Melanie Klein IV
Excesso de realidade
Nadiá Paulo Ferreira
Para Melanie Klein, como vimos, nos artigos anteriores, Dick
estabeleceu uma relação “excessivamente real com a realidade”,
porque o desenvolvimento precoce de seu ego fez com que fosse
interrompida a constituição de seu imaginário (fantasias), o que
afetou não só as suas relações com o mundo exterior, mas também
impossibilitou-o de simbolizar.
Lacan, indagando-se sobre o que significa essa relação “ex-
cessivamente real com a realidade”, afirma que o ego de Dick não
pôde ser utilizado “de forma válida como aparelho na estruturação
desse mundo exterior” (Seminário 1, Os Escritos Técnicos de
Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 106), simplesmente, porque
não estava constituído. O simbólico — mundo da palavra — não
foi introduzido. E, conseqüentemente, não poderia haver nem uma
organização do imaginário nem uma constituição do real, introdu-
zindo a falta pela via do não. Justamente por isto, tudo para Dick é
igualmente real e indiferente (caráter uniforme da realidade).
Para Melanie Klein, os objetos fazem parte de um jogo ima-
ginário, que se organiza por expulsão, introjeção, projeção e ab-
sorção. É preciso lembrar que, para Lacan, a projeção é um meca-
nismo do ego, portanto da ordem do registro imaginário, cujo re-
gime é o da relação dual, da relação de especularidade. Já a
introjeção é um mecanismo do superego, pertencendo à ordem do
registro simbólico. Neste sentido, introjeção deve ser definida como
a incorporação de palavras. Assim, em vez de um imaginário cons-
tituído, o que vamos encontrar é um esboço de “imaginificação”
do mundo exterior, já que Dick tem alguma coisa de linguagem e
dispõe de um número reduzido de signos para exprimir o dentro e
o fora, o continente e o conteúdo.
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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