Comando, confinados na galeria B. Naquela hora, ao perceberem que a
cadeia tinha sido dominada pelo CV, os presos da B começaram a gritar
desesperadamente por socorro. Alguns deles, como Dani do Jacarezinho,
Cagado do Vidigal e Miguelzinho da Ilha, fizeram uma barricada com
colchões e todos os objetos das celas junto aos portões da entrada principal
da galeria. Outros arrancaram as portas das celas para reforçar a
barricada e puseram fogo para criar uma cortina de fumaça e dificultar
a ação dos invasores. Mas foi uma arma “plantada” por Uê na galeria
que salvaria a vida deles.
- Se invadi vai morrê - gritou o preso Renato Gabriel, o Tico do TC,
ao disparar a pistola que estava escondida em sua cela. Bastou um único
tiro para os rebeldes desistirem da invasão da galeria B e partirem para o
ataque ao alvo principal: a galeria D, ocupada pelo pessoal do Terceiro
Comando e da facção Amigos dos Amigos, ambas lideradas por Ernaldo
Pinto de Medeiros, o Uê.
A resistência durou mais de dez horas. Os presos mais acuados amarraram
os lençóis nas grades da porta da cela, entupiram com palitos os
cadeados e tentaram quebrar os vidros blindados para escapar pela pequena
janela no alto do fundo da cela. Três presos - Elpídio Rodrigues
Sabino, o Pídio, braço direito de Uê, e seus dois cunhados, Orelha e Ro
bertinho do Adeus - não resistiram por muito tempo.
- Aqui ninguém entra enquanto o serviço não estiver feito - disse Fernandinho
Beira-Mar pelo rádio HT aos policiais que chegaram ao presídio
para negociar com os rebelados.
- Tu é o robô do Uê, rapá. Vamo arrancá o coração, aí!
Pídio foi o primeiro a ser dominado. Puseram nele um colete do uniforme
dos carcereiros antes de começar as sevícias e os espancamentos.
O massacre seguido de um motim durou exatamente 23 horas. Mais
de 300 soldados da Polícia Militar acompanharam as negociações do
lado de fora dos grandes muros. Só entraram no presídio depois que Fernandinho
Beira-Mar avisou, aos gritos, aos seus parceiros, que seu plano
havia sido bem-sucedido.
- Tá dominado. Tá tudo dominado.
Os policiais da perícia técnica encontraram um cenário terrível no
local da execução. No banco de cimento do hall da galeria estava o corpo
de Pídio. E no piso, no meio de uma piscina de sangue, os dos cunhados
e seguranças de Uê, Orelha e Robertinho do Adeus. Todos com muitas
marcas das atrocidades e dos tiros de misericórdia.
Na cela 6, os peritos encontraram um monte de cinzas, prova de que
Uê fora queimado enrolado em um colchão. Vários vidros vazios no chão
indicavam que tinham sido usados para levar à cela o álcool, o combustível
da execução. O crânio, embora esfacelado, ainda possibilitaria a comprovação
de sua identidade nos laboratórios do Instituto Médico Legal.
O parceiro e sócio de Uê, Celsinho da Vila Vintém, também estava
na galeria mas escapou ileso. As primeiras investigações apontaram que
ele traiu o velho amigo. Meses antes, Uê teria tramado a execução de
Fernandinho Beira-Mar. Teria negociado com o agente de segurança penitenciária,
Marcos Vinícius Tavares Gavião, a “compra” das chaves das
galerias por duzentos mil reais, equivalentes na época a 60 mil dólares.
Mas Gavião, segundo os promotores públicos, fez um “leilão macabro”
com os dirigentes das organizações rivais. Informado do plano por
Celsinho da Vila Vintém, Fernandinho Beira-Mar teria dobrado a oferta,
pagando à vista 120 mil dólares ao agente Gavião para executar a vingança
que os dirigentes do Comando Vermelho esperavam desde 1994.
O acordo com Celsinho da Vila Vintém também teria marcado o fim
da guerra do CV contra a ADA, que passaria de inimiga à condição de
aliada, como disse um dos presos aos jornalistas no fim da rebelião.
- O Terceiro Comando virou purpurina. E o Celsinho da Vila Vintém
agora é Comando Vermelho. ADA e CV são uma coisa só. Vai ter paz no
Rio de Janeiro.
As guerras e traições no tráfico, que em 1994 levaram à morte o amigo
Orlando Jogador, na época abalaram Juliano. Ele quase desistiu de
lutar pelo poder do morro.
Não imaginava que alguém pudesse ter a ousadia de fazer uma emboscada
contra o ídolo que considerava intocável e, agravante maior,
dentro do território dele. Impressionado com a dimensão atingida pela
guerra do narcotráfico, achava que dificilmente voltaria a adquirir confiança
para negociar operações conjuntas ou pedir apoio aos donos dos
morros amigos. Era como se houvesse perdido as referências no meio das
organizações criminosas.
Um ano depois, sem a retaguarda do ídolo para se recuperar do ferimento
na clavícula, passou um tempo escondido no barraco alugado pela
família numa favela da zona sul. E tinha outro forte motivo para se sentir
isolado e frágil: Jogador era a segunda-perda importante que sofria desde
a sua expulsão da Santa Marta, em 1993. A primeira tinha sido ainda
mais grave e de ordem familiar, a perda do pai Paulista.
Os antigos parceiros do Comando Vermelho afirmam que Paulista
começou a morrer quando se tornou especialista em pesquisa das grandes
fortunas do Brasil. E sobretudo por usar os seus levantamentos para
praticar um dos crimes mais antigos da humanidade, que privava os milionários
do direito à liberdade, o crime de seqüestro.
As primeiras ações bem-sucedidas contra empresários ricos logo impressionaram
os bandidos mais experientes. E deram a Paulista o prestígio,
entre os dirigentes do CV, para comandar de dentro da cadeia de
Bangu 1 a primeira quadrilha de seqüestro, de natureza não política, do
Rio de Janeiro. Na rua, o chefe das operações era outro homem experiente,
o amigo Calunga.
As ações de Paulista e Calunga no fim dos anos 80 e começo dos 90
eram ambiciosas. Eles só planejavam crimes que lhe dessem a certeza de
faturar grandes valores, para enriquecer depressa e atuar cada vez menos.
Embora na época fosse novidade no Brasil, era o mesmo tipo de seqüestro
praticado na China pré-comunista e nos Estados Unidos da época da
lei seca, nos anos 20. Em outros períodos, como nos anos 70, os seqüestros
ganhariam outras conotaçôes em diferentes lugares do mundo. Em
alguns países europeus, como na Itália, viraram instrumento de captação
de recursos para financiar ações guerrilheiras de um grupo extremista de
esquerda, as Brigadas Vermelhas. Mais de 500 famílias ricas italianas
foram obrigadas a pagar um total de 150 milhões de dólares para resgatar
seus parentes dos cativeiros.
Já na Argentina, no mesmo período, o seqüestro foi sinônimo de barbárie
praticada pelos ditadores militares, que executaram mais de 30 mil
pessoas que se opunham ao regime, principalmente militantes dos partidos
de esquerda.
No Brasil, no início dos anos 70, o crime de seqüestro também esteve
no centro da luta armada entre esquerdistas e militares de direita.
Os guerrilheiros levaram para o cativeiro homens influentes, como os
embaixadores da Suíça e dos Estados Unidos, e os usaram como moeda
de troca para a libertação de militantes presos pela ditadura militar. Com
o fim da guerrilha em 1972, essas ações de natureza política desapareceram.
Os seqüestros só voltariam em grande número ao Brasil no final dos
anos 80, sem conotações políticas, embora nos moldes dos praticados na
Colômbia.
Entre os colombianos, os seqüestros eram praticados ao mesmo tempo
por motivações políticas e delinqüência comum. As vítimas eram alvo
de narcotraficantes e de guerrilheiros esquerdistas. Os seqüestros de natureza
política eram praticados pelos guerrilheiros das Farc, as Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia, e do ELN, o Exército de Libertação
Nacional. Eles levavam para o cativeiro na selva empresários,
fazendeiros e executivos de empresas multinacionais da área petrolífera.
Usavam o dinheiro do resgate das vítimas para financiar a guerrilha. Nos
seqüestros de autoria dos narcotraficantes muitas vezes o desfecho foi a
morte. As vítimas eram juízes, advogados, policiais, jornalistas ou qualquer
profissional que se destacasse no combate ao comércio ilegal de
drogas. Muitos deles foram mortos nos cativeiros subterrâneos, instalados
em casas de áreas urbanas das principais cidades produtoras de pó.
Calunga e Paulista, criminosos comuns, trouxeram para o Rio uma
mistura das duas formas de seqüestro colombianos. Dos narcotraficantes,
copiaram os cativeiros urbanos, em geral pequenas casas de subúrbio da
cidade. Dos guerrilheiros, absorveram as técnicas de longas negociações
para pressionar o pagamento de altas quantias. No começo, só atacavam
famílias ricas, exigindo fortunas para o resgate. E em poucos meses de
atividade, já estavam influenciando a formação de outras quadrilhas no
Rio e em cidades diferentes. Em São Paulo, em 1986, um executivo do
maior banco privado do país teve que pagar quatro milhões de dólares
para ser libertado do cativeiro. Quantias semelhantes também foram pagas
por empresários, fazendeiros e donos de agências de publicidade.
Vinte anos depois, a autoria de parte desses seqüestros ainda era desconhecida
da polícia.
Apenas nos anos de 1990 e 1991 os valores dos resgates de empresários
no Rio somaram 70 milhões de dólares. Aos poucos os seqüestradores
cariocas foram reduzindo o valor exigido para o resgate, ampliando o
número potencial de reféns e, por conseqüência, expandindo o mercado
de seqüestros.
Levar para o cativeiro comerciantes e donos de pequenas empresas
era uma ação de menor risco e mais lucrativa do que o assalto a mão
armada. Por isso, no ano de 1991, muitos assaltantes do Rio viraram seqüestradores
e provocaram a primeira “epidemia” desses crimes no país.
Banalizada a ação, o valor médio dos seqüestros baixaria para trezentos
mil dólares em média. Nessa fase, os seqüestradores concentraram suas
ações contra os novos-ricos da zona norte do Rio de Janeiro. Embora o
patrimônio deles fosse em geral bem inferior ao dos milionários da zona
sul, os pequenos empresários do subúrbio tinham muito dinheiro em espécie
nos bancos, o que facilitava a tarefa dos criminosos. Dinheiro vivo
agilizava as negociações e reduzia a necessidade de longas temporadas
do refém no cativeiro.
Por causa da quadrilha de Calunga e Paulista, nenhuma categoria sofreu
tanto quanto os empresários de ônibus. No ano de 1991 eles foram
atacados dez vezes pelo grupo. A escolha da vítima era feita por Calunga,
que guardava mágoas profundas do transporte coletivo da cidade. Ele
cresceu vendo o pai sofrer com a condução que o levava de casa, no
subúrbio, para o trabalho, no centro. O pai ascensorista era obrigado a
acordar às cinco horas da manhã porque o ônibus da linha demorava quase
duas horas para deixá-lo perto da firma, na Cinelândia.
Muitas vezes Calunga viu o pai viajar pendurado pelo lado de fora,
pingente do ônibus superlotado. Ele nunca esqueceu do acidente que sofreu
quando estava com a mãe, amontoados no corredor. O ônibus bateu
na traseira de um caminhão e o jogou contra a janela de vidro. Calunga
sofreu vários cortes no rosto e no peito, e a mãe, imprensada pela massa
de passageiros contra um banco de ferro, fraturou uma das pernas.
Naquele dia, Calunga jurou matar o dono da empresa de ônibus, que se
negou a indenizá-los.
Ônibus velhos, malconservados, sujos, em número sempre insuficiente
para atender ao volume de passageiros motivaram algumas revoltas
violentas nos bairros vizinhos. Calunga e o pai estavam entre as pessoas
que apedrejaram e puseram fogo nos carros. Dez anos depois, quando virou
seqüestrador, Calunga resolveu se vingar. Tentou levar para o cativeiro
os principais empresários de ônibus da região onde morava. Calunga
tinha 29 anos e era analfabeto. Os erros de português e o ódio acumulado
em muitos anos marcavam os diálogos dele durante as negociações do
resgate com a família.
Depois da vingança contra os donos de ônibus, a dupla resolveu fazer
um seqüestro perfeito, que garantisse um dinheiro suficiente para tirar
Paulista da cadeia pela porta da frente. A reportagem de uma revista que
destacava o sucesso de uma mulher no comando da indústria do refrigerante
mais conhecido do planeta apontou o nome da vítima, Corine
Coffin, diretora presidente de cinco fábricas da Coca-Cola no Rio de
Janeiro, no Espírito Santo e em Minas Gerais.
No elenco de reféns potenciais elaborado por Paulista, Corine era
a prioridade número cinco, atrás de dois banqueiros do Rio e de dois
empresários da região serrana fluminense. Os donos de banco chegaram
a ter seus hábitos investigados pela quadrilha, que pretendia extorquir
deles grandes somas em dinheiro vivo, num tempo relativamente curto
de cativeiro. Desistiram por causa da segurança pessoal: ambos viviam
cercados de policiais contratados informalmente para vigiá-los 24 horas
por dia.
Os empresários da serra de Petrópolis eram alvos mais fáceis. A única
proteção que tinham contra eventuais ataques criminosos era a blindagem
de seus carros particulares. Um deles era herdeiro da família imperial
Orleans e Bragança. A freqüente exposição de sua imagem nos jornais
e revistas de ricos e famosos pesava contra a sua escolha como refém. E
como Paulista descobriu que o herdeiro do império era menos rico do que
aparentava, eliminou-o da condição de seqüestrável.
O outro empresário que esteve na mira da quadrilha era dono de uma
fábrica de móveis. Um fator particular o salvou do cativeiro. Não era
muito querido pela mulher nem pelos filhos adultos. Ele tinha uma amante
há muitos anos, circunstância que desfigurava o quadro familiar da
vítima ideal de seqüestro. Paulista queria escolher uma pessoa que, na
condição de vítima, causasse um trauma aos parentes. Sabia que uma
família abalada ficava fragilizada durante as negociações, com tendência
a ceder mais facilmente às exigências dos criminosos.
Renda anual de um milhão de dólares, casada, três filhos, Corine Coffin,
47 anos, era uma mulher sistemática, com uma rotina previsível. De
segunda a sexta-feira passava uma jornada de dez horas na fábrica, onde
chegava pontualmente às nove horas da manhã. Salvo eventual atraso
provocado pelas reuniões vespertinas, às vinte horas já estava de volta
à sua requintada cobertura dúplex de um prédio com vista para a lagoa
Rodrigo de Freitas.
Sozinha no banco de trás da Mercedes, Corine acendeu a luz interna
para ler o documento recém-enviado pela matriz americana. Era o começo
de uma noite de primavera e, no meio do trânsito congestionado da
hora do rush, ela nem percebeu que o motorista estava sendo interceptado
por dois Tempra de cor escura.
A luz da leitura ajudou Calunga a ter certeza do alvo. Ele saiu rápido
do carro, já apontando a metralhadora na direção do motorista da Mercedes.
Simultaneamente dois homens da quadrilha avançaram por trás e
bateram com as armas nos vidros da porta, ao lado do rosto de Corine.
Aterrorizada, ela não conseguiu falar nada, nem mesmo orientar o motorista
a se render.
Por confiar na blindagem da Mercedes, o motorista Roberto tentou
reagir. Inclinou o corpo sobre o banco dianteiro para abrir o porta-luvas
e pegar o revólver. Ele já estava com a mão na arma quando ouviu o pipocar
dos disparos da metralhadora contra o pára-brisa. Aos empurrões,
Roberto foi levado para o carro dos seqüestradores, assim como a patroa,
que já estava encolhida entre dois homens no banco traseiro.
Duas horas depois a notícia do sucesso do ataque chegava ao co-autor
do plano, recolhido à cela do presídio Milton Dias Moreira. Paulista
brindou com cigarro e muito refrigerante, comprados a peso de ouro em
sua galeria, mas fiado, com a promessa de pagar no futuro com os dólares
da Coca-Cola.
A ambição era faturar a maior fortuna até então obtida nos resgates de
seqüestro no Brasil. Por ordem e orientação de Paulista, a quadrilha começou
exigindo três milhões de dólares e avisou que não tinha pressa de
pôr a mão no dinheiro. Demorou dez dias para fazer o segundo contato.
Naquele momento, na casa de Corine, a família acompanhava as negociações
orientada pelos policias do DAS, a Divisão Anti-Seqüestro,
com o reforço de um profissional americano especialista em negociação
de resgate.
A tática do negociador americano era tentar surpreender os seqüestradores
com negociações objetivas, sem valor emocional, para deixar bem
claro a importância da vida da vítima para os dois lados envolvidos no
crime. Por isso, negou de imediato a exigencia de três milhões de dólares,
dizendo que considerava o valor absurdo, ofensivo.
- Você está nos chamando de idiotas... Corine não vale nem 20 mil
reais. Isso não é coisa de seqüestrador profissional - disse o negociador.
O contra-ataque de Paulista foi radicalizar ainda mais a negociação.
Ameaçou matar o motorista Roberto e suspender os contatos por tempo
indeterminado. Mas um problema grave de saúde fez Paulista e Calunga
mudarem seus planos. Corine sofreu quatro derrames no cativeiro. O
risco de vida levou-os a ceder nas negociações para devolvê-la mais depressa
à família ou a algum hospital. No décimo terceiro dia de cativeiro,
Corine foi Libertada em troca de 10 por cento do valor exigido no início
das negociações.
Para a família Coffin, o prejuízo maior não foi o seqüestro em si, mas
sua conseqüência. Um mês depois da mãe se recuperar dos derrames, os
três filhos foram morar nos Estados Unidos. Corine e o marido muda
ram-se para uma cidade do interior fluminense, onde passaram a viver
sob a proteção de um exército particular de 15 seguranças. Além dos fuzis
e metralhadoras de sua guarda pessoal, Corine comprou um revólver
para carregar na bolsa.
Entre os seqüestradores, o valor obtido com o resgate não chegou a
ser comemorado, era baixo demais para quem planejara faturar milhões.
Dos trezentos mil dólares do resgate, duzentos mil ficaram com Calunga,
que distribuiu cinqüenta entre a quadrilha. Os cem mil de Paulista viraram
uma poupança para, no futuro, tirá-lo da cadeia como planejara. No
ambiente interno do Comando Vermelho o seqüestro da Coca-Cola, por
causa de Paulista, ficou vinculado ao nome da Santa Marta.
Dois dias depois de sair da cadeia, em março de 1993, Paulista estava
de novo envolvido num seqüestro para refazer a poupança abalada
pelo tempo que ficou longe do crime. Dessa vez atacou o filho de um
empresário da cidade fluminense de Magé. Nessa época, por orientação
da polícia, a imprensa não divulgou o valor resgate para não estimular
outras ações. Mas era tanto dinheiro que no dia da partilha Paulista precisou
convocar Juliano e toda a família para ajudar a contar as cédulas
de dólar.
- Agora, basta apenas mais uma bola dentro e estaremos ricos para
sempre - disse ele, enquanto dividia centenas de milhares de dólares com
dez integrantes da quadrilha.
O próximo, de fato, seria o último.
Planejara com a mulher, Brava, atacar um empresário conhecido, do
comércio varejista. A notoriedade da vítima, segundo seus planos, iria
manter o caso no noticiário e isso facilitaria, para eles, o acompanhamento
das investigações da polícia.
Ele ainda estava na fase da campana, a observação dos movimentos
da potencial vítima, quando o plano chegou ao conhecimento de um policial
que os conhecia desde a Grande Guerra de 1987, o delegado Hélio
Vigio, que assumira em 1993 a direção da Delegacia Anti-Seqüestro. Nos
seus primeiros meses no cargo Vigio desenvolveu um estilo de repressão
que levou à morte de 13 seqüestradores dentro do cativeiro. Sem perceber
que também estavam sob observação secreta do grupo do delegado
Vígio, diariamente Paulista e a filha Diva acordavam às quatro horas da
madrugada para seguir os passos do empresário nas areias da praia de
Ipanema. Vestidos com roupas de maratonistas, eles se misturavam às
pessoas que, como o empresário, caminhavam de um ponto a outro da
praia para fazer exercícios. Era uma forma discreta de fazer o levantamento
dos hábitos do dono de uma rede de supermercados, que pretendiam
atacar em algum ponto de seu exercício matinal.
O plano era atacar o empresário na manhã de sábado, dia 29 maio de
1993, um dia depois do aniversário de Diva. Na véspera, Paulista reservou
o dia para comemorar o aniversário da filha, que estava completando
24 anos. Depois de cantar os parabéns e de cortar o bolo, que encomendara
de uma doceria do shopping Rio Sul, Paulista deixou seus homens
na festa e saiu com um amigo, Jorge Arregalado, que o esperava de carro
no Pé do Morro, para ir até o ponto da última reunião com os parceiros
de planejamento do seqüestro na Tijuca, zona norte. Deixara combinado
com Brava e Diva um encontro à noite na portaria do Tijuca Tênis Clube,
para assistir ao show do cantor Fábio Júnior.
Depois da reunião com Calunga e Jorge Arregalado, os parceiros foram
deixalo de carro na portaria do clube, onde a mulher Brava já o esperava.
A filha Diva, que ficara mais tempo na festa da Santa Marta, avisou
por telefone que estava a caminho. Foi a última vez que falou com o pai.
Brava ainda ouviria algumas palavras de Paulista. Ela chegou a ouvir o
barulho da emboscada da polícia na esquina do Tijuca Tênis Clube e não
teve dúvidas de que eram tiros. Correu a tempo de encontrar o marido
vivo.
- Paulista, Paulista!
- Era ele mesmo que eu queria, mulher! - teria dito o delegado Hélio
Vigio sem ouvir resposta de Brava.
Calunga e Arregalado tinham sido fuzilados pela equipe de Vigio
quando ainda estavam dentro do carro, no momento em que pararam
no sinal da esquina. Paulista tentara escapar correndo, estava caído na
calçada ao lado da porta aberta. E certamente também tentara usar uma
granada. Chegara a tirar com a boca o pino de aço, que detona os explosivos.
Quando Brava correu para socorrê-lo, Paulista agonizava. Ainda
tinha a granada nas mãos e o pino de segurança entre os dentes. Brava
encostou a cabeça do marido sobre o seu peito. O pescoço de Paulista
tremia como se estivesse sob o impacto de choques elétricos. Balbuciava
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