O dono do morro dona marta



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Tu é o maior ídolo da galera de São Paulo. E aqui no Rio a gente também

curte pra dedéu essa revolução da periferia que tu fala, mermão.

Depois desse encontro, Mano Brown não deixou de visitar o líder Escadinha

e recebeu dele algumas letras de rap. Mas até setembro de 2002

não havia gravado nenhum rap que falasse da guerra entre as facções do

tráfico do Rio de Janeiro.

Os diálogos de Juliano eram vistos com desconfiança por alguns integrantes

da boca e com muitas críticas pela mãe Betinha.

- Tu já foi cagüetado uma vez e aprendeu não, Juliano? Abre teu olho,

que tu vai sê usado de novo, meu filho. Repórter, escritor, músico é tudo

filho da puta.

Os contatos com os intelectuais também repercutiram entre os comandantes

de outros morros ligados ao Comando Vermelho. Não chegavam

a condená-lo, mas ajudavam a difundir o seu apelido de Poeta

e a crença de que o chefe da Santa Marta era um “doidão” que matava

pouco, desprezava dinheiro, defendia idéias que consideravam esquisitas

e que tinha a pretensão utópica de se tornar uma espécie de embaixador

do tráfico no Rio de Janeiro.

Cada vez mais amigo e influenciado pelo missionário Kevin, Juliano

levou adiante a idéia do diálogo morro-cidade a ponto de tentar vários

contatos com políticos e governantes do estado nos anos de 1997 e

1998. Na época havia uma composição esdrúxula do governo na área da

segurança pública. O subsecretário de Segurança era um homem com

militância na defesa das causas humanitárias, o delegado progressista

Hélio Luz, filiado ao Partido dos Trabalhadores. Mas como o policial de
“esquerda” era subordinado ao general de “direita” Newton Cerqueira,

Juliano escreveu cartas para os dois pedindo a abertura de um diálogo,

mas seu pedido foi recusado pelos dois lados. Juliano ainda apelou para

o superior deles, governador Marcelo Allencar. Na carta escrita ao governador,

se apresentava como uma liderança do tráfico e o convidava para

uma reunião, na qual pretendia expor suas idéias para reduzir a violência

do Rio de Janeiro. Os cineastas também conversaram com Juliano. Um

dos mais prestigiados no final dos anos 90, Walter Salles Jr., teve alguns

contatos e manteve correspondência. Numa troca de cartas, combinaram

escrever sobre 12 temas de realidades opostas da vida de cada um.

Os diálogos logo se transformaram em amizade. Para ajudar a família

de Juliano, Walter Salles ofereceu um serviço de produtora à sua irmã

Zuleika, sem vinculo funcional, na sua produtora de cinema. Em troca,

Zuleika e Juliano abriram as portas da Santa Marta para o irmão de

Walter, o documentarista João Salles, que procurava um cenário para as

gravações de seu documentário, Notícias de uma guerra particular.

O missionário Kevin se encarregou de preparar a logística para o

acesso da equipe de filmagem à favela sem despertar a atenção da polícia.

Assim como nas reportagens, Juliano permitiu a filmagem das armas

e dos companheiros, desde que usassem máscaras para não serem identificados,

sem cobrar nada de Salles. E indicou o cunhado, o gerente do

pó Paulo Roberto, para gravar um depoimento em nome da boca. E por

sugestão do cineasta, o próprio Juliano deu uma longa entrevista, sem

esconder o rosto ou sua identidade. Usou nas gravações um boné idêntico

ao de Che Guevara e falou durante duas horas, de frente para a câmera,

sobre a sua visão sociológica do tráfico na favela. A entrevista não foi

usada no documentário.

A ajuda mútua marcaria o início de uma amizade incomum, entre

o chefe do tráfico da Santa Marta e o cineasta de São Conrado, filho de

uma família tradicional e rica, dona do Unibanco, o terceiro maior banco

privado do país no final do século XX. De todos os intelectuais que

conversaram com Juliano, João Salles foi o único que levou adiante as

promessas de ajuda que fazia. Logo depois das gravações do documentário,

passou a dar aulas de história da arte para alguns jovens em uma das

sedes da Casa da Cidadania. E quando tomou conhecimento do processo
de falência da boca, prometeu ajudá-lo financeiramente, mas impondo

uma condição: antes, ele deveria abandonar definitivamente o tráfico de

drogas. Mas na época dessa primeira proposta, final de 1998, Juliano

ainda acreditava que, pelo poder das armas, os homens encontrariam um

caminho para derrotar os seus inimigos e garantir a prosperidade do morro.

Quando o documentário de Salles passou a ser exibido e a fazer sucesso

na TV e nos circuitos culturais da cidade, Juliano achou que podia

cobrar uma retribuição. Embora o cineasta tivesse sido muito claro

quanto ao tipo de ajuda que poderia oferecer, ele enviou um mensageiro

ao escritório de Salles para pedir um apoio financeiro para uma guerra

iminente.

- Os alemão do Terceiro Comando vão invadir o morro e muita gente,

muita gente mesmo, vai morrer. Por isso ele pede essa ajuda urgente. Mas

ele não quer que você dê dinheiro... - disse o mensageiro.

- O que ele quer? - perguntou João Salles.

- Ele perdeu tudo, quasi tudo o que tinha, mas ainda tem um táxi, que

tá com a mãe dele. Ele pede que você compre o táxi. Aí ele enche o morro

de arma. O inimigo fica sabendo e desisti de invadi. A sua ajuda será um

meio de evitar a guerra - explicou o mensageiro.

- De jeito nenhum. A ajuda que eu posso e quero dar é outra. Ele já

sabe qual é. Reafirmo: ele deixa o tráfico e aí eu garanto uma mesada.
CAPÍTULO 28 ASSALTO AVENTURA

No pique dá em dólar,

é que a chapa esquenta.

Quem tá dentro não sai, e quem tá fora não entra.

O bagulho aqui é sério, amor, arrebenta!

O bonde é pesadão

e não tem marcha lenta.

(Funk proibido)

A idéia de assaltar veio do pessoal que roubava residências, os caxangueiros.

Negado o pedido de empréstimo pelo amigo rico, Juliano buscou

o apoio dos assaltantes da quadrilha do cunhado Paulo Roberto, que ficou

mais poderoso no morro depois da morte do concorrente Mendonça. Alguns

haviam se envolvido no tráfico no período em que ele esteve preso

na Polinter. Era uma alternativa ao comércio de drogas para capitalizar a

boca e equipar o seu exército, que perdera quatro fuzis nos episódios da

morte de cinco homens. Antes de decidir mudar de ramo, tentou um blefe:

criar uma falsa situação de falência. Restringira as vendas de pó e de

maconha às noites de sexta-feira e de sábado. Pretendera, com isso, tirar

o interesse da polícia na repressão aos vapores da Santa Marta.

Mas não deu certo, porque o principal alvo da polícia não eram as

drogas, era ele próprio.

Mudar de ramo provisoriamente também tinha o significado tático de

escapar com vida do cerco policial, cada dia mais intenso.

- A polícia qué nos quebrá aqui em cima. Então a gente vai assaltá lá

embaixo, é ou não é? - sugeriu Paulo Roberto, o gerente do pó e, nessa

época, o caxangueiro mais experiente do morro.

- Se a parada é assalto, tem que sê manero. Como nos filmes, com

plano, mulhé bonita e o caralho! - argumentou Juliano durante uma reunião

na Toca, o QG da ação.

A escolha da vítima e o planejamento do assalto também foram de


autoria de Paulo Roberto e seu grupo de caxangueiros. Juliano aceitou

a idéia quase sem restrições. Ele sempre cultivou boas relações com as

quadrilhas de assaltantes da favela, inclusive mantivera eventuais colaborações

recíprocas. Juliano já havia emprestado armas e munição para

alguns assaltos na cidade. E, em contrapartida, recebera deles o reforço

de homens e armas em alguns combates contra os inimigos. A parceria

com o cunhado levou a discussão do plano para dentro da família, com

algumas controvérsias. Uma delas foi a escolha de Paulo Roberto para o

comando do bonde, que levaria os homens para o assalto.

- Essa parada, sei não, sei não - duvidou a irmã Zuleika, numa conversa

em casa com a mãe Betinha e Brava.

- Tá certo. Na boca, o Juliano já é um mamão com açúcar... imagina

no asfalto, Zuleika? Isso é 157, mulher. Surpresa, ferro na cara, mão pra

cabeça, grana, pinote, partilha e um abraço - decretou Mãe Brava.

- E isso é com o Paulo Roberto? Tudo bem, mas, na moral, sob as ordens

do bom, do melhor, que é o Juliano - disse Zuleika, inconformada.

- Tu quer dizer: do corno Juliano! Eu já falei pra ele: tu tem que sê

mais durão, afinal tu não é bandido, meu filho? Mas ele não me ouve, não

esquenta com nada. Concordo com Zuleika. Esse Paulo Roberto tá com

essa bola toda, não. Se der errado, morre todo mundo. E nunca vou perdoar

esse cara, não. Sei que é teu genro, Brava. Mas eu não quero nunca

chorar a morte de meu filho - disse Betinha.

- O Paulo Roberto vai decepcioná não. Ele já teve na pista com meu

marido, que falava bem dele. Tu lembra da história da Décima? - disse

Brava.

Mãe Brava se referia ao episódio da fuga de Paulo Roberto, que estivera



preso na Décima Delegacia por assalto a uma residência do bairro

de Botafogo. Ele escapou graças à ajuda do falecido Paulista, que lhe

ensinou a técnica de cortar grade de ferro com uma corrente de ouro,

introduzida na cela em dias de visita da família. Esse fato, para Brava,

teria criado um forte vínculo de Paulo Roberto com a família e por isso

ela não se incomodava de vê-lo no comando do bonde e Juliano como

subordinado.

- Especialidade é especialidade. De assalto, o Paulo Roberto entende

mais.
Luz também foi consultada. Ela era amiga dele, ajudara-o a dar um

golpe na segurança de outra cadeia, a da Ilha Grande. Um dia ela foi

visitá-lo na companhia do irmão dele, que tinha 17 anos. No final do

dia, como os dois eram muito parecidos, o carcereiro não percebeu que

o menor ficou trancado na cela enquanto Paulo Roberto fugia pela porta

da frente com o documento do irmão, na companhia de Luz. Quando a

fuga foi descoberta, a administração do presídio nada pôde fazer contra

o irmão de Paulo Roberto, que por ser menor não poderia ser processado

criminalmente nem continuar preso.

- Concordo, é a chance do Paulo Roberto provar que é o bicho. E retribuir

tudo o que a gente já fez por ele - disse Luz.

A maior preocupação de Juliano era encontrar a roupa adequada para

o tipo de assalto. A seu pedido, a irmã Zuleika levou um homem com o

seu tipo físico até uma loja da zona sul para servir de modelo na compra

de um terno azul-marinho. Era véspera do assalto. Juliano saiu da Toca

para experimentar a roupa nova no barraco de seu Tinta, que tinha um

bom espelho na porta do guarda-roupa. Era a primeira vez que vestia

paletó. Conferiu detalhe por detalhe da roupa, como se fosse um noivo

em dia de casamento. Adorou o modelo e ficou bravo porque a maioria o

achou esquisito.

- Esse cabelão encaracolado? Tá estranho, Juliano. Vai chamá atenção

pra caralho - disse o baixinho Careca, também irreconhecível num

terno de medidas adequadas a um homem alto e bem mais gordo.

- Que nada, pareço um juiz, rapá. Me chama de excelência, aí - respondeu

Juliano, que concordou apenas em raspar o cavanhaque.

Os cinco parceiros de bonde também vestiram roupas semelhantes.

Na hora de partir para a ação, ainda discutiam muito porque ninguém

sabia dar nó em gravata. O dia amanhecia quando saíram da favela divididos

em um trio e uma dupla: na frente do trio, Paulo Roberto, que

comandava os jovens Tucano e Paranóia. A dupla era Juliano e Careca.

Todos pareciam executivos desajeitados a caminho do trabalho, três deles

com pastas pretas nas mãos. Desceram o beco Padre Hélio com a

cobertura de um grupo de homens à frente. Atrás dele, Doente Baubau,

maravilhado com a cena, gritava para todo mundo ouvir.

- Aí os cara, aí!
Eram aguardados por um taxista amigo, morador do morro, no acesso

da rua Jupira. O táxi fez duas viagens para levar todo mundo até a Praia

do Flamengo, onde estavam estacionados dois Vectras roubados especialmente

para a ação.

Como estava planejado, pontualmente, às 9h45min, o piloto Careca

chegou ao setor de embarque internacional do Aeroporto do Galeão, na

Ilha do Governador.

Juliano saiu do carro e entrou no saguão do terminal enquanto o seu

piloto exclusivo levava o Vectra para o estacionamento, no subsolo. Na

mesma hora, na outra ponta do terminal, o grupo de Paulo Roberto chegava

ao saguão do embarque doméstico. Juliano subiu a escada rolante

para chegar à área de serviço. Passeou pelo corredor das lojas de suvenires

e parou na lanchonete para tomar um café, pretexto para ouvir a senha

de um funcionário que fazia a limpeza do balcão.

- Vai açúcar aí mermão? - disse o funcionário cúmplice.

O faxineiro era o tio de Tucano, um dos moradores mais populares

da Santa Marta, onde durante anos foi apontador das bancas de jogo do

bicho. Aposentado, vivia da pensão de valor equivalente a 60 dólares.

Virou faxineiro aos 60 anos para reforçar a renda de casa. Depois de

muita insistência do sobrinho Tucano, concordou em colaborar passando

informações estratégicas para o assalto em troca de cinco por cento do

valor que fosse roubado.

Havia meses que o faxineiro assistia nos corredores do aeroporto a

uma cena, considerada valiosa pelos caxangueiros. Diariamente, enquanto

limpava o balcão, ele acompanhava com os olhos o serviço de coleta

do dinheiro de uma agência do Banco do Brasil do aeroporto, que ficava

em frente à lanchonete onde trabalhava.

“Vai açúcar aí, mermão?” Esta era a senha, o aviso de que as vítimas

estavam saindo do banco, levando todo o dinheiro arrecadado nas últimas

24 horas no comércio do aeroporto. Era uma dupla de vigilantes de uma

empresa de transporte de valores, mas pareciam ser homens de segurança.

Justamente para evitar assaltantes, em vez de uniformes usavam ternos

escuros e levavam o dinheiro em valises postas sobre um carrinho de

bagagem.
Os dois passaram pelos corredores das lojas de suvenires e foram

até a área dos elevadores, onde Juliano os aguardava, como se estivesse

esperando a abertura das portas de aço para descer. Quando as portas se

abriram, Juliano deixou que os homens da valise entrassem primeiro.

Para que não desconfiassem, pressionou o botão que sinalizava a parada

do subsolo antes que eles o fizessem. O faxineiro já havia informado que

a dupla costumava descer até a garagem, onde um caminhão blindado os

aguardava.

Assim que as portas do elevador se fecharam, Julíano sentiu a pressão

de um cano de um revólver na nuca. Ficou paralisado por segundos, até

o momento em que o elevador parou no térreo para a entrada de duas

senhoras e do trio Paulo

Roberto, Tucano e Paranóia. Ao perceberem que Juliano estava rendido,

os três sacaram as pistolas que traziam na cintura encobertas pelo

paletó. As duas mulheres tentaram sair imediatamente, mas foram impedidas

pela confusão. De repente Juliano virou escudo da dupla de agentes

de segurança, que por sua vez tinham as armas do trio apontadas contra

si. As mulheres choravam, os seis homens falavam nervosamente ao mesmo

tempo, enquanto o elevador descia.

- Baixa essa arma, caralho, que eu arrebento a cabeça desse viado -

gritou um dos agentes, apontando a arma.

- Perdeu! Perdeu!... Vou quebrá, rapá. Tu já era, rapá - gritava Paulo

Roberto também com a arma na mão.

- Empatô! Empatô! Caralho! - gritou Juliano, enquanto o elevador

parava no subsolo.

As portas se abriram, as mulheres saíram apressadas e os dois grupos

continuaram a gritaria, um apontando as armas para o outro, sem sair do

elevador. O apelo de Juliano foi se impondo.

- É empate, seus viados! Segura, caralho. Ninguém vai morrê por

causa de dinheiro. Vamo dividi essa porra - gritou Juliano.

Os companheiros não gostaram da idéia.

- Dividi, o caralho. Passa a maleta. Passa as duas, caralho - gritou

Paulo Roberto.

Sem precisar de muito esforço, Juliano conseguiu pôr a mão em uma

das valises, que estava pesada, parecia cheia de dinheiro.


- Já é, aí! Já é, aí! Esse dinheiro agora é nosso. Baixa essa arma, caralho!

- disse Juliano para o agente que estava trêmulo, amedrontado.

- Tá certo, mas uma fica. Uma fica aqui! - disse o agente, que parecia

mais confiante.

Juliano se afastou deles lentamente, de costas, saindo do elevador

com uma das valises, ainda sob a mira das armas dos agentes. Paulo

Roberto, Tucano e Paranóia também recuaram passo a passo, sempre em

posição de tiro, ameaçadores.

- No vacilo, quebro! Vacila, não! - gritava Paulo Roberto até a porta

do elevador se fechar, cobrindo a visão da dupla de agentes. Os pilotos

dos Vectra já aguardavam bem perto da saída dos elevadores. O combinado

era sair do subsolo devagar para não chamar a atenção. Mas a

imprevista reação dos agentes deixou Juliano nervoso.

- Pé no fundo, Careca!

O piloto do grupo de Paulo Roberto era um assaltante maduro, experiente,

William, de 46 anos.

Foi o primeiro a sair do aeroporto. Por causa de uma falha de Juliano,

Careca teve dificuldades de passar pelo guichê eletrônico da saída.

- Me dá o tíquete, Juliano!

- Que tíquete, caralho. Acelera essa porra!

- Tu pagô, não? Vamo ficá preso, aqui. Olha essa barra de ferro aí na

frente!


- Passa por cima. Arrebenta, porra!

O choque contra a barra de segurança, que levanta automaticamente

quando o tíquete é introduzido no guichê eletrônico, trincou o vidro pára-

brisa e acionou o alarme do estacionamento. O imprevisto mudou o plano

de fuga. Em vez de seguir direto pela avenida Brasil, Juliano mandou

Careca não sair da Ilha do Governador, para evitar algum possível bloqueio

na ponte que liga a baía de Guanabara à cidade. Foram até o centro

comercial da Ilha e entraram no estacionamento de um supermercado.

Antes de abandonar o Vectra, vibraram com o conteúdo da valise.

Eram dezenas de montes de cédulas de 50 reais, que passaram para dentro

de duas mochilas surradas. Tiraram o paletó, a camisa social, a gravata.

Vestiram camisetas brancas, a de Juliano com uma grande estrela

preta no peito, o escudo do time de futebol do Botafogo. Foram embora
de ônibus e só chegaram no começo da noite ao local da partilha do dinheiro,

um bar da Cobal perto da Santa Marta. Juliano já trouxe a parte

de cada grupo dividida nas duas mochilas. Sugeriu que dividissem ainda

mais, para cada integrante do bonde ficar com a sua parte. Assim, se

alguém fosse preso na subida do morro, não perderiam tudo. A divisão

começou a dar problemas na hora em que Juliano falou reservadamente

a Paulo Roberto qual era o valor que haviam roubado.

- Sessenta e cinco paus? Estava esperando muito mais, aí! O tio do

Tucano tinha falado em 200.

De duzentos pra mais, aí - reclamou Paulo Roberto, que já desconfiara

da demora de Juliano em voltar da Ilha do Governador.

- Escolhemos a mala errada. O dinheiro pesado estava na outra, caralho.

Mas é o que é tá pensando o quê? Quem colocô a mão nessa porra,

com revólver na cabeça e o caralho?

Os mais jovens, Tucano e Paranóia, e o tio informante ficaram com

o equivalente a 1.500 dólares, cinco por cento para cada um. Os pilotos

Careca e William receberam 2.500 dólares. E os comandantes da ação,

Juliano e Paulo Roberto, 11.500 dólares cada um. Descontente, mas

sem provas de ter sido enganado, Paulo Roberto limitou-se a falar com

William de sua desconfiança. Para o veterano assaltante, Paulo Roberto

falhou ao se afastar do dinheiro na hora da fuga.

- Tu errô na hora do pinote, cara. Chefe tem que fugi no lado do outro

chefe. E os dois de olho na grana. Agora, só te resta confiá na palavra

dele e um dia dá o troco.

O primeiro gasto de Juliano foi na lua-de-mel com Luana, em um

hotel na cidade de Parati.

Passaram um fim de semana juntos, pela primeira vez desde a sua

volta ao morro. Todos os outros encontros foram clandestinos, quase

sempre no barraco de seu Tinta. A namorada acompanhara de perto a situação

difícil, às vezes de desespero, que ele e os amigos viveram nos últimos

meses. Em alguns momentos de perseguição da polícia ela chegou

a desejar a prisão de Juliano, por temer que ele fosse morto nos tiroteios.

Luana tentara se aproveitar da falência da boca para pressionar Juliano

a abandonar o tráfico e fugir com ela para algum lugar distante do país.

Passar alguns dias na praia, com tudo financiado por ele, não era exata
mente o que Luana esperava. Gostou de poder ficar ao lado dele sem os

riscos da favela, mas ficou desconfiada.

- Você não estava falido, Juliano? De repente, você tem dinheiro para

viajar, pagar hotel, comprar roupa nova.., o que você andou aprontando?

- Foi um desenrole, novos sócios, contatos. Vamo crescê de novo,

podê comprá a policia, derrotá de vez os alemão e aí, sim, eu abandono

tudo, aí!

- Não entendo por que fazer tudo isso para depois desistir do negócio.

É muito mais lógico cair fora logo, antes que seja tarde.

- Um dia tu vai entendê. A rapaziada precisa de mim. Os alemão do

Terceiro Comando tão querendo demais tomá o morro. Se isso acontecê,

vai tê morte, muita morte dos menino. A comunidade toda vai sofrê porque

os cara são foda, quebram mesmo! Pode crê, Luana. Eu ainda sô um

mal necessário na Santa Marta.

- Você parece político, não responde às perguntas. E o dinheiro, de

onde veio esse dinheiro? - insistiu Luana.

Os jornais diários do Rio começaram a responder às perguntas que

Juliano evitava. Algumas notícias assustadoras envolviam o nome dele,

antes apenas citado nas reportagens que lembravam a fuga da Polinter e

algum tiroteio com os inimigos ou perseguições da polícia. Nas vésperas

do Natal de 1998, surgiram as primeiras noticias do envolvimento

com assalto, quase todos com cenas que impressionaram pela audácia da

ação, como aconteceu numa noite de sexta-feira no Leblon.

Algumas ruas do bairro eram tomadas pelos jovens nas noites de fim

de semana. Lotavam os bares, os restaurantes, as danceterias e nos pontos

de encontro mais concorridos também ocupavam as calçadas e até parte

da pista de asfalto. O assalto que virou noticia foi justamente no ponto de

maior movimento da rua Ataulfo de Paiva, no coração do chamado Baixo


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