O dono do morro dona marta



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os cargos aos homens de sua confiança. Contou que estava escrevendo

uma longa carta para enviar ao presidente do CV no presídio de segurança

máxima de Bangu.

Entramos no primeiro hotel barato que encontramos porque ele queria

ligar o computador para reler trechos da carta ao CV e mostrar outros

documentos que tinha arquivado. Juliano, num gesto premonitório, pediu

para que eu copiasse todo o conteúdo do disco rígido. Havia guardado

nos arquivos eletrônicos um resumo de sua produção de texto durante os

seis meses de fuga. Também havia arquivado algumas cartas que recebeu

nos últimos momentos em que estava no Brasil.


Alguns bilhetes, escritos pela namorada Milene, estavam numerados.

1) Vou sentir muita saudade de você.., já estou sentindo.

Te desejo tudo de bom... que você realize o seu sonho.

Rezarei por você sempre.

Lembre-se que tem alguém aqui no Brasil que te ama de verdade!

Amor. Você é um supermaridão.

Você é um homem maravilhoso, é o homem que eu amo.

Milene.


2) De nós, tanto quanto a derrota.

Acredito em você! Sei que irá vencer! Boa sorte.

Boa vitória! Se cuida! Juízo, hein!

Sempre irei lembrar-me de você.

Beijos. Te amo muito. Milene.

De você só lembranças boas!! Te amo!!! Te adoro!!!

De sua gatinha, Mi.

Vou sentir muito a sua falta.

Me liga sempre que você puder, tá?

O último texto que havia criado, a letra de um rap, ainda estava incompleto.

RAP DO VP

“...Tenho uma idéia a ser dada

Que tem que ser escutada de coração

Alô rapaziada... O lado certo da vida errada

De consciência e razão

Que tá se havendo

Vamos se ligá

O inimigo é o opressor que só faz se matá

Irmão negro revolucionário

Eu não me calo.

O povo clama pelos irmãos de frente.
Vivem na prática ser conciente

Mano responsa não trai

Tem a tranquilidade de resolvê conflitos

E a fidelidade com os seus amigos

E paz, justiça e liberdade

Tem que ter fé em deus

O corpo fechado

Para lutá contra quem não está do nosso lado.

Povo se prepara para a luta

Contra o governo racista, filha da puta.

Irmão negro revolucionário

Eu não me calo....

O reencontro com Maria estava marcado para as duas horas da madrugada,

numa banca de revista que fica aberta 24 horas, na Calle florida.

Aproveitamos a saída para mudar mais uma vez de hotel, pois já estávamos

há mais de 40 horas no mesmo endereço. Sorte de Juliano. Antes do

dia amanhecer, um grupo de policiais brasileiros esteve no hotel à sua

procura, e ele nem ficou sabendo. Na hora da blitz, Juliano dormia a dois

quarteirões dali, na mesma avenida, numa pensão de alta-rotatividade

que cobrava 18 dólares o pernoite.

Nesta pensão foi a polícia que chegou antes. Passavam 20 minutos

do meio-dia de um domingo. Eu acabara de sair do hotel em direção ao

aeroporto. Juliano deixou o computador e a mochila no quarto e foi me

acompanhar até o terminal do ônibus exclusivo de uma empresa de cartão

de crédito. Paramos em uma cafeteria para combinar qual seria o lugar do

próximo encontro, provavelmente em outro país da América Latina.

- Tenho a impressão de que aqui você não fica por muito tempo - disse

eu

- Tu acha isso, mesmo? Por quê?



- Acho que você não vai suportar a falta de feijão.

- Eu tenho três possibilidades - disse Juliano.

- Virar um zapatista no México? - perguntei.

- Não sei quando, mas ainda terei uma conversa com o subcomandan


te Marcos. Hoje tô mais ligado na guerrilha das Farc, na Colômbia.

- A escolha depende do quê?

- Não tenho mais chance de escolha. Meu café agora se chama Maria,

meu almoço se chama Maria, meu hotel, meu transporte, meu remédio,

para tudo eu dependo da Maria.

- Mas você disse que são três possibilidades...

- A outra depende de mim não. Tô botando minhas cartas na mesa

com a irmandade, o Comando Vermelho, que não sabe a força que tem.

Ainda tenho esperança de mudá os irmãos CV.

Em nenhum momento da despedida Juliano manifestou o desejo de

seguir em frente com o projeto de dar adeus às armas, que no começo dos

depoimentos era o seu tema preferido. Parti sem deixar nenhum encontro

marcado, sabia que deveria aguardar os acontecimentos para definir o

local de uma provável nova conversa.

O destino de Juliano começaria a mudar drasticamente. No caminho

de volta; à pensão, ele percebeu - a um quarteirão da entrada - uma grande

movimentação da polícia. Pensou em seguir a pé pela calçada oposta

para ter certeza de que a invasão era realmente no seu hotel, mas desistiu

para não correr o risco de ser reconhecido por algum policial brasileiro.

Era mais seguro pegar um ônibus de uma linha comum. Ao passar em

frente à pensão, viu que alguns policiais estavam saindo e os outros já

estavam na calçada carregando as suas coisas para o porta-malas de um

carro estacionado em frente. A mochila de lona estava cheia, inclusive

com o cobertor amarrado nas alças. O computador também estava sendo

apreendido.

- Caralho, era o que restava da minha vida, caralho! - falou pra si

mesmo a caminho de um lugar onde pudesse encontrar Maria.
CAPÍTULO 35 NOVO SÉCULO

A carta veio em um envelope aberto e foi deixada sobre o balcão da

birosca de Mãe Brava, um sinal sutil de que estava sendo enviada para o

dono do morro. Trazia uma péssima notícia, a mesma que o internauta

Kevin já tentara transmitir a Juliano pela internet. Era um protesto contra

os novos administradores da boca, assinado por 18 homens da Santa

Marta que estavam presos nas cadeias de Bangu.

A carta fez aumentar o ambiente de desconfiança e incerteza na favela,

principalmente por causa do peso dos remetentes. Os presos eram

respeitados e tinham forte influência nas decisões sobre os principais

assuntos da boca e da comunidade. E estavam pedindo, no mínimo, o

afastamento dos “peixes do dono” Kito Belo, Faquir, Tucano, Rivaldo e

de todos os que tinham sido escolhidos por Juliano para reerguer a boca

nos primeiros dias do ano 2000. Para muita gente, a carta simbolizava

também um sinal vermelho para o chefe ausente. Desde a sua fuga para

a Argentina, era a primeira vez que o pessoal da quadrilha fazia críticas

pesadas a seu comando e exigia que ele tomasse providências urgentes

contra a nova gerência. Achavam que chegara a hora dos adolescentes

mais ativos nas vendas e na segurança da boca assumirem esse papel

confiado por Juliano aos veteranos, os com mais de 25 anos. Na verdade,

a carta aberta sintetizava o descontentamento de muita gente com sua

longa ausência do morro.

“Irmão Juliano,

Quem te envia esta escrita é a rapaziada FFTM B3B4 e Piragibe (Frente

Favela Santa Marta Bangu 3, Bangu 4 e Piragibe). Fechando numa só, pelo

certo, no intuito de falar o que não está certo dentro de nossa firma e da nossa

comunidade. Tu está ciente do que está acontecendo...

são muitas atitudes que para nós que temos a visão do certo não adotamos

este tipo de atitudes. Vamos a finalidade do papo.

Primeiramente sabemos e entendemos como está a situação da firma em

relação aos macacos. Somos todos concientes disso. Mas sabemos também que

a firma não está parada. Só fica parada se os amigos que estão a frente da

situação não souberem administrar da forma que tem que ser. Nós em geral

da família STM (Santa Marta) só queremos o respeito e o reconhecimento de


nossas lutas, pois estamos ficando esquecidos pelos irmãos... a realidade tem

que ser dita.

Sabemos também que fazemos muita falta. Somos mentes conscientes, e

mostramos na prática o dia a dia do certo. No caso dos irmãos não estão pondo

o rítmo certo em prática... estão trabalhando de forma errada pois estão só na

teoria. Queremos mais prática e o certo, pois é o crime. Pois se continuar da

forma que está eles vão de ralo e se você não procurar acertar vão tentar te

levar junto.

Esse papo é a realidade. É a pura verdade dos irmãos conscientes que tem

a visão e a prática do certo.

Somos todos reconhecedores da sua luta e a respeitamos na pureza legal e

gostaríamos de ter a nossa luta respeitada também da mesma forma.

A situação já foi inversa. O 33 esteve no sofrimento quando nós estávamos

na luta da rua. Naquela época falaram a pampa. Enviaram escrita dizendo que

estávamos com ritmo de alemão. O Belo, quem escreveu, nos colocou quase

no ralo. Mas a geral viu o nosso ritmo e a nossa união em prática procurando

fortalecer a firma e os irmãos, o melhor que podíamos fazer. Puxamos vários

bondes para a pista tentando nossos objetivos e uma melhora para todos nós.

Infelizmente não demos a tacada certeira e viemos para essa maldição (a cadeia)

sem condições nenhuma, dependendo do cumprimento de um bom trabalho

dos irmãos que se dizem conscientes.

Conviveram com os irmãos no sofrimento e saíram. Nós só não sabemos

quais eram os pensamentos deles. Se era mostrar o que aprenderam, ou nos

massacrar como estão nos demonstrando no dia a dia! Somos irmãos, mas o

crime está em primero lugar pois não podemos esquecer que estamos vivendo

esse lado certo da vida errada, não podemos ir pela amizade mas sim pelo

certo e pela razão!

Tem muitos com vacilação grave, merecendo mais do que ela no caso do

safadão do cana Chiquinho agente penitenciário que quando você deixou ele

no poder da Escola de Samba deu até paulada em amigo que fechava com nós

e não pôde ser tomada nenhuma atitude, para bolação da rapaziada que não

fecha com polícia. Essa era a situação que tinha que te tido cobrança e não

teve. Este puto continua convivendo em nossa comunidade.

Isso é certo?

Em relação as nossas famílias, está havendo falta de respeito e maus tratamentos.

Tem acontecido discussão dos que se dizem irmãos com a família do

preso. Nossa família é um manto sagrado para nós e merece sempre um bom

tratamento.

Em relação a comunidade, pedimos respeito e um bom tratamento e ter
consciência das atitudes que estão sendo tomadas, porque se a comunidade

não estiver satisfeita, se torna mais difícil sobreviver... Pedimos, dentro do respeito

de nossas lutas, o afastamento do 33 e o FK (Faquir), pois o ritmo que

estão impondo não é certo.

E pedimos que de uma oportunidade aos novinhos que na prática representam

mais do que eles! Fechamos contigo estando sempre certo, mas não

fechamos com aquele ritmo que se encontra na firma, pois você mesmo fala que

o certo é o certo, nunca o errado nem o duvidoso. Mas se a nossa palavra e o

respeito da nossa luta não estiverem valendo de nada deixaremos o silêncio e o

dia-a-dia responder por nós. Aguardaremos sua atitude e sua resposta.

Fé em Deus.

Espero que entendam que estamos bolados com o Faquir e o Kito BeLo o

33. Não temos vacilação. Quem tem é eles. E não estamos arrumando vacilação..,

só estamos mostrando a realidade que não estamos satisfeitos com eles.

União eterna!!! Família unida jamais será vencida! O mal nunca vencerá

o bem!


CV RL (Rogério Lengruber)

Assinado: Rapaziada FFTM B3B4 e Piragibe

Era uma carta aberta, assinada com uma caneta preta pelos presos nas

cadeias de Bangu 3 e Bangu 4. Ela deveria passar de mão em mão pelos

parceiros do morro, mas foi confiscada por Mãe Brava. Ela mostrou o

texto apenas para as pessoas de sua confiança, os filhos Difé e Santo,

Kevin e uma das irmãs de Juliano, Zuleika. Achava que a divulgação

poderia esquentar ainda mais as discussões internas e o risco de golpes

externos.

- Fudeu. Esses puto vão tomá o morro do meu irmão e o pior é que dá

pra sê contra, não!! - disse Zuleika.

- Isso podia durar muito tempo, não. O bacana viajando por aí e os

nego aqui se ferrando, sem arma, sem dinheiro, sem pó. Fudeu mesmo.

Não sei como ninguém ainda tomô esse morro dele - concordou Mãe

Brava.

- O pior é que o Juliano sumiu. No último contato ele disse que por



cinco minutos não foi preso lá na Argentina. Estava totalmente sem dinheiro

e disse que agora tudo poderia acontecer na vida dele - informou

Kevin.

- Essa carta tem que chegá na mão dele, senão esse morro já é - disse


Santo.

- Tá na hora do desenrole. Os irmãos tão lá na maldição, sabe como

é, as famílias deles tão na seca, sem tê como colocá um na mão do advogado...

O Belo não pode esquecê esse lado, aí - reclamou Difé.

Juliano ficou fora do ar durante vinte dias, tempo longo demais para

quem esperava na cadeia por uma resposta imediata. A demora já tinha

sido entendida como uma desconsideração do chefe, que estava viajando

para bem longe e talvez já tivesse abandonado o comando para sempre.

Ele restabeleceu contato por telefone, de novo pelo truque da chamada

a cobrar para um celular pré-pago.

Quem atendeu a ligação foi o missionário Kevin, que dessa vez não

precisou responder “si, si, adelante”. A telefonista era brasileira, Juliano

estava falando de algum lugar dentro do Brasil.

- Caralho. Que papo é esse cara? Pelo sotaque da telefonista já saquei

tudo... vou espalhar essa noticia pra rapaziada, aí.

- Nem fala, aí... Tô fudido, irmão. Tô passando fome, dormindo no

mato, na rua, sem um puto no bolso e sem um santo, cara, nenhum santo!

- reclamou Juliano.

Informado sobre a ameaça de um golpe interno na boca, Juliano conversou

horas com a quadrilha pelo telefone, que passava de mão em mão

entre os que estavam de plantão. No mesmo dia ele ditou uma carta, que

foi escrita no outro lado da linha pela amiga Luz. Era a resposta tardia

aos que estavam presos, que a receberam no dia de visita.

“Mil saudações.

Irmãos, desejo a todos saúde, tranquilidade para passá por esse momento

difícil.


Quero pedi desculpas pela falta de contato que estamos tendo, mas isso não

qué dizê que não sejamos irmãos e que todos devemos acreditá um no outro

sempre.

Sou fiel aos meus princípios irmãos, sempre pesso que todos não esqueçam



que somos da mesma familia, quando reclamam com outras pessoas de nosso

problemas dão condições a pessoas que querem vê nosso mal forte. Reziguinação

irmãos, sei que é o que mais tem, o que pesso é que continue não se deichá

abatê. Se tem alguma coisa fale com migo mande uma carta por exemplo. Pesso

que entre vocês, os que falam de mais pare de falá. O que se falá tenha con
ciência do que estamos pasando. Qual o morro que vocês viram tanto tempo

invadido pelos macacos? Pelos putos?

Se tem algum problema entre os irmão dezenrrolen. Pois se estivesse em

uma guerra em tiroteio um iria ajudá o outro e nós estamos no meio de um

tiroteio, em uma guerra. O inimigo diz assim (dividi para conquistá). No morro

tem muito mais humilhação que vocês aí na cadeia na rezignação, vocês não

estão agora lá para vê o que tá acontecendo, gostaria sem dúvida que estivece,

pois assim ajudaria a solucionar. Pois os que tão lá são pouco, nunca foram tão

pouco. Para quem não tem ideia do meu coração ou mesmo o que passa com

migo, pesso que lembre de mim, me diga vocês lembram de mim sacaniando os

irmãos que estavam presos?????

Esta idéia vai para quem servi a carapussa! Quando fala pros irmãos que

meu tempo passô o que querem dizê com isso? Meu sofrimento irmãos é muito

maior do que vocês posam imajiná e não pasará nunca pois vi que nós perdemos

tão na minha mente e estarão sempre. Não sabem como me dói tantos

irmãos mortos, e vocês presos, minha alma se sente mal com isso, meu coração

fica apertado. Só que não vou dá cabeçada, pois quase que toda minha organização

tá presa e um passo em falso tudo perdido. Precisamos do apoio de

Bangu 1 e sem um grupo unido não poderemos ter apoio e tudo ficará pior.

Tou perto e lutando por caminhos que não foram trilhados que para mim

são caminhos de conssegui nossas liberdades, não tô fugindo como pensam. Tô

trabalhando com a cabeça aproveitando essa falta de condições de plantá no

morro. Sei que nos falta muitas coisas para nossa família e muito das coisas

que falta é a liberdade de vocês. Dinheiro tem solução. Mas muitas outras não.

Falta irmãos que não terão como rezouvê.

Como nossos irmãos que morreram. Isso não voutará mais!! E eles merecem

nossos respeito e irmandade plena.

Na prática temos que sê mais forte agora, nesses momentos deficeis pois

muitos não morreram por dinheiro o poder, morreram pelo morro. E espero que

quando falam que eu pasei do tempo não esqueçam de mordê a língua. Pois

fazemos parte do mesmo lugar da mesma luta e nossa filozofia de Paz, Justica

e Liberdade. Não é só a boca, e também a diguinidade, pesso vocês irmãos que

tenham conciência tá brabo de achá solução, com nós dividido ficá pior. Que

Deus nosso pai continue protejendo a nossa orgulhoza bandeira de PJL na

prática. E que nunca mas os maquiadores usem os homês que vivem na cobiça e

maudade como o Paulo Roberto, que colocô o carro na frente dos bois. E acabo

traindo a ele mesmo. E ainda levô toda sua família de ralo. Muitos de vocês

devem se perguntá porque que eu dei tanta corda para o Paulo. O mais certo

édizê. Quanto mais corda melhó pra se enforcá sozinho. Mas não é isso só não.
Eu acredito na palavra de homem, pois a palavra de home é a única coisa que

temos, irmãos. E fatores como não tê crias de vivência no crime com experiência

pois a grande parte do nosso grupo estava presa. E a fauta de aparecê um

entre os que estavam preso ajudô ele se chegá. Bem como por ele tê ficado tanto

tempo preso aprendeu que quem é bandido cerá sempre bandido. Aí, pensei

melhor assim, é mais um pra somá e recebi o Paulo de peito aberto..

Bom, ele tinha chegado em uma hora que estava precizando e ele demonstrô

para minha irmandade (eu perguntava olhando na cara dele -Paulo tu vai

me traí? - e ele jamais! jamais!). É a mesma coisa que o Uê fez com o Orlando

Jogador, a mesma coisa que o Cláudio fez com o Raimundinho (eu pensava até

aonde o ser humano pode ir com isso?). O cara sofreu a vida toda e tá tendo

uma oportunidade, vai e trai? Sim irmãos, traiu! Disgrassado!! Irmãos, falá

isso para vocês é uma forma de dezabafá. A vida não nace pronta! E a sabedoria

só mesmo as esperiência que o tempo pode nos propocioná e que adiquirimos.

Hoje depois de tudo que pasei nesses 15 anos envolvido, digo só muita

fé em DEUS mesmo, pois o diabo é maquiadô da mente fraca. E da covardia

nem DEUS escapa.

Saudades de vocês muitas saudades de todos. Hoje tudo mudado, eu longe

sozinho aqui onde estou fico a pensá em nós no pico fumando um baziado, com

nossos irmãos os quais muitos só estarão na lembrança e no coração para

sempre.

Tenho essa conciência que vocês continuaram fazendo o papel de escravo



dos poderes!! Se vocês desejam tudo de bom ao povo eu dô minha vida por

isso!! Quem de vocês tá preparado a dá sua vida pelo povo!!

PAZ JUSTIÇA E LIBERDADE

Março de 2000”

Os homens da Santa Marta aceitaram os argumentos do antigo chefe

e encaminharam a carta imediatamente aos dirigentes do Comando

Vermelho nas cadeias de Bangu. Mas era tarde para evitar o golpe. Dias

antes, a cúpula do CV já tinha decidido retirar o apoio a Juliano, devido

ao seu longo período de afastamento do morro.

Buscava um substituto, um nome de peso na área do crime, que garantisse

para a organização o poder em uma favela geograficamente estratégica

para a expansão do comércio de drogas no Rio.

A “diretoria” do CV tinha um motivo ainda mais oportuno para impor

uma nova gerência à Santa Marta.


Nas vésperas do Carnaval de 2000 a polícia havia decidido sair da favela,

depois de um período de quatrocentos dias de ocupação permanente.

Na visão dos traficantes, era um sinal verde, que a curto prazo levaria

ao crescimento da venda de drogas. Por isso, precisavam com urgência

impor um chefe que marcasse sua presença na boca.

Sem a ocupação da polícia e com Juliano foragido, os moradores da

Santa Marta esperavam com naturalidade a chegada de um novo chefão

do Comando Vermelho. Muita gente apostava na volta de Carlos da Praça

ou de Claudinho. Alguns falavam nos nomes de My Thor, Caju, Elias

Maluco, Patrick, chefes de outros morros do CV.

Ninguém apostou nele, nem imaginava que o velho rival de Juliano

fosse dar um golpe dentro do território do Comando Vermelho. E que ele

ainda estivesse forte para vencer a guerra, a primeira do novo milênio na

Santa Marta.


CAPÍTULO 36 PERÍODO MATUTINO NÁUTICO

Jackson portava uma velha metralhadora Uru com o pente de munição

vazio. Os projéteis viraram coisa rara no morro. Mesmo se tivesse

carregada, não poderia usá-la, pois a arma fabricada nos anos 60 estava

emperrada, era um espantalho nas mãos de um adolescente de 14 anos.

Havia uma semana Jackson, de 14 anos, vinha usando outra tática para

enfrentar um provável ataque do inimigo.

Todos os dias, por volta das duas horas da madrugada, ele acendia o

pavio dos fogos para produzir explosões semelhantes às de um tiroteio e

assim provocar uma invasão da polícia ao morro.

- Melhor a polícia do que os alemão - disse Jackson às suas irmãs, que

o visitaram uma hora antes de a favela ser invadida.

A tática era ganhar tempo enquanto o Comando Vermelho providenciava

um reforço de sentinelas, que nesses dias não passavam de dez

adolescentes, dos quais apenas cinco estavam “armados” como ele.

Era a primeira semana de Jackson na função de sentinela, oportunidade

que esperara desde os 12 anos. Pouco antes de ser fuzilado, deixou

com orgulho nas mãos das irmãs o pagamento integral da semana, equivalente

a 100 dólares, que recebera da boca para garantir a segurança do

lado oeste do morro.

Os invasores chegaram quinze minutos depois da mudança de plantão

da boca. Jackson já havia tomado um banho na praça das Lavadeiras e se

preparava para dormir no seu pequeno quarto, de meio metro quadrado,

que ficava no lado externo do barraco da família. Logo depois dos primeiros

tiros, ouviu os gritos dos amigos que passavam pelo beco onde

morava.


- Jaquinho, Jaquinho! Vaza, vaza!! Vamo vazá que os alemão tão invadindo

lá no pico.

Não deu tempo para calçar o tênis novamente, nem de lembrar da inútil


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