Melanie Klein VII
Convocado para o reino da palavra
Nadiá Paulo Ferreira
Finalizando a série de artigos sobre Melanie Klein e o caso
Dick, vamos tecer algumas considerações. Para Lacan, não há
dúvida de que esta psicanalista enfia simbolismo “com a maior
brutalidade no pequeno Dick” (Seminário 1, Os escritos técnicos
de Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 83). A leitura de Lacan,
discordando da interpretação kleiniana, tem como ponto de parti-
da, como já vimos, a precedência do simbólico sobre o imaginá-
rio. Não podemos esquecer que, logo depois da morte de Freud,
passou a vigorar uma prática clínica que se baseava na teoria do
ego. Acreditava-se que existia um imaginário já estruturado, que
precisava ser trabalhado em uma análise para que se desencade-
asse a proliferação de identificações simbólicas.
A prática clínica de Melanie Klein não pode ser dissociada de
sua construção teórica. A brutalidade a que se refere Lacan está
diretamente articulada à noção kleiniana de ego, que confunde duas
estruturas, radicalmente, diferentes: a estrutura do sujeito e a estru-
tura do ego. Justamente em função desse equívoco, a grande contri-
buição da psicanalista, para a prática clínica com crianças, se situa
no lado do sujeito e não no do ego.
As intervenções de Melanie Klein, no tratamento de Dick, in-
troduziram essa criança no simbólico, o que possibilitou a consti-
tuição do seu eu e, portanto, a estruturação do seu imaginário.
Dick, que era um sujeito imerso no real, recebeu uma injeção de
simbólico. A partir desta inscrição no simbólico, Dick poderá vir
a se constituir como um sujeito, humanizando-se. Dick é convoca-
do para existir no reino da palavra e para iniciar sua viagem pelo
mundo. Dick se torna um ser de linguagem e, como tal, terá como
destino uma aprendizagem que se tece fio por fio na trama do
desejo que se sustenta em uma falta radical.
Psicanálise e Nosso Tempo
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