, senhora. Ela está de férias.

— Férias? Que eu saiba ela tira férias sempre junto com a escola das crianças. Tem certeza?

— Bom, foi o que eu ouvi dizer...

- Estranho. Teria acontecido alguma coisa com ela?

— Não sei. Ela me pareceu doente. Estava muito pálida, nervosa. Apanhou suas coisas e foi embora antes de terminar o expediente.

- Por que será?

- Não tenho idéia. Também gostaria de saber. Deve ter aconte­cido alguma coisa mesmo. Depois que ela saiu, o Dr. Renato estava mui­to nervoso. A senhora precisava ver. Quando Ana lhe perguntou o que havia acontecido com Gabriela, ele disse que ela estava indisposta e fi­caria de férias por uma semana.

Não era bem o que Gioconda desejava ouvir, mas foi só o que conseguiu. Saiu de lá pensativa. Claro que havia estourado a bomba. Certamente Renato ficara sabendo do desfalque e tivera uma briga com ela. Essa história de uma semana de férias fora só para encobrir a verdade.

A esse pensamento, Gioconda estremeceu de raiva. Apesar de tudo, ele a protegia, e estava claro que não pretendia denunciá-la à polícia. De repente uma idéia começou a incomodá-la. Ele a mandara embora com certeza, porque não queria ser roubado, mas pelo jeito estava muito apaixonado. E se continuasse se relacionando com ela mesmo depois de a ter despedido?

Era até provável que isso acontecesse. Nesse caso, não teria adian­tado incriminá-la. Precisava certificar-se de que, depois que ela saíra da empresa, não se encontrara mais com Renato.

Precisava falar com Ro­berto para que ele a vigiasse.

Ela preferia que a polícia a prendesse, mas, uma vez que Roberto era contra isso, ele que a vigiasse para que não continuassem se encon­trando. Era o mínimo que ele poderia fazer.

Na manhã seguinte, quando Roberto ligou conforme o combina­do, Gioconda foi taxativa:

— Não vamos conversar pelo telefone. Prefiro pessoalmente.

— Já sabe o que aconteceu?

— Uma parte. Vamos nos encontrar às duas horas no mesmo lu­gar da outra vez. Está bem?

— Estarei esperando.

Ela desligou pensando no que desejava dizer-lhe. Conforme o tem­po passava, mais e mais ela temia que eles continuassem se encontran­do. Queria evitar aquilo a qualquer preço.

Quando chegou ao local do encontro, Roberto já a esperava com certa impaciência.

Procuraram uma mesa reservada e sentaram-se para conversar.

Gioconda foi direto ao assunto:

— Renato deve ter mesmo descoberto o desfalque e mandado Gabriela embora.

Roberto exultou:

- Finalmente conseguimos!

— Ele disse ao pessoal do escritório que ela estava indisposta e ti­rou uma semana de férias, mas tenho certeza de que ela não voltará a trabalhar. Ele não permitiria isso. Conheço como Renato é rigoroso nesse aspecto.

— Nesse caso, podemos comemorar.

— Não penso assim. Ele nem tentou chamar a polícia. Deve estar muito apaixonado. Nesse caso, ela não vai mais trabalhar lá, mas receio que o romance deles continue.

— Como assim?

— Talvez eles continuem se encontrando, apesar de tudo.

Roberto empalideceu. Isso bem poderia acontecer. Passou a mão pelos cabelos, preocupado, e perguntou:

— O que podemos fazer?

— Eu já fiz minha parte. Agora você deve fazer a sua: precisa vi­giá-la até termos certeza de que eles acabaram mesmo.

— Não vai ser fácil. Tenho que trabalhar, e às vezes nem posso almoçar em casa.

— Não pode deixar um pouco o trabalho, até que estejamos segu­ros de que romperam mesmo?

— Estou em uma fase de muito trabalho, em que preciso recons­truir o que perdi. Se parar agora, posso perder o que já conquistei.

— Não há uma pessoa de confiança que possa fazer isso em seu lu­gar? Uma criada, você daria algum dinheiro.

— A criada fica sempre do lado dela. Nunca concordaria.

— Pois pense, ache uma solução. Pelo menos nos primeiros tem­pos precisamos ter certeza de que não estão se encontrando.

— Bem que eu gostaria de ter essa certeza.

- Só vai ter se fizer o que estou dizendo.

Depois que Roberto deixou Gioconda, esse pensamento não saiu de sua cabeça. Se por um lado não queria nada com a polícia, por ou­tro reconhecia que qualquer patrão em um caso como aquele teria dado queixa.

Por que ele não o fizera? Por amor, certamente. Gabriela era atraen­te, e, se ele estivesse muito apaixonado, continuaria com a ligação mes­mo depois que ela deixasse o emprego.

Ele precisava ter certeza de que aquilo nunca mais iria acontecer. Depois de muito pensar, decidiu. Iria pedir ajuda à sua mãe. Claro que não lhe contaria o que aconteceu, mas diria que Gabriela estava doen­te e ele queria que ela estivesse sempre ao lado dela para que não fizes­se nada que prejudicasse sua saúde.

Gabriela levantou-se naquele dia abatida, triste. Nicete esperava-a na copa e, vendo-a, disse:

— Está melhor?

— Um pouco. Estou mais calma. Sou inocente. Hoje acordei com a impressão de que logo tudo estará esclarecido. Apesar disso, sinto­-me triste.

— No centro eles me mandaram ir ontem novamente para ajudar. Fizeram um trabalho especial à distância. Mandaram lhe dizer que te­nha fé e coragem. Eles a estão protegendo.

— Acredito, porque esta noite consegui dormir. Foi uma boa ajuda.

— Agora precisa confiar e fazer sua parte. Vai se alimentar bem e entregar tudo nas mãos de Deus.

— Não posso fazer nada mesmo. Nem sequer sei quem falsificou mi­nha assinatura.

— Lembre-se de que, quando você não pode, Deus pode. Vamos confiar.

— Gostaria de ter a sua fé.

— Seria bom que a senhora fosse comigo ao centro esta noite to­mar um passe. Estou certa de que lhe faria muito bem.

- Vamos ver. Agora vou costurar um pouco. Não agüento ficar sem fazer nada. Preciso ocupar minha cabeça para não pensar. Há algumas roupas das crianças que precisam de reforma.

- É bom. Mas tome seu café antes.

Passava das quatro quando Georgina chegou. Roberto fora à sua casa pedir-lhe ajuda para Gabriela, e ela não podia recusar. Sentia-se lison­jeada por ele haver ido à sua procura e firmou o propósito de mostrar sua dedicação.

Encontrou Gabriela costurando e comentou:

- Bem que Roberto me falou que você estava doente! Está tão pálida, abatida. Por que não deixa esse serviço para Nicete? E melhor se deitar.

Gabriela, apesar de contrariada com a presença dela, não deixou transparecer. Respondeu apenas:

— Eu estou bem. Não precisa se preocupar.

- E o médico, o que disse que é?

— Não fui ao médico, D. Georgina. Não é caso para isso.

— Como não? Sua aparência é péssima. Acho que vou chamar o Dr. Miranda. É um excelente médico.

- Não é preciso. Estou muito bem. Já passou

— Mas as pessoas não se sentem mal sem uma causa. Insisto que devemos chamar o médico.

Gabriela sentiu que estava no limite de sua paciência e disse com voz firme:

- Não vou chamar o médico. Obrigada pelo seu interesse, mas estou bem.

— Eu vim para ajudar você. Ficarei aqui até Roberto chegar. Virei todos os dias até que fique bem. Meu filho está muito preocupado com sua saúde.

— Ele não precisava preocupar a senhora. Não há necessidade de ficar aqui. Nicete faz tudo. Estou costurando porque não gosto de ficar sem fazer nada.

— Sei que quer me sossegar, mas vou ficar.

Gabriela suspirou e não respondeu. No estado em que se encon­trava, agüentar Georgina era muito penoso. Por que Roberto contara a ela que não estava bem?

Teve vontade de mandá-la embora, mas conteve-se. Não estava dis­posta a enfrentá-la, muito menos a Roberto. Para se acalmar, pensou que ele estava interessado em seu bem-estar e não podia ser grosseira. Sus­pirou resignada, dizendo:

Nesse caso, vou pedir a Nicete para servir-lhe um café.

Respirou aliviada quando a viu ir para a copa tomar um lanche. Sa­bia que ela gostava de observar os mínimos detalhes de como ela diri­gia a vida da família, e, a pretexto de ajudar Nicete, ficaria lá durante a maior parte do tempo, o que a pouparia de sua presença.

Enquanto costurava, Gabriela pensava, tentando encontrar uma ex­plicação para o que lhe acontecera. Quem teria feito aquilo? Com cer­teza alguém que a conhecia. Em sua mente desfilaram um a um todos os colegas de trabalho, sem que pudesse suspeitar de nenhum. Eram to­dos amigos, formavam uma equipe entrosada, em que se ajudavam mu­tuamente. Renato era um chefe firme porém justo e conseguira formar um grupo interessado em progredir com a empresa.

Alguns estavam com ele havia vários anos, e, quando alguém en­trava, se não se afinasse, acabava saindo. Por isso, Gabriela não conse­guia entender o que lhe havia acontecido. Só podia pedir a ajuda de Deus e esperar.

Renato chegou ao escritório pontualmente às oito. Gabriela esta­va fazendo-lhe muita falta. Entretanto, não pensara em substitui-la an­tes de Egberto terminar as investigações.

A semana que dera a Gabriela estava terminando, e ele ainda não tinha nenhuma informação. Estavam no sexto dia. O que fazer se ele não descobrisse nada que a inocentasse? Quanto mais o tempo passava, mais Renato duvidava que Gabriela tivesse praticado aquele desfalque.

Ela lhe parecia uma mulher de princípios, honesta, cultivando valores éticos verdadeiros. Esse comportamento não se ajustava à sua personalidade.

A secretária ligou, avisando que Egberto estava esperando na recepção.

— Mande-o entrar — ordenou Renato ansioso.

Depois dos cumprimentos, tendo o detetive sentado à sua frente, Renato disse preocupado:

— E então, descobriu alguma coisa?

— Sim. Mas as notícias que eu trago não são muito boas. Estou constrangido.

— Gabriela tirou mesmo aquele dinheiro?

— Não, doutor. Não foi ela.

Renato respirou aliviado.

— Não sabe o peso que tira de cima de mim.

Egberto hesitou:

— É que o caso é mais grave do que parecia à primeira vista. Fun­cionário que dá um desfalque é coisa bastante usual hoje em dia. Mas este caso envolve pessoas tanto da família dela quanto da sua.

Renato olhou admirado:

— Como assim? Não estou entendendo.

— Vou lhe contar tudo. Meus relatórios estão claros.

Egberto entregou algumas folhas datilografadas para Renato.

— Depois eu leio. Conte você. Quero saber tudo.

— Naquele dia fui ao banco, mas não consegui saber nada além do que me contou. Tentei descobrir se ela tinha algum vício, dívidas, que a pudessem empurrar ao desfalque. Uma pessoa que sempre foi hones­ta só faria isso se tivesse desesperada. Tentei descobrir o motivo. Des­cobri apenas que o marido perdera tudo, ainda tinha dívidas que esta­va tentando pagar. Então eu pensei que talvez ele fosse cúmplice no desfalque. O dinheiro teria sido para ele. Assim resolvi segui-lo.

Egberto fez uma pausa e Renato pediu:

— Continue, por favor.

— Ele se encontrou com D. Gioconda em um restaurante. Foram para uma mesa reservada.

Aproximei-me o mais possível tentando ou­vir o que diziam. Algumas palavras me escaparam, mas ouvi o suficien­te para saber que eles planejaram o desfalque.

Renato levantou-se de um salto, dizendo:

— Isso não é possível! Eles não se conhecem.

— Pois eu conheço bem D. Gioconda. Eles estavam curiosos para saber que providências o senhor ia tomar com relação a Gabriela. Pelo que ouvi, ambos queriam que ela fosse despedida.

Renato deixou-se cair na cadeira sem saber o que dizer. Egberto prosseguiu:

— Não deu para saber certos detalhes, mas, pelo que ouvi, penso que foi por ciúme. Eles pensam que o senhor tem um caso com ela.

- Isso é um absurdo! Gabriela é uma moça correta. De fato, Gio­conda vive implicando com ela. Várias vezes pediu que a despedisse. Tra­ta-se de uma excelente funcionária, e eu me neguei a fazer isso. Por outro lado, Gabriela sempre dizia que o marido queria que ela deixasse o emprego.

Mas daí a praticarem esse crime, é difícil de acreditar.

— Pode crer, Dr. Renato. É a pura verdade. Fotografei os dois jun­tos, pode verificar.

Renato, com mãos trêmulas, abriu o envelope que Egberto colo­cara sobre a mesa e tirou as fotos. Não havia dúvida. Eram Gioconda e um outro homem.

- Tem mais, doutor.

- Mais? O que pode ser pior do que isso?

— Mandei um perito examinar os cheques. Eles disseram que as as­sinaturas são falsas, mas que é trabalho profissional. Eles contrataram alguém para o trabalho. Por outro lado, foi D. Gioconda quem sacou o dinheiro.

— Voltei ao banco e conversei com os caixas, descrevendo D. Gio­conda, e uma moça lembrava-se de havê-la atendido. Ela tinha pressa, mas, como a quantia era alta, foi preciso esperar para pagar. Foi ela quem sacou o dinheiro.

- Parece impossível!

- De fato. A princípio eu também duvidei. Mas sei que mulher ciumenta é o diabo! Já vi cada coisa! Ouvi quando ele disse a ela para intervir e evitar que o senhor desse parte à polícia.

- Sabem que eu a estimo e admiro.

— Bem, agora já sabe o que houve.

— Você foi maravilhoso, como sempre.

- O que pretende fazer?

- Ainda não sei. Mas é claro que preciso tomar algumas providên­cias. Eles foram longe demais.

- Já vou indo, doutor. Se precisar de mim é só avisar.

Depois que ele se foi, Renato leu o relatório, inteirando-se de to­dos os detalhes da investigação. Quando acabou, pensou em Gabriela. Pobre moça! Como deveria estar sofrendo!

Renato sentiu o estômago embrulhado. Chamou uma das secretá­rias e pediu que lhe arranjasse um sal de frutas. Pensou em Gioconda e sentiu repulsa. Depois do que ela fizera, não havia mais como continuar com o casamento.

Há muito aquele relacionamento se arrastava desagradável, mas ele, preocupado com as crianças, tentava protelar a separação. Agora não daria mais para conviver com Gioconda. Uma pessoa que faz o que ela fez é capaz de qualquer coisa. Iria pedir a separação e a guarda dos filhos. Sua interferência na educação deles sempre fora perniciosa, mas ele levava em conta sua falta de capacidade, de experiência. Porém o que ela fizera provava que era maldosa, desonesta, falsa.

Por isso esteve no escritório a pretexto de estar fazendo hora. Foi para tentar descobrir se ele despedira Gabriela. Mostrara-se amável, cordata, diferente do que costumava ser.

Um arrepio de raiva percorreu-lhe o corpo. Como é que ela conhe­ceu Roberto? Teria ido procurá-lo?

Renato sentia a cabeça pesada e, quanto mais pensava, mais e mais se sentia indignado.

Tomou então a decisão de se separar. Iria consul­tar seu advogado para decidir como conseguir a guarda dos filhos. Sa­bia que ela jamais permitiria e que as leis favoreciam a mãe.

Mas ele haveria de provar ao juiz que Gioconda não possuía equi­líbrio suficiente para cuidar deles.

Renato passou a mão pelos cabelos angustiado. Sabia que iria ter pela frente um período difícil, porém estava decidido. Não voltaria atrás. Ao praticar aquele ato deplorável, Gioconda, sem o saber, assi­nara a separação.



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