Melanie Klein III
Tratamento entra nos trilhos
Nadiá Paulo Ferreira
Dick chega ao consultório, Melanie Klein pega dois trens de
tamanhos diferentes e diz “Trem- papai” (para o grande) e “Trem-
Dick” (para o pequeno). O menino responde “Estação”. A partir
daí, trava-se o seguinte diálogo:
M.K. — Está escuro dentro da mamãe. Dick está dentro da
mamãe-escura. Dick — A ama? A ama? M.K. — A ama vem
logo. Dick — A ama vem logo.
Na próxima sessão, Dick corre da sala em direção ao vestíbu-
lo, que estava escuro, encontra o pequeno trem e insiste em deixá-
lo ali. Em seguida, pergunta a Melanie Klein: — “A ama vem
vindo?” Na sessão seguinte, repete o que tinha feito na sessão
anterior e, depois de se esconder atrás de uma cômoda, cheio de
angústia pronuncia pela primeira vez o nome de Melanie Klein,
chamando-a. A partir daí, se desencadeia o tratamento.
Não há dúvida de que a intervenção desta psicanalista provoca
uma virada, criando, assim, as condições para o início de um trata-
mento analítico. Depois de seu ato, vem a reflexão, onde irá desen-
volver uma teoria sobre a estrutura da subjetividade, na qual o ima-
ginário antecede o simbólico. A causa da inibição do desenvolvi-
mento de Dick está no fracasso dos mecanismos primitivos do ego.
A função mais arcaica do ego é a produção de um imaginário, de-
senvolvendo fantasias sádicas de devoração em relação ao corpo da
mãe. A não constituição deste imaginário impediu a formação de
símbolos, desencadeando uma incapacidade para tolerar a angústia
e para estabelecer uma relação com a exterioridade que o cerca.
Se o ego não pôde ser utilizado como instrumento para a
estruturação do mundo exterior, tudo se apresenta como indife-
rente e indistinto, fazendo com que Dick não responda e não faça
nenhum apelo. Veremos, no próximo artigo, como Lacan irá se
contrapor à interpretação de Melanie Klein, apontando para o fato
de que não houve nenhum fracasso do ego, porque, simplesmente,
ele não foi constituído.
Psicanálise e Nosso Tempo
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