O cantador de embolada
Iremar Maciel de Brito
Na feira de Campina Grande, um cantador de embolada impro-
visava seus versos, colorindo o espaço entre uma estrofe e outra com
os sons ritmados do pandeiro. Deliciava uma platéia de homens com
a história da primeira noite de um rapaz virgem na zona. Sua poesia,
da qual não restou registro, pois fugiu com o tempo, era semelhante à
de Leandro Gomes de Barros, em “ O peso de uma mulher”: “O
rapaz vê uma moça / Fica por ela encantado / Sedutora e feiticeira /
Que parece um sonho dourado / Os lábios parecem mel, / Mas tem a
taça de fel / No mundo do coração, / O homem passa e não vê /
Depois vem se arrepender / Porém já está na prisão.”
A narrativa, à medida que prosseguia, ficava cada vez mais pi-
cante, até chegar ao clímax de indecência, quando o rapaz era agarra-
do por um bando de prostitutas. Mas, muitas vezes, acontecia algo
inesperado, impedindo a conclusão da história: uma senhora respeitá-
vel, acompanhada da filha menina, aproximava-se para ouvir o
cantador. O artista, sem pensar nem pestanejar, mudava o mote: co-
meçava a louvar os milagres de Nossa Senhora, cantando a conver-
são de um herege diante da imagem da santa que chorava com pena
daquela alma perdida. Assim deixava de glosar o mote da prostituta
para gozar o da Virgem Maria, mudando o tom da cantoria da sátira
licenciosa para o lirismo edificante. E, nessa viagem, carregava o
público consigo, transformando o desenho do sorriso na face da seri-
edade, abrindo as portas da emoção e fazendo a alma sangrar de dor.
O cantador de embolada é antes de tudo um jogador que brinca com
as palavras e as emoções, ocupando um espaço do ludismo na alma
popular ao mesmo tempo em que se transforma em porta-voz de suas
idéias, sejam elas licenciosas ou edificantes. É, por isso mesmo, espe-
lho e reflexo dos homens do seu tempo, como o foram seus antepassa-
dos medievais com suas cantigas de amor e suas sátiras corrosivas nas
cantigas de maldizer.
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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