Língua Portuguesa vira balcão de bobagens
Darcília Simões
Aproveitando a lacuna deixada pelos governos, o comércio
entra em cena e faz um gol: a população teenager, vestibulanda,
passa a ser atendida em língua portuguesa no mesmo balcão onde
compra fast food. Assim a multinacional e o professor de português
passam na prova da boa política.
Isto está acontecendo no Brasil. Uma notável agência comercial
estrangeira entrou a vender sanduíches de língua portuguesa e, de caro-
na, a gestar um novo astro: o professor de português e hambúrguer.
Não discutimos aqui o investimento na divulgação de fatos
gramaticais, no entanto, na qualidade de especialista não só no ver-
náculo mas também em metodologia do ensino de línguas, questio-
namos a impropriedade da forma como tais fatos são veiculados.
Num estágio em que a ciência lingüística e a teoria da variação
vêm promovendo a discussão do “erro” e do “acerto” em língua, o
professor da moda, o do Mc Donald’s, repudia formas como alavancar,
acessar, otimizar (cf. O Globo, 2º caderno - 31-10-97- fl. 1), as quais
comprovam não só a dinâmica da língua mas, sobretudo, a produtivi-
dade do sufixo -ar na vernaculização dos empréstimos lingüísticos.
Este mesmo docente admite o aportuguesamento de hamburguer
e ensina a pluralizar o termo em hambúrgueres. Será casuísmo
lingüístico ou trauma anti-tecnológico. No meio dessa onda, quem
sai perdendo é o consumidor de sanduíches gramaticais que vai con-
tinuar espalhando por aí que a Língua Portuguesa é muito difícil,
pois tem mais exceções que regra.
Outra incoerência: “Falar corretamente não é frescura de quem
não tem o que fazer. Há muita hipocrisia nessa coisa de deixar a
língua de lado” (sic). Os termos que grifamos não cabem no dizer de
alguém que prega a norma culta, pois são usos em sentido gírio: fres-
cura tomado como requinte desnecessário é coisa como hiperônimo
(ou vicário) de mania, hábito etc.
Apesar de concordar com o “co1ega” quanto à falta de domí-
nio do vernáculo por parte de letrados (?) diplomados (até douto-
res), não creio que “consertar” letras de música ou propagandas de
TV seja a solução para um domínio eficiente da norma padrão do
português no Brasil. Pode ser, entretanto, uma saída para uma
melhoria salarial, pois no desespero da baixa remuneração é bastante
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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válido que um docente, após 20 anos de exercício profissional, decida
tornar-se um camelô (ou marreteiro, como se diz em Sampa) dos
fatos gramaticais, seguindo a moda de comercia1izarem-se mercado-
rias exóticas tais como bichos de estimação eletrônicos (os tamagoshis).
Help: dicionário de português? Sabe-se que há grandes equí-
vocos neste país, onde uma sem-terra - promovida a sem-roupa -
torna-se estrela de comerciais e de TV; onde o ridículo vende milha-
res de discos; onde o fumo é combatido com propagandas de cigar-
ro cada dia mais atraentes. E pasmem! Intitula-se Help o mais novo
dicionário de Língua Portuguesa. Em suma: é a terra do absurdo ou
o paraíso do non sense.
Na trilha desse festival de “loucuras”, lembramos declaração
do ex-presidente e acadêmico José Sarney para a Rainha dos Baixi-
nhos, quando do lançamento do Dixionário da Xuxa: “Você é a
melhor professora do Brasil!”
E ficamos num impasse entre duas correntes: por um lado, um
programa de TV leva sua apresentadora a receber o laurel de a
melhor professora do Brasil; por outro, um professor contratado
para vender fast food, em venda casada com informações sobre o
idioma nacional, ganha espaço na mídia como nunca o tiveram per-
sonalidades notáveis do porte de Ingedore Koch, Magda Soares
Becker, Walmírio Macedo e outros respeitáveis mestres conhecidos
internacionalmente no âmbito do ensino e da pesquisa.
Concluímos, então, que os conceitos correntes de “professor”,
“ensino”, enfim, “domínio idiomático”. carecem de revisão urgente,
caso contrário, Shakespeare que nos perdoe a horrível paráfrase: há
algo de podre no “reino” brasilis.
Aproveitamos este episódio de merchandising do português e da
figura do professor para fazer uma pergunta a um interlocutor muito
especial: Professor Fernando Henrique, quando é que o magistério na-
cional vai ser remunerado dignamente (sem precisar vender hambúr-
gueres, por exemplo)? Pois só com uma escola eficiente os brasileiros
que apóiam o Plano Real saberiam defender-se sozinhos das propagan-
das, já que estariam realmente preparados para o exercício da cidada-
nia, não acha?
Psicanálise e Nosso Tempo
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