entrevista com Rogéria. Uma das questões colocadas pela entre-
vistadora se dirigia ao sexo do entrevistado(a). Além do nome
artístico indicar o sexo feminino, uma série de recursos foram
usados para a transformação do seu corpo: ingeriu hormônios para
que lhe nascessem seios e fez uso de eletrólise para eliminar os
pêlos do rosto. Rogéria conta que, antes de descobrir uma nova
marca de hormônios, ficou dois anos impotente e que o tratamento
eletrolítico doía muito.
não tem nada a ver com os caracteres masculinos de seu corpo. —
“É uma questão de cabeça, está dentro de mim.” É claro que qual-
quer espectador com certa argúcia pensaria: se o sexo é uma esco-
lha subjetiva, independente da anatomia corporal, por que, então,
Rogéria fez tantos sacrifícios para operar modificações no seu
corpo? A agudeza do espírito, às vezes, fica embotada pelos pre-
conceitos que herdamos. Ou, como nos ensina o poeta Fernando
Pessoa, através de seu heterônimo Alberto Caeiro, “trazemos a
alma vestida”, o que nos impede de pensar e nos impulsiona a
repetir frases feitas. É preciso “uma aprendizagem de desaprender”,
para que não nos tornemos prisioneiros dos sentidos que, embora
desgastados pelo tempo, continuam sendo repetidos toda vez que
nos defrontamos com a questão da diferença entre os sexos. Saber a
verdade sobre a diferença sexual é impossível. Isto nos ensina a
psicanálise. Mas não é preciso conhecer a obra de Freud e de Lacan
para saber que, quando nasce uma criança e lhe escolhemos um
sexo, baseados em particularidades corporais, não temos nenhuma
garantia? Rogéria quando nasceu teve o seu sexo escolhido pelos
pais. Um bebê que recebeu um nome, sustentado pela esperança de
vir a ser um homem. Mas Rogéria se identificou com as mulheres e
escolheu outro sexo para si mesma. Esta escolha não a libertou da
crença que estabelece uma correspondência unívoca entre sexo e
anatomia. Foi preciso se travestir. Isto é, escrever marcas em seu
corpo para ingressar na série das mulheres.