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Quando o psicanalista fala



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Quando o psicanalista fala...

Marco Antonio Coutinho Jorge

O psicanalista é tradicionalmente visto como aquele que ouve,

ouve, ouve... mas não fala. Uma certa caricatura do psicanalista,

disseminada em nossa cultura, é a de um sujeito quase em estado de

mutismo. Mas o psicanalista não é mudo e, sim, permanece muitas

vezes calado, o que são coisas bastante diferentes — e isso se deve

ao fato de que ele precisa poder escutar muito para chegar a ter

alguma coisa a dizer. Pois a palavra do psicanalista é uma palavra

perpassada pelo saber inconsciente, que não se dá a conhecer de

uma vez por todas, muito menos de uma hora para outra.



Entretanto, quando o psicanalista fala, ele o faz a partir de um

lugar diferente do discurso comum, denominado por Lacan de dis-

curso corrente. Freqüentemente, a fala do psicanalista expressa al-

guma forma de pontuação do discurso: ela introduz o questionamento

onde se assentam certezas absolutas; afirmações precisas onde só


há confusão; ela vê beleza onde o horror se estampa e presentifica a

falta onde há plenitude... A partir de sua tendência para dialetizar

simbolicamente o tratamento da verdade, se pudéssemos condensá-

la de modo abusivo, diríamos que a fala do psicanalista revela uma

experiência subjetivada de que não há vida sem morte (como no

surpreendente desenho de Ismael Nery, chamado Vida e morte, no

qual um rosto humano é dividido ao meio pelos signos da beleza e

da decomposição...), e que o sujeito está continuamente dilacerado

entre ambas: ora brandindo a chama vital que parece extinguir-se

mas sabe ressurgir subitamente; ora apontando para o deserto quando

a festa parece se esquecer do galope inelutável da finitude.

Dito de outro modo, e em termos teóricos lacanianos, o psicana-

lista opera no simbólico fazendo a dialetização entre a plenitude ima-

ginária e o vazio real: vê-se porque na tripartição estrutural RSI, o

simbólico está situado precisamente entre o real e o imaginário... No


Nadiá P. Ferreira & Marina M. Rodrigues

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simbólico não há vazio ou pleno, mas sim vazio e pleno. É assim que,

quando o psicanalista fala, surge sempre algo inesperado que, por um

lado, pode espantar nosso senso comum, mas, por outro, pode trazer

um salutar apaziguamento íntimo.



Nestes brevíssimos e selecionados artigos, Nadiá Paulo Ferreira

consegue estabelecer um verdadeiro diálogo com o leitor (aliás, bem

à maneira como Freud costumava fazer), um diálogo cuja caracterís-

tica primordial é a de que os temas surgem a partir do dia-a-dia que o

próprio leitor está vivendo: o leitor se reconhece naquelas questões e

acompanha seu texto como se ela falasse dele próprio. (Assim como

o sultão Schariar é levado a ouvir Scherazade posto que, nas maravi-

lhosas histórias que contava nas mil e uma noites, era da tradição

dele que ela falava...)

Captando os eventos desse mundo complexo no qual estamos

mergulhados e muitas vezes, por isso mesmo, sem condições de exer-

cer nosso discernimento, o texto de Nadiá aborda constantemente o

problema da segregação das mulheres e das minorias, o logro embu-

tido nos ideais aprisionantes (como os da ciência), que só afastam o

sujeito de si mesmo numa busca desenfreada de algo ilusório.

Assim é que, quando o psicanalista fala, tomam a palavra sujeitos

sufocados e marginalizados milenarmente pela exclusão e pelo racis-

mo... pelo abandono e pela violência... Aqui, o estilo de Nadiá revela

uma surpresa para o leitor, pois ela consegue em poucas linhas recor-

tar temas pungentes a partir da visão psicanalítica e trazer inúmeros

ensinamentos pontuais. Relembro que, para Lacan, a psicanálise é
uma prática puntiforme, seu esclarecimento interpretativo incide sem-

pre sobre determinados pontos e jamais de forma generalizante...



Como a palavra do psicanalista é uma palavra preciosa, fruto de

uma escuta e de uma elaboração que ele tem do mundo no qual vive,

quando o psicanalista fala devemos escutá-lo... E escutar a fala, ao

mesmo tempo incisiva e poética, de Nadiá Paulo Ferreira é algo que

enriquece nossa forma de abordar os problemas da contemporaneidade.




Psicanálise e Nosso Tempo

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