relógio Omega, um anel de ouro da colação de grau, cravejado de brilhantes,
um par de alianças e dois talões de cheque da Caixa Econômica
Federal e do Banco do Estado de São Paulo. Uma descoberta de Paulista
ao revirar a bolsa de couro do juiz acabou em agressão. Além de uma
pistola automática, ele descobriu a carteira funcional de José Roberto,
magistrado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
- É um juiz de direito? - perguntou Paulista.
- Sou magistrado! - respondeu o juiz.
- Pra mim dá na mesma, é tudo igual, da mesma raça dos homis, disse
Paulista, dando em seguida um soco que atingiu as costas do juiz.
Paulista ainda arrancou do pescoço de José Roberto um cordão de
ouro em forma de argolas ovais, que prendia uma plaqueta dourada com
uma pequena pedra de rubi, avaliado em 240 mil cruzeiros, equivalentes
a 480 dias de pintura de parede. Apenas com os pertences do juiz, Paulista
faturou 1,7 milhão de cruzeiros, conforme avaliação dos peritos criminais
do Rio de Janeiro. Para Paulista ganhar este montante de dinheiro
honestamente seria necessário passar 4.250 dias, ou 11 anos, pintando
paredes.
O casal aplicava o dinheiro do crime na compra de pequenos estabelecimentos
comerciais nos morros e de pontos em algumas feiras de
artesanato da zona sul. Também compravam carros, mas sempre usados e
de modelos simples, para não chamar atenção de algum delator. E nunca
esqueciam de fazer a poupança do acerto.
Achavam importante ter uma reserva para ser usada, caso fosse preso,
na contratação de advogados ou no pagamento de propinas aos policiais
desonestos, para o relaxamento do flagrante.
Paulista também mostrou a Juliano a importância do apoio da família
nos momentos mais difíceis da vida dos bandidos. No caso específico
dele, atribuía a longevidade no crime à lealdade unilateral da sua mulher,
Maria Brava Aguiar, que, a partir da convivência no Cantagalo, Juliano
passou a chamar de Mãe Brava.
A mulher o ajudou a escapar das situações mais difíceis nos seus 15
anos de crimes. Era parceira de assalto, se houvesse necessidade, e nunca
deixava de atuar na retaguarda da ação. Na hora do fracasso, era sempre a
primeira a tentar minimizar as conseqüências dos ferimentos ou das prisões
em flagrante. De 1979 a 1988, Paulista fora sido preso meia dúzia de
vezes e nunca havia passado mais de 72 horas sem receber uma visita ou
tentativa de visita de Brava Aguiar. Até nos presídios chamados de segurança
máxima dava um jeito de driblar as proibições, como aconteceu no
presídio Evaristo de Morais, o barracão da Quinta da Boa Vista, na zona
norte. Distante 20 quilômetros do Cantagalo, Brava tinha que tomar dois
ônibus para chegar ao presídio e nunca deixava de levar os filhos, tanto
na visita de quarta, quanto na de domingo.
Sempre providenciava mantimentos para Paulista cozinhar na própria
cela, além de frutas, biscoitos, pacotes de cigarro e alguns materiais
que ele pedia para o trabalho de “terapia ocupacional” na marcenaria da
cadeia. Isso o ajudou muito a enfrentar as horas de isolamento. No caso
do presídio de segurança máxima, o desempenho dele como artesão de
brinquedos de madeira mereceu elogios da direção e a conquistado benefício
legal de redução de pena, na proporção de dois para um: dois de
trabalho, um de perdão.
Nessa proporção, em vez de cumprir os trinta anos de cadeia, período
máximo da pena privativa de liberdade no Brasil, poderia reduzir pela
metade ou até mais, dependendo de outros recursos a que um prisioneiro
de bom comportamento tem direito. Graças à ajuda da mulher, Paulista
entusiasmou-se com as perspectivas do trabalho e se dedicou ao artesanato
e ao trabalho de gráfico como nunca fizera em sua vida. Participava
de todas as fases de criação de brinquedos e de revistas e aos poucos foi
se especializando na produção das caixas de embalagem.
Paulista merecia a fama de perfeccionista entre os colegas de marcenaria
por ter desenvolvido um modelo de embalagem especial para o
transporte dos brinquedos ou de revistas produzidos na cadeia. Era uma
caixa de madeira reforçada, de um metro de altura por um metro e meio
de comprimento, tamanho adequado às dimensões do caminhão que toda
quarta-feira recolhia a produção da marcenaria e da gráfica. Para evitar
danos durante o transporte, Paulista forrava a parte interna do caixote
com isopor e protegia os brinquedos e as revistas em pacotes individuais
de papelão. Cada caixa suportava 80 quilos de peso ou até mais, pois era
amarrada com cintas de aço para reforçar a segurança.
Numa quarta-feira fria de inverno, ninguém deu muita bola para a
brincadeira que Paulista inventou para testar a resistência da caixa. Perto
da hora do “recolhe”, quando os presos são obrigados a voltar às celas,
ele entrou em uma caixa nova e ficou lá como se fosse brinquedo de
madeira.
- Tá vendo como não quebra? E cabe muito mais aqui dentro - comentou
com um parceiro de marcenaria.
O parceiro completou o serviço. Fechou com pregos todas as paredes
do caixote, passou a cinta de aço para reforçar a segurança e colou o
adesivo com a palavra frágil escrita em vermelho. No escuro do caixote,
encolhido em posição fetal, Paulista concentrou os pensamentos nos prazeres
da vida em liberdade para não entrar em desespero. Em condições
normais, a restrição de ar poderia levá-lo à agonia e à morte em menos
de duas horas. Por isso, a demora do caminhão, que sempre fora pontual,
pareceu uma eternidade. Em uma hora de espera a umidade do suor de
Paulista já aparecia pelo lado de fora da embalagem.
Um amigo cúmplice, preocupado com o risco da morte por asfixia,
bateu com o martelo em um dos pregos da caixa e ouviu como resposta
três batidas na madeira,sinal de que Paulista estava resistindo ao sufoco.
Os carregadores empilharam a caixa por baixo das outras, numa posição
que deixou Paulista de bruços, aumentando ainda mais o sofrimento.
Para não gastar energia e não fazer ruído, permaneceu na mesma posição
enquanto o caminhão passava pelos portões de ferro. Nenhum carcereiro
desconfiou. No grande portão da saída, os funcionários do presídio exigiram
a apresentação da nota fiscal da carga.
Um soldado subiu à carroceria para examinar de perto os caixotes.
Uma vistoria de menos de dois minutos, que acabou com um pontapé
justamente na caixa em que estava Paulista, para avisar aos homens da
portaria que a vistoria tinha acabado.
- Liberaaaaado!!!
O caminhão chegou ao seu destino, uma fábrica de brinquedos, com
uma hora e meia de atraso. Brava e o filho mais velho, Difé, que aguardavam
num Fusca estacionado na esquina mais próxima, saíram do carro
e foram a pé até a fábrica, como se fossem comprar alguma coisa. O
motorista do trator, subornado semanas antes, providenciou rapidamente
a retirada da carga e a abertura da caixa onde estava Paulista.
Encolhido de bruços, paralisado, parecia desmaiado ou morto. Paulista
esperou ouvir a voz de Brava para mostrar que estava vivo e bem
disposto. Levantou-se com os olhos semicerrados por causa do impacto
da súbita luminosidade e saltou para fora do caixote, com pressa de sair
dali. O filho Difé, com uma pistola escondida na cintura, não tirava os
olhos de dois funcionários da empresa que estavam no pátio. Um deles
estranhou a cena e se aproximou por curiosidade.
- Muito prazê, so o mais novo funcionário da fábrica - se antecipou
Paulista enquanto trocava a camiseta do uniforme da cadeia pela camisa
que Brava trouxera.
- Será que eu estou ficando louco ou você saiu mesmo daquela caixa?
Antes de Paulista responder, Difé se aproximou, com arma em punho,
sem muita disposição de explicar o que estava acontecendo.
- Você não tá louco, não. Ele tava naquela caixa sim, a mesma onde
eu vô colocá você agora. Vamo logo...
Ameaçado de ser trancado na caixa, o funcionário não esboçou qualquer
reação e conseguiu convencê-los a sair dali sem violência.
- Tá bem, enfia a cabeça dentro da caixa e se olhá para a rua leva bala
- ordenou Difé.
Enquanto Paulista, Brava e Difé saiam rápido do pátio da fábrica,
o funcionário descobriu como foi possível um homem ser transportado
dentro daquele cubículo quase sem brechas de respiração. No fundo da
caixa, no meio de pedaços de isopor, estavam uma máscara e um cilindro
de oxigênio, que ventilaram os pulmões de Paulista durante as três horas
da fuga do Presídio.
- Que idéia, Brava, que idéia! - vibrava Paulista nos primeiros momentos
de liberdade.
- Te falei. Eu faria tudo pra te trazê de volta.
A nova família mostrou a Juliano o caminho do crime como meio de
vida, mesmo quando virou recruta do Exército, em 1988. No primeiro
ano longe da Santa Marta, ele e os amigos Alen, Soni, Vico, Du e Jocimar
prestaram o serviço militar na mesma unidade, a Escola de Educação
Física do Exército, na Urca. E nas horas de folga vendiam drogas nos
pontos de Carlos da Praça fora do morro ou na boca do Cantagalo, onde
alguns deles continuavam morando.
Outro jovem da Turma da Xuxa, Adriano, também serviu junto no
mesmo ano e unidade. Era o único amigo de infância que não se envolvera
com drogas, e por isso nem todos o consideravam do grupo. Ele
também se recusava a descolorir o cabelo das pernas. Filho de pais evangélicos,
Adriano fazia campanha sistemática contra o envolvimento dele
no tráfico. Embora não seguisse seus conselhos, Juliano o respeitava e
gostava de formar dupla com ele nas atividades de recruta. A solidariedade
entre eles era tanta, que quando um dos dois cometia uma indisciplina
e era punido com cadeia, o outro pedia para ser penalizado junto.
- Soldado Juliano, com todo respeito, tenente. Me apresento pra puxá
cadeia com meu amigo Adriano, tenente.
Os dois também gostavam de passear juntos no final do expediente
do exército. Tinham orgulho do uniforme que os ajudava a conquistar garotas
que trabalhavam no centro da cidade. Geralmente abordavam duas
amigas e as acompanhavam de ônibus até o bairro onde elas moravam.
Depois voltavam juntos para casa, mas só até Botafogo. Dali Juliano seguia
para o Cantagalo e Adriano, que não se envolvera na guerra contra
Zaca, subia para a Santa Marta.
No final da tarde de uma sexta-feira o plano de paquera da dupla não
deu certo e acabou afastando-os. Eles abordaram duas irmãs, filhas de
um sargento que tinham ido visitar o pai no quartel. A escolhida por Juliano
tinha um namorado mineiro e havia marcado um encontro com ele
na Cinelândia, centro do Rio.
Não quis envolvimento com Juliano. Já a irmã gostou de Adriano e
aceitou o convite para passear. Para facilitar o programa, em seguida
Juliano despediu-se do casal, batendo continência ao amigo fardado:
- Bom divertimento, comandante.
Adriano e a garota foram namorar no mirante da Pedra da Gávea, no
alto de uma montanha onde, no passado, muita gente gostava de admirar
uma das vistas mais bonitas do Rio de Janeiro. Abraçados, deitados na
pedra, eles não perceberam a aproximação de um grupo de jovens armados
com facas e pedaços de pau.
- É assalto! É assalto! É assalto! - gritaram, nervosamente.
- Que isso? Que isso? - reagiu, assustada, a namorada.
- Cala a boca! Você qué morrê? Tá vendo esse punhal aqui? - disse
um deles, ameaçando com um canivete junto ao pescoço de Adriano.
A namorada ficou paralisada. Entregou dinheiro, relógio, bolsa e não
reagiu nem mesmo na hora em que um dos assaltantes a puxou para longe
de Adriano.
- Vem cá, gracinha. Vamo lá para o alto, vamo! - disse o assaltante,
apontando o punhal.
Ao perceber que a namorada seria violentada, Adriano empurrou o
assaltante e puxou a moça para perto dele. A reação irritou todo o grupo,
que o cercou e passou a agredi-lo a pauladas. Adriano resistiu algum
tempo, até ser atingido por duas facadas nas costas. O grupo soltou a
namorada, fugiu sem pressa e o deixou agonizando no chão.
Juliano estava num pagode quando soube da morte do amigo. De
manhã bem cedo, ainda sem dormir, teve que fazer o reconhecimento do
corpo no Instituto Médico Legal. Ficou revoltado ao perceber as marcas
da brutalidade no corpo do amigo e jurou descobrir os assassinos para
dar o troco. O crime foi em 1988, mas até fevereiro de 2003 Juliano ainda
não tinha conseguido se vingar.
No quartel, Juliano adquiriu conhecimento sobre armas, apreendeu a
usá-las melhor e a gostar mais delas. O uniforme com boné servia quase
como disfarce para se encontrar com a irmã, a mãe e a mulher, Marisa,
nas ruas próximas da Santa Marta. Eram encontros para matar a saudade
e oportunidade para a família cobrar alguma ajuda dele no sustento do
filho Juliano Willíam. Enquanto era recruta, Juliano ajudava com uma
mesada equivalente a 100 dólares, dinheiro que ganhava na loja de Carlos
da Praça, em Copacabana e na boca do Cantagalo.
O dinheiro só começou a sobrar nos últimos meses como recruta.
Mesmo perdendo a guerra na Santa Marta, Carlos da Praça continuou
crescendo como fornecedor de cocaína nos morros da zona sul da cidade.
Ele se fortaleceu ainda mais ao se aproximar do Toninho Turco, um dos
maiores banqueiros de jogo do bicho do Rio de Janeiro e um dos primeiros
a estender o seu poder ao tráfico de cocaína.
Levado por Carlos da Praça, Juliano entrou duas vezes na fortaleza
de Toninho Turco. Numa deles, quando soube que Juliano era recruta,
o bicheiro manifestou vontade de ajudá-lo a deixar o crime. Prometeu
usar de sua influência com alguns homens do governo para garantir o seu
acesso à carreira militar.
Tenho muitos amigos na brigada pára-quedista. Posso falar para você
fazer um curso na selva com eles.
Mas foi a influência de Toninho Turco no universo dos criminosos
que levaria Juliano e Carlos da Praça a sonharem mais alto, em 1989,
com a venda de cocaína em outros estados. Eles criaram uma transportadora
de pó para fazer o chamado serviço de matuto: levar carregamentos
de drogas do Rio para Minas, Espírito Santo e Bahia.
Nos primeiros meses, tiveram Paulista como sócio para o fornecimento
de matéria-prima. Um ano antes, Paulista havia criado um esquema
próprio para buscar cocaína diretamente na Bolívia e entregá-la em
alguns morros controlados pelo Comando Vermelho.
Os maiores lucros do esquema de Paulista vinham do Cantagalo, pois
em 1989 seus dois filhos, Difé e Santo, já haviam assumido o posto de
“frente”, principais gerentes da boca. A eliminação do fornecedor intermediário
do pó levaria àmultiplicação dos lucros por dez, em relação ao
faturamento de uma boca que dependia de fornecimento externo.
O esquema independente de Paulista envolveu toda a família, mas
não deu certo por muito tempo. Enquanto os filhos homens Santo e Difé
cuidavam com afinco da gerência dos pontos de venda no Cantagalo, a
mulher, Brava, e a filha, Diva, o acompanhavam na compra do pó, direto
na fonte, em uma aldeia de índios na Bolívia.
Paulista conheceu os índios durante uma de suas fugas cinematográficas
da cadeia, no fim de 1988. Preso como traficante em Corumbá,
fronteira do Brasil com a Bolivia, ele liderou uma rebelião para escapar.
Recebeu uma Kombi, como havia exigido nas negociações com a polícia,
para o seu grupo de sete homens rebelados sair do presídio levando um
padre e dois advogados reféns, sob a mira de armas. Durante as negociações,
ele exigira, em troca da libertação dos reféns, um pequeno avião
para levá-los para bem longe da fronteira. Mas na fuga, já bem perto do
aeroporto, Paulista percebeu uma grande movimentação de policiais na
pista. Agarrou-se ao padre e o obrigou a saltar com ele para a estrada
com o carro em movimento. Na queda, quebrou os dois pés. Mas, com
ajuda do padre, conseguiu se arrastar para fora da estrada e entrar num
matagal.
Minutos depois os dois ouviram os tiros do fuzilamento de seus sete
parceiros de fuga, na entrada do aeroporto de Corumbá. Os dois advogados
também foram mortos.
Sempre com a ajuda do padre, Paulista arrastou-se pelo mato até chegar
às margens de um rio, na fronteira com a Bolívia. Como as fraturas
dos pés sangravam, evitou cruzar o rio com medo de ser atacado pelas
piranhas. Uma semana depois da fuga, Paulista foi considerado oficialmente
morto pelas autoridades de Corumbá. Brava Aguiar chegou a fazer
o “reconhecimento” do corpo de um homem encontrado às margens de
um rio, bem perto da fronteira. Ela não teve dúvidas para responder à
pergunta dos policiais no Instituto Médico Legal.
- É ele. É o meu querido Paulista - disse Brava, aos prantos.
Naquela hora do falso reconhecimento de Brava, Paulista, na verdade,
estava na região da cidade de Quijarro, numa aldeia de índios, que o
descobriram à beira do rio em situação crítica, com febre, faminto e com
risco de morrer por causa das infecções das fraturas expostas dos pés.
Os curandeiros da tribo salvaram a vida de Paulista com ervas medicinais.
E os caciques, donos de fazendas plantadoras de epadu, deram a ele
a chance de abrir seu novo segmento no crime, o tráfico internacional.
A ambição do grande lucro e a garantia de sigilo o levaram a envolver
toda a família nas duas pontas do esquema. As mulheres viraram mulas”,
encarregadas de buscar o pó direto na fonte. Ele ensinou o caminho da
aldeia para a mulher Brava e para a filha Diva, que viajavam a cada dois
meses do Brasil para a Bolívia para comprar coca dos índios.
Compravam em média 15 quilos em cada viagem. O peso nunca era
exato. As unidades de medida dos índios eram uma colher de chá, para a
venda de um grama, e uma caixa de fósforo, para dez. A compra era feita
diretamente no local da plantação.
Brava e Diva faziam o “batimento” do volume comprado para deixá-
lo o mais compacto possível, no formato de uma massa de pastel. Depois
cobriam os tabletes com várias folhas de plástico, para evitar a exalação
do cheiro. Na hora de voltar ao Brasil amarravam a massa de pó em várias
partes do corpo com fita adesiva, que colavam diretamente na pele.
Geralmente voltavam de ônibus. Não gostavam de envolver ninguém no
transporte. Só usavam carro ou caminhão se a rodoviária estivesse sob a
vigilância da polícia.
Depois de vinte horas ou mais de viagem, ao descolarem as fitas do
corpo a pele ficava em carne viva. Para evitar esses ferimentos, causados
pelas viagens tão longas, passaram a usar aviões, até serem flagradas no
aeroporto de Corumbá por agentes da polícia.
As duas foram surradas durante cinco dias. Os policiais suspeitavam
que elas fossem “mulas” a serviço de uma grande quadrilha e queriam
que elas entregassem os nomes dos chefes. Depois foram transferidas
para o Rio de Janeiro, onde ficaram presas. Na delegacia, mãe e filha
foram torturadas uma em frente à outra. Por ser mais jovem, Diva sofreu
mais. Passou por várias sessões de “submarino”, a submersão forçada
da cabeça dentro de uma lata d’água. E conheceu uma das sevícias mais
cruéis, a “cirurgia elétrica”. Teve os pulsos e tornozelos amarrados com
fios para não se debater enquanto o policial aplicava choques elétricos
como se fosse anestesia e usava um alicate para arrancar as unhas de seus
pés e de suas mãos.
Condenadas a seis anos de cadeia, Brava e Diva ficaram presas durante
um ano e seis meses. A prisão das duas representou um trauma para
Paulista, que se sentiu culpado por envolvê-las em um esquema de alto
risco. Por causa disso, abandonou o esquema do tráfico internacional e
foi morar num esconderijo na zona norte do Rio, onde conheceu o parceiro
de sua nova atividade criminosa, na época rara no Brasil: o seqüestro.
A quadrilha liderada por Paulista e Carlos Alberto Fidélios, o Calunga,
ainda estava em formação quando ele foi preso por porte ilegal de uma
metralhadora, em Junho de 1989. Como usava o nome falso de Laerson
Garrido Moura, os policiais que o prenderam numa blitz de trânsito não
sabiam que se tratava de um homem condenado, foragido da justiça.
Só no dia seguinte o identificaram como o famoso Luís Carlos Trindade,
que também era outro de seus falsos nomes. Por ordem da alta cúpula
da polícia do Rio, Paulista foi levado para um complexo de presídios
de segurança máxima, que havia sido parcialmente inaugurado, havia
quase um ano, no subúrbio de Bangu, para confinar exclusivamente os
homens do crime organizado.
Paulista foi um dos primeiros presos da unidade Bangu 1, que no futuro
teria uma triste fama. Dezenove dias depois vieram Escadinha e seu
irmão Paulo Maluco, William, Apache, Professor, Isaías, Rogério Lengruber,
Gregório, Gordo, Japonês, Pianinho, Celsinho da Vila Vintém, e
todos os dirigentes do Comando Vermelho que estavam espalhados pelos
presídios do estado.
No dia da inauguração, em 14 de julho de 1988, as autoridades da
época afirmaram que a estrutura da cadeia de Bangu 1 fora planejada
para assegurar o isolamento total dos prisioneiros. Eram quatro galerias,
com 48 pequenas celas individuais, apenas com um buraco sanitário no
chão, uma cama de concreto e uma prateleira, também de concreto, para
as roupas e para servir de base ao aparelho de televisão.
Os presos ficariam vigiados por um número de carcereiros sempre
maior que o deles. Um muro eletrificado de cinco metros de altura e com
a base a mais de dois metros da superfície era considerado um modelo
de segurança máxima. Até fevereiro de 2003, pelo menos, nenhum preso
conseguiu escapar de Bangu 1.
A rígida vigilância, porém, não impediria Paulista de se comunicar
com os parceiros da quadrilha de seqüestro, tanto dentro do novo presídio
quanto fora dele. As histórias dos “fundadores” do presídio, como
Paulista, iriam contribuir para Bangu 1 se tornar conhecido em poucos
anos como o maior “escritório do crime organizado do Brasil”, um QG
do Comando Vermelho fora do controle da justiça, como foi denunciado
pelos próprios promotores do Ministério Público do Rio, em 2002.
A mudança de “ramo” de Paulista abriria caminho para outros dirigentes
do Comando Vermelho se candidatarem ao controle do tráfico
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