O livro Aruanda Autor : robson pinheiro ângelo inácio



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10 - GOECIA

Já estávamos próximos ao terreiro ao qual nos dirigíamos, na Crosta. Quando chegamos, o ambiente externo estava fervilhando de entidades e de pessoas encarnadas. Uma fileira de seres desencarnados, que identifiquei como as falanges de guardiões, formava uma espécie de muralha em torno da construção física. Era a falange de Exu - os guardiões do templo.

Aproximamo-nos vibratoriamente da tenda, que se dizia umbandista. Creio que, na verdade, a forma de culto que presenciávamos ali era um misto de umbanda e candomblé. O batuque era alto; os homens responsáveis pelos tambores pareciam em êxtase. No meio do salão, todo enfeitado com bandeirolas coloridas, um círculo de pessoas dançava a música cadenciada. Os médiuns do terreiro, todos com vestes bastante coloridas, dançavam sob a influência dos atabaques e demais tambores, tocados num determinado ritmo. Algo estranho, porém, acontecia naquele ambiente. Um a um, os médiuns, de acordo com o cântico que entoavam, em idiomas próprios de cultos assim, pareciam entrar em transe. Contudo, não havia espíritos envolvendo-os. De cada médium do terreiro exalava uma cota intensa de ectoplasma, na forma de um vapor luminoso, que pairava a seu redor.

Vovó Catarina, notando minha curiosidade e a de Wallace, começou com as explicações:

- Este não é um templo umbandista. Os dirigentes desta tenda, não possuindo maiores esclarecimentos sobre as leis da umbanda, adotaram o nome sagrado e se autodenominam umbandistas. Mas, veja Ângelo, que ainda estão presos a antigos rituais, de procedência africana. Elementos como os atabaques, os cânticos na língua ioruba e os demais apetrechos que observamos já denotam que não é uma tenda umbandista. A multidão que comparece ao culto é atraída pela música, os cânticos e rituais; não há, entretanto, nenhum ensinamento de ordem moral. Também se pode notar que neste terreiro os médiuns cultuam os orixás à semelhança do candomblé. Na umbanda, é diferente, reconhecem-se apenas sete orixás, e os respeitamos como vibrações das forças da natureza.

- As roupas coloridas dizem alguma coisa a respeito dos médiuns? - perguntei. - É uma forma de identificação?

- Neste tipo de culto, cada cor representa um orixá, de acordo com o sistema de crenças de nossos irmãos do candomblé. Isso significa que cada médium está vestido com as cores associadas a seu santo ou orixá. Na umbanda, não se utiliza este tipo de simbologia. Os médiuns umbandistas usam a roupa branca, como característica de simplicidade, e não entoam cantos rituais em idiomas que não o português, abolindo inclusive o uso de atabaques. Mas não nos fixemos na aparência. Examinemos a simbologia dos orixás, para que você possa compreender o significado de cada um.

- Sim, meu filho - interferiu Pai João. - E importante compreender o que sejam os orixás e sua atuação no mundo. A parte todo o ritual e as práticas que soam como excessos para nós, convém entender o que está por detrás da alegoria. Orixá é uma força viva da natureza, por vezes confundido com os elementais que se afinizam com suas vibrações. Podemos dizer que orixá é uma vibração cósmica; sendo assim, não se equipara aos seres desencarnados que incorporam em seus médiuns. Como vibração e energia primordial, os orixás tal e qual guardam determinadas características que se assemelham muito às de certos santos do culto católico. Daí, faz todo sentido o chamado sincretismo, aspecto muito marcante e interessante da cultura brasileira. Mas não significa que os orixás sejam tais santos, absolutamente. São princípios ativos, não encarnantes, e se porventura a umbanda utiliza imagens de santos católicos para simbolizar os orixás, é apenas a fim de estabelecer uma conexão mental entre o povo e as verdades da umbanda, através da crença popular.

- Não entendi muito bem - respondi.

- Vamos citar exemplos, meu filho - tornou Pai João.

- Oxalá representa uma vibração que é responsável pela energia da paz. Também está associado ao elemento masculino ou yang, como queira classificar. Iemanjá, por sua vez, está ligada à água, simbolizando o elemento feminino. Porém, Oxalá não é Jesus, nem Iemanjá é Nossa Senhora, como pode sugerir o sincretismo. Se o culto umbandista lança mão das imagens de Nosso Senhor e de Nossa Senhora para representar os orixás que lhes correspondem, é em virtude da necessidade popular de uma referência material para compreender as coisas espirituais. Os leigos, a população em geral, teriam dificuldade em entender o que seja uma vibração; é um conceito abstrato. No entanto, quando tais vibrações, como a paz e o elemento masculino, são representadas pela imagem de Jesus, estabelece-se imediatamente um ponto de contato entre o indivíduo e a vibração de seu orixá. Muitos ainda precisam de elementos materiais para alcançar realidades que estão no plano infinito da criação.

- Isso mesmo - falou Vovó Catarina. - As semelhanças de cada orixá-vibração com os santos católicos são apenas superficiais, simbólicas ou imagéticas, poderíamos dizer, embora os seres canonizados pela Igreja tenham tido, durante suas vidas, características que remetessem a este ou aquele orixá. Explicando melhor: sendo Oxalá uma vibração do elemento masculino, positiva, força ativa e fecundante, assemelha-se, pois, a Jesus, Nosso Senhor, sob cuja tutela e orientação a vibração de Oxalá atua. Do mesmo modo, os demais orixás, na umbanda, são identificados, conforme a vibração de cada um, com este ou aquele personagem reverenciado como santo. Ainda sobre a natureza do orixá-vibração Oxalá, vale dizer que é ele o responsável por reger o chacra coronário e está relacionado ao corpo mais superior do espírito, o sétimo corpo espiritual, o corpo átmico, segundo o setenário espiritualista.

Pai João continuou a explicação:

- Iemanjá, que, por sua vez, está associada ao elemento feminino, à lua e às marés, representa a sensibilidade e a emoção. A vibração de Iemanjá está intimamente ligada ao chacra frontal e ao corpo búdico, devido à função e às características dessas estruturas. A seguir, temos a vibração Yori, relacionada com o laríngeo e o corpo mental superior. Xangô, em sua vibração original, está associado ao chacra cardíaco e, por conseguinte, ao corpo mental inferior ou concreto. Isso se deve ao fato de que a vibração Xangô, ou o orixá Xangô, traduz justiça, equilíbrio e verdade. Ogum, que possui uma vibração mais intensa, tem características que se assemelham ao chacra umbilical; está na posição vibratória do corpo astral, das emoções fortes e passionais. Já Oxóssi, ligado à natureza e às florestas, às curas e à força prânica, relaciona-se ao chacra esplênico e, desse modo, ao duplo etérico, que é o harmonizador das energias da aura. Finalmente, a vibração de Yorimá simboliza os pretos-velhos e está associada ao chacra básico, pois as entidades que vibram na forma de pretos-velhos trabalham com o ectoplasma e diretamente ligados à sabedoria e à manipulação de fluidos densos.

- Então é correto afirmar que os orixás não são seres que um dia estiveram encarnados?

- Precisamente. São apenas vibrações. Contudo, na umbanda, existem entidades espirituais que correspondem ou traduzem essa vibração. Classificam-se como orixás menores, que, por sua vez, se fazem representar por caboclos e outros espíritos que habitualmente se apresentam na umbanda, como pais-velhos e crianças, estas, em alguns locais, conhecidas como erês. Os orixás menores são espíritos de seres que um dia estiveram encarnados, e sua função é sobretudo interpretar as leis e as vibrações originais dos chamados orixás maiores ou vibrações, que citamos anteriormente.

- Mas existe alguma diferença entre os orixás do candomblé e aqueles aceitos na umbanda?

- com certeza, meu filho - tornou Pai João. - Na umbanda, aceitam-se apenas os sete orixás que comentamos. A a umbanda respeita a riqueza do culto afro, representado no candomblé, mas o referencial para os trabalhos umbandistas são apenas os sete principais orixás-vibração originais, que representam também os sete planos vibratórios do universo, os sete chacras e os sete corpos espirituais. .

- Agora, de volta ao que conversamos há pouco, este terreiro aqui é ou não uma tenda de umbanda?


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