O dono do morro dona marta



Yüklə 5 Mb.
səhifə11/52
tarix02.03.2018
ölçüsü5 Mb.
#43769
1   ...   7   8   9   10   11   12   13   14   ...   52

o Chico Boca Mole, tinha apenas dois dentes inteiros na arcada superior.

Usava um pequeno chapéu branco de uma escola de samba. Adotara a

Santa Marta para viver, mas não era “cria” da favela. Foragido da polícia,

viera do Turano e tinha um abrigo provisório na casa do velho Pedro

Ribeiro, onde convivia com Paulista e fez amizade com ele e seus três

filhos. No morro e fora dele, junto com Paulista, fazia parte do grupo de

confiança pessoal de Cabeludo. E dividia com os dois o consumo exagerado

de pó. Os efeitos da droga dificultaram o seu papel como porta-voz
do chefe na guerra. Chico Boca Mole gesticulava muito. Rangia os dentes

o tempo todo. Na hora das gravações, como nunca largava a pistola

das mãos, os cinegrafistas precisavam recuar a câmera para que ele não

batesse com a arma na lente. O mais difícil era ouvir uma frase de Chico

Boca Mole sem palavrão.

- Manda aí na manchete: Zaca é um chifrudo arrombado!

Os repórteres tinham que implorar para que ele gravasse pelo menos

algumas palavras do linguajar comum.

- Tá bem, nova manchete: retira o chifrudo arrombado. Coloca aí:

Zaca, tu vai morrê, mané!

Dum! Dum! Dom!...Dum! Dom!... Dom!

Os disparos do AR-15 de Paulista anunciaram a primeira entrevista

“coletiva” de Cabeludo. Ao lado dele, na frente do Bar do Guerreiro,

Chica Boca Mole gesticulava e assobiava para o grupo de repórteres,

que estava a cem metros dali. Muitos viram os sinais do porta-voz convidando

para subir, mas por causa dos tiros todos acharam prudente não

se aproximar. Era um dia tenso por causa da chegada da Policia Militar,

que ocupou alguns pontos estratégicos na parte baixa do morro. Alguns

soldados reagiram e houve grande correria. Minutos depois do fim do

tiroteio, Chico Boca Mole reapareceu gesticulando com o chapéu branco

na mão.

- Eu vou ver o que esse maluco está querendo! - disse um repórter



aos colegas.

Radialista veterano, Ivo Leite saiu do meio do grupo com os dois

braços erguidos e o gravador em uma das mãos. Avançou devagar, passo

a passo, favela adentro, sob o olhar apreensivo de colegas repórteres,

policiais, traficantes. Dos dois lados, homens apontavam as armas na direção

de Ivo Leite, que encontrou Chico Boca Mole ao pé da Escadaria.

Dali ele viu o aceno de Cabeludo, que estava no Bar do Guerreiro,

naquela hora cheio de homens armados, jovens sem armas, mulheres,

algumas crianças, todas em volta do chefe. A experiência em coberturas

de violência ajudou Ivo a conquistar a confiança de Cabeludo, embora

ele declarasse sua antipatia pela imprensa. Convidado a conhecer o QG,

Ivo ficou impressionado com a precariedade. No botequim de um único

cômodo havia um balcão refrigerador, uma pequena mesa de bilhar e três
prateleiras com algumas latas de atum em conserva, uns dez pacotes de

biscoito, uma panela com restos de macarrão, alguns sacolés de cocaína

e cartuchos dos projéteis de guerra. Na parede sem pintura, a frase: “O

lado certo da vida errada!”

- Gostei de ver, Cabeça Branca. Tu é fera. Tu podia levá bala da policia,

cara. Olha só lá embaixo. Tá infestado de mané! E os teus colegas?

- perguntou Cabeludo.

- Ficaram lá, a barra está pesada - respondeu Ivo Leite.

- Que nada. Tudo carniceiro de favela. Eles só sobem aqui para vê

sangue, morto, carniça.

- Não exagere.

- Já que você é bicho homem, tô a sua disposição.

- Vamos gravar uma entrevista com você para o rádio?

- Que programa?

- Amarelinho de Ouro, só de notícias quentes, manja?

- Aí o cara, ó! Manda aí, manda aí!

Antes da gravação, Cabeludo cheirou uma fileira de pó e reclamou

de Chico Boca Mole, que prometera reunir todos os repórteres para uma

entrevista coletiva.

- Coletiva é o caralho! Cadê os microfone? Cadê as câmera? Se não

fosse o Cabeça Branca vir até aqui...

A entrevista começou objetiva:

- O Zaca diz que você é estuprador. Que você atacou a sobrinha dele,

por isso começou a guerra. É verdade? - perguntou Ivo.

- Estupradô? As mulheres é que querem dá pra mim. Tu faria o quê,

Cabeça Branca? Tu comia ou não comia? - respondeu Cabeludo.

- Por que a guerra, então? - perguntou o repórter.

- Ganância do Zaca. Qué o morro inteiro pra ele. Por que não faz uma

pesquisa, Cabeça Branca? O povo me adora.

- E a guerra vai até quando?

- Até quando eu matá o Zaca. Ou até quando ele me matá!

A entrevista de Cabeludo obrigou Zaca a também ter um porta-voz.

O encarregado de levar seus recados aos repórteres era um jovem franzino,

que quase morreu na infância por causa da subnutrição. Da doença

de criança, que provocava sangramento pelo ânus, ficou o apelido, Caga
Sangue. Para evitar o palavrão, a maioria da imprensa não citava o nome

do porta-voz de Zaca. Alguns repórteres inventaram um outro apelido

para ele, Cospe Sangue.

De todos os guerreiros de Zaca, Caga Sangue era o que mais desejava

vingar-se. Quina, a sobrinha do chefe, que teria sido violentada por Cabeludo,

era sua namorada. O caso teve grande repercussão no morro. Na

casa de Juliano, levou a uma briga entre as duas irmãs, que chegaram à

agressão física. É que Caga Sangue era muito próximo da família devido

à amizade com Zulá desde a infância.

- Estuprar uma menina de 13 anos. Isso é coisa de monstro! - acusou

Zulá.

- Bem feito! O Caga Sangue merece. Ele também gosta de estuprar



garotas novinhas. Você lembra muito bem o que ele tentou fazer comigo!

- respondeu Zuleika.

Quando tinha 12 anos, Zuleika foi atacada por Caga Sangue. Zulá

estava em casa, mas nada fez quando ouviu a irmã se debater e gritar. Era

uma forma de se vingar. Zuleika também já tinha sido omissa quando

Zulá sofrera uma agressão parecida. As duas irmãs de Juliano temiam ser

violentadas. Eram morenas bonitas, faziam sucesso com os jovens, mas

desde o início da adolescência muitas vezes precisaram da ação de Juliano

e dos amigos dele para se proteger dos assédios indesejados como o

de Caga Sangue. Zuleika foi pega nos fundos do barraco onde morava e

empurrada para dentro de casa. Por sorte os gritos dela atraíram a atenção

de um jovem assaltante que passava pela viela e resolveu socorrê-la.

O jovem era Cabeludo. Ele deu uma surra em Caga Sangue e por muito

pouco não o matou.

Quatro anos depois, um episódio da guerra alimentou ainda mais a

antiga inimizade entre os dois. Episódio que iria representar a recuperação

do exército de Cabeludo. Os homens de Cabeludo estavam no meio

do fogo cruzado. Por cima, enfrentavam os ataques dos traficantes inimigos.

Do lado oposto, os tiros vinham das armas da polícia, que ameaçava

invadir a morro a qualquer momento. Mas por ordem do chefe evitaram

trocar tiros com a polícia.

- Se tu mata cinco, surgem dez. Se tu atira em duzentos, mandam chamar

outros duzentos, trezentos. É jogar munição fora - disse Cabeludo ao
pessoal mais afoito. Juliano seguia rigorosamente todos os conselhos de

Cabeludo, sobretudo durante a movimentação noturna. Para não se confundirem

na escuridão, os diversos bondes adotavam uma mesma senha

de identificação, que mudava todo dia. Na madrugada do sétimo dia de

combate, a tática começou a dar resultado. Ao perceber a aproximação de

um vulto, um homem gritou.

- Madureira!

Se o vulto fosse de amigo a resposta deveria ser: Salgueiro.

- Portela!

O vulto acabou iluminado pelas luzes dos projéteis de fuzis e metralhadoras

disparados simultaneamente. Era um homem bem conhecido de

todos, Pedro Paulo dos Santos Olímpio, o Porquinho, de 33 anos.

- Matamos o irmão do Caga Sangue!

Pela manhã, o desejo de vingança fez Zaca sair da defensiva. Mas,

no ataque, a situação de seu exército piorou ainda mais em conseqüência

da perda de dois homens num único tiroteio. Como ninguém se arriscava

a sair às ruas durante os combates, poucas ficaram sabendo das derrotas

de Zaca. Para esconder o fracasso, pagou uma propina extra aos policiais

para que eles dessem um sumiço nos corpos dos dois mortos do

seu bando. Os cadáveres foram levados ensacados morro abaixo e depois

deixados dentro do porta-malas de um carro abandonado numa rua de

Botafogo.

As mortes e os tiroteios diários provocaram muitas críticas da imprensa

à polícia, que se limitava a acompanhar a guerra fora dos limites

da favela. Depois de uma semana, as imagens dos combates já estavam

no noticiário das televisões européias e americanas. A agência Reuters,

da Europa, deslocou um enviado especial ao Rio de Janeiro, o repórter

inglês Stephen Power, de 40 anos, que no morro ganhou o apelido de

Maifrendi.

Embora tarimbado em coberturas de guerras, era a primeira vez que

Power cobria um conflito entre moradores de uma mesma comunidade.

Na tentativa de descobrir a causa, ele procurou ouvir os dois lados. Zaca

não quis saber de conversa. Ao contrário de Cabeludo, que mandou Chico

Boca Mole oferecer uma entrevista exclusiva.

- Aí, Maifrendi, o chefe quer mandá uma sinistra para os gringos -
disse Chico Boca Mole ao repórter inglês.

Cabeludo afastou-se meia hora da guerra para dar entrevista. E o repórter,

que falava apenas algumas palavras em português, perdeu horas

tentando traduzir as gírias e palavrões, com a ajuda do “assessor” Chico

Boca Mole. Eram muitas as dúvidas em cada frase:

- Caga Sangue é Vacilão? Whar means? Que significa? - perguntou o

repórter.

- Vacilão ou bundão, ou mané, ou otário, o que tem que morrê! - respondeu

Chico Boca Mole.

- Oh, Yes. The one who must die. Tem que morrer! And Caga? And

Sangue?

- É o nome do cara, Maifrendi.



- Oh yes, rheguy.

- Isso aí, viado, cuzão.

- E o que significa o Paulista deu uns tecos?

- Aí tu já está querendo demais. Vai estudar, Maifrendi.

No dia em que a polícia do Rio de Janeiro resolveu fazer uma grande

operação na Santa Marta para calar as críticas da opinião pública, o

repórter inglês estava no morro no meio do batalhão de jornalistas que

acompanharam todas as cenas, algumas delas absurdas.

A operação da Polícia Militar fracassou antes de começar. Fora planejada

durante 48 horas para ser executada ao amanhecer do oitavo dia

de combate. Mas seus eternos rivais - os policiais civis - estragaram tudo.

Marcaram outra operação para o mesmo dia e, por esperteza, quase na

mesma hora, sem avisar os colegas da PM. Eles entraram na favela duas

horas antes do amanhecer, acompanhados por um grupo seleto de jornalistas

de confiança deles, avisados do plano na noite anterior.

Ainda estava escuro quando as luzes da imprensa iluminaram os becos

tomados por mais de cem delegados e inspetores das duas delegacias

de Botafogo, além de policiais da DRE, a Delegacia de Repressão

a Entorpecentes, da DRF, Delegacia de Roubos e Furtos, e da DVSul, a

Divisão de Capturas da região sul da cidade. Havia também um bando de

policiais voluntários, policiais que queriam vingar o assassinato do colega

Chuvisco, acontecido havia menos de um mês. Policiais desonestos,

interessados na apreensão para si das melhores armas dos traficantes,
completavam a operação. A ordem de uma operação conjunta partira do

governador do Estado, que considerava prioritária a missão de prender

Zaca e Cabeludo. Os rivais sabiam que também havia entre os policiais

um objetivo não assumido publicamente: a apreensão das armas de guerra,

cotadas a peso de ouro no mercado negro. Os primeiros moradores

suspeitos, detidos para averiguação, descobriram nos interrogatórios que

o mais caçado não era nenhum dos dois chefões rivais.

- Eu quero o Paulista, porra! Me dá o barraco dele - gritou o delegado

Hélio Vigio.

No morro, os assaltantes mais experientes, como Cabeludo, diziam

que Hélio Vigio era violento com os malandros e criminosos de baixa

renda, mas generoso com os corruptos e grandes contraventores. Na época

fora acusado de liderar um grupo de policiais que dava pouca importância

às ações de segurança de interesse coletivo para privilegiar as ações

repressivas encomendadas pelos ricos vítimas de assaltantes e ladrões.

No ano de 1987, todos os dias dez pessoas eram assassinadas e mais

de vinte sofriam assaltos na cidade do Rio de Janeiro. Quando soube que

Vigio estava na operação, Cabeludo alertou o seu grupo.

- Cuidado. Esse Vigio é puxa-saco de rico.

Mas a maior motivação de Vigio para se empenhar nessa operação era

a possibilidade de ganhar prestígio com a possível prisão de Cabeludo.

Ele adorava ver o seu nome envolvido em notícias de destaque na imprensa,

mesmo se a sua ação resultasse na morte de alguém. Outro fator

era a chance de conquistar para a polícia o então cobiçado fuzil AR- 15

usado pelos traficantes.

Dias antes da operação, Vígio fora informado pelo diretor de uma

agência de publicidade que Cabeludo era o assaltante metido a Robin

Hood que invadira sua casa e roubara uma pequena fortuna em jóias e

dólares. No assalto, como sempre fazia, Cabeludo disse aos empregados

que não tirava nada dos trabalhadores e tentou convencê-las a facilitar o

roubo contra o patrão. No depoimento sobre o assalto, eles contaram em

detalhes o que ouviram de Cabeludo:

- Aí, fica frio. Só roubo de bacana. Mas se não colaborá o bicho pega,

hein! Vamo aí. Vamo pegá as jóia do patrão. Onde tão os dólar? - teria

dito Cabeludo.
Boné escuro com a aba virada para trás, jeans e jaqueta de couro preta,

com a marca John Player escrito em amarelo nas costas, metralhadora

pendurada no ombro, sempre à frente de um grupo de dez policiais, Vigio

passou a manhã espalhando o terror nos barracos que invadia. Assustado

com a busca “pente fino” do delegado, o principal aliado de Cabeludo,

Orlando Jogador, conseguiu se embrenhar na floresta e fugir com o seu

AK-762. Os outros esconderam suas armas pessoais e enterraram o estoque

de trezentos gramas de cocaína e o AR-15 de Paulista nos fundos da

capela, no beco da Paz.

Inventaram um novo apelido para o portador da arma. Paulista passou

a ser chamado de Índio.

- Tô ferrado, os homi só perguntam por mim!

A perseguição se intensificou com a chegada simultânea dos soldados

do Núcleo de Operações Especiais e de dois Batalhões da PM, o

Décimo Terceiro de Bonsucesso e o da área vizinha à favela, o Segundo

de Botafogo, onde trabalhavam pelo menos vinte soldados acusados de

receber propinas semanais de Zaca. Eles invadiram o morro pela parte

baixa dominada por Cabeludo dando tiros para cima, provocando grande

correria, acompanhados a distância por dois helicópteros e bem de perto

pelos repórteres. Ao meio-dia, havia seis policiais para cada homem dos

dois grupos. O número exagerado gerou grandes confusões.

- Vamo entregá o AR-15 e livrá nossa cara - sugeriu Juliano a Paulista

quando viu o grupo do temido Hélio Vigio se aproximando do barraco do

pedreiro Zé do Bem, onde os dois estavam escondidos.

- Eu virei Índio, lembra? Segura aí, cochichou Paulista instantes antes

de estar sob a mira da arma de Vigio, que quebrou a porta da cozinha com

um pontapé.

- Eu sabia, eu sabia! Te achei, coisa ruim!

- Aqui é casa de trabalhadô - defendeu-se o pedreiro Zé do Bem.

- Trabalhador? O que três vagabundos fazem em casa a essa hora?

- A favela está em guerra, dotô. Não dá pra descê pro trabalho. O Juliano

é menor, tá indo pro quartel. E o Índio...

- Índio? Índio sarará? Cabelo ruim! - gritou Vigio, já puxando Paulista

pelos cabelos para derrubá-lo no chão.

Caído de costas, com o pé do delegado o pressionando contra o chão,
Paulista manteve-se calado, enquanto os outros policiais ameaçavam e

exigiam que ele falasse onde escondera o AR-15.

- Entrega logo esse fuzil! - ameaçava Vigio.

- Por amor de Deus, dotô, eu sou o Índio. O Paulista saiu de pinote!

- Pinote,isso é gíria de bandido.Tá pensando que eu sou mané, rapá?

Enquanto Paulista e Juliano eram conduzidos presos para o pé do

morro, os policiais militares gritavam nervosamente pelos walkie-talkie

que um repórter tinha sido ferido.

- Atenção, atenção todas as equipes. Acionar socorro. Repórter ferido

aqui perto da creche. Atenção todas as equipes...

- Aqui base do morro, câmbio. É tiro de fuzil ou de revólver? Precisa

de reforço, câmbio?

Como nenhuma ambulância conseguiria entrar nas vielas da Santa

Marta, o repórter Álvaro Miranda, do jornal O Dia, foi enrolado em um

lençol e levado pelos soldados, viela abaixo, até a Escadaria. Grande

quantidade de sangue escorria do rosto, ferido logo abaixo do olho direito.

- Foi o Zaca ou o Cabeludo? - perguntou um PM.

- Não é nada disso. Fui agredido por um colega, um fotógrafo - explicou

Miranda, tentando estancar o sangue com uma das mãos.

Uma discussão por um motivo banal. Desentenderam-se por causa

da escolha do melhor ângulo para fotografar os detidos sendo algemados

pelos policiais. Miranda tentou aproximar-se para entrevistar um dos

menores, sentados sobre um pequena monte de terra, vigiados por três

PMs armados. O fotógrafo Aníbal Philot, de O Globo, logo atrás, tentava

registrar a cena e reclamou da interferência de Miranda.

- Você estragou. Era a foto! Se cuida, seja profissional, porra!

- Quer me ensinar a trabalhar? Vá se fuder. Cuide da sua, que eu cuido

da minha.

Durante a discussão Miranda empurrou Philot, que viera falar bem

perto dele e devolveu o empurrão com uma pancada no rosto do repórter,

usando a máquina fotográfica como arma. A agressão abriu um corte

de 10 centímetros abaixo do olho direito. O sangue, que cobriu o rosto

inteiro, assustou colegas e policiais, que acreditaram que fosse ferimento

de bala. Três ambulâncias foram enviadas de bairros diferentes para so


corrê-lo assim que chegasse ao pé do morro.

Miranda foi o único ferido nas primeiras dez horas de operação. No

final do dia, os policiais lamentavam o fracasso - todas as detenções eram

de pessoas sem importância na estrutura do tráfico.

Dos sete presos - Paulista, Juliano e outros cinco homens do exército

de Cabeludo -, apenas um tinha importância estratégica na guerra por

causado AR-15. Mesmo descoberto pelo delegado Hélio Vigio, Paulista

não entregou o esconderijo do fuzil. Como ninguém conseguiu identificálo,

o escrivão que registrou a prisão escreveu o nome dele assim: José

Carlos Pereira, vulgo Índio.

Na carteira de identidade de Paulista, que ficara escondida na casa do

velho Pedro Ribeiro, o nome era bem diferente, Luis Carlos Trindade,

mas igualmente falso. Desde a sua chegada ao Rio, Paulista não revelara

a ninguém o seu verdadeiro nome.

Paulista ficou preso vários dias, mas juliano foi liberado horas depois.

Aproveitou a trégua na guerra - devido à presença da polícia no morro

- para voltar para a casa da mãe. Os civis já tinham ido embora, mas os

policiais militares mantiveram o cerco com barreiras em todos os acessos.

Não perceberam a passagem de Juliano, que estava acompanhado de

Betinha e da irmã, Zuleika.

Alguns amigos da Turma da Xuxa, que haviam se afastado dele no

início dos combates mas continuavam morando em seus barracos, foram

ao encontro de Juliano na casa de Betinha. Todos estavam preocupados

com o futuro, já que a vitória sobre Zaca parecia cada dia mais distante.

Outra preocupação era o destino de Cabeludo, que estava escondido

numa caixa-d’água desde o início da ocupação policial.

No dia seguinte o morro continuava ocupado pela polícia, o que levou

muita gente a sair às ruas para acompanhar as diligências. Os primeiros

jornais que chegaram à favela destacavam o fracasso do primeiro dia de

operação e as informações sobre o ferido e os presos. Um jornal popular

omitiu na lista dos detidos o nome de Juliano. Escreveu apenas as iniciais

e a idade: J. M. F., 17 anos. Quem descobriu a notícia foi Mentiroso, que

aproveitou a oportunidade para debochar de Juliano.

- J.M.F., 17, tá vendo? Você é quase nada, Juliano.

- Melhor se não tivessem escrito nada. Isso pode queimá o filme com
todo mundo.

- Se preocupa não, VP. Um dia tu ainda vai sê famoso. Tua mãe vai

ligá a TV na sala e vai dizê pro pessoal: venham vê, o meu filho virô

artista!


- Artista eu vô sê mesmo. Tá com inveja, Mentiroso?

Mentiroso continuou com a brincadeira.

- Aí, dona Betinha vai percebê um detalhe na imagem, uma pulserona

prateada nos punho do filhão sendo levado pelos homi de preto.

- Qual que é, Mentiroso?

- Do jeito que eu te vi, na guerra... Um dia você chega lá, chefão!

- Chega de brincadeira, temo que ajudá Cabeludo e o Chico Boca

Mole a vazá do morro antes que seja tarde.

A tática para garantir a fuga de Chico Boca Mole era atrair a atenção

dos policiais com o objeto que todos cobiçavam: o AR-15. Na hora da

pausa para o almoço, os guerreiros aproveitaram para desenterrá-lo. Dali

mesmo, do beco da Paz, apertaram o gatilho na posição intermitente:

Dum. Dum. Dum. Dum. Dum. Dom. Dum. Dum. Dom.

A correria dos policiais em direção ao beco da Paz deixou a Escadaria

aparentemente sem nenhuma barreira para a fuga de Chico Boca Mole,

que estava escondido a duzentos metros, na casa de dona Marlene, mãe

de Du.

Para disfarçar, ele tirou o chapéu branco, escondeu a pistola sob a



camisa e desceu os degraus devagar, cumprimentando naturalmente as

pessoas. Pretendia seguir direto em direção à rua Francisco de Moura.

Poucos metros à frente, percebeu que o QG de Cabeludo tinha sido ocupado

pela polícia.

Pelo menos um soldado estava lá dentro do Bar do Guerreiro, e percebeu

a fuga por um detalhe inconfundível: Chico Boca Mole tinha o hábito

de andar com o ombro direito rebaixado, mania herdada de assaltantes

da velha-guarda.

- Onde tu pensa que vai, malandragem? - gritou o soldado, já saindo

do bar com a metralhadora na posição de tiro.

- A casa caiu, Chico Boca Mole! Chama a imprensa agora, chama!

- disse outro soldado que chegava ali com mais um suspeito preso.

Sob protesto, Chico Boca Mole foi algemado com as mãos para trás
e imediatamente colocado no “chiqueirinho”, o compartimento de presos

de uma Veraneio da PM. Ficou parte da tarde dentro da viatura, aguardando


Yüklə 5 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   7   8   9   10   11   12   13   14   ...   52




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin