O paraíso é aqui



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CAPÍTULO VI

O restaurante que Gabriel escolheu ficava em uma baía, a trinta quilômetros da cidade. A grande extensão de água parecia um espelho natural, refletindo as luzes da cidade e do céu estrelado.

O clima estava agradável e Clara preferiu ocupar uma mesa do lado de fora do restaurante. A leve brisa agitava os coqueiros ao longo da baía, criando um relaxante farfalhar de folhas. Unido ao som do mar, o ruído dava origem a uma espécie de música natural, tornando o lugar ainda mais exótico e acolhedor.

Gabriel tivera tempo de passar em casa, pois aparecera barbeado e vestido com uma roupa esporte em tons de caqui. De vez em quando, um delicioso perfume de colônia pós-barba chegava às narinas de Clara, fazendo-a desejar poder senti-lo mais de perto.

Ela escolhera um vestido de crepe lilás, com um corte reto, saia acima dos joelhos e sedutoras alças fininhas. Se soubesse que iriam a um lugar com aparência tão tropical, teria colocado um hibisco atrás da orelha ou coisa do gênero, pensou.

Quando o garçom se aproximou, pediram um jantar à base de mariscos e vinho branco para acompanhar.

Clara mal acreditava que estivesse mesmo ali, jantando com Gabriel McGuire, e o que parecia mais estranho: se divertindo! A apreensão que sentira no início aos poucos fora se transformando em relaxamento, até ela começar a sentir que realmente valera a pena aceitar o convite.

A profissão exigia que os dois estivessem sempre bem informados, por isso não faltou assunto em nenhum mo­mento. Abordaram desde política até os trabalhos de arte que andavam sendo feitos. De vez em quando, Clara se flagrava rindo com divertimento de algo que ele dissera en­quanto Gabriel a observava com seus perscrutadores olhos negros. Aos poucos, Clara parecia estar cedendo ao feitiço.

Gabriel continuou a comer mesmo depois de Clara haver acabado a refeição. Ele devia estar mesmo faminto depois de não comer nada durante o dia inteiro, pensou ela.

— Acredite se quiser, mas ainda vou pedir sobremesa — avisou ele, com um ar maroto.

— Bem, fique à vontade — Clara o encorajou. — O jantar estava realmente divino. A comida deste lugar é ótima.

— Então voltaremos a comer aqui — declarou ele, com ar casual.

— Você vai me convidar?

—Eu já pretendia fazer isso — Gabriel confessou. —: Estava apenas esperando o momento certo.

Clara levou as mãos ao rosto, parecendo surpresa.

— Gabriel, o que deu em nós? Até poucos dias, não nos suportávamos!

Você não me suportava — salientou ele, com ar de riso.

— Está bem, reconheço que não era uma de suas fãs, mas isso é assustador!

— Por quê? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Só por­que, pela primeira vez na vida, está deixando alguém se aproximar de você?

— Talvez. E quanto a você? Também parecia ser uma pessoa reservada.

— Não quando estou com você.

Clara adorou ouvir aquilo, mas preferiu não demonstrar.

— Então fale mais sobre você — pediu a ele.

— O que quer saber? Ela hesitou.

— Estamos tendo uma noite tão agradável. Tem certeza de que deseja conversar seriamente?

Gabriel tocou a mão dela sobre a mesa.

— Eu sempre falo sério, Clara. Ela sentiu o coração acelerar.

— Sua infância foi mesmo difícil, como mencionou?

— Esse é o começo da entrevista, srta. Cavanagh?

— Não, Gabriel. — Ela fitou-o nos olhos. — Quero co­nhecê-lo melhor, nada mais.

— Não sei se devo contar tudo a você.

— Isso poderá ajudá-lo.

— Não gosto de falar sobre esse assunto, mas vamos lá. Meu pai era um veterano do Vietnã. Piloto de heli­cóptero. Quando voltou da guerra, havia se transformado em uma pessoa completamente diferente daquela que eu e minha mãe conhecemos. O sofrimento da guerra o mo­dificou pelo resto da vida. E nos afetou também. Meu pai não conseguia controlar os acessos de agressividade que, com o passar dos anos, transformaram-no em um homem muito violento.

— Oh, Gabriel. Sinto muito. Falou no tempo passado para se referir a ele — observou Clara.

— Ele morreu prematuramente. A única maneira através da qual ele conseguiu conviver consigo mesmo foi se entre­gando à bebida.

— E sua mãe?

— Ela está bem. — Gabriel deu de ombros. — Na medida do possível. Mora com uma irmã, na Tasmânia. Eu a vejo pelo menos duas vezes por ano, e ela sempre tenta se des­culpar por não haver sido mais forte.

— Mas ela não teve culpa pelo que aconteceu.

— Eu já disse isso a ela, mas minha mãe vive se culpando por eu não haver tido uma infância feliz. Confesso que já tive problemas por causa disso, mas eu os superei.

— Por isso acredita tanto no amor e pensa em criar uma família?

— Tenho uma idéia muito clara sobre paz e felicidade em uma família, Clara. Para obtê-las, é essencial que aja amor.

— Onde aprendeu isso?

— Com a vida. Não me deixando abater pelos problemas, e sim lutando para superá-los e aprender algo com isso.

— Espero que encontre essa felicidade, Gabriel.

— Eu também.

— Mas vai precisar de uma "ajudazinha extra" se decidir compartilhá-la com Tara Williams — ironizou ela.

— Você sabe mesmo como me provocar, srta. Cavanagh. -—Não estou provocando-o. Por que está me olhando

desse jeito?

— Admita que está com ciúme — disse Gabriel.

— Ciúme?!

— Isso mesmo. O que você tem contra Tara?

— Preciso mesmo responder a essa pergunta? Aquela mulher é arrogante demais! Ela faz alguma coisa na vida?

— Ouvi dizer que realiza trabalhos sociais ocasionalmente.

— Quanta generosidade — desdenhou Clara.

— Acho que vou desistir da sobremesa. Quer café?

— Sim.


Pouco depois, enquanto o café estava sendo servido, Tara Williams em pessoa apareceu no restaurante, acompanhada por um homem de meia-idade. Ao vê-la, Clara quase soltou um grito de susto.

— Ah, meu Deus... Quando foi que você viu Tara pela última vez?

Gabriel estava de costas para a entrada e franziu o cenho.

— Bem, acho que foi em ...E o Vento Levou.

— Não é hora para brincadeira, Gabriel. Segunda chance.

— Tara Williams? Eu a vi pela última vez na festa.

— Bem, não olhe agora, mas ela acabou de entrar no restaurante.

— Essa não... Há alguém com ela?

— Pode ficar tranqüilo porque o acompanhante dela não pode competir com você. E velho, gordo, careca e baixinho.

— Então deve ser Al Jacobsen — supôs Gabriel, em um tom casual. — Ouvi dizer que ele iria chegar essa semana. Al é diretor de outro canal do sr. Llew, no exterior.

— Espero que esteja ansioso para vê-lo, porque eles estão vindo para cá.

Ele fez um ar de desagrado.

— Imaginei que isso acabaria acontecendo. Quer terminar logo esse café, por favor?

Clara arregalou os olhos.

— Quer que eu o engula quente? Prefiro preparar outro para tomarmos em casa.

— Isso é um convite? — Ele arqueou uma sobrancelha.

— Apenas uma sugestão. Gabriel fingiu um ar de decepção.

— Não me deixe triste, Clara.

— Está bem, então. E uma promessa.

Tara arregalou os olhos de repente e apontou na direção deles.

— Gabriel, mas que surpresa! Conhece Gabriel McGuire, não é, Al?

— Não, ainda não fomos apresentados — respondeu ele, com um sorriso.

Os garçons começaram a se mover de um lado para outro, imaginando que a mesa seria compartilhada pelos quatro.

Tara olhou para Clara com um sorriso amplo demais. Um gesto que mais parecia querer dizer: "Mandarei meu pai colocá-la no olho da rua, minha querida".

— Eu não sabia que você e Gabriel eram tão... amigos.

— Saímos uma vez ou outra para almoçar ou jantar. Mas não com freqüência.

Os dois homens trocaram um aperto de mãos.

— Poderíamos tomar um drinque, se quiserem — sugeriu Al com animação, enquanto o garçom, paciente, esperava por um sinal.

— Infelizmente, eu e Clara precisamos voltar para a ci­dade — respondeu Gabriel. — Foi um prazer conhecê-lo — acrescentou, segurando Clara pelo braço e fazendo menção de se retirar. — Espero que gostem do jantar. A comida daqui é ótima.

— Foi o que Tara me disse — anuiu Al.

— Lembra-se de quando viemos aqui há um mês, Gabriel? — perguntou ela, com um tom de voz possessivo.

— Só um mês? — perguntou ele. — Para mim, parece que faz tanto tempo...

— Ficarei na cidade por pouco tempo, mas assistirei ao seu programa, srta. Cavanagh — falou Al, com simpatia.

— Ela não tem um programa — interveio Tara, passando a mão pelo braço dele. —A srta. Cavanagh apresenta apenas pequenas reportagens. A preservação dos coalas, defesa do meio ambiente, esse tipo de coisa.

— "Pequenas reportagens. A preservação dos coalas, de­fesa do meio ambiente, esse tipo de coisa..." — Clara imitou a voz afetada de Tara, assim que entraram no Jaguar. — Se pudesse, ela teria me matado com o olhar!

— Felizmente conseguimos escapar antes que acontecessem maiores danos. Tara está apenas com ciúme, nada muito nocivo.

Clara o olhou de soslaio.

— Está brincando? Ela pode arruinar a minha carreira, se for contar ao pai uma versão particular sobre essa história.

— Esqueceu-se de que é minha funcionária?

— Não, não esqueci.

— Se eu fosse você, estaria me preocupando mais em descobrir o melhor ângulo do seu rosto diante das câmaras.

— Por quê?

— Porque estou pensando em colocá-la como apresenta­dora de um programa de entrevistas.

— Gabriel!

Aquele era o grande sonho de Clara, mas ela nunca pen­sara que fosse alcançá-lo tão cedo. Estaria mesmo tendo alguma "ajudazinha extra" em sua vida?

Quando chegaram à casa de Clara, Gabriel ficou na sala enquanto ela foi preparar o café. Promessa era promessa.

Minutos depois, ela estava prestes a sair com a bandeja quando Gabriel entrou na cozinha. Clara teve a impressão de que o aposento se tornara pequeno demais para os dois.

— Comecei a me sentir solitário na sala — explicou ele, com um sorriso charmoso.

— Posso preparar ovos mexidos e bacon, se você ainda estiver com fome — brincou ela.

— Quer me matar? — Aproximando-se mais, Gabriel fitou-a nos olhos. — Gostei muito de ter saído com você, Clara. Espero que também tenha gostado.

— Sim, foi muito agradável.

— O café está pronto? — Gabriel olhou para a mesa.

— Sim. Quer açúcar ou creme?

— Vou tomá-lo puro. Preciso manter a mente bem lúcida. Clara o olhou, surpresa.

— Mas Gabriel, nós só bebemos um pouco de vinho...

— É você que me deixa zonzo, Clara. Vamos nos sentar, antes que eu acabe caindo.

Ela riu.

— Seu exagerado.

— É verdade, Clara. Você está linda demais com esse ves­tido. O tom de lilás destacou a cor fulgurante de seus cabelos.

— Gabriel, pare por favor — pediu ela, com gentileza. Ele olhou para cima de repente.

— Há algo flutuando pela cozinha? Clara balançou a cabeça negativamente.

— Como você mesmo me disse certa vez, está precisando é de uma boa noite de sono, Gabriel.

— Não está sentindo uma presença carinhosa por aqui? — insistiu ele, olhando em torno de si.

— Não imaginei que você acreditasse em espíritos e em coisas desse tipo.

— Nunca pesquisei o assunto a fundo, mas ele sempre me interessou. Não sei explicar, mas venho sentindo algo diferente nos últimos dias.

— O pior é que acredito em você. Comigo também tem acontecido algumas coisas estranhas, como você já viu.

— Não está mesmo fazendo musculação?—Gabriel brincou.

— Claro que não. Mas você descreveu exatamente o que venho sentindo: uma presença carinhosa.

— Acho que toda pessoa solitária acaba sentindo a neces­sidade de sentir isso em algum momento — disse ele. Após uma breve pausa; acrescentou: — Acho melhor eu ir andando.

— Vou acompanhá-lo até a porta.

Gabriel seguiu na frente pelo corredor que levava à sala. Porém, parou de repente e Clara acabou esbarrando nele.

— Oh, sinto muito — disse Gabriel, virando-se depressa para ampará-la.

Clara sorriu.

— Acho que ainda não me acostumei com seu ritmo. Ele também sorriu.

— Boa noite, Clara.

Segurou o queixo dela com delicadeza. Pretendia beijá-la brevemente, apenas para se despedir, mas no último ins­tante Clara o fitou com um olhar tão sonhador que ele não resistiu. Puxou-a para si com paixão e beijou-a como ima­ginara que deveria fazê-lo desde o primeiro instante em que a vira.

Clara nunca havia sido beijada daquela maneira. Sentiu um delicioso calor invadir seu corpo, enquanto os lábios de Gabriel esmagaram os seus em um beijo de tirar o fôlego.

Quando ele se afastou de repente, teve de ampará-la para que ela não caísse.

— Sinto muito, Clara.

Dizendo isso, apressou-se em direção à porta, como que sentindo-se culpado pelo que acabara de fazer. Clara o seguiu depressa, sem entender direito o que estava acontecendo.

— Eu estou bem, Gabriel. Fiquei apenas apreensiva por um instante.

— É sobre isso que preciso pensar. — Virou-se para ela, quando chegou à porta. — Você tem medo de mim.

— De uma maneira diferente da que você está pensando — protestou ela. — Não precisa ir embora desse jeito, como se houvesse cometido um crime ao me beijar.

— Pois acho que cometi. Sei que quer se reservar para o homem por quem se apaixonar, e eu não tinha o direito de fazer isso.

Clara tocou o braço dele.

— Gabriel, não estou entendendo o que está aconte­cendo aqui.

— Está sim.

— Conte-me o que o está preocupando.

— Não seria simples me envolver com você. Embora ainda seja virgem, sabe reconhecer sensações de desejo. Eu a de­sejo muito, Clara. Creio que sabe disso desde que nos co­nhecemos. E é justamente isso que a deixa tão assustada.

— Gabriel, sou uma mulher adulta.

— Eu sei. Mas o modo como me olhou antes de nos bei­jarmos me fez perceber que talvez você espere coisas que eu não possa lhe oferecer.

Clara reconheceu que ele poderia ter razão. Por outro lado, não acreditava que Gabriel não fosse capaz de oferecer o amor que ela esperava receber.

— Talvez seja melhor eu realmente ir embora — disse ele, forçando um sorriso. — Tudo voltará a ser como antes, na segunda-feira, está bem?

Clara sentiu uma onda de desapontamento, mas concor­dou com um gesto de cabeça.

— Ainda pretende ir visitar minha mãe no domingo? — perguntou quando Gabriel já estava entrando no carro.

— Só se quiser que eu vá com você.

— Claro que quero.

Acene para ele! Acene para ele!

Clara ouviu a voz com mais nitidez do que das outras vezes.

— Está bem — disse em voz alta.

Gabriel manobrou o carro e olhou uma última vez para Clara, parada diante da porta. A luz vinda de dentro da casa a iluminava por trás, deixando-a com uma aura bri­lhante em torno dos cabelos avermelhados e do vestido lilás.

Estava acenando de uma maneira tão doce que o deixou comovido. Quando deu por si, estava acenando também. Contudo, interrompeu-se ao avistar uma súbita luminosi­dade próxima a Clara, na varanda. Parecia uma bela criança com cabelos tão avermelhados quanto os dela.

Gabriel pestanejou, imaginando que se tratasse de algu­ma ilusão de ótica causada pela luz vinda da casa. Se hou­vesse alguém ali, era evidente que Clara também teria no­tado. No entanto, ela continuou a lhe acenar com aquele ar encantador.

O brilho daquela imagem pareceu continuar em sua re­tina por algum tempo. Teria sido mesmo ilusão?

"Gabriel, você tem uma imaginação fértil demais", era o que sua mãe costumava lhe dizer quando ele era garoto.

Talvez ela tivesse razão.

Clara e Gabriel se viram pouco durante o resto da se­mana. Na manhã do domingo, ela acordou cedo, arrumou-se e ficou esperando na varanda pela chegada de Gabriel.

— Olá — cumprimentou-o, andando até o carro assim que ele chegou.

— Como está você, Clara?

Ela sorriu em resposta, sem deixar de notar que ele pa­recia estar agindo de uma maneira diferente.

— Estou bem. Fiquei contente com o aumento na au­diência que a reportagem de ontem provocou.

— É verdade — anuiu ele. — Não é todo dia que uma senhora de sessenta anos passa a pilotar o avião do marido e ainda por cima o salva, depois de ele ter um enfarte. Tivemos sorte por você haver chegado primeiro ao local. Como sempre, sua competência foi impecável.

— Obrigada — agradeceu ela, enrubescendo.

— Ontem à noite, fiquei sabendo que o sr. Robbins vai se recuperar.

— Sim, eu sei. Cheguei junto com a ambulância que foi buscá-lo no aeroporto.

Ao entrar no carro, Clara avistou um ramalhete de rosas brancas no banco de trás do carro.

— São para sua mãe — explicou ele.

— Oh, quanta gentileza, Gabriel. São lindas. Minha mãe sempre adorou flores, e acho que continua adorando.

— Tenho certeza disso.

— Não recebeu nenhum telefonema de Tara? — pergun­tou Clara, assim que Gabriel colocou o carro em movimento.

Ele apenas a olhou de soslaio, sem responder.

— Pensei que ela houvesse ficado aborrecida com você — explicou Clara.

— Ela sabe "que isso não surtiria nenhum efeito em mim. Não me importo com esse tipo de atitude.

— Mas ela ligou, não?

— Sim — admitiu ele. — O sr. Llew está pressionando um pouco a situação.

— Deve estar sendo difícil para você — afirmou Clara, com um leve tom de ironia.

— Não acha que eu e Tara formamos um belo par? — Ele a provocou.

— Talvez. Mas foi você quem insistiu em falar com tanta eloqüência sobre a importância do amor.

— E você acha que Tara não é do tipo que acredita no amor? Clara balançou a cabeça negativamente.

— Nem sei por que comecei a falar sobre isso — disse a ele.

— Tudo bem, Clara. Não quero que haja segredos entre nós sobre nenhum assunto. É evidente que não vou querer ficar com você e com Tara.

— Comigo?

Clara não soube o motivo, mas sentiu vontade de chorar.

— Talvez o fato de haver me rejeitado tão completamente no início a tenha tornado mais desejável aos meus olhos.

— Gabriel, isso é verdade?

— Não, estou brincando. Mas você me fez sentir algo diferente desde a primeira vez em que nos vimos. Ainda me lembro como se fosse hoje... Quando levantei a cabeça, você estava na minha frente, feito um anjo que acabara de cair do céu.

Clara sentiu os olhos se encherem de lágrimas.

— Gabriel, essa foi a coisa mais bonita que já ouvi de alguém. Não mereço isso.

— Não merece mesmo, sua criatura cruel — brincou ele.

— Nunca mostrou nem um pouco gentileza ou de respeito por mim. Não demorou muito para eu descobrir que andava me chamando de megalomaníaco.

— Só que é um megalomaníaco especial, Gabriel. Eu sem­pre soube que você era muito competente.

— E tarde demais, Clara. Agora não adianta ficar me elogiando. Ainda vou me vingar por isso algum dia desses. Pode acreditar.

Chegaram na casa de repouso dez minutos antes do ho­rário de visitas. Aproveitaram o intervalo de tempo para caminhar um pouco pelos jardins. Gabriel ficou encantado com a beleza do lugar e com o cuidado com que tudo era mantido.

Os dois pararam à beira do lago e ficaram olhando a luz do sol se refletindo sobre a água e fazendo-a brilhar como um tapete de brilhantes. Um pássaro de canto exótico pou­sou em uma árvore a pouca distância deles, como que saudando-os pela visita.

— É difícil de acreditar que haja tanta correria a poucos quilômetros de distância — disse Gabriel, pensativo. —Tudo aqui é tão pacífico.

Clara assentiu.

— Eles fazem questão de manter o lugar isolado para contribuir com a melhora dos pacientes.

— Deve ser caro manter tudo isso tão ordenado.

— Sim. A mensalidade não é barata. Posso ter de acabar vendendo a casa, se minha mãe não se recuperar. Mas não me sentirei bem se tiver de fazer isso.

— Sei o que quer dizer.

Quando eles chegaram no quarto, Delia Cavanagh estava sentada em sua cadeira de rodas, de costas para a entrada. A luz que entrava pela janela refletia-se sobre os cabelos dela, um misto de mechas avermelhadas e grisalhas.

— Bom dia, mamãe — Clara a cumprimentou, beijando-a no rosto. Então virou a cadeira de frente para Gabriel.— Trouxe um amigo para conhecê-la. Já me ouviu falar sobre ele. É Gabriel McGuire.

Ele se adiantou segurando o ramalhete de rosas. Segurou a mão de Delia por um momento.

— Olá, Delia. Sou Gabriel.

Sentiu uma onda de compaixão por aquela senhora de rosto sereno e de aparência tão encantadora quanto a filha. Era como se ela houvesse escapado da vida por uma porta alternativa.

Comovida, Clara pegou as rosas e colocou-as em um vaso, sobre a mesinha-de-cabeceira. Observou a mãe, que conti­nuava com olhar vago, não parecendo notar a presença de Gabriel.

Ele sentou-se em uma cadeira ao lado da dela e continuou a segurar-lhe a mão. Foi então que Clara notou algo muito inusitado acontecer. Um raio de sol entrou pela janela e incidiu sobre sua mãe, iluminando-lhe o rosto sereno. Até que, como por milagre, os lábios de Delia se curvaram em um sorriso. Um sorriso que se mostrou não apenas nos lábios, mas também no brilho dos olhos.

Mal acreditando no que acabara de presenciar, Clara olhou para Gabriel.

— Ela sorriu! Você também viu, Gabriel? Ela sorriu! Ele continuou segurando a mão de Delia, parecendo tão comovido quanto Clara.

— Não resta a menor dúvida — respondeu, com um sorriso.

Gabriel percebeu que acabara de compartilhar um mo­mento muito importante da vida de Clara. Um momento de intensa esperança.

— Venha até aqui.

Estendeu a mão para ela, que se aproximou sem hesitar, trazendo um brilho de lágrimas nos olhos.

— Mamãe nunca mais havia sorrido depois... — Clara não terminou a frase.

— Então ela acabou de voltar a sorrir.

Gabriel preferiu não dizer mais nada que pudesse ali­mentar falsas esperanças em Clara. Porém, no íntimo, teve a impressão de que havia uma chance de Delia Cavanagh estar despertando novamente para a vida.

— Os médicos acham que ela nunca vai se recuperar.

— As vezes eles também se enganam, Clara.

— Sim, mas não quero acabar me desiludindo. Talvez seja efeito dos remédios ou... — Ela se interrompeu, con­tendo a vontade de chorar. — Oh, Deus, eu não sei...

Quando saíram para o jardim, Clara já não estava mais com o corpo trêmulo. Gabriel contou a elas sobre a viagem que fizera ao Tibete, o topo do mundo. Tivera o privilégio de conhecer Potala, a construção em forma de castelo que servia como monastério particular do Dalai Lama.

Ao chegar lá, ele e mais algumas pessoas haviam assistido a uma palestra. Gabriel também falou dos tibetanos, da admirável espiritualidade daquele povo e da poderosa força mística que ele sentira ao visitar o Himalaia.

Porém, o mais incrível naquilo tudo era que Delia parecia estar ouvindo cada palavra de Gabriel. Durante as duas horas em que durou a visita, Delia se manteve em uma espécie de estado intermediário, ouvindo as palavras de Ga­briel, tendo noção do jardim em torno deles e voltando ao estado de dormência.

Ver Gabriel tão à vontade na companhia de sua mãe ofe­receu a Clara momentos de paz que havia muito ela não sentia. Momentos como aquele infelizmente eram raros em meio ao caos diário, mas poderiam se tornar mais freqüentes se pessoas especiais como Gabriel surgissem na vida de todos.

A viagem pela montanha serviu para acentuar ainda mais a paz de espírito de Clara. O chalé da família De Haviland parecia uma espécie de santuário, situado em meio à des­lumbrante paisagem de montanha.

A anfitriã apareceu assim que eles chegaram, saudando-os com um sorriso radiante. Trajando uma blusa de seda azul e uma confortável calça preta, Luna De Haviland irradiava uma aura de elegância que lhe parecia muito na­tural. Os longos cabelos negros caídos às costas, em conjunto com o rosto de traços orientais, deixavam-na com uma apa­rência exótica e marcante.

— Oh, que bom que vocês vieram! — exclamou ela. — Venham se juntar aos que já chegaram. Nosso convidado de honra ainda não chegou — acrescentou, com uma piscadela.

Luna acompanhou os dois até a sala onde os convidados já estavam conversando com animação e comendo petiscos. Os dois se uniram a um grupo de jovens até Tara Williams chegar, vestida com um top preto colado ao corpo e uma calça cor de caramelo também muito justa. Em torno do pescoço, usava um lenço da mesma cor da calça, preso na frente por um anel dourado.

— Olá, pessoal — disse ela, jogando beijos pelo ar. — Meu pai e Christopher chegarão um pouco atrasados. Aque­les dois falaram de negócios a noite inteira! — acrescentou, revirando os olhos.

Alguns riram com polidez, exceto um jovem que estava próximo de Clara e que resmungou algo engraçado. Logo ficou evidente que Tara não era muito estimada no meio social, embora parecesse totalmente alheia ao fato. Como Clara já havia imaginado, ela não perdeu tempo em se apro­ximar de Gabriel.

— Querido, que bom revê-lo! — cumprimentou-o com um beijo no rosto.

Sem querer se envolver em nenhuma confusão, Clara se afastou discretamente. Quando Freeman chegou, meia hora depois, procurou Clara assim que teve chance. Ela tentou ser gentil, mas manteve certa distância, enquanto Gabriel ainda tentava se livrar das "garras" de Tara.

Os dois tiveram a chance de voltar a se falar somente quando todos foram para o bufe.

— Por andou, Gabriel? — perguntou Clara, com ar de censura, quando ele se sentou ao lado dela à mesa.

— Duvido que tenha sentido minha falta — replicou ele. — Notei a animação com que estava conversando com Freeman.

— Ora, estamos em uma festa, não?

— Então por que está brava por eu haver ficado longe de você?

— Não estou brava!

Gabriel riu, balançando a cabeça. Notando que se exal­tara, Clara disfarçou provando uma porção da salada.

Mais tarde, quando ela estava no toalete, retocando a maquiagem, Tara se aproximou dela com um ar de desafio.

— Está apaixonada por Gabriel?

Indignada com o tom de ameaça da moça, Clara respondeu:

— Talvez ele esteja precisando de alguém como eu. De qualquer maneira, Tara, se isso a deixa mais aliviada, não estou à procura de ninguém no momento.

— Não é o que parece — retrucou Tara. — Essa é a terceira vez que a vejo com ele.

— Espera que eu peça desculpas por isso? — Clara ar­queou as sobrancelhas.

— Escute aqui, se não se afastar de Gabriel, terei de tomar algumas providências que não irão agradá-la.

— Não está sendo muito gentil, Tara. Agora preciso ir andando. Quer me dar licença, por favor?

Tara ficou de lado para ela abrir a porta. Porém, antes de sair, Clara ainda a ouviu dizer:

— Lembre-se de que sua carreira está nas suas pró­prias mãos!


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