das autoridades. Botafoguense fanático, tinha suas restrições ao ministro
por causa de uma controvérsia do futebol. Em vez de Pelé, considerado
como o melhor jogador brasileiro de todos os tempos, o seu preferido era
o genial ponta-direita de seu time, Garrincha. Também no plano pessoal,
nunca gostou de Pelé por causa da sua postura conservadora diante das
questões sociais. No microfone da associação, Juliano misturou futebol e
política para rebater os argumentos do ministro dos Esportes:
“Garrincha, sim, era um gênio: era a alegria do povo sem jamais se
envergonhá da nossa pobreza..”
A expectativa da vinda de Michael Jackson levou um clima de euforia
à boca, que já estava em expansão. Havia três meses que as dívidas do
caminhão de maconha tinham sido zeradas com o dinheiro do assalto ao
Banerj. O movimento nos pontos-de-venda era menor do que no passado,
mas os lucros estavam crescendo e os salários também.
A contabilidade da firma, sob o controle rigoroso do irmão de criação
Difé, mostrava que nos pontos de venda do preto, a maconha, com
o consumo de dez quilos mensais, gerava quatro mil dólares de lucro,
300 por cento do valor investido. Nos pontos de cocaína, os gastos com
a matéria-prima eram maiores: pagavam sete mil dólares ao fornecedor
por quilo do pó, que era transformado em três com a adição de farinha,
de fermento e xilocaína. Esse volume gerava a produção de 800 sacolés
por mês, vendidos por três ou cinco dólares a unidade. Ou seja: para cada
sete mil dólares investidos, conseguiam um faturamento bruto de no mínimo
24 mil dólares, podendo chegar até a 40 mil.
A partilha dos lucros seguia o critério de hierarquia da firma. Salários
mais altos para as funções de maior responsabilidade. Para o gerente-
geral e tesoureiro Difé, dois mil dólares. Os cunhados Paulo Roberto, da
gerência do pó, e Alen, da maconha, ficavam com 1.500 e 1.200 dólares,
respectivamente. O gerente da endolação, Mendonça, os chefes de plantões,
Tucano e Tá Manero, e o organizador dos bondes, Careca, recebiam
mil dólares.
A renda mínima dos homens da quadrilha desde 1995 era motivo de
orgulho para Juliano. Os 15 vapores e os 12 homens da contenção armada
recebiam o equivalente a 500 dólares por mês. Os iniciantes, olheiros
e aviões, eram os que ganhavam menos, 300 dólares, que representavam
uma fortuna para a dupla Nem e Pardal. Assim como o chefe dos olheiros
Paranóia, a dupla usava o dinheiro para comprar camisetas, bonés, discos
de rap e funk. E no caso de Nem, para dar presentes às namoradas que
não eram poucas.
Nos dias de pagamento eles eram obrigados a ouvir os discursos de
Juliano, que costumava comparar o menor valor pago aos homens na
boca com o salário mínimo dos trabalhadores do Brasil.
- Aí, rapaziada. Os putos dos patrão da cidade só qué pagá menos de
cem. E eu, que sô bandido, consigo pagá trezentos! Ou eu sô otário ou
esses patrão são um bando de filho da puta, é ou não é?
Apesar do tom revolucionário, Juliano reservava para si a maior parte
dos lucros, valores estimados em cinco mil dólares e que podiam dobrar
em alguns meses. Não revelava o valor de seus ganhos, que eram repassados
para mãe Betinha e para a companheira mais assídua dos últimos
dois anos, uma crente da igreja evangélica, Marina. Quase todos sabiam
que os lucros desses últimos meses foram discretamente investidos na
construção de um sobrado, com cinco cômodos, para Marina morar com
seu filho mais novo, Juliano Lucas.
Outro segredo que Juliano não conseguia esconder direito era a identidade
da pessoa que formava com Luz a dupla do “serviço secreto”. O
nome dela não aparecia nos relatórios de contabilidade, nem seus vencimentos
à distância, parecia uma figura discreta. Uma senhora de poucas
palavras, que aparentava uns 60 anos de idade e vivia atrás do balcão
de uma birosca confiscada da família do ex-dono do morro, Carlos da
Praça.
Apesar do mistério que ele fazia sobre a verdadeira função da insuspeita
senhora, até as crianças sabiam que a mãe adotiva de Juliano era a
extensão de seus olhos na favela. O bunker de espionagem de Mãe Brava
era a própria birosca, localizada estratégicamente no largo do Cantão,
passagem obrigatória de quem saía ou chegava pela rua Jupira.
Mãe Brava era a rainha da desconfiança. Impossível algum estranho
se aproximar do Cantão sem despertar sua suspeita, que tinha uma lógica
simples. A outra única passagem era pela Escadaria, onde estava o posto
da polícia, e por isso era evitada pelos malandros e criminosos.
- No outro lado a polícia tá na cara do gol. Inimigo coisa ruim tem
que passá por aqui - disse a Juliano quando o convenceu a criar o seu QG
de espionagem.
Sempre com alguns homens a seu dispor parados ou em circulação
pelo Cantão, com armas bem escondidas, Mãe Brava também exercia a
função de peneira dos clientes da boca,sempre de forma discreta. Deixa
va passar livremente os mais assíduos. Quando desconfiava de alguém,
cochichava com o homem que estivesse mais perto.
- Sobe atrás daquele ali, que tem cara de pilantra - ordenava Mãe Brava.
Os próprios homens de Juliano de passagem pelo Cantão não ficavam
impunes à fiscalização de Mãe Brava. Ela não perdoava os que saíam da
favela para fazer compras nos shopping centers da zona sul, que odiava.
Todos ouviam as mesmas críticas:
- Vai pra terra encantada, é, seu playboy? Cuidado, hein! Bandido em
shopping rapidinho vira bandeide!
Os mais namoradores, como Nem, também não escapavam das patrulhas
morais. Brava e Luz o criticaram muito quando descobriram que
uma das namoradas estava grávida.
- Tu ainda não sabe dá um tiro e já embarrigô a menina, caralho - disse
Brava.
- Culpa do Juliano! Só tem mulherengo na quadrilha - queixou-se
Luz.
No verão de 1996, Mãe Brava andava preocupada com o deslumbramento
de Juliano com o grande número de mulheres que o assediava, e
sobretudo com a falta de malícia dele. Um dia ela o intimou a mudar de
postura.
- Bandido tem que pulá de galho em galho. Sem essa de mulhé fixa,
seu otário - disse Brava.
Era uma referência ao namoro de Juliano com uma mulher rica da
zona sul, um segredo só dividido inicialmente com Luz e Mãe Brava.
- Dessa vez tô apaixonado mesmo, mãe - explicou Juliano, numa referência
ao namoro misterioso.
- Tu diz isso pra todas, pensa que eu sô besta? Não pode vê rabo de
saia que se desmancha todo, fala pelos cotovelos. Tu te cuida, bandido
morre pela boca! - disse Brava.
Nem sempre a estratégia dava certo. Algumas namoradas, como Neide,
irmã de Dudu, dono da Rocinha, não aceitavam a rejeição de Juliano.
Neide estava no grupo do irmão quando Dudu ajudou a tomar a Santa
Marta. Rejeitada depois do romance, nunca mais saiu da favela, por onde
perambulava dia e noite, enlouquecida. Era vista chupando mamadeira
pelas vielas, chorando à procura de Juliano, até o dia em que foi interna
da numa clínica psiquiátrica, sob protesto de Mãe Brava.
- Nem com a irmã do frente da Rocinha, Juliano? Tu é foda. E se o
cara vira teu inimigo, como é que fica? - protestou Mãe Brava.
Juliano tentava seguir os conselhos da mãe adotiva. Mas nunca deixou
de aproveitar o fascínio que muitas mulheres tinham pelo homem
mais poderoso do morro. Embora vivesse “apaixonado”, não levava nenhuma
mulher muito a sério, mesmo aquelas de relações mais antigas.
Nessa época ele já tinha filhos com quatro mulheres: Marisa, Adriana,
Veridiana e Marina. Não convivia com nenhum dos filhos, três homens
e uma mulher. Tinha medo de que eles fossem perseguidos por causa
das inimizades do tráfico. Mantinha encontros esporádicos com as mães,
dizia que considerava todas suas namoradas eternas.
- Eu nunca deixo de gostá. Mesmo longe minha paixão continua..,
sempre! - costumava explicar a cada uma delas.
As mulheres também eram usadas como estratégia de segurança na
hora de dormir. Como sempre tinha à disposição várias casas de namoradas,
não precisava de homens armados em sua escolta. Naquele verão,
apenas os amigos de maior confiança sabiam de seu paradeiro após o fim
de cada plantão. Para os outros, anunciava com uma única palavra que
iria sumir.
- Fui!
Muitas mulheres, dinheiro farto, poder de juiz sobre os destinos das
pessoas. Juliano estava adorando o primeiro ano no comando do morro.
Mesmo o abalo provocado pela morte de Rebelde não tirou o seu ânimo,
nem dos companheiros mais jovens. No dia seguinte, já havia uma fila de
adolescentes querendo ocupar vaga dele. Era grande a lista de espera de
candidatos a todas as funções da boca.
Como não havia lugar para todo mundo, Juliano permitia que alguns
tivessem atividades criminosas paralelas para trazer mais dinheiro para
o morro.
Apoiava com homens e armas, por exemplo, a nova tentativa de dois
de seus gerentes de formar uma quadrilha especializada em grandes assaltos.
O sobrinho de Cabeludo, Mendonça, o seu gerente da endolação,
em 1996 já tinha uma filha de dois anos, e desejava mais do que nunca
assumir o lugar um dia ocupado pelo tio como grande assaltante. Forma
ra sociedade com Tucano e enfrentava a concorrência de Paulo Roberto
quando precisava contratar homens para os roubos fora da favela. Apesar
de ser o gerente de pó, Paulo Roberto nunca deixou de ser caxangueiro.
E também não tinha um grupo fixo, contratava por tarefa, cada vez mais
freqüentes.
Mas a maior novidade no primeiro ano de Juliano como dono do morro
foi o incentivo à Banda da Piza, uma fonte de renda ilegal exclusiva
das mulheres. A idéia nasceu da vontade de Mendonça de ajudar a amiga
Luz durante a fase de recuperação da cirurgia no coração. Para tirá-la da
depressão Mendonça a convidou a dar um curso prático de “piza” às mulheres
desempregadas da favela. A princípio, Luz recusou a idéia.
- Tá na hora de pará, Mendonça... Cansei, aí!
- Qual que é? Luz, tu tá com 22 anos, mulhé!
- Vinte e dois de crime! Trinta e dois, aí. Chega! E se os homi me
pegá... chute, choque, pau de arara... meu coração não güenta mais não,
Mendonça.
- É coisa leve, Luz... Só ensiná pras meninas, aí. Mole, mole...
As aulas práticas de Luz foram no próprio local da nova fonte de
renda, as grandes lojas de departamento da cidade. O exercício básico da
piza tinha duas fases. A primeira consistia em aprender a imitar o comportamento
voraz de consumo das mulheres de classe média, ou seja, a
arte de encher sacolas com os produtos mais caros da loja. Mas sem os
dispositivos eletrônicos de segurança, que acionam alarme na saída. A
segunda era uma imitação mais difícil: sair da loja com postura de grã-
fina, depois de ter pago apenas uma merreca no caixa.
O truque consistia em agir em dupla. As mulheres saíam de casa com
várias sacolas com a marca da loja alvo escondidas numa bolsa de mão.
Na hora da escolha dos produtos, enchiam apenas uma das sacolas com
coisas de baixo valor e todas as outras com os produtos mais caros. Na
hora de pagar, enquanto uma mulher ia para o caixa com a sacola da
merreca, a outra aguardava em algum ponto da loja com as sacolas cheias
dos produtos caros. Depois do revezamento, as duas saíam juntas sem
esquecer da postura elegante das grã-finas.
A novidade da piza, meses depois, já envolvia dezenas de mulheres.
A idéia original de Mendonça despertara a ganância de seu concorren
te nos assaltos, Paulo Roberto, que além de ter criado uma quadrilha
própria transformou-a numa rede lucrativa, com receptadores e camelôs
para revender os produtos roubados. Os dois gerentes da boca se transformaram
em líderes das mulheres golpistas, mas só o namorador Paulo
Roberto passou a tirar proveito disso. Seis anos depois, em 2002, a piza
ainda era uma prática exclusiva das mulheres da favela.
A fase da euforia do dinheiro farto de 1996 culminou com a confirmação
da ida de Michael Jackson à Santa Marta.
O primeiro contato da equipe de gravação foi com o presidente da
Associação de Moradores na época, José Luís de Oliveira, que prometeu
providenciar todas as facilidades. Mas quando os problemas começaram
a aparecer, a equipe percebeu que Zé Luís não resolvia nada sem antes
consultar o dono do morro. Uma das primeiras dificuldades foi encontrar
espaço para os equipamentos grandes e pesados, como as caixas de som.
O lugar ideal, uma igreja evangélica, foi vetado por um pastor. Até a interferência
pessoal de Juliano:
- Qual o problema e qual é a solução, mermão? - perguntou Juliano
ao pastor da igreja.
- Os problemas são as normas da Igreja, esse tipo de música pra nós
não pega bem - respondeu o pastor.
- E a solução? - perguntou Juliano.
- É a que você quiser - respondeu o pastor.
As três casas alugadas pela produção foram indicadas pela boca por
meio de uma funcionária da associação. Em uma delas houve desentendimento
com um pintor, ainda na fase de orçamento, considerado alto
pela produção. Mesmo com a proposta recusada, o pintor queria cobrar
duas diárias pelo tempo gasto para fazer o orçamento. Juliano interveio
novamente. Ouviu os dois lados. Achou que a equipe estava com a razão,
mas propôs uma solução amigável.
- Quanto tu qué? - perguntou Juliano ao pintor.
- Cem reais - respondeu o pintor.
Para agradar a equipe de produção, Juliano tirou o dinheiro do próprio
bolso e pagou o pintor. A última intermediação de Juliano teve caráter de
urgência. As gravações estavam previstas para o domingo, dia 11 de fevereiro,
e na sexta-feira à noite os donos de um dos três barracos alugados
pelos americanos romperam o acordo feito com a produção. Eles não
queriam desocupar o barraco, justamente o escolhido para ser o camarim
de Michael Jackson. Eram 40 metros quadrados de alvenaria, divididos
em dois andares. No de baixo, havia cozinha, sala, banheiro e dois quartos.
E na cobertura tinha sauna, churrasqueira e uma varanda de onde era
possível ver o Pão de Açúcar e parte da baía de Guanabara. A reforma
combinada estava pronta: as paredes já tinham sido pintadas, o assoalho
estava coberto com carpetes novos e o aparelho de ar-condicionado instalado
nos quartos. Mas na hora do pagamento do aluguel de 300 dólares
o cunhado do dono da casa achou que era pouco. Tentou justificar-se a
Juliano, que estava acompanhado de um grupo de homens.
- Pensei melhor e concluí: porra, pra um Michael Jackson isso é uma
merreca!
Mais que o rompimento da palavra empenhada, Juliano achou um
desrespeito com o dono da casa que havia morrido havia poucos meses.
Ao indicá-la para ser o camarim de Jackson, Juliano não revelou sua
intenção aos americanos. Mas prestava uma homenagem a alguém que
tinha sido um grande amigo e parceiro de guerra. Ao mesmo tempo, ajudava
a viúva Ana Paula e a filha Raiana - o nome era uma mistura de Raimundo
e Ana Paula -, que ele deixou na favela. Irritado com a explicação
do cunhado de seu amigo, por pouco não o agrediu:
- Tu tá maluco, tu tá maluco! - gritou Juliano.
- Pensando bem, chefe, já tou arrependido. Trezentos está bacana -
disse o dono da casa, amedrontado.
Vencido o obstáculo em minutos, na mesma sexta-feira os americanos
tiveram a garantia de que o camarim de Michael Jackson seria aquele
mesmo: o barraco onde tinha morado Raimundinho, o exterminador da
Santa Marta.
No sábado, os moradores da favela acordaram sob a tensão criada por
uma denúncia da imprensa. Os principais jornais do Rio afirmavam que
a segurança para as gravações de Jackson tinha sido negociada com os
traficantes e que o diretor do clipe, o cineasta americano Spike Lee, teria
sido obrigado a pagar uma quantia não revelada. O secretário-adjunto de
Segurança Pública, delegado Hélio Luz, reagiu, indignado.
- Se pagou, Lee é otário! Basta pedir, que a nossa polícia garante se
gurança de graça em qualquer lugar da cidade - afirmou Hélio Luz.
Todo esquema planejado por Juliano tinha que ser revisto. Os produtores
americanos haviam pedido um efetivo de cinqüenta homens desarmados
para carregar os equipamentos morro acima e garantir a segurança,
em troca de uma diária de 50 reais. A seleção foi feita pelo próprio
Juliano, que preencheu as primeiras trinta vagas com os homens da boca
e as demais com jovens desempregados da favela. Juliano orientou a turma
a proibir o acesso de jornalistas e curiosos ao morro, como haviam
exigido os produtores do clipe. A idéia deles era registrar cenas do cotidiano
da favela, com a menor interferência externa possível. Queriam
evitar o cenário clássico de shows com multidão de fãs em volta do astro.
Mas com a denúncia da imprensa, tudo teve que ser mudado em cima da
hora.
A polícia, menosprezada, comunicou aos produtores que havia assumido
o controle da segurança, sem se submeter às prioridades das
gravações. Impôs aos moradores da favela a repetição de uma cena de seu
cotidiano de violência: um cerco com 120 soldados da Polícia Militar.
E mandou para a Associação de Moradores uma ordem que assustou os
homens de Juliano: a formação de uma lista com os nomes dos cinqüenta
jovens selecionados para a segurança de Jackson. A PM também exigiu
que todos se apresentassem ao Batalhão de Botafogo para serem fotografados
e identificados antes do meio-dia de sábado. A ordem provocou
uma correria do pessoal da associação atrás de Juliano, que, na manhã
de sábado, descansava escondido em algum barraco com a mulher rica e
misteriosa da zona sul.
Geralmente ele dormia das nove às quinze horas e, se fossem esperá-
lo acordar, perderiam o prazo dado pela polícia. Bateram sem sucesso na
porta das casas das namoradas mais assíduas. Nem mesmo o amigo Du
tinha a informação certa.
- Ele tava cheio de mistério durante a madruga. Na hora de dormi me
disse que ia dá um perdido - disse Du.
A última esperança era Luz, que realmente sabia em que lugar misterioso
Juliano estava. Procurada por um grupo de homens, ela a princípio
se negou a dar o endereço, alegando fidelidade ao amigo.
- Nem pelo caralho! Vocês tão achando que eu sô o quê? Dedo-duro,
X-9? Nem morta! - protestou Luz.
- Mas Luz, é urgente, urgentíssimo! Tem que mudá a lista, Luz. Todo
mundo pode dançá, você entende, não?! Tem menos de uma hora... pelo
amor de Deus! - insistiu Mendonça.
Depois de muita insistência, por entender que Juliano seria prejudicado,
Luz resolveu colaborar e sob condições.
- Tá bem, mas eu vô sozinha.., e se alguém vier atrás vai levá cacetada
e depois eu mando quebrá lá no pico! - disse Luz.
A lista teve que ser modificada a jato. A associação fez uma nova convocação
pelo serviço de alto-falantes, enquanto Juliano reunia os homens
na boca para saber quem tinha o nome envolvido em inquéritos policiais.
Da lista original de cinqüenta, apenas 12 foram mantidos, 38 tinham o
nome envolvido em algum tipo de crime ou contravenção.
Passavam quarenta minutos do prazo do meio-dia quando a associação
apresentou os cinqüenta jovens da nova lista ao Batalhão. Entre eles
estavam três homens de confiança de Juliano: o chefe do serviço de coleta
de lixo, Zé do Bem, e dois amigos dos tempos da Turma da Xuxa, Du
e Careca. No final da tarde, aprovada a lista com a exclusão de apenas um
nome, todos voltaram para o trabalho no morro.
Juliano já os esperava com ansiedade. Ele temia que um provocador
se infiltrasse entre os moradores para causar alguma violência durante as
gravações e prejudicar a imagem dele e da Santa Marta. Por isso, apesar
do cerco policial ao morro, escalou seis equipes de três homens para
vigiar as duas divisas da favela com a floresta, que não tinham policiamento.
Para evitar perdas no grupo, havia orientado os homens a andar
desarmados e a tática estava dando certo. Patrulhas da PM circulavam
pelos becos pedindo documentos para os suspeitos, mas sem invadir os
barracos nem prender ninguém. O risco de algum ataque dos inimigos
também parecia sob controle. Os olheiros garantiam: do ponto de observação
de Mãe Brava, no Cantão, até o extremo oposto no pico, era
impossível que as quadrilhas rivais tentassem entrar sem serem notadas
e reprimidas.
No começo da noite de sábado, Juliano ainda não sabia que um outro
tipo de inimigo havia furado o seu esquema de segurança. Ele já estava
há muito tempo bem escondido dentro da Santa Marta.
CAPÍTULO 22 PALAVRA DE HONRA
A invasão de três inimigos mostrou como o plano de segurança dos
homens de Juliano era vulnerável. A primeira grande falha foi acreditar
que os acessos principais estavam bem guarnecidos pelo cerco da
PM. Não estavam. Dois dos invasores entraram justamente pelo lado da
Escadaria, onde está o posto policial. Eles chegaram vestidos como os
jovens da Santa Marta: usavam bermudas, camiseta, tênis e pararam nos
botequins para beber cerveja e conversar com os moradores. Bastou uma
oferta de 200 reais para terem a garantia de passar o fim de semana num
barraco alugado e poder entrar na favela como se fossem parentes do
dono da casa.
Um deles, Nelito Fernandes, de 25 anos, entrou na favela na sexta-
feira à noite, acompanhado de outro jovem que escondia algumas máquinas
numa sacola. O outro, Silvio Barsetti, chegou no sábado depois do
meio-dia, com dois parceiros que traziam equipamentos camuflados na
própria roupa.
Guiados por um morador, passaram direto pelas barreiras policiais
sem serem revistados. Logo na subida começaram a levantar informações
para chegar até o esconderijo de Juliano.
Um terceiro invasor, Marcelo Moreira, conseguiu furar o bloqueio
com o apoio de uma família ligada à própria boca. Em troca de 150 reais,
dona Noêmia, sogra de Careca, concordou em esconder dentro de sua
casa uma pessoa indesejada no morro.
Os invasores não esconderam que eram repórteres dos três maiores
jornais do Rio de Janeiro. Por coincidência, O Dia, O Globo e o Jornal
do Brasil escalaram alguns de seus melhores repórteres para produzir
reportagens sobre uma mesma idéia: infiltrá-los na favela para mostrar a
Dostları ilə paylaş: |