O paraíso é aqui



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CAPITULO VII

Clara e Gabriel estavam na estrada que descia a montanha, discutindo sobre as investidas de Tara e de Freeman, quando ele olhou para o céu nublado.

— Deveríamos ter saído pelo menos vinte minutos antes — falou, preocupado.

— Bem, se Tara houvesse soltado seu braço antes...— Clara ironizou.

Gabriel olhou-a de soslaio, parecendo não haver gostado do comentário.

— Não existe nada entre mim e Tara. Admito que saí com ela algumas vezes...

— E a beijou algumas vezes?

— Muito pouco. Mas não dormi com ela, Clara. Por que não pergunta diretamente a ela?

— Porque esse assunto não me interessa— mentiu Clara. A chuva finalmente começou. A princípio caíram apenas al­gumas gotas pela estrada, mas logo a chuva se tomou intensa.

— Pelo menos já estamos quase chegando ao fim da montanha — disse Gabriel. — Quando chegarmos lá em­baixo, vou parar um pouco. Não é seguro dirigir com toda essa chuva.

— Não estou gostando disso, Gabriel. A chuva está muito intensa e alguém pode acabar sofrendo um acidente.

— Não se preocupe. Estamos seguros.

O carro que ia na frente deles se afastou um pouco e entrou em uma curva, saindo de vista por um momento.

Porém, quando Gabriel e Clara passaram pela mesma curva, não viram mais sinal do carro adiante.

Clara havia notado uma mulher ao volante e uma crian­ça no banco de trás. Não vê-las mais na estrada deixou-a preocupada.

— Gabriel, para onde ela foi?

Antes que eles pudessem responder, avistaram os faróis do outro carro virados em um ângulo esquisito, em um local abaixo da estrada. O veículo havia capotado!

— Meu Deus! — exclamou Gabriel, parando no acosta­mento. — O carro deslizou para o lado e capotou. Vou ver o que aconteceu. Pegue meu telefone celular e ligue para o serviço de resgate.

Gabriel saiu do carro em seguida. O barulho da chuva estava ensurdecedor, deixando Clara ainda mais assustada. Gabriel desceu a encosta com cautela até alcançar o carro caído de lado. Ao olhar com dificuldade através da janela, viu que a criança estava bem no banco de trás, segura pelo cinto da cadeirinha própria para bebês. A mulher parecia estar inconsciente.

Quando olhou para trás, Gabriel avistou Clara descendo a encosta e vindo em sua direção.

— Há um bebê aí dentro — gritou ele, acima do barulho da chuva. — Tente salvá-lo enquanto eu tiro a mulher do carro.

Clara havia chamado a equipe de resgate, mas se os dois não fizessem algo rápido, quando eles chegassem poderia ser tarde demais.

A essa altura, ambos já estavam encharcados. Ignorando a chuva, Clara abriu a porta do veículo com dificuldade, mas conseguiu tirar a criança que estava chorando sem parar.

Do outro lado, Gabriel se esforçou para tirar a mulher, mas o fato de ela estar desmaiada dificultou um bocado a situação.

— Clara, vá para o carro! — gritou ele, ao vê-la com a criança nos braços.

A mulher estava com um ferimento na testa, mas parecia estar bem. O receio de que a criança acabasse tendo alguma complicação em meio a toda aquela chuva levou Clara a seguir em direção à encosta. Descer fora fácil, mas subir com a chuva e o barro se acumulando em seus pés seria muito difícil.



Venha por aqui!, disse-lhe a voz que já se tornava familiar para ela.

Clara seguiu a intuição e acabou encontrando uma trilha que ia dar no alto, já na estrada.



Siga peia direita, continuou a voz.

Ela obedeceu os conselhos, conseguindo ter apenas uma noção de que alguém a estava guiando. A certa altura, quase escorregou, mas equilibrou-se no último instante.



Vá com cuidado.

— Está bem — respondeu em voz alta.

Ao chegar na estrada e deixar a criança em segurança, no banco traseiro do carro de Gabriel, ela voltou para o local e tentou avistá-lo. A chuva havia formado uma en­xurrada que estava descendo pela montanha e começando a se acumular em torno do carro capotado.

— Gabriel! —- gritou, assustada.



Ele está bem.

— Quem é você? — sussurrou ela, envolta por uma onda de conforto.

Não houve nenhuma resposta. Logo em seguida, avistou Gabriel carregando a mulher nos braços. Deus, como ele iria subir pela encosta?

Ele também encontrará a trilha, respondeu-lhe a voz.

De fato, algum minutos depois ele alcançou a estrada. Parecia cansado, mas não tinha nenhum ferimento.

— Oh, graças a Deus! — exclamou Clara, correndo até ele. A chuva foi diminuindo aos poucos e quando chegaram ao carro, ela já havia praticamente cessado. Clara pegou a blusa de lã fina que levara consigo, e que continuava seca, e em­brulhou o bebê, feliz ao ver que ele estava bem. Talvez acabasse resfriado, mas não seria difícil a mãe dele lidar com isso.

A mulher também estava bem, sentada no carro. Conti­nuava inconsciente, mas estava respirando normalmente.

Gabriel abraçou Clara assim que teve chance. Não era todo dia que tinham a chance de salvar duas vidas daquela maneira.

Ouviram as sirenes da ambulância que chegou logo, se­guida por um carro da polícia rodoviária. Esperaram que a mãe e a criança fossem resgatados, antes de darem um breve depoimento à polícia e serem liberados.

O policial que anotara o depoimento ficara abismado com a maneira como eles haviam conseguido fazer o resgate.

— Mesmo que houvesse sol, o lugar onde desceram seria extremamente perigoso — dissera ele.

— Deve ter sido o efeito da adrenalina — respondera Clara, forçando um sorriso.

No caminho de volta para a cidade, ela e Gabriel ficaram algum tempo em silêncio, preferindo nem comentar o fato de que suas roupas haviam ficado subitamente secas e sem nenhuma sujeira. Contudo, a curiosidade acabou falando mais alto e eles acabaram abordando o assunto.

— Como fizemos aquilo, Clara? — Gabriel foi o primeiro a falar.

— Não pergunte. Acho que não devemos perguntar isso.

— Por quê?

— Não vê que aquilo foi uma espécie de experiência mís­tica, Gabriel?

— Há muito tempo não presencio uma experiência mís­tica. Mas você pode estar certa.

Ela se espantou.

— Você já passou por uma experiência assim? Ele respirou fundo.

— Sim, quando eu ainda era criança. Eu havia aprontado alguma coisa, pois não era lá muito bem-comportado, depois de haver crescido em meio à violência. Meu pai pegou um cinto e começou a me bater sem parar. Eu tinha apenas dez anos na época e pensei que fosse morrer naquele dia. Fiquei desesperado e chamei meu anjo da guarda para me ajudar. Depois não entendi direito o que aconteceu, mas meu pai parou de repente, como se estivesse vendo alguma coisa. Talvez meu anjo da guarda tenha aparecido para ele ou algo do gênero. Só sei que depois daquele dia ele não voltou a me espancar daquela maneira alucinada.

— Puxa, isso deve ter sido mesmo marcante.

Quando chegaram à casa de Clara, havia um furgão da BTQ8 parado diante do portão.

— Essa não... — resmungou ela. — Já souberam da história.

— Está vendo como não é bom ser o centro das notícias? — ironizou Gabriel.

Assim que saíram do carro, foram abordados por Jennifer Bourne e por um cameraman.

— Olá! Como foi a aventura na montanha?

— Muito divertida — desdenhou Gabriel. — Vejo que já estão sabendo de tudo.

— Claro que sim — confirmou Jennifer. — Recebemos cerca de oito telefonemas! Quando terminarmos a entrevista com vocês, iremos ao hospital falar com a mãe e o bebê.

— Acho que ele não vai conseguir responder às suas perguntas, Jen — avisou Gabriel. — O bebê deve ter apenas um ano de idade.

— Oh, você entendeu o que eu quis dizer, chefe. Onde trocaram as roupas? — inquiriu a repórter, olhando-os de alto a baixo.

— Não as trocamos — respondeu Clara. — São as mesmas com que fizemos o resgate. Elas devem ter secado por causa do sol, enquanto vínhamos para cá.

— Acho difícil de acreditar nisso — insistiu Jennifer. — Preferem guardar esse detalhe como um segredinho?

— Não há nenhum segredo — Gabriel interveio. — Essas são as mesmas roupas com que fomos à festa no chalé dos De Haviland.

Jennifer estreitou o olhar.

— Têm certeza de que não passaram por nenhum motel na estrada?

— O que está sugerindo, Jennifer? — Gabriel se manteve sério.

— Estou só brincando, chefe.

Demorou mais meia hora para que Jennifer e o grupo os deixassem finalmente em paz. Gabriel partiu em seguida, dizendo que queria tomar um banho e descansar um pouco.

No início da noite, Clara recebeu um telefonema de Freeman.

— Arrisquei ligar, mas não pensei que estivesse em casa — disse ele. — Não falou que tinha um compromisso à noite?

— Tive de cancelá-lo — ela mentiu. — Fiquei com dor de cabeça e resolvi não sair.

— Não é de admirar, minha querida — afirmou ele, com simpatia superficial. — Eu a vi na televisão junto com McGuire.

Durante a conversa, Clara tentou não ser muito formal, mas não estava com disposição para conversar depois de tudo que acontecera. Deu graças quando Freeman final­mente se despediu e desligou.

Tentando se distrair, preparou um chá quente e pegou um livro, sentando-se no sofá. Entretanto, não conseguiu ler. Começou a se lembrar dos estranhos acontecimentos dos últimos dias e acabou pensando em sua mãe. Como sempre ocorria em momentos como aquele, viu-se invadida por uma sensação de melancolia e de impotência.



Não se desespere, Clara. Acredite em você e na vida.

Ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Lá estava aquela voz terna e infantil lhe dizendo coisas comoventes. Ao ouvir a campainha, levantou devagar e foi atender à porta.

Ficou feliz ao ver que era Gabriel.

— Fiquei preocupado com você — disse ele, depois de entrar.

— Estou contente que tenha voltado.

Gabriel abraçou-a em silêncio, aninhando-a entre os braços durante algum tempo. Quando Clara levantou o rosto para olhá-lo, ele a beijou com um carinho infinito, como que desejando apagar os temores que a estavam perturbando.

— Gabriel, faça amor comigo — pediu ela, em um sussurro.

— Clara, eu não posso fazer isso.

— Preciso tanto do seu amor... — Clara o abraçou com força.

Gabriel segurou-a pelos ombros e afastou-a com delica­deza. O rosto que ele sempre achara lindo pareceu afetado por uma súbita angústia.

— Não estava dizendo a verdade quando falou que me desejava? — perguntou ela.

— Eu ainda te quero, Clara. Mas não teria coragem de magoá-la por nada desse mundo.

— Gabriel, não sou feita de porcelana. Não vou quebrar em seus braços.

— Eu sei. Só não quero que decida algo tão importante no estado emocional em que você se encontra. Você não me ama, Clara.

Os olhos dela se encheram e lágrimas.

— Não me peça isso agora, por favor — disse ela. — Quando minha mãe estiver curada e tudo voltar ao normal, prometo que pensarei nisso. Por enquanto, quero apenas que fique e que faça amor comigo. Eu preciso de você.

Gabriel tocou os lábios dela, silenciando-a.

— Você é mesmo virgem, Clara?

— Isso importa?

— Muito — respondeu ele, respirando fundo.

— Sei que não há muitas virgens da minha idade hoje em dia, mas sim, eu sou — respondeu ela, com uma segu­rança que estava longe de sentir.

— Deve ter sido um páreo duro para os homens que se apaixonaram por você.

Gabriel tentou amenizar a tensão, porém não teve muito sucesso.

— Isso não é uma piada, Gabriel.

— Eu sei. — Ele manteve os lábios curvados em um sorriso. — A verdade é que não confio em mim mesmo o suficiente para fazer amor com você. Sempre pareceu tão delicada aos meus olhos que tenho medo de não corresponder às suas expectativas.

— Você? Com receio de levar uma mulher para a cama?

— Você é diferente, Clara. Poderia se apaixonar por mim, se pelo menos se deixasse levar pelos sentimentos.

— Não sei se conseguiria "me deixar levar", depois de tudo que já passei. — Ela o fitou nos olhos. — A única certeza que tenho nesse momento é a de que quero fazer amor com você.

Gabriel a olhou em silêncio por um momento. Então, sem que Clara esperasse, tomou-a nos braços e a levou até o sofá.

— Se quiser que eu pare, é só dizer — avisou a ela.

— Você é mesmo diferente, Gabriel — falou Clara, com ar de riso.

Antes que ela pudesse dizer algo mais, Gabriel beijou-a com ardor, entrelaçando os dedos entre os cabelos dela e puxando-a para si. Quando Clara gemeu baixinho, ele se afastou devagar.

— E então? — perguntou a ela. — Não mudou de idéia?

— Claro que não.

Dessa vez, foi Clara quem o beijou até fazê-lo gemer de prazer. Sentir aquele corpo másculo tão próximo ao seu, exalando o calor do desejo, levou Clara a se perguntar se tudo aquilo estaria mesmo acontecendo.

— O que está tentando fazer comigo, Clara? — inquiriu Gabriel, com voz rouca.

— Estou lhe agradecendo por haver salvado a vida da­quela mulher.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Acho que já recebi agradecimentos suficientes por aquilo.

Gabriel sabia que Clara não tinha noção do poder sedutor que tinha sobre ele. De certa forma, isso a tornava ainda mais encantadora.

— Sinto muito — ela se desculpou. — Foi tolice minha dizer isso. Deve estar me achando maluca.

Ele sorriu.

— Não, não estou. Está querendo alguém para confortá-la, só isso. — Afagou os cabelos dela. — Eu gostaria de poder fazer algo mais por você.

— Só eu mesma posso resolver meus problemas, Gabriel.

— Pelo menos compartilhe-os comigo. Não precisa viver sob tanta pressão e ansiedade. Quero fazer amor com você mais do que qualquer coisa nesse mundo, mas algo, ou al­guém, está me dizendo que isso seria tirar vantagem de sua fragilidade emocional.

— Então o que faremos? — indagou ela, em um fio de voz.

— Bem, não senti nenhuma proibição para beijá-la... Gabriel beijou-a mais uma vez. Clara experimentou uma sensação nova e completamente gratificante. A dor em seu peito foi sumindo aos poucos, cedendo lugar a uma intensa onda de carinho. As carícias dos lábios de Gabriel não pa­reciam estar surtindo efeito apenas em seu corpo, mas tam­bém em sua alma. Se fazer amor era melhor do que aquilo, tinha dúvidas de que sobreviveria a tanto prazer.

Gabriel teve de se esforçar para controlar as próprias emo­ções. Seu corpo estava queimando de desejo, mas manter a confiança de Clara era mais importante do que qualquer coisa.

Quando se afastou um pouco, notou que ela continuava de olhos fechados. Porém, seu semblante parecia muito mais sereno. Clara se deixara levar por seu beijo e confiara nele completamente. Foi então que a certeza de que a amava o atingiu feito um raio. Era Clara a mulher com quem ele sempre sonhara e com quem queria ficar pelo resto da vida.

— Clara?


Se ela abrisse os olhos e lhe desse um daqueles sorrisos irresistíveis, ele a levaria dali direto para a cama, pensou, sentindo uma nova onda de desejo pelo corpo.

De súbito, uma estranha brisa soprou no interior da casa, agitando as cortinas e as contas delicadas do pequeno lustre de cristal que iluminava a sala. Um pequeno bibelô que se encontrava sobre a mesinha do telefone bambeou e tombou.

— O que foi isso? — Clara se sobressaltou, endireitando o corpo.

Gabriel sorriu.

— Eu lhe disse que havia uma presença a mais entre nós.

— O que está sugerindo? — perguntou ela, indo fechar as janelas. — Engraçado, mas parece não haver nenhum vento do lado de fora. As folhas das árvores estão comple­tamente paradas.

Gabriel foi até a mesinha do telefone e arrumou o bibelô em forma de anjo. Era uma bonita peça que por pouco não se espatifara no chão.

— Que tal tomarmos um café? —- sugeriu ele. — Para ser sincero, ando pensando em procurar alguma organização ligada a assuntos paranormais.

Clara terminou de fechar a última janela e a cortina.

Como Gabriel, ela também acreditava que estavam sendo influenciados por algum tipo de força desconhecida.

— Boa idéia — disse a ele.

Olhou para Gabriel, ainda surpresa com a mudança do papel dele em sua vida. Passar de chefe opressor a confi­dente era uma mudança e tanto. E a rapidez com que Isso acontecera era mais surpreendente ainda.

Observando-o como se o estivesse vendo pela primeira vez, não teve dúvida de que Gabriel era o homem mais atraente que ela já havia conhecido. De fato, não sabia se conseguiria mais viver sem ele em sua vida. Isso parecia maravilhoso e assustador ao mesmo tempo.

— Clara? — Gabriel chamou-a com gentileza, dizendo a si mesmo que guardaria para sempre a bela imagem de Clara ali, parada, observando-o com uma expressão sonhadora.

Em silêncio, estendeu a mão para ela. Havia uma dife­rença no modo como haviam passado a mencionar o nome um do outro, pensou Clara. No início, o tom era de ironia, brincadeira e até provocação. Mas aos poucos aquilo adqui­rira um significado especial que parecia cada vez mais real para ambos, sempre que diziam o nome um do outro.

— Sempre me lembrarei desta noite, Gabriel — falou, pousando a mão sobre a dele.

"Mais um teste para meu autocontrole", pensou ele. Con­tinuava não querendo perder a confiança de Clara. Quando a tivesse para si, teria de ser porque ela o quisera, e não por estar com carência afetiva.

— Acho que vou deixar o café para outro dia, Clara. Acompanhe-me até a porta, por favor. Eu gostaria de poder ficar, mas sinto que aquela voz mental está me aconselhando a ir embora.



CAPÍTULO VIII

Ainda não havia amanhecido e o silêncio rei­nava em todos os aposentos da casa de re­pouso. Mesmo assim, como que por encantamento, um pás­saro cantou do lado de fora do quarto de Delia. A beleza do canto cristalino a comoveu tanto que duas lágrimas ro­laram por seu rosto. Lágrimas? Algo lhe dizia que ela não chorava havia muito tempo.

Continuou deitada em meio à penumbra, tentando iden­tificar onde se encontrava. Sua mente parecia muito des­perta, mas mesmo assim ela não conseguia entender o que estava fazendo ali.

O tempo foi passando, talvez cerca de uma hora, mas ela continuou imóvel, pensativa. Sentia-se completamente em paz, ciente de que algo maravilhoso estava lhe acontecendo e que um novo nível de entendimento começara a se estabelecer entre sua mente e seu corpo. Era como se uma força amorosa e infinita houvesse tocado o íntimo de sua alma, despertando-a para a verdade da vida. Sim, ela estava viva!

Fechou os olhos, fazendo mais duas lágrimas rolarem por seu rosto.

Quando a luz do dia foi iluminando o aposento, ela se deu conta de que não estava em casa. Parecia estar em um hospital ou algo parecido. Onde estaria Clara? Sua linda Clara... Não sabia se teria forças para pensar em Peter. Teria ele realmente partido? E Timothy? Seu bebê... Per­dê-los fora um golpe duro. Duro demais.

Seus lábios se curvaram em um sorriso, ao recordar a bela imagem de seus filhos. Como ela, na juventude, ambos tinham cabelos avermelhados e olhos muito azuis. Timothy Michael e Clara Sue Cavanagh... Belos nomes para duas lindas crianças.

Abriu os olhos devagar, ainda sorrindo. Então sobressaltou-se com o que viu.

— Tim?! O que está fazendo aqui?

Sorrindo, Tim se aproximou da cama. Não era mais um bebê, mas um lindo menino aparentando ter oito anos de idade.

— Ah, meu querido... Estive dormindo durante quanto tempo?

Tim apenas se aproximou e beijou-a no rosto. Um beijo divino, que a encheu de alegria e de esperança.

Um raio de sol penetrou através da cortina e a distraiu por um instante. Quando Delia voltou a olhar para ele, Timothy não estava mais lá.

— Tim?


"Oh, Deus, ele não podia ter ido embora. Sentira tanta falta dele durante todo aquele tempo..."

Um brilho diferente continuou a permear o quarto du­rante alguns segundos, dando a ela a certeza de que Tim estivera mesmo ali. Mas para onde ele teria ido? E Peter onde estaria? Seu Peter...

Ao olhar para o outro lado da cama, avistou Peter e Ti­mothy de mãos dadas e sorrindo para ela. Eles a fitaram com um brilho amoroso no olhar, como que desejando dizer que gostariam de vê-la voltar à vida.

Delia sentiu-se forte de repente. Tão forte que desejou sair da cama. Sorriu quando os dois estenderam as mãos para ela.

— Venha, mamãe — ela ouviu Tim dizer. — Você vai conseguir.

Às seis horas da manhã, a enfermeira Marge Harding se dirigiu ao quarto de Delia com o sorriso animado de sempre. Não se importava que a sra. Cavanagh nunca respondesse aos seus comentários. Sempre a considerara uma senhora adorável e continuava cuidando dela como se ela fosse sua própria mãe.

— Bom dia, sra. Cavanagh! — exclamou, ao abrir a porta.

Porém, sobressaltou-se ao ver a cama vazia. Preocupada, entrou no quarto rapidamente e qual não foi seu espanto ao avistar a sra. Cavanagh sentada diante da janela, ob­servando o jardim.

Delia virou-se devagar, com um sorriso amável iluminando-lhe o rosto.

— Bom dia, enfermeira. Tive um sonho maravilhoso essa noite. Sonhei que meu filho e meu marido vieram me visitar. Eles pediram que eu voltasse a viver por Clara. Ela precisa de mim. Quero falar com ela.

Marge apenas assentiu, sem conseguir dizer nada. Milagres realmente aconteciam, e ela acabara de presenciar um.

Clara recebeu a notícia dez minutos depois. A enfermeira começou a contar os detalhes com empolgação, mas acabou se contendo um pouco ao se dar conta de que não seria sensato alimentar esperanças sem ter certeza de que Delia Cavanagh realmente se recuperara.

— Ah, meu Deus... Ah, meu Deus... — Foi tudo que Clara conseguiu balbuciar em resposta.

Assim que desligou o telefone, saiu correndo para se ar­rumar. Aquele milagre ultrapassava os limites de sua ima­ginação. Era a resposta às suas preces! Porém, uma onda de apreensão lhe ocorreu de repente. E se a recuperação de sua mãe fosse apenas temporária?

"Não, não posso pensar nisso", pensou consigo, escovando os dentes e lavando o rosto tão rápido que espalhou água por toda a pia.

Ao chegar no quarto, vestiu a primeira roupa que surgiu no guarda-roupa: um jeans desbotado e uma camiseta bran­ca. Desde o dia em que sua mãe sorrira, ela vinha tendo a esperança de isso poderia acontecer.

Deus, precisava contar a Gabriel. Não agüentaria dividir aquela alegria sozinha. Não depois de ele haver se tornado uma pessoa tão próxima. Ele fora o primeiro a ver sua mãe sorrir depois de todo aquele tempo, e merecia receber a notícia em primeira mão.

Ela olhou para o relógio. Seis e vinte da manhã era muito cedo para, telefonemas, mas tinha certeza de que Gabriel não se importaria. Digitou o número da casa dele e ficou esperando, sentindo o coração acelerado.

Depois de alguns toques, uma voz feminina o atendeu.

— Alô?


Clara conteve o fôlego, chocada. Teria ligado para o nú­mero errado? Não, não. Era aquele mesmo.

— Alô? — repetiu a voz sensual, com mais ênfase. Clara continuou emudecida, sem conseguir falar nada.

Mas não podia se deixar abater por aquilo. A recuperação de sua mãe era mais importante do que qualquer coisa.

Estava prestes a desligar quando reconheceu a voz de Gabriel do outro lado da linha.

— Quem é? — indagou ele, com um tom decidido.

Clara hesitou. Gabriel morava sozinho e a mãe dele re­sidia na Tasmânia. Ele não tinha irmã e sua única prima era casada e morava em uma ilha, ao sul da Nova Zelândia.

Por algum motivo, provavelmente sentimento de culpa, ele disse:

— Clara? É você?

Ela desligou o telefone sem dizer nada. Em outra opor­tunidade, diria a ele o que achava de tudo aquilo. Sua mãe estava à sua espera, e isso era o mais importante. O que era uma pequena desilusão amorosa, quando comparado a ter sua mãe de volta à vida? Já tivera muitos desaponta­mentos na vida, e superaria mais esse.

Ainda assim, por baixo daquela máscara de coragem, ha­via uma Clara movida por um misto de emoção, raiva, mágoa e gratidão. Isso demonstrava até que ponto Gabriel entrara em sua vida.

O telefone começou a tocar quase em seguida, mas ela o ignorou. No trajeto até a casa de repouso, segurou o volante com firmeza, ansiosa para saber se a boa notícia era mesmo verdadeira.

Ao chegar à recepção, cumprimentou a recepcionista, que já a conhecia, e saiu correndo em direção ao quarto de sua mãe.

Encontrou-a sentada na cama, usando um vestido cor-de-rosa que alguém devia ter dado a ela de presente, pois Clara nunca a tinha visto. O sorriso que recebeu da mãe foi o melhor presente que Clara poderia receber naquele momento. Ela estava mesmo de volta! Sua mãe estava curada!

Clara atravessou o quarto com os braços abertos e foi abraçá-la, explodindo em lágrimas. Delia também começou a chorar, feliz ao ver que sua filha estava tão bem.

— Oh, minha querida... — disse ela, com carinho maternal.

— Que bom que você voltou, mamãe.

Delia segurou o rosto dela entre as mãos e fitou-a nos olhos.

— Voltei por você, meu anjo.

As lágrimas continuaram a molhar o rosto das duas, mas nenhuma delas se importou com isso. A emoção era grande demais para ser contida.

Quando Clara sentou-se ao lado dela, na cama e lhe se­gurou as mãos, Delia falou:

— Tim esteve aqui. E seu pai também. Eu os vi com a mesma nitidez com que a estou vendo agora.

A sinceridade das palavras e do olhar de sua mãe deixou Clara intrigada e apreensiva ao mesmo tempo. Estaria ela realmente curada?

— Não precisa ficar com receio, minha querida — avisou Delia, com um sorriso compreensivo. — Aconteceu exatamente isso que eu lhe contei. Eu os vi, e não foi alucinação. Acredite em mim.

Enquanto ouvia a mãe, Clara se pôs a pensar em tudo que acontecera nos últimos tempos. Aquelas vozes, sua força surgida do nada, o despertar de sua mãe... Estaria mesmo recebendo alguma ajuda externa?

Apesar de haver passado por acontecimentos estranhos, por que estava sendo tão difícil acreditar na história que sua mãe contara? Acreditava mais que houvesse sido um sonho.

As duas ainda estavam conversando quando uma enfer­meira apareceu, acompanhada por dois médicos. Dr. William Gough, neurologista, e dr. Simon Blakely, psiquiatra. Pelo visto, a notícia já havia se espalhado e Delia seria submetida a exames. Médicos não acreditavam em milagres.

Clara saiu do quarto para que sua mãe fosse examinada. Ainda atônita, perambulou pelo corredor e foi para a re­cepção, onde sentou-se em um sofá. Uma das enfermeiras lhe serviu chá, parabenizando-a pelo que havia acontecido.

Clara agradeceu. Enquanto tomava o chá, não pôde deixar de se preocupar com as respostas que sua mãe poderia dar aos questionamentos dos médicos. Eles não acreditavam em experiências místicas e acabariam diagnosticando que ela não estava completamente curada.

De súbito, notou uma breve movimentação vinda do bal­cão onde ficava a recepcionista. Curiosa, ficou de pé para ver do que se tratava.

Vestido com uma roupa tão casual quanto a dela, Gabriel se adiantou em sua direção assim que a viu. A recepcionista o seguiu, dizendo que ele não poderia entrar sem se identificar.

— Tudo bem — disse Clara à moça. — Eu o conheço. Achou melhor do que dizer "ele é um amigo" ou coisa do gênero. De fato, já não sabia mais qual era o papel de Gabriel em sua vida.

— Clara. — Ele se aproximou, tão charmoso como sempre, para maior desespero dela. — Telefonei para sua casa, mas você não respondeu. Fiquei muito preocupado, então me ocorreu que poderia estar com sua mãe. Ela está bem?

Clara tentou se manter calma ao responder:

— Ela recobrou a consciência. Está conversando e me contou várias coisas, entre elas uma visão que teve durante a madrugada. Os médicos estão examinando-a agora.

"E provavelmente chegando a conclusões indevidas", pen­sou ela. Gabriel segurou o queixo dela com delicadeza.

— Foi você quem me telefonou pela manhã?

— Não.

— Pois eu acho que foi — Gabriel insistiu.



— Cometi um erro, nada mais.

— Clara, sobre o que está falando?

— Você sabe muito bem.

— Oh, querida. Ficou aborrecida porque uma mulher atendeu o telefone?

Clara desviou o olhar, sem querer demonstrar que sen­tira ciúme.

— Bem, digamos que não achei isso muito normal, depois de você haver dito que mora sozinho.

— E foi logo tirando conclusões precipitadas? Como uma criança? — Ele sorriu.

— Tudo bem. Talvez eu não consiga agir com tanta ma­turidade quanto você a respeito desse assunto. Más o que acha que devo pensar quando uma de suas namoradas aten­de seu telefone às seis e vinte da manhã?

— Não é nada disso, Clara. A moça era Sue Ashton, minha vizinha. Ela e a colega de apartamento, Patrícia Sommers, tinham de ir para o aeroporto bem cedo e me ofereci para dar uma carona a elas, só isso. — Ele riu. — As duas ganharam um pacote de férias em uma ilha da Nova Ze­lândia e estavam levando tanta bagagem que duvidei que conseguiriam carregar tudo aquilo sozinhas. Eu e Pat ha­víamos acabado de levar algumas malas até o elevador e Sue atendeu o telefone, tentando ser prestativa.

— E elas viajaram para a Nova Zelândia justamente para não haver quem confirme a história, certo?

— Precisa de confirmação? — Gabriel arqueou uma so­brancelha. — Não consegue simplesmente acreditar em mim?

— Acreditar no que os homens dizem exige uma quan­tidade muito grande de fé. Não sei se tenho tanta.

— Acreditar em mim, você quer dizer? Clara passou a mão pelos cabelos.

— Não estou conseguindo pensar com clareza, Gabriel. Aconteceram muitas coisas em pouco tempo.

— Eu entendo. Sente-se um pouco. Apesar de maravi­lhosa, a notícia da recuperação de sua mãe deve ter sido um choque para você.

— Nós dois a vimos sorrir naquele dia.

— Eu sei. Deve ter havido alguma intervenção divina em tudo isso, Clara :— acrescentou ele, com um sorriso.

Ela se inclinou na direção dele, mas não ousou tocá-lo.

— Acho que me enganei.

— Sim, se enganou — Gabriel confirmou.

— Sinto muito.

Um sorriso se insinuou nos lábios dela. A idéia de perder Gabriel não fora nem um pouco agradável, mas, felizmente, tudo voltara a ser como antes.

— Para ser sincero, também me decepcionei com você. Pensei que estivéssemos próximos, Clara.

— Claro que estávamos.

— Correção: estamos. Manter um relacionamento implica em se ter confiança mútua. Terá de decidir se quer mesmo confiar em mim, porque, da minha parte, desejo muito man­ter nossa... amizade.

— Já tive problemas demais na vida e isso me deixou cautelosa ao extremo. Ouvir uma mulher atender seu tele­fone àquela hora da manhã me fez sentir que minha con­fiança em você havia sido abalada.

— Entendo. Acho que se eu ligasse para sua casa e ouvisse um sujeito atender o telefone também ficaria furioso. Mas vamos esquecer esse assunto, sim? Eu gostaria muito de poder cumprimentar sua mãe, se for possível.

— Acho que os médicos não se oporão a isso, quando terminarem os exames.

— Sua mãe está bem... em todos os sentidos? — indagou ele, com delicadeza.

— Ela está agindo normalmente, até onde percebi. Mas disse algumas coisas estranhas — admitiu Clara.

-— Que coisas?

— Prefiro que ela mesma lhe conte, se quiser.

— Entendo.

Notando que fora indelicada, Clara voltou atrás.

— Não é que eu queira deixá-lo de fora, Gabriel. E só que... minha mãe está falando como se estivesse tendo visões.

— Acredito nela — afirmou ele, para espanto de Clara.

— Acha realmente que isso seja um problema?

— Nem todo mundo acredita em visões — ela salientou.

— Os médicos tendem mais a achar que se trata de alu­cinações. Eles são muito céticos a respeito de fenômenos espirituais.

— Felizmente, já nem todos pensam assim. Conheço al­guns que passaram a se interessar por assuntos desse tipo, depois de verem evidências em seus pacientes. Pare de se preocupar, Clara. Tenho certeza de que sua mãe saberá responder a cada uma das perguntas que fizerem a ela.

De fato, foi exatamente o que aconteceu.

Depois que Delia foi liberada dos exames, os três ficaram um bom tempo na beira do lago, conversando sobre ame­nidades que não a emocionassem demais e que não colo­cassem em risco sua recuperação.

A princípio, Delia recebera Gabriel como um estranho bem-vindo, sorrindo e apertando-lhe a mão. Porém, aos pou­cos foi sentindo cada vez mais simpatia por ele, até que, no momento de se despedirem, ela lhe confidenciou:

— Lembro-me de seu rosto, Gabriel. Deve ter vindo me visitar quando eu ainda estava... "apagada", não? — inda­gou, em tom de brincadeira.

— Sim, eu vim.

— Logo vou tirá-la daqui, mamãe — prometeu Clara. — Assim que os médicos a liberarem.

— Não se preocupe, querida. Eu ficarei bem. — Olhando para uma árvore próxima, ela perguntou à filha: — Por que não cumprimenta seu irmão?

Clara sentiu um aperto no peito. Seria demais esperar uma cura completa.

— Porque não posso vê-lo, mamãe — respondeu, contendo a vontade de chorar.

— Olhe naquela árvore, querida. Timothy se apresenta de diferentes formas.

— Sim, mamãe.

Clara olhou na mesma direção que Delia. E qual não foi seu espanto ao avistar um pombo branco pousado em um dos galhos. Levou a mão aos lábios de repente. As penas da ave brilhavam!

— Veja, Gabriel!

Contudo, o lindo pombo desapareceu em um piscar de olhos.

— O que está acontecendo? — inquiriu Clara, quando os dois partiram no carro de Gabriel.

Ele havia insistido em levá-la para casa, dizendo que Clara não estava em condições de dirigir e que depois man­daria alguém apanhar o carro dela.

— Acho que precisamos aceitar que há alguma força es­tranha agindo entre nós, Clara. E sinto que é uma força voltada para o bem. Não costumo ignorar esse tipo de coisa, muito pelo contrário.

— Mas será que os médicos terão essa mesma opinião quando continuarem acompanhando minha mãe?

— A euforia da volta à vida pode até estar causando alu­cinações nela — sugeriu Gabriel. — Não podemos descartar esse possibilidade. Mas não creio que seja esse o caso.

Nunca tenha medo de acreditar, Clara. Nunca.

— Gabriel, você disse isso?

Ela olhou-o, surpresa. Claro que fora uma pergunta idio­ta. Desde quando Gabriel passara a ter voz de criança?

— O quê?


— "Nunca tenha medo de acreditar, Clara. Nunca." — repetiu ela.

— Eu não falei isso. Mas não deixa de ser um bom con­selho. Pense nele durante o resto do dia, Clara. Vai lhe fazer bem.




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