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As mulheres e a violência III



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As mulheres e a violência III

Religião islâmica mutila mulheres

Nadiá Paulo Ferreira

No final deste milênio, a extirpação do clitóris e a infibulação

(retira-se o clitóris e os lábios vaginais, costura-se a vagina, deixando

apenas um orifício para eliminação da urina e da menstruação) vigo-

ram em 28 países da África, em alguns países árabes e do Sudeste

asiático. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, aproxi-

madamente, 130 milhões de mulheres já foram mutiladas.

Essas práticas deixaram o espaço privado e doméstico e se des-

locaram para o espaço público, sob a égide governamental. Neste

ano, por pressão de grupos fundamentalistas, o Tribunal Adminis-

trativo do Cairo anulou o decreto de 1996, que proibia a extirpação

do clitóris em hospitais públicos no Egito. Antes, esta tradição

islâmica se justificava pela religião e ponto final. Hoje, isto não

basta. É preciso pedir socorro ao discurso da ciência. Assim, os

gritos de protestos das entidades internacionais e dos grupos de defesa

dos direitos humanos têm a seguinte resposta do Tribunal do Cairo

sobre as extirpações do clitóris: os últimos estudos científicos pro-

vam que deixar de realizá-los pode causar graves problemas às

meninas. O depoimento do xeque Yusef Al Badri é também primoro-

so para demonstrar como o discurso religioso precisa, agora, de muletas

científicas: (...) Nós rezamos, fazemos jejum e operamos as mulhe-

res. Em 14 séculos de Islã, nossas mães e avós fizeram essas opera-

ções. As que não fazem pegam Aids facilmente (Jornal do Brasil,

quarta-feira, 25 de junho de 1997, Caderno Internacional, p.11).



Sem apelar para um julgamento moral, já que este implica a de-

formação do particular em universal, fazendo com que as

especificidades de uma cultura sejam vistas como aberrações perver-

sas por outra cultura, pergunto: o que está em jogo neste ato? Não é
outra coisa senão a suposição de exterminar o gozo sexual que deve

ser exclusivo do homem.



Durante muitos séculos, a exclusão das mulheres se sustentou

no discurso religioso. O cristianismo, em suas origens, colocou o

amor a Deus no lugar da diferença sexual e condenou o gozo sexual

para todos. Outras religiões restringiram este gozo aos homens e,

justamente por isto, inventaram o ritual de extirpação do clitóris.

Eis a tentativa de reduzir as mulheres à função de procriação, fa-


Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues

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zendo com que só existam como mães. Para isto, é preciso também

tapar suas bocas. Sob a insígnia da proteção, os homens encontra-

ram artifícios não só para proibir o gozo sexual às mulheres, mas

também para se prevenirem do insondável que vela o gozo femini-

no. Trata-se de uma estratégia para negar, simultaneamente, o ser

sexuado das mulheres e um gozo suplementar, que não passa pelo

corpo, mas sim pela fala.

Não há opressão sem reação dos oprimidos. As mulheres foram à

luta. Não há dúvida de que, em relação a um passado próximo, pode-

mos dizer que foram feitas algumas conquistas. Mas por outro lado,

as mulheres ainda não se libertaram do império do gozo masculino.

O movimento feminista, o que considero pura ironia, em Nome-da-

igualdade colocou na pauta de suas lutas a reivindicação ao gozo sexu-

al, um dos anseios da grande maioria das mulheres. E assim, em vez da

liberdade de trânsito, passando pelo gozo masculino, as feministas

levantaram bandeiras para que as mulheres se tornassem homens. E os

homens, assustados e perplexos, feminilizaram-se. As descobertas ci-

entíficas possibilitaram também uma vingança: a exclusão dos homens

da vida das mulheres. Falta ainda encontrar a via para que haja na

cultura — será que isto é possível? — lugar para a diversidade de um

gozo singular e enigmático que escapa ao gozo masculino.


Psicanálise e Nosso Tempo

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