Organização e seleção



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A escolha de Rogéria

Nadiá Paulo Ferreira

Domingo, dia 17, o programa De frente com Gabi reprisa a

entrevista com Rogéria. Uma das questões colocadas pela entre-

vistadora se dirigia ao sexo do entrevistado(a). Além do nome

artístico indicar o sexo feminino, uma série de recursos foram

usados para a transformação do seu corpo: ingeriu hormônios para

que lhe nascessem seios e fez uso de eletrólise para eliminar os

pêlos do rosto. Rogéria conta que, antes de descobrir uma nova

marca de hormônios, ficou dois anos impotente e que o tratamento

eletrolítico doía muito.



Em seguida, afirma que o fato de se considerar uma mulher

não tem nada a ver com os caracteres masculinos de seu corpo. —
“É uma questão de cabeça, está dentro de mim.” É claro que qual-

quer espectador com certa argúcia pensaria: se o sexo é uma esco-

lha subjetiva, independente da anatomia corporal, por que, então,

Rogéria fez tantos sacrifícios para operar modificações no seu

corpo? A agudeza do espírito, às vezes, fica embotada pelos pre-

conceitos que herdamos. Ou, como nos ensina o poeta Fernando

Pessoa, através de seu heterônimo Alberto Caeiro, “trazemos a

alma vestida”, o que nos impede de pensar e nos impulsiona a

repetir frases feitas. É preciso “uma aprendizagem de desaprender”,

para que não nos tornemos prisioneiros dos sentidos que, embora

desgastados pelo tempo, continuam sendo repetidos toda vez que

nos defrontamos com a questão da diferença entre os sexos. Saber a

verdade sobre a diferença sexual é impossível. Isto nos ensina a

psicanálise. Mas não é preciso conhecer a obra de Freud e de Lacan

para saber que, quando nasce uma criança e lhe escolhemos um

sexo, baseados em particularidades corporais, não temos nenhuma

garantia? Rogéria quando nasceu teve o seu sexo escolhido pelos

pais. Um bebê que recebeu um nome, sustentado pela esperança de

vir a ser um homem. Mas Rogéria se identificou com as mulheres e

escolheu outro sexo para si mesma. Esta escolha não a libertou da

crença que estabelece uma correspondência unívoca entre sexo e

anatomia. Foi preciso se travestir. Isto é, escrever marcas em seu

corpo para ingressar na série das mulheres.


Psicanálise e Nosso Tempo

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