Nostalgia do progresso
Cláudio de Sá Capuano
Certa vez escutei um comentário de uma senhora bastante
idosa e humilde que me levou imediatamente ao riso. Vendo um
gato e um cachorro juntos, remexendo um saco de lixo, ela, muito
admirada, disse:
– O mundo está mesmo mudado. Veja só isso! Antigamente um
cachorro não podia ver uma gato que era uma briga danada...
Tempos depois lembrei-me dela, quando vi um garotinho de
uns três anos de idade acenando eufórico para dois policiais dentro
de uma rádio-patrulha, como se eles fossem a encarnação de super-
heróis. Na época em que ainda se dizia rádio-patrulha, patrulhinha
ou joaninha e elas ainda eram pintadas de preto e branco, as crian-
ças morriam de medo não só de policiais, mas também de soldados
e talvez até de bombeiros! Senti-me, em parte, como a velhinha
vendo a cena do cão e do gato. Sinto o mesmo quando ouço os
idosos dizerem que, hoje em dia, as crianças já nascem de olho
aberto, quando antigamente levavam muito tempo, depois de nasci-
dos, com os olhos fechados.
Observando esse final de século, podemos claramente perce-
ber que não são as transformações mais óbvias que se operaram no
dia-a-dia do cidadão comum o que houve de mais característico no
século XX. Com certeza, é a velocidade das mudanças que mais
nos impressiona. As pessoas que nasceram no primeiro quartel do
século não apenas viram, por exemplo, o surgimento do automóvel,
mas a sua súbita difusão a partir da década de 50, acompanhada de
um bárbaro aumento da velocidade que podem alcançar. Isto já ha-
via sido prenunciado no final do século XIX, quando do surgimento
do bonde elétrico que atropelava transeuntes desatentos pela falta
do costume de se depararem subitamente, ao virar uma esquina,
com um veículo tão inusitado e veloz.
Em pouquíssimos anos, vemos surgir a nossa volta uma série de
facilidades que o avanço da tecnologia nos proporciona com uma
velocidade tal que o homem, seja ele letrado ou não, muitas vezes não
consegue sequer acompanhar. É fácil constatar isso quando vemos os
idosos de hoje subindo as escadas convencionais de um shopping,
enquanto os jovens utilizam a escada rolante, projetada justamente
para poupar os mais velhos. Quando o assunto são as caixas eletrôni-
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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cas dos bancos, o choque entre o velho e o novo é ainda mais gritante,
como constata prontamente a fila de jovens impacientes.
Mas os velhos de hoje, que muitas vezes rejeitam um mínimo do
que a evolução tecnológica pode oferecer, formam um grupo que
aos poucos vai desaparecendo. Os idosos de amanhã são hoje crian-
ças que na sua maioria tomam contato muito cedo com boa parte do
que o progresso tecnológico tem a oferecer. Tento imaginar que sen-
sação o próximo século deixará nos idosos dos seu últimos anos. Os
idosos, nossos netos ou bisnetos, os velhos do final do século XXI.
Psicanálise e Nosso Tempo
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