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Amor cortês II

O que é o verdadeiro amor

Nadiá Paulo Ferreira

Ressaltei a diferença de tratamento dos homens em relação às

mulheres, na Idade Média. No social, reduzidas à função da mater-

nidade, as mulheres ficavam subjugadas ao poder do homem, desde

o nascimento até a morte. Na poesia, sob a pena do poeta, a mulher

se transfigurava na Dama, à qual o trovador dedicaria seu amor,

sua vida, seus pensamentos, enfim, todo o sentido de sua existência.

Nesta época, estava reservado às mulheres o papel social de

filhas ou esposas. Como filhas, tinham um valor de troca a ser ne-

gociado no Contrato de Casamento. Como esposas, tinham a mes-

ma função que as fêmeas no reino animal: a reprodução da espécie.

O lugar recusado às mulheres no social é substituído pelo lugar que

será dado à Mulher na poesia.

Literalmente a serviço do Amor, o trovador iniciava uma batalha

que tinha como estratégia o segredo, a fidelidade, a humildade, a

idolatria e a inibição do sexual. A coisa amada só podia ser represen-

tada como enigma sem decifração assim como o amor exigia do amante

a privação, o luto e a frustração.



As relações entre amante e amada se inscreviam na privação,

porque o amor cortês se sustentava na renúncia do objeto amado.

Conseqüentemente, o luto, como estado de sofrimento permanente

— “coita” —, levava o trovador a desejar a morte, o que se

convencionou chamar, nos estudos literários, de “morrer-de-amor”.

Da privação, passa-se à frustração. O amante, por se encontrar à
deriva do desejo da Dama, lhe atribui uma onipotência máxima, o

que faz com que a Mulher amada seja tomada como objeto do seu

desejo e não como um objeto que lhe causa desejo. Deste lugar,

advém a frustração, sob a forma da recusa de um Bem. Amar,

então, se torna sinônimo de servir ao Amor e de suplicar compai-

xão. A Dama se transforma em símbolo de uma ausência e o que

é amado é o próprio amor. É neste sentido que Jacques Lacan

afirma que o amor cortês é o verdadeiro amor.




Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues

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