aqui que eu vô sozinho.
Juliano avançou na escuridão com os dois braços esticados para baixo,
com as duas mãos apoiadas nas pernas, uma delas segurando a pistola
automática Eagle. Não percebeu que estava sendo seguido por Rebelde,
adolescente recém-integrado à quadrilha, que queria ajudar na cobertura
ao chefe.
Rebelde segurava o revólver com as duas mãos, apontadas para o
chão. Os dois se aproximaram do grupo de policiais, que estavam em silêncio.
No meio dos soldados, Peninha apoiou uma das mãos no cano do
fuzil, como se a arma fosse uma bengala. Para demonstrar tranqüilidade
e confiança, Juliano se aproximou cantando uma música de sua banda
preferida, Legião Urbana.
“Que país é esse? Que país é esse?...”
Perto o suficiente para reconhecê-lo, Juliano parou e chamou Peninha
para a negociação. O soldado tentou impôr regras.
- Que história é essa de vir pra cá armado? Assim não tem conversa
- disse Peninha.
- Agora já tô aqui. Tem mais volta, não, rapá! - respondeu Juliano.
- E se eu resolver te quebrar agora?
- Tem problema, não, aí. A rapaziada já tá preparada. Olha lá no barranco.
Que atirá? Eu vô, mas levo alguns de vocês comigo!
- E esse moleque aí?
Só neste momento Juliano percebeu que Rebelde estava atrás dele, na
cobertura, mas escondeu a surpresa. Tentou tirar proveito da situação.
- Meu time só joga no ataque!
- Deixa disso, rapá, tu nunca disparou nenhum tiro em ninguém.
- Então vô te mostrá... Me passa esse fuzil...
Peninha finalmente entrou na conversa de Juliano e concordou em fazer
alguns disparos contra o barranco, atrás do campo de futebol. O alvo
era uma lata de cerveja pendurada num arbusto, que voou ao ser atingida
pelo disparo do fuzil.
- Está vendo o que eu posso fazer com isso, moleque? - disse Peninha.
A resposta de Juliano foi com a pistola automática. Um único tiro
certeiro no que restou da lata de cerveja no chão. Peninha propôs outro
desafio, agora com o AK-47. Juliano não se desviou de seus objetivos.
Pegou a arma e não disfarçou o seu encanto. Era considerado o melhor
fuzil de assalto do mundo, o que mais matou na última metade do século
XX. Foi projetado pelo general comunista russo Mikhail Kalashinikov,
para enfrentar, na Segunda Guerra Mundial, o exército nazista de Hitler,
até então equipado com armas de melhor poder de fogo e qualidade. Mas
como só ficou pronto depois do final da guerra, em 1947, Kalashinikov
incorporou o ano da sua invenção e a sua característica automática ao
nome: AK-47. É uma arma patente, espécie de metralhadora de longo
alcance. Enquanto as metralhadoras disparam rajadas num raio de 15
metros, o fuzil AK-47 pode disparar até 600 projéteis por minuto e contra
um alvo a 400 metros de distância.
Cinqüenta e cinco anos depois de sua criação, ao constatar que o
AK-47 se tornara a arma preferida dos terroristas e bandidos do mundo
inteiro, o general confessou o seu arrependimento.
“Não quis inventar uma máquina de fazer viúvas. Se soubesse deste
destino preferia ter inventado uma máquina de cortar grama de jardim”,
declarou Kalashinikov em 2002.
A primeira coisa que chamou a atenção de Juliano foi o cano de passagem
do projétil de alta velocidade, um cilindro de 60 centímetros de
comprimento, com perfurações laterais que emitiam um som abafado
durante o disparo. Juliano fez pontaria em direção a Peninha e disse,
sorrindo:
- É minha. Pago mil e quatrocentos já. Sem conversa.
Juliano baixou a arma e tirou as cédulas do bolso da jaqueta e entregou
a Peninha, que contou uma por uma. Em seguida, os soldados entra
ram em seus carros, arrancaram de forma brusca, derrapando os pneus
no chão de areia, e partiram, deixando atrás de si uma linha de poeira. Os
homens gritaram, correram, cercaram Rebelde e Juliano, que ergueram
com a mão o AK-47, como se o fuzil fosse um troféu.
- Vamo descê pra base! - disse Juliano.
Eles seguiram para o Cantão a fim de encontrar Claudinho e os vinte
jovens de plantão na boca.
Nas primeiras horas da madrugada, quase todos estavam acordados,
animadíssimos com a aquisição. Formaram um grande círculo em volta
da arma. Como todos queriam matar a curiosidade, o AK-47 passou de
mão em mão. E parou nas mãos de seu dono. Ele festejou do jeito que
eles gostavam: dum, dum, dum, dum, dum, dum, dum, dum, dum!
O som dos disparos também provocou euforia na casa de Juliano,
onde Betinha, Zuleika e Zulá recebiam a visita da segunda mãe de Juliano,
a Mãe Brava.
- Agora ninguém tira o morro de nós - disse Brava, sem esconder a
satisfação.
Só Zulá não gostou de saber que o irmão se tornara o dono da arma
mais poderosa da quadrilha. Ela ainda lamentava a perda do namorado,
recém-expulso da favela. E torcia pela volta dele, mesmo que isso representasse
uma guerra contra o irmão.
- Logo, logo ele dá troco. Uma arma só não é nada pro pessoal do
Zaca - disse Zulá.
Mãe Betinha estava dividida. Em alguns momentos vibrava com a
ascensão do filho na hierarquia da boca e, em outras, temia as conseqüências
de sua ousadia.
Mãe Brava, que vinha conversando muito sobre Juliano durante as visitas
ao marido na cadeia, estava convencida de que o filho adotivo estava
num caminho sem volta.
- Nunca vou esquecê o que o Paulista me disse sobre o Juliano, Betinha.
Falô assim: esse moleque nasceu pra isso, é bandido dos bons - disse
Mãe Brava, e continuou: - Meu marido sabe das coisas. Ele diz que nosso
filho é o bicho e vai tê vida longa!
Pela manhã, os homens de Juliano, ainda insones, circulavam pelas
principais vielas para mostrar a aquisição à comunidade. Os mais atentos
observavam na cena a existência de um novo comando no morro, o trio
que estava sempre àfrente dos demais, os irmãos Claudinho e Raimundinho,
e o que mais estava despertando a atenção, Juliano, o dono do
AK-47.
A enorme curiosidade provocada pela arma fez a quadrilha parar algumas
horas ao lado da sede da Associação de Moradores. Improvisaram
uma espécie de exposição para todos que queriam vê-la de perto.
No começo da tarde, uma ligação para o telefone público do beco Padre
Hélio fez Juliano interromper a demonstração que fazia a duas jovens
encantadas com o fuzil.
- É pra você, Juliano. É o Peninha - disse o homem que atendera o
telefone.
Sem largar a arma, Juliano atendeu o telefonema ainda eufórico, elogiando
a arma, sem perguntar o motivo do contato.
- Manero, manero, Peninha. Essa arma é dez, cara!
- É. Dei mole. Mas vou pegar ela de volta! - retrucou Peninha.
Sem perceber as intenções de Peninha, Juliano propôs outras compras.
- Pode mandá mais que a gente compra. Quero botá vinte fuzil nesse
morro.
- Você não está entendendo, Juliano. Essa arma é minha. E você vai
me entregar ela de volta.
- Como assim?
- Manda teu avião me devolver ainda hoje aqui embaixo, na praça
Corumbá.
- O quê? Tu tá louco? Eu já te paguei e tu qué o quê?
- Isso mesmo, rapá, estou esperando no fim da tarde, na hora da Ave-
Maria.
- Tá doidão, Peninha! Qual é? Essa arma não sai mais do morro!
- Tu manda já ou eu vou aí buscar essa porra!
- Tu vai perdê a viagem, Peninha.
- Eu sou polícia, rapá. Tu é dedo mole, é?
A armação do golpe de Peninha assustou Juliano, que desligou o telefone
e foi depressa avisar os amigos.
- Os homis tão subindo. Eles querem o fuzil de volta, na marra!
Claudinho reagiu com preocupação. Sugeriu que o grupo consultasse
o patrão Da Praça, para saber qual deveria ser a melhor atitude. Raimundinho
discordou. Achou que não havia tempo para consultas, dada a
ameaça de um ataque imediato.
- Não temo escolha: vamo pra guerra!
- Podemo devolvê a arma e pegá o dinheiro de volta - sugeriu Claudinho.
- Isso é coisa de mané. Tu acha que o tira vai devolvê dinheiro, rapá?
- retrucou Raimundinho, já irritado com a postura do irmão.
A discussão causou um alvoroço diante do prédio da Associação. Algumas
pessoas não ligadas à quadrilha fizeram sugestões, outros manifestaram
indignação. Juliano conversou com os amigos dos tempos da
Turma da Xuxa, sobretudo com os de sua maior confiança, como Luz.
É o grande teste, Juliano. O Peninha entrou nessa para faturá em cima
de nós. - disse Luz.
- E se ele oferecê o dinheiro de volta? - perguntou Juliano.
- Esquece. Ele tá vindo pra nos robá... ou pra nos engoli!
O primeiro tiro pegou a quadrilha ainda indecisa. Mais de dez PMs
invadiram a favela pelo largo da rua Jupira, já perto do beco principal
onde os homens de Juliano estavam concentrados. Avançaram devagar,
encostados às paredes dos barracos, com as armas apontadas para o alto
à procura do inimigo. Dispararam ainda sem alvo, apenas para impor o
medo.
A imediata reação de Doente Baubau sinalizou o perigo. Ele dormia
sentado nos degraus da porta de um barraco. Levantou-se assim que ouviu
o tiro, ergueu com as duas mãos a barriga para correr mais depressa.
Minutos depois, por ser o mais gordo e o mais ingênuo, era usado como
escudo de uma fila de homens àprocura de algum lugar estratégico de
combate. Claudinho tentou assumir a liderança, com a sugestão de um
recuo.
- São os homis! Vamo corrê pra cima.
Alguns guerreiros se aproximaram de Claudinho, decididos a apoiá-
lo, atitude que irritou Raimundinho. Ele se obrigou a recuar também.
- Espera, caralho!
O adolescente Rebelde interferiu na discussão, com uma atitude im
previsível. Sem esperar nenhuma ordem, disparou a sua pistola automática
até acabar a munição contra o primeiro soldado que apareceu para
o combate.
- É contigo, Juliano - gritou Rebelde, enquanto recarregava a pistola.
A reação de Rebelde paralisou os companheiros que recuavam e impediu,
por momentos, o avanço dos soldados. Crianças e adultos correram
para se proteger nos barracos, fecharam portas e janelas.
Claudinho gritou com Juliano, tentou convencê-lo a empurrar os
guerreiros para a fuga.
- Enfrentá a polícia é loucura, vambora! Joga essa arma no chão,
porra!
Antes de Juliano se manifestar, Raimundinho respondeu com uma
atitude que mostrava a sua preferência. Pegou duas granadas que estavam
no bolso e gritou com o irmão.
- Vamo encará, cacete!
Uma rajada de metralhadora acabou com a gritaria dos homens de
Juliano, que se jogaram no chão. Ficaram paralisados em silêncio por
alguns minutos.
Os primeiros que se levantaram para fugir provocaram uma nova rajada,
desta vez seguida de um grito de terror. A voz era conhecida.
- Cheguei pra quebrar - gritou Peninha, protegido atrás de um poste
de concreto, a 50 metros dos homens. Dali, não tinha ângulo para ver a
posição do trio que comandava seus inimigos. Claudinho, que estava
numa posição mais acima, conseguiu se arrastar e retomou a fuga, acompanhado
de vários homens. Raimundinho estava sobre uma laje, de onde
conseguia ver o movimento de alguns soldados que ainda estavam no pé
do morro.
Rebelde e Juliano se arrastaram até o porão de um barraco, atendendo
a um chamado de Luz. Dali os três fizeram sinais com o dedo indicador
cruzado sobre os lábios para pedir silêncio ao pequeno grupo de homens
deitados no chão, desprotegidos. Aos poucos alguns buscaram melhor
posição nos barracos cujos donos ofereciam abrigo.
- Aí, vou buscar o fuzil! - gritou Peninha.
Luz sugeriu, cochichando, uma atitude firme. A resposta de Juliano
foi o primeiro disparo do AK-47 numa guerra do morro, seguido de uma
provocação.
- Vem buscá, Peninha, vem! - gritou Juliano.
Os soldados reagiram com dezenas de disparos simultâneos. E avançaram
lentamente, passo a passo, com muito bate-boca.
- Tu é cuzão, Juliano - gritou Peninha.
- Aqui é o crime! Não é o creme, rapá! - respondeu Juliano.
- Vou botar o Batalhão na tua cola, otário.
- Tô te esperando. Sô bandido, respeita, rapá!
A proximidade dos soldados obrigou o grupo de Juliano a recuar morro
acima, com a cobertura dos tiros do AK-47. Mas Raimundinho manteve-
se quieto sobre a laje, de onde observava os soldados se aproximando
de seu esconderijo, em fila indiana. Um dos últimos da fila, Peninha
descobriu a posição de Raimundinho. Da viela, a menos de 10 metros,
disparou a metralhadora para o alto. As rajadas perfuraram a mureta de
proteção da laje, deixando Raimundinho vulnerável e sem munição.
- Tu já morreu e não sabe, cuzão - debochou Peninha.
De repente, Raimundinho levantou da laje e de propósito expôs seu
corpo com algo nas mãos.
Todos viram que eram duas granadas. Um detalhe os apavorou ainda
mais. Do alto da laje, Raimudinho mostrou as duas granadas e avisou
que havia tirado fora os pinos de segurança delas. Bastava caírem no
chão para explodirem.
- Atira! Atira, seu babaca, que vai explodi na cabeça de vocês - gritou
Raimundinho.
Os soldados não sabiam o que fazer. Foi o próprio Raimundinho quem
apontou a saída, ameaçador.
- Eu vou soltá essa porra na cabeça de vocês! Cai fora, porra!
O grupo de cinco soldados recuou correndo pelas ladeiras. Peninha,
que assistiu a cena à distância, ameaçou Juliano:
- Aí, bandaide, se matar um dos nossos eu acabo com esse morro.
- Cai fora, Peninha. Aqui ninguém dá mole, não - respondeu Juliano.
- Tu é bandaide do creme, cuzão! - provocou Peninha.
- Bandaide do creme? Com a tua arma, otário, virei bandido do crime!
Vô te sentá o prego!
A desistência dos soldados foi festejada com disparos de AK-47, que
seria muito usado nas semanas seguintes. Mas o grupo de Peninha ainda
faria vários ataques na tentativa de recuperar a “fábrica de viúva”, sem
sucesso.
A história da compra do AK-47 teve uma marca negativa para Claudinho.
Por ter fugido do combate contra Peninha, passou a ser chamado de
bandaide do creme pelo pessoal mais ligado a Juliano, inclusive por seu
irmão Raimundinho. A própria arma, o AK-47, ajudaria a mostrar para os
moradores do morro quem entre os gerentes era o mais poderoso.
Mas para o dono da boca, Claudinho continuava seu homem de confiança.
E sem dar importância às desavenças, Da Praça financiou uma
grande festa para comemorar, embora com um mês de atraso, a retomada
do morro.
Raimundinho e Juliano passaram a exercer grande influência entre os
jovens. Herdaram o estilo extravagante de Cabeludo, mas com uma disciplina
rígida de guerra, que copiaram da quadrilha de Calunga e Paulista.
A dupla multiplicou por três o grupo base que era de 35 jovens. Para não
ter que comprar mais armas, Juliano criou o esquema de plantão, jornadas
de dois ou três turnos, dependendo da movimentação das bocas.
- Nosso pó tem que mantê a fama de melhor do Rio de Janeiro - ordenou
Juliano.
Para comemorar a conquista do poder, uma controvérsia. Claudinho
queria promover distribuição gratuita de pó na noite de sábado, para estimular
o consumo. Mas não convenceu muita gente. A maioria preferiu
a idéia de Juliano, que concordava com a distribuição de cocaína, mas
ele também queria ressuscitar o antigo pagode e criar um baile funk,
que pretendia deixar sob o controle do amigo Vico. Embora não tivessem
chegado a um acordo, não deixaram de promover a festa da vitória.
A quadra da Escola de Samba começou a encher já antes das nove
horas, embora a grande atração fosse se apresentar depois da meia-noite.
Entrada livre sem qualquer tipo de restrição - só as crianças foram barradas.
Mas os meninos mais novos da boca, como Pardal, Nem e Nego
Pretinho puderam pela primeira vez participar da festa dos parceiros
adultos. O baile atraiu jovens também dos morros vizinhos e muita gente
estranha. Por isso, no momento mais animado da festa era impossível ter
algum controle de alguma ação dos inimigos da boca.
Quando Raimundinho subiu ao palco para anunciar a distribuição
gratuita de pó, ninguém percebeu que entre os convidados havia um
grupo formado por vários casais, agentes secretos da PM, que levantava
informações a pedido de Peninha. O soldado queria surpreender Juliano
no meio do salão.
Às duas horas da madrugada, no momento em que a sambista Jovelina
Pérola Negra subia ao palco, Juliano ainda discutia com Claudinho os
detalhes da festa, escondido num botequim próximo ao salão. Ao ouvir a
voz de Jovelina, imediatamente pendurou o fuzil no ombro, acendeu um
baseado, atravessou o largo do Cantão ao lado de Rebelde e entrou na
quadra, já sob o olhar atento dos agentes secretos da PM.
No palco, Raimundinho percebeu o movimento estranho dos policiais
e suspendeu a distribuição de pó. No intervalo das músicas, pegou o
microfone para transmitir um recado provocativo aos policiais.
- Tu tá pensando o quê, mané? Aqui é o CV, tu qué morrê?
Neste momento uma viatura entrou em alta velocidade na rua de acesso
à favela, com os soldados disparando suas armas para o alto. Parou
para a descida de Peninha, que correu para dentro da quadra enquanto
muitas pessoas, assustadas com os tiros, tentavam se proteger. Algumas
chegaram a correr para a rua, apesar do risco de serem baleadas. Mas a
confusão foi controlada pela experiência de Jovelina. Ela continuou cantando
com vigor e sugeriu que ninguém saísse do salão.
Juliano escondeu o AK-47 por algum tempo embaixo do palco e foi
proteger-se no meio da multidão. Chegou a conversar com Peninha e o
convenceu de que a arma já tinha saído do morro. Sem chance de prendê-
lo com o fuzil, Peninha resolveu ir embora com seus colegas.
Eram quatro horas da madrugada quando Juliano subiu ao palco para
anunciar o início da distribuição gratuita de cocaína. Passou a bandeja do
pó a Raimundinho, com a ordem de fazer a primeira oferta à convidada
especial do baile, Jovelina. A sambista recusou e, com um sorriso, indicou
a sua preferência, a maconha de Juliano.
Eles partilharam alguns baseados após o show, quando a festa já tinha
virado um grande pagode. Amanheceram juntos fumando, conversando.
Na hora de ir embora, Juliano a acompanhou, sem esquecer de levar junto
o fuzil.
Um longo beijo marcou a despedida, motivo para despertar uma reação
exagerada de Juliano.
O táxi já descia a rua Jupira levando a sambista de volta à cidade
quando ele apontou o fuzil para o alto, fez três disparos e falou para si
mesmo:
- Jovelina, meu amor!
Desde aquele beijo os homens passaram a chamar o AK-47 de Jovelina.
CAPÍTULO 14 COBRA-CEGA
Bate o tambor, bate forte, faz barulho.
Pra levar a boca à falência,tem X-9 no bagulho.
Vem de bate-bola de gorila, de carrasco apontar pros irmãozinho.
Isso pra mim é esculacho.
(Funk proibido)
Usou as duas mãos para levantar o peso da barriga e poder correr em
direção contraria à do perigo. Por instinto, como sempre, Doente Baubau
escolheu à sua direita o beco do Passa Quem Quer.
Ninguém Ousou duvidar do seu grito de alerta.
- Pintô sujeira, aí!
Os homens que estavam perto imediatamente seguiram atrás de Baubau.
Acreditavam que ele dava sorte à quadrilha. Testemunha de quase
todos os tiroteios do morro, até fevereiro de 2003 ele nunca havia sido
ferido e quem o usou como escudo também não.
Dessa vez a intuição de Baubau indicou uma invasão da polícia para
um tipo de investigação que espalhava o terror entre os moradores, O
grupo de policiais que subia pelo lado da Escadaria trazia junto uma figura
ao mesmo tempo odiada e temida nos morros do Rio.
Cobra-cega! Cobra-cega! - gritou varias vezes o menino Paranóia
pelo caminho que levava ao chefe Juliano.
Cobra-cega, X-9, Bate-bola, Coisa Ruim era como os moradores
chamavam o informante, voluntário ou involuntário, que acompanhava
as operações policiais na função de delator. Sempre usava mascara, em
geral modelo “ninja”, para não ser identificado e perseguido depois. Em
1991, tinha virado moda entre os policiais cobrirem a cabeça do colaborador
com mascaras de monstro, como fizeram dessa vez para esconder
a identidade de um jovem da Turma da Xuxa, muito popular na Santa
Marta. Pela fresta da janela de seu barraco na Cerquinha, Luz viu que a
máscara era de um monstro de nariz imenso e torto, com só um olho no
meio da testa. A amiga Diva, que a visitava, observou que o informante
tinha cerca de um metro e oitenta de altura, mas não conseguiu saber
se era gordo ou magro porque os policiais o vestiram com roupas bem
largas.
De dentro de seu esconderijo, não dava para Mendonça ouvir a voz
dele, mas achou que era um traidor.
- Quem será esse filho da puta? - cochichou com Juliano no momento
em que, pela fresta do esconderijo, os dois viram um dos seus homens ser
abordado pelo grupo de policiais.
- Olha lá, Juliano! Pegaram o Du - disse Mendonça.
Posto contra a parede de alvenaria de um barraco, Du ergueu os braços,
levou alguns chutes para abrir as pernas como os policiais queriam e
ficou aguardando o veredicto do informante, que deveria dizer se ele era
ou não um traficante da quadrilha de Juliano.
Frente a frente com Du, o mascarado respondeu em silencio, com
movimentos de cabeça para os dois lados, sinal de negativo.
- Olha lá o cara, aí. Livrou a barra do Du, mermão, vibrou Juliano.
O mascarado foi conduzido até o botequim de Claudinho e Raimundinho
mas continuou em silêncio. Também parou na frente do barraco da
endolação do pó.
Marco Ferrô e Cássio Laranjeira estavam de plantão lá dentro, preparando
as embalagens das cargas de cocaína, mas o mascarado não falou
nada. Esteve muito perto das casas do gerente da maconha e de vários
vapores sem nada informar.
Os policiais perderam a paciência quando pediram, sem sucesso, para
ele apontar o barraco de uma das namoradas de Juliano.
- O cara come todas e tu não conhece nenhuma. Tu tá de sacanagem,
rapá!
O mascarado começou a ser agredido quando os Policiais pararam em
frente ao Terreiro da Maria Batuca. Os meninos Pardal e Nem estavam no
meio das crianças, que havia meia hora acompanhavam de perto a investigação.
Eles ouviram os policiais perguntarem ao informante sobre um
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