Amor cortês I
O que é o amor cortês
Nadiá Paulo Ferreira
Inicio uma série de textos, nessa coluna, sobre o amor cortês.
Em primeiro lugar, trata-se de um tema que ultrapassou os estu-
dos literários. Em segundo lugar, Jacques Lacan, em seus seminá-
rios, levantou várias questões sobre o assunto, que possibilitam
uma nova abordagem.
O amor cortês está indissociavelmente ligado à história da poesia.
Na Idade Média, surgiu um gênero poético que tinha como tema o
amor não correspondido, que deveria ser decantado em regras bastan-
tes rígidas de cortesia, que ficaram conhecidas como Leis d’Amor. Os
estudiosos, que não conseguiram apreender este fenômeno, considera-
ram-no expressão de um fingimento ou de uma impostura. Não há
dúvida de que estamos diante de um amor inventado para fazer poesia.
Neste sentido, o amor cortês é produto de um artifício com a palavra.
Desventuras, sofrimentos, tormentos e desencontros tecem as tra-
mas de um amor que deve se apresentar como impossível. Logo, o
objeto amado só pode comparecer como inacessível. O poeta-trova-
dor, no lugar de amante, se coloca a serviço de sua amada, suplicando
não seu amor mas compaixão para sua dor. A mulher amada, tal
como o senhor feudal, além de vassalagem e fidelidade, exige um
tratamento especial que a coloque no lugar de soberana absoluta,
cultuada com delicadeza, afeto e admiração. Ou seja, que o amante
seja um cavalheiro.
Interessante observar que o lugar que é dado à mulher na poesia
é radicalmente diferente do lugar que lhe era reservado na sociedade
medieval. Esta dissonância não apontaria para o fato de que o amor
cortês revela o que está em jogo no amor? Não é o amor uma ficção
que se apresenta com valor de verdade para quem ama? Se o amor
cortês é sinônimo de amor impossível, trata-se de um amor que colo-
ca em cena o que a psicanálise considera o paradoxo do próprio amor:
quem ama experimenta alguma coisa da ordem da falta e quem é
amado não tem o que falta ao amante.
Psicanálise e Nosso Tempo
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