A identidade revigorada dos galegos
Maria do Amparo Tavares Maleval
Olhade a Galiza erguerse
paseniñamente
de tódolos supricios.
Construíndo,
antre o desamparo e a inxuria,
o propio universo.
(Luís Seoane)
Até há bem pouco, entre nós pouco se sabia sobre os galegos.
Mesmo nos meios intelectuais, as referências quase que se restringiam
ao passado medieval, em que se notabilizaram como poetas, então cha-
mados trovadores, que, juntamente com os portugueses e outros povos
ibéricos ou das adjacências, se expressavam em galego (ou galego-
português). Por volta do século XII, as peregrinações a Santiago de
Compostela, hoje capital da Galiza, atingiram o seu apogeu, o qual
certamente contribuiu para o prestígio da língua, tornada koiné literária
do Trovadorismo, e que alcançaria o seu ápice no século seguinte.
A acadêmica Nélida Piñon, de ascendência galega, muito con-
tribuiu para divulgar, através das suas narrativas ficcionais, outro
movimento histórico desse povo, desta vez contrário ao medieval,
já que concernente à sua diáspora. Através do inesquecível perso-
nagem Madruga, de A República dos Sonhos, fixa-se o drama dos
que partem “ao encontro de uma terra arrastando a memória da
outra”. Também outros escritores, galegos ou descendentes, evo-
cam no Rio as rias ancestrais, como Reynaldo Valinho Alvarez,
Domingo González Cruz ou Gonzalo Armán.
Mas o que é um galego para o comum das pessoas no Brasil?...
Aurélio registra, em seu Dicionário, ao lado de “natural ou habitante
da Galiza”- região situada a noroeste da Península Ibérica, perten-
cente ao reino de Espanha -, outras acepções, como “estrangeiro, sem
distinção de nacionalidade” ou “indivíduo louro” - acepções nordesti-
nas -; e ainda uma das alcunhas pejorativas do português.
No entanto, o galego não é um estrangeiro qualquer, muito
menos um português depreciado. Os galegos tiveram, sim, uma pro-
funda crise de identidade, que os atingiu naquilo que um povo tem
de mais definidor - a língua própria. Desde a unificação da Espanha
Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues
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pelos Reis Católicos, nos fins do século XV, fora relegada à comu-
nicação oral, à desprestigiada condição de “fala de labregos”, isto
é, de rudes campesinos. Ressurge como língua literária, escrita, no
século XIX, na poesia de Rosalía de Castro, Curros Enríquez e
Eduardo Pondal. Juntamente com todos os demais componentes da
identificação desse povo, é novamente abafada pela ditadura de
Franco, a partir de 1936. Mas novamente ressurge das cinzas, qual
fênix, para o que muito contribuíram os emigrados, que lutaram no
exílio - principalmente em Cuba e na Argentina - por dotar a terra-
mãe inclusive de símbolos próprios, como a bandeira e o hino.
Hoje, solucionados os problemas econômicos e políticos cau-
sadores da diáspora, podemos identificar os galegos não apenas
como um povo trabalhador e hospitaleiro, mas um povo que tem
uma língua oficialmente reconhecida, falada e escrita a par do
castelhano na Comunidade Autônoma da Galiza, dotada de cultura
própria e rica, dentro do mosaico cultural que é atualmente a
Espanha. Além do mais, a capital compostelana vem readquirindo
o seu prestígio religioso e místico, sendo muitos os que têm percor-
rido o Caminho de Santiago e registrado em livros a sua experiên-
cia, dos quais o exemplo mais assombroso é, sem dúvida, Paulo
Coelho, campeão internacional de vendas. Porque, diríamos para
concluir, com o poeta galego Miguel Anxo Fernán-Vello, “o camiño
é un silencio na alma como un vidro, / delicada substancia de sécu-
los e olvido / frente à morte que foxe desta luz entrañada, / deste
mar, desta terra, deste regreso à vida”.
Psicanálise e Nosso Tempo
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